Mudar as cidades pelo bem das crianças

Urban 95 é um kit básico da Fundação Bernard Von Leer com ideias capazes de transformar as cidades em lugares mais humanizados para as crianças. São propostas simples e com custos baixos, que podem ser replicadas em qualquer canto do mundo. O propósito é convidar comunidades, escolas, associações, autarcas, pais, professores e todos os educadores a debater e a encontrar as melhores soluções para as suas cidades.

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Imagine que só tem 95 cm de altura – a estatura média de uma criança de três anos – e está sozinho na cidade, viajando nos transportes públicos, entrando nas lojas, subindo e descendo escadas ou atravessando estradas e ruas movimentadas. O que mudaria? Essa é a pergunta que o Urban 95 faz a arquitetos, designers, autarcas ou urbanistas de várias partes do mundo.

Com as respostas que recebe de volta, a equipa por detrás deste projeto seleciona as ideias que podem ser usadas em qualquer bairro, rua ou praceta de uma cidade da Europa, da Ásia, de África ou das Américas. A Fundação Bernard Von Leer, sediada na Holanda, lançou esta iniciativa em 2016 e, depois de recolher centenas de propostas, publicou o primeiro kit básico Urban 95 – Ideias para Ação. Trata-se de um manual para decisores políticos, associações, escolas ou comunidades de bairro. E serve como ponto de partida para construir cidades com menos trânsito e pobreza, com melhor qualidade de ar e serviços públicos ou com mais espaços verdes, limpos e seguros.

Quase metade da população infantil vive hoje nas cidades – mil milhões, de acordo com os dados da Unicef. E o tempo para as brincadeiras é cada vez mais curto – menos 25% do que há quatro décadas, segundo a Academia Americana de Pediatria. Cidades encurraladas no trânsito e atrofiadas em betão, pais stressados e filhos dependentes de aparelhos eletrónicos criaram gerações cada vez mais afastadas do ar livre. Essa é razão suficiente para mudar as nossas cidades e criar condições para os mais novos desenvolverem em pleno as capacidades motoras, físicas e intelectuais.

No fundo, trata-se nada mais do que reinventar os espaços urbanos, permitindo às crianças andarem ao ritmo delas, parando por tudo e por nada, tocando aqui, cheirando ali, brincando com quem se cruza no seu caminho. Será pedir muito? O kit pode ser consultado online, mas não é uma obra acabada. Haverá mais versões atualizadas com os contributos de mais especialistas e também de todos com interesse nestas áreas.

Qualquer pessoa pode acrescentar um contributo para as próximas edições, enviando as sugestões e o contacto para o email [email protected]. Se, porventura, até tem uma ideia que gostava de implementar, a equipa da fundação dá uma ajuda através do mesmo correio eletrónico. O kit está organizado em quatro áreas-chave – espaço público, mobilidade, serviços públicos para a primeira infância e plataformas de recolha de dados. Não é um manual do género faça você mesmo, mas antes o começo de uma boa conversa para originar mais ideias adaptadas às características de cada cidade.

Ao longo de quase 100 páginas, há 29 propostas para as quatro categorias. Fica aqui um cheirinho para aguçar a curiosidade.

Brincadeiras inesperadas em jardins pop up

[note note_color=”#ffffff” text_color=”#111111″ radius=”16″][dropcap style=”flat” size=”1″][/dropcap]  São caixas ou cubos com jogos, livros, cercas, tapetes, insufláveis, brinquedos, mini tanques ou o que se quiser. Podem ser facilmente transportados e montados em qualquer espaço público – na praceta de uma urbanização, no jardim ou no beco de uma rua. Na cidade de Amã, Jordânia, dois arquitetos projetaram módulos empilháveis para as crianças dos campos de refugiados. Em Camberra, Austrália, uma experiência de oito dias num parque pop up, em Garema Place, aumentou em seis vezes o número de crianças a brincar naquele espaço público. O conceito já ganhou muitos adeptos pelo mundo. Há inclusive organizações não governamentais, como a Playground Ideias, que disponibilizam manuais de instruções para qualquer um montar um parque infantil, usando apenas os recursos das comunidades.[/note]

Histórias urbanas em pausas instantâneas

 

[note note_color=”#ffffff” text_color=”#111111″ radius=”16″][dropcap style=”flat” size=”1″][/dropcap] As histórias podem ser disseminadas por murais, instalações e esculturas. Além de embelezar o espaço público podem ser usadas também para promover interações entre adultos e crianças. Como todos os lugares têm as suas histórias, será sempre possível adaptar este conceito ao contexto de cada bairro, rua ou cidade. Em Melbourne, Austrália, esta ideia foi usada para contar a história da comunidade aborígene em várias imagens pintadas num mural.  Na cidade de Acra, Gana, a Fundação Mmofra criou um percurso pedonal com pinturas, jogos, pontos de leitura ou de música, oferecendo uma oportunidade para as crianças de diferentes contextos socioeconómicos interagirem.[/note]

Bilhetes surpresas entre legumes e iogurtes

 

