Crianças em casa. Kit de emergência para trabalhar

A melhor combinação para cada família não será encontrada da noite para o dia. Acima de tudo, exigirá paciência. Trabalhar em casa com crianças não é para todos os pais, mas, como nestes tempos é o que há a fazer, arregace as mangas e vamos a isso.

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A esta altura, já todos os pais em regime de teletrabalho sentiram na pele o complicado que é trabalhar com crianças em casa. E a perspetiva de fazê-lo por semanas a fio é especialmente assustadora. É duro, sobretudo para quem tem filhos pequenos a suplicar por atenção a toda a hora. Haverá dias em que estará a fazer as duas coisas, sentindo-se como um ou uma malabarista de olhos vendados.

Não se admire se chegar ao ponto de se trancar na casa de banho para fazer uma chamada enquanto um pequeno ser tenta arrombar a porta, como num filme de terror. Ou que tenha de manter a cara mais respeitável numa videochamada enquanto uma traquina se contorce no chão ou grita da casa de banho que precisa fazer cocó.

A boa notícia é que há estratégias para criar uma rotina de trabalho bem-sucedida.

Mas a notícia assim-assim é que algumas dessas estratégias podem funcionar e outras não. Cada família é diferente, por isso, teste diferentes abordagens, faça as devidas afinações e descubra o que resulta.

 Crie um ambiente de empatia

Trabalhar em casa com os filhos por um período indeterminado é um território desconhecido para a maioria das famílias. Está tudo a descobrir por tentativa e erro o que funciona. As primeiras semanas serão de alguma desorganização, não espere outra coisa. É importante conversar com as crianças sobre o que está a acontecer, usando um discurso adequado para cada idade. Algumas delas são muito novas para perceber e julgam que os pais impõem regras injustas. Explique que estamos todos cuidar da nossa comunidade. E que elas são muito importantes também nessa missão.

Elas são, aliás, os principais ajudantes para que tudo corra bem. Uma boa parte desse trabalho é ficar em casa. E o que cada um tem a fazer não é muito diferente do que a princesa Elsa, dos filmes Frozen, teve também de fazer. Ela também ficou longe da irmã Anna para a manter em segurança. Recordem-lhe como foi obrigada a recolher-se nas montanhas para não prejudicar ninguém com o seu dom de involuntariamente transformar tudo em gelo.

Estabeleça uma rotina logo que possível e cumpra-a todos os dias.

Defina uma rotina para si e para os miúdos. Mantenha o dia a dia da criança o mais previsível e programado possível. Conseguir o equilíbrio entre o tempo agarrado aos ecrãs, as atividades lúdicas e, claro, as tarefas escolares é o mundo perfeito. Como atingir a perfeição é irrealista, fazer o que se pode é o que está ao alcance de cada um.

As manhãs

Dar dispositivos logo pela manhã pode ser uma armadilha, originando brigas e frustrações quando têm de desligar o botão. Pode, em vez disso, fazer um plano de trabalho para que eles saibam o que fazer quando acordam – pequeno-almoço, vestir, sair para a dose diária de vitamina D e um pouquinho de programas infantis na televisão.

Os videojogos podem ficar para o final da tarde. Nessa altura, dê preferência aos que podem ser jogados remotamente com os amigos – como a criação de um reino no Minecraft. Combine com os outros pais uma hora certa para estes momentos. Há quem por estes dias opte por aumentar o tempo dos dispositivos eletrónicos, mas não vejam isso como a salvação, até porque criará hábitos que serão, mais tarde, muito difíceis de desfazer.

Por vezes, é produtivo investir um pouco mais no início para conseguir bons resultados mais tarde. Se puder dar aos filhos 20 ou 30 minutos de tempo de qualidade pela manhã, é provável que consiga depois uma ou duas horas de trabalho sem interrupções. Leia histórias antes de começar a trabalhar, sente-se no chão, jogue ou brinque com eles. Haverá uma boa probabilidade, depois disso, de ficarem entretidos, deixando-o/a fazer o seu trabalho.

