O invisível poder dos amigos imaginários

Quem são, de onde vêm e porque aparecem? Os amigos imaginários contam-lhe tudo, mas com uma condição: deixem-nos à solta para brincar sempre que os seus filhos quiserem. Os seres invisíveis que vivem na imaginação das crianças são uma ferramenta extra para aguçarem a criatividade, aperfeiçoarem a comunicação ou lidarem com momentos de stress ou solidão. São, portanto, amigos para as horas boas e más. E se isso não é verdadeira amizade, então tudo o resto é fantasia.

 

 

Guardar um lugar vazio na mesa do jantar para o amiguinho invisível do seu filho pode parecer um bocadinho creepy, mas está longe de ser motivo para alarme. Já lá vão os tempos em que se julgava ser sinal de problema sério. Os estudos das primeiras décadas do século 20 advertiam para possíveis indícios de desajuste social, doença mental ou incapacidade de distinguir a fantasia da realidade. As investigações mais recentes mostram que estas criaturas são muito mais do que fiéis companheiros de crianças solitárias.

Os amigos imaginários são, afinal, verdadeiros amigos, desafiando as crianças a irem mais além nas suas capacidades intelectuais e emocionais. Com eles, os miúdos tornam-se criativos, aprendem a estruturar o pensamento, a comunicar melhor ou a aperfeiçoarem as suas habilidades na linguagem oral.

São eles que ensinam a lidar com o stress, momentos de transição ou de solidão. As personagens inventadas pelas crianças têm não só variadas funções como também aparências distintas. As maneiras para interagir com amigos imaginários são catalogadas pelos psicólogos como «dramatização elaborada». Isso acontece quando a criança encarna o papel do interlocutor -, assumindo as falas de ambos -, atribui uma personalidade a bonecos e objetos ou ainda ao assumir identidades muitas vezes inspiradas em heróis de livros e/ou filmes.

 

Da primeira à última visita

 

Marjorie Taylor, psicóloga e investigadora na Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, tem estudado este tema a fundo e, numa investigação feita em 2014, concluiu que cerca de 37% das crianças ainda têm amigos imaginários aos sete anos. Nessas idades, já elas estão mais do que familiarizadas com estas criaturas. Os companheiros invisíveis começam a aparecer por volta dos quatro anos, tornam-se bastante comuns aos sete e desaparecem aos 12 anos, quando já fizeram tudo o que tinham a fazer.

E fazer tudo é, para início de conversa, ajudá-las a desenvolver as suas habilidades narrativas. Gabriel Trionfi e Elaine Reese, da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, estudaram, em 2009, a capacidade linguística de 48 rapazes e raparigas com cinco anos e meio – 23 deles com amigos imaginários.

Os testes incluíram histórias reais e inventadas, contadas por elas, e os resultados sugeriram que quem brincava com os amigos invisíveis tinha recursos linguísticos mais avançados. Não é que houvesse grandes diferenças no vocabulário, mas antes mais riqueza nos detalhes, através de uma maior quantidade de informação, como, por exemplo, a hora ou o lugar em que as narrativas se desenrolavam.

As investigadoras não sabem ainda como os amigos imaginários e as habilidades narrativas estão relacionados, mas uma das hipóteses é a de estas crianças estarem mais habituadas do que as outras a contarem histórias, não só quando falam com eles como quando criam aventuras a pedido dos pais.

As evidências deste estudo são ainda preliminares e, por enquanto, insuficientes para aconselhar os adultos a encorajar as crianças a terem amigos imaginários. Em vez disso, se ela já arranjou um companheiro invisível, pais e professores podem propiciar condições para essa fantasia continuar a crescer.

 

Mais habilidosos a falar, a ler e a escrever

 

 

Saber contar uma história não é apenas puro entretenimento para pais e filhos. A habilidade é o que mais tarde lhe vai permitir uma maior compreensão na leitura e na escrita quando entrarem na escola. Foi isso que a equipa de Terry Griffin, da Manhattanville College, em Nova Iorque, constatou, em 2004, ao estudar as relações entre a linguagem oral das crianças e sua posterior habilidade na leitura e na escrita. Os investigadores examinaram as capacidades linguísticas de 32 crianças aos 5 anos e voltaram a avaliar as suas habilidades quando completaram oito anos.