[note note_color=”#ffffff” text_color=”#111111″ radius=”16″][dropcap style=”flat” size=”1″][/dropcap]  Qualquer espaço onde as crianças estão com os pais é uma oportunidade de aprendizagem, um supermercado, uma agência bancária, uma estação de metro ou a sala de espera de um centro de saúde. Nestes lugares e em muitos outros, podem surgir várias mensagens-chave disseminadas em paredes, embalagens, outdoors, entre outros. Na cidade de Tulsa, EUA, sinais e mensagens curtas foram colocados nas secções de laticínios e vegetais dos supermercados, incentivando os pais a iniciarem conversas com os filhos. Um dos bilhetes, por exemplo, incentivava os adultos a perguntar às crianças: “de onde vem o leite?” [/note]

jogar, ler e contar na paragem do autocarro

[note note_color=”#ffffff” text_color=”#111111″ radius=”16″][dropcap style=”flat” size=”1″][/dropcap]  O tempo que um autocarro ou um elétrico demora a chegar é muitas vezes suficiente para jogar, ler ou contar uma história. O Urban Thinkscape, na Filadélfia, EUA, é um projeto que cria oportunidades para brincar em espaços públicos, incluindo paragens de autocarro com puzzles e projeções de histórias animadas nas calçadas. Em Madellín, Colômbia, há rotas seguras para os alunos do pré-escolar dos bairros degradados. As crianças fazem o percurso para as escolas acompanhadas de adultos ao mesmo tempo que jogam, ouvem e tocam música.[/note]

Stop! Rua temporariamente fechada

 

[note note_color=”#ffffff” text_color=”#111111″ radius=”16″][dropcap style=”flat” size=”1″][/dropcap]  Aproveitar feriados e fins-de-semana para fechar as ruas ao trânsito é uma das medidas mais populares, aqui em Portugal e em muitos outros países. Os fechos temporários são muitas vezes usados pelas autarquias como um passo para soluções permanentes que são difíceis de implementar sem o apoio da população. Ruas e estradas vedadas aos carros são excelentes oportunidades para aumentar a qualidade do ar e a segurança, permitindo ao mesmo tempo que crianças, adultos, vizinhos, amigos e desconhecidos possam encontrar espaços de convívio.[/note]

Uma árvore para cada bebé do bairro

[note note_color=”#ffffff” text_color=”#111111″ radius=”16″][dropcap style=”flat” size=”1″][/dropcap] Plantar uma árvore por cada recém-nascido tem não só um valor simbólico como aumenta também a cobertura de espaços verdes em zonas urbanas. A ideia passa por dar prioridade ao bairro onde o bebé nasceu, podendo-se até atribuir o nome das crianças a cada uma das árvores. Em Roterdão, na Holanda, os pais podem «adotar» – ou pagar por – uma árvore após o nascimento do bebé. O programa resultou em uma árvore para cada 100 recém-nascidos, com uma média de 800 árvores por ano. No País de Gales, Reino Unido, uma estratégia de reflorestamento foi iniciada seguindo a sugestão de uma rapariga de 8 anos. Para cada bebé nascido ou adotado, uma árvore é plantada e a criança recebe informações sobre o local exato. O plantio de árvores é feito por alunos das escolas de bairro e utilizado como pretexto para ensinar as crianças sobre técnicas de jardinagem.[/note]

Mapear os lugares mais poluídos

[note note_color=”#ffffff” text_color=”#111111″ radius=”16″][dropcap style=”flat” size=”1″][/dropcap] Intervenções nos locais em que grávidas, crianças e cuidadores passam mais tempo têm um grande potencial. Londres, Reino Unido, começou a introduzir em 2017 algumas medidas para acalmar o tráfego próximo das escolas, a fim de reduzir a exposição das crianças às emissões. Os resultados ainda não foram publicados. No norte de Richmond, Califórnia, EUA, a cidade está a trabalhar para deslocar os camiões a diesel para longe de escolas e áreas residenciais. No Arizona, EUA, os autocarros escolares são obrigados a desligar os motores sempre que chegam a uma paragem.[/note]

Rotas infantis para promover a segurança

 

[note note_color=”#ffffff” text_color=”#111111″ radius=”16″][dropcap style=”flat” size=”1″][/dropcap] São caminhos com pavimentos, passadeiras e sinais de trânsito coloridos ligando áreas residenciais a escolas, parques infantis ou estações/paragens de transportes públicos. O objetivo é não apenas facilitar a mobilidade da criança como igualmente sinalizar esse trajeto como prioritário, alertando automobilistas e agentes da polícia para a necessidade de estar vigilante e adotar comportamentos seguros.[/note]

Atendimento à distância, mas personalizado

 

[note note_color=”#ffffff” text_color=”#111111″ radius=”16″][dropcap style=”flat” size=”1″][/dropcap]  O recurso a tecnologias para criar serviços personalizados está pouco explorado, mas tem a vantagem de alcançar grande escala com custos reduzidos. Em Telavive, Israel, há uma plataforma digital destinada aos pais com informações sobre serviços e atividades próximos das áreas de residência e até partilhas de ideias e boas práticas nos cuidados infantis. Na África do Sul, o ChildConnect usa mensagens de telemóvel para promover um programa de desenvolvimento da linguagem. Os pais recebem três sms por semana com sugestões de atividades para praticar com os bebés e crianças. A mesma lógica é aplicada no programa MumConnect para promover a saúde e bem-estar das grávidas.[/note]

 

Plataformas digitais descarregadas numa app

 

[note note_color=”#ffffff” text_color=”#111111″ radius=”16″][dropcap style=”flat” size=”1″][/dropcap]  Imagine a quantidade de dados sobre população infantil que autarquias, direções regionais ou centrais não usam por estar misturado com a informação geral? Agora imagine o que se poderia fazer se toda essa informação sobre saúde, educação ou infraestruturas estivesse reunida em plataformas digitais prontas a usar. Na cidade de Ontário (Canadá), por exemplo, o Child Wellbeing Dashboard, informa os pais sobre os planos de expansão de redes de creches e jardins de infância para que possam tomar melhores decisões quando arrendam ou compram uma casa. Em Istambul, Turquia, a Fundação de Estudos Económicos e a Universidade Kadir Has desenvolveram um mapa para localizar crianças vulneráveis, usando os preços dos imóveis como referência para os níveis de pobreza. O mapeamento serve para as autarquias saberem onde devem investir mais em políticas de primeira infância.[/note]

 

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