#Brincadeiras em tempos de coronavírus

Pais em casa com mais tempo para os filhos está entre as coisas boas deste isolamento. Bastará percorrer o Instagram para descobrir, nos hashtags #playathome e #brincaremcasa, crianças felizes com os brinquedos simples que construíram com os papás. A imaginação para reciclar rolos de papel higiénico, algodão, botões, molas, tampinhas, fios de lã, folhas secas, massinhas ou cascas de ovos é o que tem permitido às famílias contar todos os dias uma nova história. São essas as histórias que nos vão curar desta pandemia.

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Que um dia este coronavírus será matéria-prima para livros, filmes e peças de teatro, ninguém dúvida. O que não falta é literatura por esse Ocidente fora a estender o seu enredo por muitas pandemias reais ou ficcionadas. Desde a «Ilíada» (século VIII a.C.) de Homero – com a passagem de uma praga pela ilha grega de Troia. Passando pelo «Último Homem» (1826) -, o romance apocalíptico da britânica Mary Shelley -, que segue a vida do único sobrevivente de uma praga devastadora. Até à «Dança da Morte» (1978) -, do americano Stephen King -, a percorrer o planeta dizimado por uma grande peste na década de 1980.

Dos muitos livros, estes e tantos outros, que já mergulharam no tema, Decameron (1353), do Italiano Giovanni Boccaccio (1313 – 1375), será aquele que mais apetecerá tirar agora da estante. Há algo naquelas sete raparigas e três rapazes a fazer lembrar os dias deste confinamento. Refugiados numa vila afastada de Florença para fugir à peste negra, sobra-lhes tempo e imaginação para sobreviver ao isolamento. A cada dia que chega, um deles contará uma história para entreter todos os outros. E assim surgem os 100 contos que fizeram desta obra um dos grandes clássicos da literatura.

#ImaginarParaCriar

Dentro dos apartamentos, também a imaginação é o principal recurso de pais e educadores para proteger os filhos dos traumas que este vírus transporta. Cada dia que passa é uma página de um livro – do nosso livro. E cada brincadeira que agora se inventa é um conto que, mais do que entretenimento, é a cura para este isolamento.

Há milhões de crianças fechadas em casa, é verdade, mas esta pandemia, assim como as anteriores, podem também ser vistas como uma figura de geometrias variáveis. Tal como a literatura, já agora. Quantos romances, contos e novelas não enclausuraram os seus personagens em naves espaciais, barcos, sótãos ou vilas para fazer com que o pior e o melhor da humanidade viessem ao de cima?

#CriançasFelizes; #AdultosTambém

Poderíamos ver estes dias pelo prisma do pessimismo ou do otimismo. Mas não se trata propriamente de uma escolha. Há alturas mais difíceis em que será complicado desviar o foco das incertezas que atrapalham o sono e o futuro. E alturas em que o teletrabalho e a telescola esgotam o tempo e a paciência.

Mas, há também estes momentos entre família que vão durar muito para além deste isolamento. Pais em casa com tempo para os filhos está, provavelmente, no top 10 das coisas boas desta pandemia. Haverá, de certeza, muita gente a concordar com esse prisma. Bastará percorrer o Instagram para descobrir, nos hashtags #playathome e #brincaremcasa, centenas de crianças felizes com o tempo que ganharam dos pais e educadores.

E se fossem só as crianças…. Há por aí muitos adultos a usar as brincadeiras dos filhos como pretexto para regressar à infância. Lambuzam-se de ovos e açúcar na cozinha, chapinham com elas em tijelas e alguidares, sujam-se de tintas, farinha e areia, constroem castelos, labirintos, grutas ou pistas de carros, mascaram-se de mochos, crocodilos ou de cavaleiros, vestem-se de cientistas, exploradores, marinheiros e travam batalhas de espuma com os miúdos.

Tudo dentro de casa – nunca é demais repetir – e com o que há à mão: rolos de papel higiénico, bagos de arroz, algodão, botões, molas de roupa, paus de gelado, legumes, trapos, tampinhas, fios de lã, folhas secas, massinhas, tachos, embalagens de leite, copos descartáveis ou caixas de ovos. Esse é o poder da imaginação que, ao longo desta quarentena, tem permitido crianças e adultos contarem todos os dias uma nova história.

#MateriasPrimas

É com um orgulho desavergonhado que os papás babados mostram as obras de arte dos filhotes nas redes sociais. Algumas dessas peças são tão espetaculares que não há como não desconfiar que os miúdos tiveram a cumplicidade deles. Pouco importa para o caso. Ou melhor, é o que mais importa. A pandemia irá passar, mas esses são os dias que vão ficar.

E, agora, senhoras e senhores, meninos e meninas, abrimos a galeria de arte para mostrar o espólio mais valioso deste isolamento social.

OrgulhoBabado

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Este artigo faz parte do lote de textos escritos para estes tempos de pandemia e que inclui:

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