Um quilo pesa um quilo, um metro mede um metro e um litro é um litro. Que raio de perguntas! Pois, está certo, ninguém diz o contrário, mas e se quisesse? O que o Bicho-que-Morde quer saber é por que não é mais ou menos e porque estas e não outras medidas. Ah, isso é uma outra história, uma história com mais de 200 anos, que começa assim…

Mais coisa, menos coisa, quilo, metro e litro são o que são desde 1789, quando, a mando do rei de França, Luís XVI, um grupo de cientistas da Academia Francesa de Ciências ficou incumbido de achar medidas iguais para toda a gente. Para acabar com os abusos e a confusão de cada um usar o que bem entendesse, foram criadas duas comissões, uma para determinar pesos e volumes e outra para definir comprimentos e larguras.

O primeiro grupo, que incluiu Antoine Lavoisier, o pai da química moderna, estipulou primeiramente o que deveria ser 1 litro – a quantidade líquida (volume ou capacidade) que cabe num cubo com 10 centímetros em cada um dos lados –, um decímetro cúbico (dm3), portanto. Resolvida que estava a questão, passou-se para o quilo, que seria nada menos do que 1 litro de água congelada.

Ao segundo grupo, liderado pelo astrónomo Jaques Cassini, coube a tarefa mais demorada: medir a distância do Equador ao Polo Norte, através do meridiano que passa por Paris. Feitos os cálculos, decidiram que 1 metro corresponderia a uma distância ínfima do percurso que vai de um ponto ao outro (décima milionésima parte).

Entretanto, veio a Revolução Francesa. O povo, farto de ver o clero e a nobreza a viver à grande e à francesa, saiu à rua com ganas de se vingar da miserável vida que levava.

Muitas cabeças rolaram, nem a do rei nem a de Lavoisier escaparam. Mas o governo revolucionário decidiu, ainda assim, manter o essencial dos trabalhos das comissões científicas da academia.

As medidas internacionais

 As medidas da academia francesa foram adotadas por quase todos os países do mundo. 

Tiveram de passar, no entanto, cinco décadas até o seu uso no comércio e nas construções se tornasse obrigatório em todo o país, em 1840. O novo método foi, a pouco e pouco, sendo adotado em quase todo o mundo. Hoje, os únicos a não fazerem parte deste clube são a Libéria, Mianmar e ainda as ex-colónias inglesas da Jamaica, da Gâmbia e do Malawi.

No Reino Unido, embora o sistema internacional de unidades seja obrigatório no comércio, na saúde, na segurança e na administração, o modelo imperial (milhas, polegadas ou pés, entre outras) é ainda bastante comum no dia-a-dia.

O mesmo acontece, aliás, nos Estados Unidos e, apesar de o sistema internacional ser recomendado desde 1959, é muito pouco usado. Em Portugal, por exemplo, passou a vigorar em exclusivo um século antes, em junho de 1859.

As medidas da academia francesa mantiveram-se até 1889, quando ficou demonstrado que o grau de pureza faz variar o peso da água e que os polos da Terra são achatados.

As descobertas obrigaram a retirar 1/4 de milímetro ao metro e a construir também um cilindro e uma barra composta por 90% de platina e 10% de irídio – metais resistentes à oxidação e à deformação – para manter inalteráveis tanto o quilo como o metro.

É no Bureau International des Poids et Mesures (Departamento Internacional de Pesos e Medidas), em Paris, que estão guardados os exemplares originais, mas, ao longo das últimas décadas, tanto o quilo como o metro foram sofrendo transformações.

Em 1960 – ano em que o modelo francês foi adotado como Sistema Internacional de Medidas (SI) –, os cientistas concluíram que seria pouco fiável manter o metro oficial isolado numa espécie de redoma, dado que a Terra está sempre a mudar. Passaram a usar como referência o comprimento de onda da luz emitida pelo gás criptónio das lâmpadas fluorescentes. E, duas décadas mais tarde, em 1983, o metro passou a ser definido pela velocidade da luz.

O pé do rei como medida

 As primeiras medidas tiveram partes do corpo humano como referência – a polegada, o pé, o palmo ou os dedos. 

Mais recentemente, em 2010, foi a vez de introduzir mudanças nas condições de conservação do quilo. Os investigadores ficaram espantados ao ver que o peso, apesar de todas as preocupações para o conservar intacto, tinha emagrecido. Substituíram, por isso, o cilindro de platina por uma esfera de silício, ainda mais resistente.

Pode até ser que, no futuro, surjam outras alterações nos protótipos, mas será pouco provável que este sistema seja substituído por outro radicalmente diferente. Levou muito tempo a fazer com que todos aceitassem utilizar as mesmas medidas e os mesmos pesos.

Desde a Antiguidade, usou-se de tudo um pouco para achar o peso e a medida das coisas. De tudo não, que as primeiras medidas, por exemplo, tiveram quase sempre partes do corpo humano como referência – a polegada, o pé, o palmo ou os dedos.

Usar o próprio corpo como padrão de medida tornou-se pouco eficaz, já que havia dedos grandes e pequenos, homens altos e baixos, braços mais compridos ou mais curtos.

E ainda que se tentasse definir tamanhos fixos, como foi o caso do pé real, de cada vez que morria um monarca e um outro ocupava o seu lugar, era uma dor de cabeça mudar o pé padrão e todas as outras unidades derivadas daí.

