Que rir é o melhor remédio para quebrar o gelo em ambientes tensos já todos o sabemos. E que tem efeitos positivos na saúde ou ainda que contribui para estreitar os laços sociais, também já desconfiávamos. O que pode surpreender é o seu poder para melhorar a aprendizagem numa sala de aula ou para estimular o pensamento criativo entre estudantes e colegas de trabalho. O humor não é apenas um talento para provocar um instante de boa disposição. O seu efeito é muito mais profundo, duradouro e com imensas aplicações no dia-a-dia.
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Na educação, então, deveria ser até alvo de uma política transversal a todos os níveis de ensino, tendo em conta as vantagens. O que vale é que aquele tutor austero, carrancudo e castigador já passou à história. A relação de proximidade entre professor e aluno é agora a corrente pedagógica dominante. É o único trunfo para agarrar as mentes que se dispersaram na velocidade das tecnologias. Só mesmo a empatia será capaz de reconquistar não apenas os estudantes dos ensinos básico e secundário, como também os universitários. O nível de atenção numa sala de aula é muito influenciado pelos sentimentos que um professor desperta num aluno. E é neste sentido que o humor tem um peso central para uma aprendizagem eficaz.
O humor – diz William Strean, da Universidade de Alberta, nos Estados Unidos – é o caminho mais rápido para os estudantes absorverem e reterem toda a informação despejada numa aula de 45 minutos. Mas não se trata apenas de dizer umas graçolas. O humor passa também por saber contar uma história, trabalhar o movimento físico, as expressões faciais ou ainda criar atividades lúdicas. A leitura de um texto divertido, o jogo ou a dança, por exemplo, são fórmulas já testadas para criar ambientes descontraídos, desviar a atenção de possíveis problemas e afastar as emoções negativas que prejudicam a aprendizagem.
O riso e a criatividade
O que William Strean defende nem é tão distante do que muitos outros investigadores também já sugeriram. O humor permite criar conexões cerebrais que estimulam o pensamento criativo. Os estudos mais recentes mostram que umas boas gargalhadas numa reunião de trabalho, por exemplo, ajudam os colaboradores a encontrar soluções criativas, facilitando a associação de ideias e momentos de maior inspiração.
Karuna Subramaniam descobriu, aliás, que a probabilidade de uma pessoa resolver um jogo de associação de palavras – teste padrão para avaliar níveis de criatividade – foi superior entre os voluntários que assistiram a uma comédia, deixando para trás aqueles que viram um filme de terror. O pior desempenho ficou para os azarados que tiveram de assistir a uma palestra sobre eletrónica quântica.
Barry Kudrowitz obteve resultados semelhantes ao sujeitar estudantes, designers de produto e comediantes de stand up comedy a testes de humor. Foram precisamente estes últimos que, não só trouxeram mais ideias, como também as mais criativas. O estudo conclui que boa parte dos exercícios usados no treino de comediantes poderia ser adaptada para gerar ideias entre os designers de produtos. Ao recorrer aos jogos utilizados na formação de comediantes, as sessões com estes profissionais promoveram a associação do pensamento e trouxeram mais 37% de novas ideias em reuniões de brainstorming.
Parece não restar dúvidas sobre a eficácia do humor. Boa parte do segredo está nas conexões cerebrais que Karuna Subramaniam encontrou nas ressonâncias magnéticas dos voluntários. Quando acontecem aqueles momentos de epifania, há um aumento de atividade no chamado córtex cingulado anterior. É justamente essa zona que está envolvida na regulação da atenção e na solução de problemas. Os mais bem-humorados foram também aqueles que mostraram uma maior atividade nessa região do cérebro enquanto estavam a resolver os jogos de palavras. Por oposição, quem assistiu ao «Shining», o clássico filme de terror de Stanley Kubrick, demonstrou maior nível de ansiedade, que se refletiu numa atividade mais baixa nessa região do córtex e, consequentemente, menos criatividade na resolução dos quebra-cabeças.
Os percursos sinuosos do humor
Para o cérebro, criatividade e capacidades intelectuais são conceitos distintos. O raciocínio – aptidão para processar tudo o que acontece à nossa volta – está muito distante da habilidade para organizar de formas inovadoras esses mesmos acontecimentos. Rex Jun, neuropsicólogo da Universidade do Novo México, nos Estados Unidos, diz que, nas tarefas intelectuais, as redes neuronais traçam percursos mais diretos e lineares. Mas esses caminhos tornam-se sinuosos e ramificados quando em causa estão trabalhos criativos.
São duas metodologias que o cérebro recorre para desempenhar diferentes funções, mas nunca ocorrem em simultâneo. Sempre que há um desafio criativo pela frente, o cérebro suspende o processo neuronal usado para ler e interpretar o mundo e ativa temporariamente os circuitos que permitem partir em busca de soluções para os problemas que temos de resolver.
O que estas investigações demonstram, no fundo, é que é possível não só ensinar como também treinar a criatividade com métodos e exercícios usados seja por comediantes, seja por todos aqueles que abusam do humor no dia-a-dia. E há muita coisa que parece resultar, como já se viu, desde jogos, filmes de comédia, momentos de descontração, meditação, desporto ou que resultar com cada um. Truques simples, mas que nem de longe refletem a complexidade que há por detrás de uma risada dada com gosto.
A viagem de uma gargalhada
Uma gargalhada pode parecer algo espontâneo para nós, mas para o cérebro é uma das respostas mais complexas, obrigando-o a trabalhar de alto a baixo e da esquerda para a direita. Se tivéssemos de acompanhar o seu percurso, teríamos de começar pelo hemisfério esquerdo, responsável por processar as palavras. Passaríamos a grande velocidade para o lobo frontal, chegando ao hemisfério direito e desencadeando um pico de atividade no lobo occipital. À medida que o cérebro interioriza a piada, aumentam as ondas delta, responsáveis por provocar um sentimento de recompensa e felicidade que, por fim, fazem explodir o riso.
O que acontece nas respostas emocionais é tristemente monótono quando comparado com o processo humorístico. Enquanto o riso implica uma verdadeira travessia pelas várias regiões do cérebro, as respostas emocionais ficam confinadas a áreas muito específicas. Mas há uma boa razão para o riso ser uma resposta do cérebro tão abrangente.
A sua função é essencial para estreitar relações não só entre amigos, mas também entre colegas da mesma equipa que precisam encontrar saídas para os desafios diários. O riso é uma espécie de vínculo social, tal como é o canto para os pássaros. Mas a sua utilidade não é apenas gerar ideias e soluções pragmáticas ou criativas para a nossa vida. O humor perde todo o sentido se lhe retirarem o contacto humano. E só ganha significado quando estabelece conexões entre as pessoas.
Doses diárias de criancice
Melhor ainda, o humor é o que consegue resistir ao tempo sem perder qualidades, dizem os especialistas. O nosso cérebro à medida que envelhece vai perdendo a capacidade de cumprir tarefas intelectuais. Mas, em contrapartida, a nossa capacidade para a criatividade e para o riso melhoram com a idade. Basta que para isso contrariemos essa nossa trágica vocação para inibir o riso quando entramos na vida adulta.
Uma criança, de acordo com a ciência, é capaz de rir 400 vezes por dia. Os adultos riem cerca de 15 vezes, número ainda muito distante das 30 risadas diárias recomendadas pelos especialistas. É urgente, por isso, não menosprezar a importância de soltar umas boas gargalhadas todos os dias.