Deixemos o silêncio banir o ruído das nossas vidas

O mundo é um lugar barulhento. Música no carro, nos cafés e nas lojas de pronto-a-vestir, toques de mensagens a pingar no telemóvel, trânsito, buzinas e sirenes, aviões, televisão e a rádio sempre ligados, obras no prédio do vizinho…. Desliguem tudo por um bocadinho, por favor. Não se preocupem, o risco de deixar escapar algo importante é mínimo. Muito maiores são os benefícios do silêncio. Confiram a seguir se é ou não verdade.

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Para começo de conversa, o silêncio ajuda o cérebro a regenerar. Até há pouco tempo, acreditava-se que os neurónios eram incapazes de se renovarem. Essa ideia está agora ultrapassada. Só não se sabe ainda o que provoca a regeneração, mas um dos gatilhos mais promissores é justamente o silêncio.

Os investigadores alemães do Centro para Terapias Regenerativas, em Dresden, concluíram que duas horas sem barulho por dia é o suficiente para, a médio prazo, a massa cinzenta ganhar nova vida. A experiência foi feita com ratinhos, que após submetidos ao silêncio absoluto, registaram um crescimento no número de células no hipocampo – região que regula as emoções, a memória e a aprendizagem. O estudo permitiu ainda verificar que as novas células entraram progressivamente no sistema nervoso central, especializando-se nas mais variadas funções.

Decisões relaxadas

Gatudo | CC BY 2.0

Não é de agora esse otimismo que os cientistas depositam no poder do silêncio. A investigação conduzida pela Universidade de Pavia, Itália, demonstrou que dois minutos de sossego são mais eficazes do que ouvir música relaxante. Esse é o tempo que o corpo precisa para diminuir a pressão sanguínea, deixando-nos mais tranquilos, mas também mais atentos ao que se passa no mundo exterior.

É no silêncio que melhor processamos informações, fortalecemos a memória, melhoramos a aprendizagem e tomamos também as decisões mais ponderadas. E tudo isso acontece porque o cérebro tem uma rede padrão que se ativa quando estamos relaxados. É esta intrincada teia que se encarrega de ir ligando aqueles cabos que permitem resolver problemas, aumentando até a probabilidade de virmos a ter alguns lampejos de epifania ao mostrar um novo ângulo para um velho obstáculo.

Os investigadores da Universidade de Harvard concluíram que esta rede é ativada de uma forma particular nos momentos de introspeção – no silêncio e de olhos fechados. Mas, tal como é fácil ativá-la, também não é preciso muito para quebrar a corrente – qualquer estímulo vindo do exterior é suficiente para desligá-la.

O elogio da caminhada sem rumo

A melhor maneira de lidar com todo esse barulho a contaminar as cidades é mergulhar diariamente no silêncio. Essa é a proposta do sociólogo e antropólogo francês David Le Breton, autor do livro O Elogio da Caminhada. Mais do que um hábito de higiene, é uma forma de resistência às agressões exteriores, diz ele, procurando mostrar que, enquanto o silêncio nos torna conscientes do nosso interior, o ruído elimina a possibilidade de diálogo e dispersa os sentidos para o que é mais supérfluo.

O silêncio – defende Breton – permite-nos tomar consciência de que há experiências que a linguagem nunca poderá alcançar. É, no fundo, o que nos distancia do ruído, o que nos possibilita andar sobre as nuvens e atravessar imunes aos barulhos que acontecem à nossa volta.

E se a meditação é a porta que se abre para o nosso interior, a caminhada também estende uma estrada para comunicar com o silêncio. Deambular sem destino e com o único propósito de tomarmos consciência do corpo, da respiração. Tanto faz se o percurso é pela natureza ou pelas ruas da cidade. Desde que seja uma caminhada sem rumo, sem entrar nas lojas, nos cafés ou nos centros comerciais. Caminhar, apenas, sem consumir nem gastar dinheiro.

O ruído que não se ouve

Gatudo | CC BY 2.0

Deixar o ruído dominar o nosso dia-a-dia tem consequências perigosas, segundo os cientistas. A poluição sonora liberta o cortisol, a hormona responsável por fazer disparar os níveis de stress e aumentar a pressão arterial. Demasiado barulho tem, aliás, um impacto profundo nas habilidades cognitivas das crianças e adolescentes.

É isso que demonstram os vários estudos centrados nos efeitos dos ruídos de aviões, do trânsito ou de comboios na população infantil a viver junto de aeroportos, estações ferroviárias ou autoestradas movimentadas. A poluição sonora foi apontada nesses casos como a grande responsável por baixar os seus índices de leitura e de desenvolvimento da linguagem.

O mais perturbador é a facilidade com que elas se habituaram ao ruído, ao ponto de se sentirem desconfortáveis no silêncio. É esta a consequência mais gravosa de um quotidiano completamente preenchido pelo barulho. A diferença entre crianças e adultos é que elas ainda não amadureceram as defesas para lidar com todos esses estímulos externos.

Só há vantagens em ensinar os mais novos a descobrir o prazer de uma boa solidão. E, ao educar as crianças, são os adultos que também aprendem a tirar o melhor partido de um recurso que – é bom lembrar – está à distância de um botão. Click! Já está! 😉

 

Aqui fica mais uma sugestão de leitura que poderá gostar: «O Toque mágico das relações humanas».

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Ilustrações 1 e 3Gatudo/CC BY 2.0 

 

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