O feriado escolhido para celebrar o Dia de Portugal é a data em que Luís de Camões morreu, a 10 de Junho. É das poucas coisas que se sabe sobre ele. De resto, não há certezas sobre o ano da morte ou de nascimento. Não é possível dizer em que cidade nasceu, se estudou em Coimbra ou sequer se frequentou a corte. Nem tão pouco podemos afirmar que as ossadas, depositadas no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, são mesmo dele. Resumindo: não sabemos nada, quase nada, sobre o maior poeta português.

Há uma boa razão para tanto desconhecimento sobre a vida de Camões. Não existem documentos, exceto um ou dois papelitos que resistiram para comprovar que andou por aqui, por África e pelo Oriente. Uma das poucas certezas é que o poeta viveu os últimos dias sozinho e sem um tostão no bolso.

Camões morreu como um anónimo. Só muito mais tarde é que o livro «Os Lusíadas» ganhou estatuto de obra nacional e alcançou fama mundial. À medida que os estudiosos se debruçaram sobre essa grande epopeia, foram percebendo que, para além da aventura de Vasco da Gama pelo caminho marítimo da Índia, estão lá todas as inquietações deste povo.

Quem somos? Que missão nos cabe na História? O que esperar do futuro?

O poeta tanto enchia o peito de orgulho pelo país, como levantava a voz e o sobrolho para criticar os defeitos. Foi um típico português. Apaixonado, irrequieto e com uma enorme coragem para partir à aventura, recomeçando do zero noutras paragens. Mas também boémio, gastador e briguento.

Camões nunca quis exaltar somente os grandes feitos. Quis também mostrar os erros para que pudéssemos aprender com eles e avançar rumo ao futuro. Por isso, é o nosso poeta e não podia ser de mais ninguém.

Hoje, neste Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, o Bicho que Morde recolheu os bocadinhos das histórias que já se escreveram sobre o poeta. Muito do que se conta são apenas suposições, mas é o que temos. Esperemos não andar muito longe da sua história

Comecemos, então, pelo:

1 – Poeta aventureiro

Em 1549 (?) Camões terá partido para Ceuta, no norte de África, em busca de melhor sorte. Juntou-se ao exército de D. Sebastião na luta contra os mouros, regressando a Portugal em 1551 (?). Terá sido, aliás, numa dessas batalhas que perdeu o olho direito. Por isso o vemos, muitas vezes, com um tapa-olho, como os piratas.

Em 1553 (?) deixa Lisboa e parte para o Oriente, passando por China, Goa e também Macau, onde viveu numa gruta e onde se diz que escreveu uma boa parte de «Os Lusíadas». Há hoje um busto e uma placa junto dessa gruta a assinalar a passagem do poeta.

De volta a Portugal, sofre um naufrágio, na foz do rio Mekong, que atirou toda a tripulação ao mar. Camões, sabendo nadar, conseguiu salvar a sua obra, mas perde a sua amada Dinamene, que viajara com ele desde a China. Em agosto de 1560, regressa a Goa.

2 – Poeta arruaceiro

Em 1552, esteve preso durante um ano. Dessa época, sobreviveu um dos raros documentos que permite contar a história: a carta de perdão de D. João III, de 7 de março de 1553. Nela se diz que Luiz Vaz de Camões, filho de Simão Vaz, cavaleiro fidalgo, está preso na Cadeia do Tronco, em Lisboa, por ter ferido, em dia de procissão do Corpo de Deus, Gonçalo Borges, encarregado dos «arreios do Rei».

Está longe de ser caso único. Dos seus tempos de estudante de Coimbra, chega o relato de que, num sarau literário, os seus versos irritaram muito um tal de Juan Ramon, sobrinho de um professor universitário que, logo ali, o desafiou para um duelo. O espanhol acabou ferido e o poeta na cadeia sob fortes protestos dos estudantes.

