Há bebés que estão sempre a sorrir, bebés que choram por tudo e por nada ou bebés caladinhos e pouco dados às brincadeiras com os outros. São traços de personalidade presentes desde o nascimento, mas não são imutáveis. Saber reconhecer que tipo de criança se tem lá em casa é meio caminho para saber lidar com elas.
Umas mais doces, outras mais rebeldes, cada criança tem o seu feitio, que se revela logo nos primeiros dias. Nas últimas décadas, vários estudos foram feitos para entender e saber lidar com essas diferenças. Alexander Thomas e a mulher Stella Chess, psiquiatras infantis da New York University School of Medicine, são os autores da primeira grande investigação de longa duração sobre o temperamento de bebés e crianças. O estudo estendeu-se entre 1956 e 1988 e ainda hoje é um clássico, servindo de instrumento para os especialistas da primeira infância.
O casal acompanhou o desenvolvimento de 133 bebés e crianças ao longo de 30 anos. Apesar de concluírem que o temperamento é parte da personalidade com que se nasce, acreditam também não ser algo imutável, dependendo de fatores sociais e, sobretudo, da personalidade dos pais e da forma como eles lidam com os filhos. Ao observarem crianças de 2 e 6 meses e ainda de 1, 5 e 10 anos, Alexander e Stella identificaram nove categorias de temperamento presentes no nascimento.
[label]ATIVIDADE[/label]Nível de movimento físico durante atividades como dormir, comer, brincar ou tomar banho.
[label]RITMO [/label]Previsibilidade ou imprevisibilidade nos padrões de sono ou de alimentação.
[label]AVANÇO OU RECUO[/label] A resposta negativa ou positiva da criança perante uma nova situação.
[label]ADAPTAÇÃO[/label] Dificuldade ou facilidade na adaptação de circunstâncias desconhecidas ou alteradas.
[label]RESPOSTA[/label] Quantidade de estímulos necessários para provocar uma resposta como risos, medo ou irritação.
[label]REAÇÃO[/label] Baixa ou alta energia na reação aos estímulos.
[label]HUMOR[/label] Normalmente feliz e agradável ou infeliz e desagradável.
[label]ATENÇÃO[/label] Facilidade com que a atenção é desviada de uma tarefa por estímulos externos.
[label]PERSISTÊNCIA[/label] O tempo em que uma criança persiste numa determinada atividade (atenção), apesar da dificuldade e das interrupções (persistência).
São essas categorias que permitiram agrupar as crianças em três grandes perfis. A pontuação obtida para cada um desses traços classifica-as como «fáceis», «difíceis» ou de «aquecimento lento». Estes três perfis representam 75% da população estudada, outros 25% mostraram uma mistura de traços que resultaram em perfis mais difíceis de arrumar numa única categoria.
[label type=”success”]FÁCIL[/label] Apresenta ciclos regulares de sono e de alimentação, recetividade positiva perante novas situações e capacidade para aceitar pequenas frustrações sem fazer grande alarido. Adapta-se relativamente bem a mudanças/experiências como novos alimentos ou nova escola. Por regra, é bem-humorada e sorri com facilidade. A maioria dos problemas surge perante situações que exigiam respostas inconsistentes com o que aprendeu em casa. De resto, é descontraída, ativa, não se irritando com facilidade. De acordo com o estudo, este perfil representa cerca de 40% das crianças.
[label type=”warning”]ALERTA[/label] Não dando muito trabalho, pode ser facilmente negligenciada, recebendo pouca atenção dos pais porque os outros filhos exigem mais vigilância. Será preciso perceber que ela também necessita de acompanhamento, correndo o risco de passar longos períodos sozinha, com muito tempo frente à televisão ou com pouco tempo com os pais.
[label type=”success”]DIFÍCIL[/label] Revela ciclos irregulares de alimentação ou de sono. Geralmente reage negativamente a novas situações. Tende a chorar com frequência ou a ter ataques de birra quando está frustrada. Tudo o que é novo – alimentos, pessoas, experiências – não é aceite de imediato. Por regra, precisa de tempo para se acostumar às surpresas. Quando pressionada a se envolver numa situação, demonstra abertamente a recusa, podendo até exibir um comportamento agressivo. Boa parte dos problemas está relacionada com padrões de socialização expectáveis pela família, pela escola ou pelos coleguinhas. Este perfil foi observado em cerca de 10% das crianças.
[label type=”warning”]ALERTA[/label] Cuidar de um bebé ou de uma criança difícil é cansativo, exigindo dos pais vigilância e cuidado muito mais apurados. Contudo, essa atenção será a chave para abrir caminho a um futuro mais tranquilo e equilibrado do filho. Os bebés com temperamentos difíceis reagem mais à qualidade da parentalidade do que os bebés fáceis. E isto pode ser muito bom ou muito mau. Ao crescerem bem acompanhadas pelos pais, as crianças ajustam-se melhor, tanto no plano escolar como social, do que as crianças fáceis. Mas se o apoio e a respostas dos pais não corresponderem às suas necessidades, esse caminho permanecerá difícil.
[label type=”success”]AQUECIMENTO LENTO[/label] Resiste a novas situações / pessoas / experiências / alimentos, mas habitua-se lentamente a elas após alguma insistência. A resistência não é sempre muito explícita e estridente, podendo manifestar-se de forma moderada. As rotinas biológicas são regulares e os problemas variam consoante outras características de personalidade. O ritmo de atividade é baixo, tende a rejeitar logo os novos estímulos e a revelar humores ligeiramente negativos. Ela precisa de muito tempo de transição entre uma e outra atividade para aceitar a mudança. Pode começar a andar tardiamente e, geralmente, só arrisca depois de estudar muito bem o terreno onde vai pisar. No estudo de Alexander e Stella, representa 15% da população estudada.
[label type=”warning”]ALERTA[/label] A atenção dos pais deverá estar centrada sobretudo em proteger a criança das críticas muito severas e da exposição a situações que a possa embaraçar. Esta criança precisa do seu tempo para processar as mudanças, não pode, por exemplo, ser apressada para se vestir depressa ou sentar-se ao colo do Pai Natal quando já se percebeu que aquelas barbas brancas despertam mais desconfiança do que curiosidade.
Este tópico só fica completo com a leitura de:
Diz-me que tipo de criança és e dir-te-ei como serás
Os nomes moldam a personalidade ou é tudo uma treta?
ilustrações: Charles Kingsley e William Heath, «The water-babies: a fairy tale for a land-baby» (1915), Kingsley, Charles e Robinson, W. Heath (William Heath, Houghton Mifflin (Boston)
Fontes consultadas: EarlychildhoodNews| WebMD| psychpage.com| Acamedia.info| Parenting for Brain| CDM