Aulas à distância

Os pais não devem esquecer-se de que quem está a ter aulas são os filhos. O adulto em casa é um supervisor. E, como tal, são as crianças que têm de fazer os exercícios e são os professores que têm de corrigi-los. Por mais boa vontade que tenha, não é possível tornar-se professor da noite para o dia. Aproveite o horário da escola para se concentrar sobretudo no seu trabalho.

Repartir as tarefas

O pai e a mãe no mesmo escritório é possível, mas na maioria dos casos só funcionará se for feito por turnos. O trabalho poderá ser organizado com base nos calendários de trabalho de cada um. Quando um estiver numa chamada importante, o outro/a poderá entreter os filhos.

Comunicar

Se o seu parceiro/a está em casa, é essencial que ele ou ela saiba o seu dia para ambos estarem em sintonia sobre expectativas e necessidades de cada um. Imaginemos que tem um deadline apertado para cumprir. Informe-o disso para que possa ser ele ou ela a passar mais tempo com as crianças durante esse período.

Se, por outro lado, tem um dia de trabalho mais leve, ofereça-se para ficar com as crianças e tratar do almoço, permitindo ao seu parceiro ou parceira trabalhar com mais sossego.

Revezar ao dia

Se puderem, experimentem revezar a assistência aos filhos ao dia. Vejam se isso funciona. Os miúdos que estão mais habituados à presença de um podem estranhar ao início. Seja forte e resista à tentação de sair do escritório quando um deles grita por si porque caiu e teve um dói-dói. O seu companheiro ou companheira dará conta do recado.

É importante repartir as responsabilidades para que cada um possa trabalhar com eficiência. Haverá momentos mais relaxados – quando os miúdos estão ocupados com atividades, hora da sesta (para quem tem essa sorte), horas em que é o/a companheiro/a a tomar conta deles. Lembre-se de usar esse tempo com sabedoria, fazendo as coisas que não pode fazer quando as crianças estão por perto.

Videochamadas e videoconferências

Uma placa na porta do escritório a informar a família quando está a atender uma chamada ou numa videoconferência importante pode ser uma boa ideia, especialmente quando essas ligações acontecerem sem aviso prévio. Não é muito diferente do letreiro Aberto-Fechado que os lojistas penduram na maçaneta da porta. Sempre que surgir uma ligação inesperada, vire o sinal de aberto para fechado para que os filhos e o/a companheiro/a saibam que não pode ser interrompido/a. Com alguma persistência, as crianças – até as mais pequenas – aprendem a diferenciar os dois sinais.

Estratégias criativas, contudo, são a melhor forma de passar as mensagens mais rapidamente, quando elas são muito pequenas. Pode usar, por exemplo, um chapéu divertido como um sinal previamente combinado com os filhos para que não o interrompam durante a chamada. E quem diz chapéu, diz capa de super-herói, nariz de palhaço, lançarote ao pescoço e por aí fora, são variações do letreiro à porta que podem vir a ser mais bem-sucedidas.

Ensinar e praticar com os filhos o autocontrolo

Embora sabendo que os pais estão ocupados numa videoconferência ou numa chamada importante, é provável, ainda assim, que os miúdos escolham justamente esse momento para entrar no escritório, gritando pela sua atenção. Mas é possível, com algum treino, ensiná-los a não fazer isso. As crianças aprendem através da repetição, não é por acaso que querem fazer a mesma tarefa ou ler o mesmo livro repetidamente. Use isso a seu favor. Recorra aos jogos de faz-de-conta. Converse sobre o que precisam fazer quando estiver ocupado/a com algo importante. Treine, por exemplo, o que devem fazer quando ouvem o telefone tocar ou quando fecha a porta para uma reunião.

Dê instruções específicas, finja atender uma chamada ou estar numa reunião e veja como reagem. Faça esse exercício repetidas vezes. Elogie e recompense-os quando fizerem o que é certo, e dê orientações gentis quando não o fizerem. Quanto mais praticar, mais depressa irão entender o que se espera deles.

Se achar que ajuda, diga para segurarem a sua mão, desde que fiquem em silêncio, quando estiver a fazer uma chamada. Tente outras abordagens do género e lembre-se que será preciso muita paciência e muita repetição para ensiná-lo. No caso de ter dois ou mais filhos pequenos, é provável que só consiga fazer esse treino com um de cada vez.