E, como tal, da próxima vez que levarmos para casa um quilo de laranjas, 1 litro de leite ou meio metro de tecido, já sabemos que são o que são porque foram precisos séculos até se chegar a um entendimento entre todos. O pacto é, antes de mais, um dos fundamentos da justiça social. Hoje ninguém mais aceita dois pesos e duas medidas. Queremos todos ser tratados por igual, certo?

Ken foi o único a tentar mudar as medidas da América

A história de Ken Butcher dava um filme de Hollywood. Era um funcionário exemplar, com um futuro promissor, mas acabou sozinho num escritório vazio e silencioso durante anos a fio. Em 1975, o presidente Gerald Ford atribuiu-lhe uma importante missão: fazer com que os americanos esquecessem o galão e começassem a usar, no dia-a-dia, o litro e outras unidades do sistema internacional.

A tarefa era ambiciosa, mas os Estados Unidos não podiam adiar por mais tempo uma medida adotada por praticamente todos os países do mundo. Deram-lhe um departamento federal para chefiar e um projeto-piloto para coordenar no estado da Virgínia Ocidental, o primeiro a servir de modelo para todos os outros. O Programa Métrico dos Estados Unidos, contudo, não foi longe.

A primeira tentativa para abrir um posto de gasolina preparado para converter galões em litros foi tão atribulada que tiveram de o fechar logo a seguir.

Todos os outros concorrentes desataram a criticar a iniciativa, dizendo que os consumidores estavam a ser enganados nos preços e nas quantidades. Um grandíssimo disparate! Naturalmente que um galão é maior (1 galão = 3,79 litros), mas, por isso mesmo, o litro do combustível era mais barato.

O certo é que os automobilistas ficaram impressionados com a diferença de preços, fazendo filas para abasteceram o carro naquele novo posto. O que poderia ter sido um bom impulso para fazer a mudança acabou por ser um fiasco.

Para os donos das gasolineiras, o que estava em causa não eram as contas bem ou mal feitas, mas a falta de vontade em mudar de sistema. E nem sequer estavam interessados que a medida pudesse vir a beneficiar as trocas comerciais dos EUA com o resto do mundo. O governo cedeu e ficou tudo como estava.

Um fiasco que dura até hoje

 Durante anos, Butcher foi o único funcionário de um departamento federal sem dinheiro nem ajudantes. 

Em 1982, a administração do presidente Ronald Reagan achou que o programa estava a desperdiçar tempo e recursos para uma medida tão pouco popular entre os americanos e dispensou quase toda a gente do escritório federal. Só ficou Ken Butcher. Durante mais de duas décadas, ele trabalhou sozinho e, sem ajudantes nem dinheiro, a sua função ficou reduzida a contar o número de entidades que aderia ao sistema internacional, que era praticamente nenhuma.

Nos últimos anos, Butcher trabalhou com mais um colega num departamento do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia, a pouco menos de 30 minutos da Casa Branca, em Washington. Ambos promoveram o sistema internacional em escolas ou em conferências, mas a conversão das medidas continua a ser um projeto adiado, sabe-se lá até quando.

Muito do insucesso é atribuído às teorias da conspiração que circularam, na década de 1980, sobre supostas tentativas da antiga União Soviética em tentar enfraquecer a economia dos EUA. Há também quem acredite que o orgulho americano em querer manter algo só deles contribuiu muito para o programa não vingar. O medo e os custos desta mudança também não ajudaram nada.

Mitos e má-vontade

 Teorias da conspiração, orgulho americano e medo contribuíram para o programa fracassar. 

Tudo isso teve, certamente, o seu peso, mas este programa não teve qualquer hipótese ainda antes sequer de existir. Ao contrário do que aconteceu noutros países, o sistema internacional nunca foi obrigatório nos Estados Unidos.

Em 1875, Portugal e Estados Unidos estiveram entre os 17 primeiros países a oficializar o sistema internacional. Só que, nos EUA, os acordos internacionais precisam ser validados no Congresso e, neste caso em particular, isso nunca aconteceu. Estas unidades de medida até já eram permitidas, mas os americanos estavam habituados ao sistema imperial britânico e, a não ser que fossem obrigados, não iam mudar um milímetro.

Quando, um século mais tarde, o presidente Gerald Ford decidiu, em 1975, transformar em lei o Ato de Conversão Métrica, de nada adiantou, porque a norma era só para quem quisesse adotá-la voluntariamente.

Se não é obrigatório, ninguém cumpre

 Só obrigados é que os americanos deixariam os velhos hábitos, o que nunca aconteceu. 

Ora, quem é que está disposto a alterar rotinas assim do pé para mão? A mudança, muitas vezes, não acontece por vontade própria. Por alguma razão são as leis que obrigam as pessoas a deixarem de lado os velhos hábitos. Mas nem as leis conseguem mudar as coisas de um dia para o outro. Como é o caso do Reino Unido, que é uma espécie de meio-termo. Ou seja, para umas coisas vale o sistema internacional, mas para outras é o sistema imperial que reina.

O governo, as escolas e faculdades, a indústria e o comércio adotaram as unidades métricas, mas as medidas de velocidade, distância e volume (nas bebidas) ainda usam oficialmente o sistema imperial. A adaptação tem sido muito lenta, mas as gerações mais novas têm mostrado, por outro lado, uma maior abertura ao sistema métrico. É o que revelam, pelo menos, os inquéritos mais recentes feitos às populações mais jovens. É, portanto, uma questão de tempo e de paciência.

Fontes consultadas: The Gist | FlatOut | Mental Floss | Wikipédia (1) | Wikipédia (2) |