E foram justamente as que já apresentavam uma oralidade mais desenvolvida que melhores resultados obtiveram tanto na compreensão da leitura como como na capacidade para ler, interpretar e escrever. Ao se expressaram melhor, as crianças acabam também por comunicar melhor com os outros. Essa faceta apresenta-se bem desenvolvida em crianças com amigos imaginários porque se habituaram a inventar os dois lados da mesma história. Ao conversarem com os seus companheiros fictícios, elas não só simulam o que o outro está a dizer como aprendem a comunicar o que elas próprias querem transmitir.

Esta foi uma das conclusões do estudo feito em 2009 com 44 crianças de quatro, cinco e seis anos. Depois de espiolharem a vida íntima de dragões, tomates ou batatas falantes, a parceria entre investigadores da Universidade La Trobe, na Austrália, e do centro Max Planck Child Study, no Reino Unido, permitiu ainda constatar que elas sabem distinguir perfeitamente um amigo inventado de um amigo de carne e osso.

 

Criatividade que perdura

 

O facto de o real e a fantasia estarem bem separados não significa que estas crianças não sejam criativas. Pelo contrário, diz Marjorie Taylor que no seu estudo verificou pontuações mais altas nos índices de criatividade entre as crianças de quatro e cinco anos com amigos imaginários. Não é a única nem a primeira a concluir isso.

A aptidão para introduzir personagens fictícias no quotidiano ou inventar histórias rebuscadas já levou outros investigadores a suspeitar que essas crianças são altamente criativas. Um outro estudo publicado em 2009 sugere que as interações com criaturas inventadas são indícios de criatividade que se manifestam mais tarde na adolescência.

Outra investigação sueca também encontrou uma correlação entre criatividade e crianças do ensino primário que alimentam amizades fictícias. E houve até quem estudasse a relação entre escritores e atores de ficção científica, descobrindo que uma parte significativa teve amigos imaginários na infância.

Embora os estudos sugiram que as crianças com companheiros imaginários sejam altamente criativas, Marjorie Taylor avisa que isso não significa que todas as crianças inteligentes as criem. O que existe é uma grande probabilidade de virem a desenvolver um pensamento mais elaborado que as ajuda a desempenhar tarefas intelectuais complexas, tais como planear a solução de problemas.

A investigação conduzida na Universidade de Durham, Inglaterra, descobriu que os amigos invisíveis, ao incentivarem as crianças a falarem com elas próprias, contribuem para estruturar o seu pensamento. E é a partir dos sete anos que elas convertem esses diálogos solitários em pensamentos que se vão tornando cada vez mais elaborados.

 

Amigos para todas as horas

 

Mais extraordinário ainda é que os amigos fictícios não são apenas invenções de crianças com as capacidades sociais plenamente desenvolvidas. O estudo conduzido em 2018 por Paige Davis, da Universidade de Huddersfield, no Reino Unido, confirma que as crianças diagnosticadas com autismo são capazes de brincar com companheiros saídos da sua imaginação.

Entre os 215 inquéritos feitos aos pais, os cientistas descobriram criaturas invisíveis que dormem numa cama de bolhas ao lado da criança, um ninja a viver no esgoto ou simplesmente um colega de escola invisível que aparece sempre que a criança precisa de um amigo. Embora sejam menos frequentes e surjam em idades mais avançadas, é a prova de que os investigadores precisavam para defender mais investigações na esperança que estes amigos possam vir a entrar em novas terapias.

Mais do que uma simples brincadeira, os amigos imaginários estão presentes nos bons e nos maus momentos, desafiando as crianças para novas aventuras, mas também oferecendo conforto em situações de stress ou de solidão. Lawrence Kutner, psicólogo clínico da Escola Médica de Harvard, nos Estados Unidos, explica que eles são especialmente úteis em momentos de transição, como o primeiro dia de escola, o divórcio dos pais ou ainda para lidar com problemas muito concretos, como o medo da escuridão.

São pau para toda a obra, oferecem um ombro solidário quando as crianças se sentem sozinhas, são obedientes quando elas precisam de mandar em alguém e nunca atraiçoam, mesmo quando levam com as culpas das travessuras que correm mal.

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