O local de trabalho

Com filhos pequenos, há todas as vantagens em montar o «escritório das crianças» no meio da sala de trabalho. Estarão a vigiá-los em permanência, além de passar uma mensagem mais eficaz aos colegas de trabalho, quando esse cenário surgir nas videochamadas.

 

 

Planos de emergência

Construa um kit antitédio para aquelas alturas em que precisa mesmo de terminar uma tarefa. Isso nada mais é do que uma caixinha com vários materiais para os miúdos construírem um projeto ou fazerem uma atividade específica. Não é algo que se improvise de um dia para o outro. Exige algum planeamento, mas, quando estiver concluído, dará para muitas horas/dias de sossego. Não abuse desse recurso: é só para emergências.

Há mil e uma maneiras diferentes de fazer uma caixa antitédio. Experimente, por exemplo, incluir os seguintes itens:

  • Papel colorido, cartolinas e folhas brancas.
  • Canetas, lápis de carvão e coloridos, aguarelas, pastel, pincéis.
  • Cola, fita adesiva, tesoura, fura-papel, fitas adesivas coloridas, ganchos e clipes.
  • Rolos de papel de cozinha, lenços de papel, sacos de papel, caixas e taparuwers pequenos.
  • Pompons, purpurina, palhinhas, escovas, chupa-chupas, caixinha com selos.
  • Caixinha com missangas, joias de plástico, botões, berlindes, círculos de esponja, pedrinhas, conchas, molas de roupa, palitos, fitas, linhas, fios e trapos.
  • Copos de plástico e de papel, pratos de papel, plástico com bolinhas de ar, formas de cupcake, balões, penas, algodão, massinha de sopa crua, rolos vazios de papel higiénico, entre outros.

Após organizar todos esses pequenos objetos, pesquise na internet ideias simples para os seus filhos construírem projetos. Escreva cada projeto num cartão, usando cores apelativas. Faça vários cartões para as crianças terem um baralho com diferentes alternativas. Exemplos: construir um robô ou o seu animal preferido a partir dos materiais disponíveis. Fazer leques de papel, relógios de pulso, moinhos de vento, ratinhos de papel, móbil com corações, flores ou conchinhas, postais com relevo (botões, fios de lã, olhos desenhados e recortados, etc.).

Depois de preparar a caixa, guarde-a em local seguro e use-a com sabedoria para os momentos de emergência.

Intervalos regulares

Os intervalos regulares ao longo do dia podem ajudar a minimizar interrupções. Mesmo quando o companheiro ou a companheira estiver mais tempo com os miúdos, se não fizer pausas regulares e passar algum tempo com eles durante o dia, é muito mais provável que depois entrem no escritório para reivindicar a sua atenção. Bastam 10 ou 15 minutos a cada duas horas para ver o que estão a fazer ou ler uma história. Essas pausas ajudam não só a reduzir as interrupções como a sentirem-se mais conectados com toda a família.

Explicar a situação aos colegas e superiores hierárquicos

Reduzirá a ansiedade e administrará melhor as expectativas de todos, se explicar com honestidade aos colegas e chefes qual é o cenário em casa. Ao fazer isso, ajudará os outros a não apenas entender a situação como a permitir que possam também partilhar situações semelhantes e criar empatia.

Use bem a hora da sesta

Se filhos ainda fazem a sesta, use esse tempo para se concentrar nas tarefas que exigem muita atenção. Programe as chamadas para essa altura e trabalhe em projetos/tarefas mais exigentes enquanto os filhos dormem. Deixe para o fim os trabalhos menos prioritários ou de «baixa intensidade». Não caia na tentação de fazer limpezas e trabalhos domésticos, que podem ser feitos depois do trabalho.

Brincadeiras do silêncio

Se a sesta há muito caiu em desuso, estimule com eles as brincadeiras do silêncio. Coloque numa caixa os brinquedos e objetos para serem usados nos momentos especiais: livros, cadernos de colorir, bonecos e outros que podem e devem ser selecionados com a ajuda dos miúdos. A ideia é brincar com eles unicamente durante aquela hora em que precisam de concentração máxima e como uma forma de substituir o tempo da sesta. Só nessa hora, as crianças brincam com esses objetos especiais. Esse é o segredo para mantê-los interessados nesses brinquedos.