Julga-se que também esteve preso em Goa, entre 1556 e 1561, mas os motivos não são claros. Uma das razões apontadas foram as dívidas contraídas, mas também se coloca a hipótese de Camões se ter envolvido numa grande confusão por causa de uma sátira anónima a criticar a corrupção e imoralidade dos reinantes. A autoria do texto acabaria por ser atribuída ao poeta, razão pela qual as Ordenações Manuelinas decretaram a sua prisão.

Em 1562 (?) é mais uma vez preso por acumulação de dívidas, mas não por muito tempo. Conta-se que Camões escreveu uma ode ao novo vice-rei da Índia, suplicando pela libertação. D. Francisco Coutinho não só concedeu a liberdade, como o fez seu protegido.

3 – O poeta pinga-amor

Não faltam poemas românticos dedicados às mulheres que se cruzaram na vida dele. Um dos grandes amores terá sido D. Maria, a irmã do rei D. João III, mas houve outras. D. Violante e Andrade, casada com D. Francisco de Noronha, terá sido um dos seus amores secretos. Catarina também foi uma das principais musas de Camões, mas os historiadores ainda tentam descobrir quem foi ela. A principal suspeita é Catarina de Ataíde, uma das damas da rainha, mas pode ter sido também a neta de Vasco da Gama ou a mulher de um nobre de Aveiro, descendente de uma rica e conhecida família – os Sousa.

Não se esqueçam de Dinamene, a mulher chinesa por quem se apaixonou durante uma das suas viagens ao Extremo Oriente e que, após morrer no naufrágio, foi eternizada em dois sonetos – «Ah! Minha Dinamene, assim deixaste» e «Quando de minhas mágoas a comprida».

4 – O poeta mendigo

Regressado do Oriente, em 1570, Camões nunca mais conseguiu ter rendimentos regulares. Viveu os anos seguintes em casa de amigos, como é o caso de Diogo Couto, que lhe pagava as despesas e as viagens. O poeta, no entanto, tinha uma pensão real de 15 mil reis anuais, atribuída pela publicação de «Os Lusíadas», em 1572.

A renda chegaria para viver, mas o que se conta é que D. Sebastião não era muito certo com as datas de pagamento. E a situação financeira agravou-se quando o rei morreu em Alcácer Quibir, em 1578, levando Filipe II de Espanha a subir ao trono. Até morrer vítima da peste, Camões terá sido sustentado pelo escravo Jau – que viera com ele da Índia e que mendigava por bocados de pão partilhados depois com o poeta.

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As datas e as cidades de nascimento: estima-se que tenha sido em 1524 ou 1525. São, pelo menos, duas as cidades a reclamar o seu nascimento: Coimbra e Chaves. Talvez esta última seja o local mais provável, dado que era a terra natal da família paterna. Filho de Simão Vaz de Camões e Anna de Sá e Macedo, o poeta pode ser neto do trovador galego Vasco Pires de Camões.

A data da morte: com base no documento que o rei Filipe I entregou à mãe do poeta, a data da morte é 10 de junho de 1580. O ano, porém, não corresponde ao que estava inscrito na lápide que D. Gonçalo Coutinho, fiel amigo do poeta, colocou na sua sepultura. Dizia assim:

«Aqui jaz Luís de Camões. Príncipe dos poetas do seu tempo. Viveu pobre e miseravelmente e assim morreu, no ano de 1579. Esta campa lhe mandou aqui pôr D. Gonçalo Coutinho, na qual não se enterrará pessoa alguma.»

Com o Terramoto de 1755, os restos mortais desapareceram, tendo sido encontrados em 1854 e levados para o Mosteiro dos Jerónimos. Os estudiosos, contudo, duvidam que as ossadas sejam do poeta, dado que, no século 19, não havia forma de determinar cientificamente a quem pertenciam.

O Bicho que Morde tem mais uma sugestão de leitura para ti: Catarina de Bragança. A alentejana que ensinou boas maneiras aos ingleses.

Crédito da ilustração (abertura): Camões de Júlio Pomar – imagem de Pedro Ribeiro SimõesCC BY 2.0