Outra solução de emergência: programar um filme antes de uma chamada ou tarefa importante.

Flexibilidade

Apesar dos seus esforços, haverá dias em que as coisas não vão correr como o planeado. Nesses momentos, a flexibilidade é essencial. Poderá ter de terminar o trabalho depois das crianças irem para a cama ou na manhã seguinte, antes de acordarem.

Escritório separado

Para quem não consegue adaptar-se a um ambiente mais agitado, o indicado é ter um local de trabalho separado para facilitar a concentração. Mas se é o único cuidador das crianças, não convém ficar fechado no escritório. O mais indicado, se calhar, é levar o portátil para o balcão da cozinha ou para uma zona mais resguardada dos miúdos, onde possa trabalhar enquanto vigia as crianças.

Outra opção que poderá funcionar é criar um espaço de trabalho para os filhos com uma mesa adequada ao tamanho deles e material de escritório – canetas, cadernos, furos, fitas, envelopes, revistas e adesivos. Arranje um teclado antigo deixe-os trabalhar na sala consigo. A estratégia não será eficaz ao ponto de conseguir trabalhar todo o dia sem interrupções, mas permitirá ganhar mais tempo do que o esperado, fazendo com que eles se sintam importantes e úteis por conseguirem ajudá-lo no trabalho.

Mais SUGESTÕES para experimentar

  • Estabeleça um espaço livre de crianças.
  • Crie zonas divertidas pela sua casa.
  • Crie uma caixa de perguntas – para as crianças que já sabem ler e escrever – diga para colocarem dentro dessa caixa as perguntas que se lembram de fazer durante o dia. Todas as questões podem ser respondidas à hora do jantar.
  • Crie um menu de atividades divertidas e afixe no frigorífico para as crianças fazerem quando estão aborrecidas (praticar piruetas, cortar o cabelo às bonecas, falar com os avós no FaceTime, apresentar programas de culinária ou telejornais, etc).
  • Atribua tarefas remuneradas aos seus filhos – diga-lhes que tal como o pai e a mãe têm de trabalhar, também eles vão ter «empregos» (adequados à idade deles). São apenas algumas tarefas divertidas ou úteis para os manter ocupados. No final do dia, ganham um salário – estrelas, autocolantes ou cartões, que acumulados durante a semana – ou ao fim de cada dia – podem ser trocados por privilégios como um gelado de fruta, meia-hora extra no Youtube Kids, uma lata de refrigerante, uma noite a dormir com os pais e outros bónus que fogem à rotina.
  • Recompense o bom comportamento.
  • Reivindique algum espaço e tempo para si.
  • Foque-se no que controla e não no que não controla. Respire fundo. E, acima de tudo, não esteja sempre a pensar no modo de trabalho que tinha antes. Isso só dificultará a readaptação.

Algumas SUGESTÕES para pais com bebé de colo

  • Programar as chamadas, reuniões e tarefas exigentes para as horas de sono do bebé.
  • Aproveitar ao máximo as primeiras horas da manhã enquanto o bebé não acorda. E trabalhar igualmente à noite depois de o deitar.
  • Usar plataformas eletrónicas que são possíveis aceder em diferentes dispositivos. Use ferramentas como o Google Docs para que possa passar do computador para o smartphone, no caso de se vir subitamente encurralado nas sestas do seu filho/a.
  • Use com sabedoria os tempos das sonecas, que – no caso deles – têm a vantagem de serem previsíveis.
  • Entretenha-o com bons brinquedos.
  • Seja flexível.

Por fim, não se sintam frustrados ou envergonhados pelas figuras que fizeram ou irão ainda fazer perante os colegas à conta dos filhos. Dificilmente irão superar a atrapalhação de Robert Kelly, o professor de ciência política em direto na BBC News. Reveja o vídeo, console-se e dê umas boas gargalhadas com a desgraça alheia.

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