Antes do 25 de Abril de 1974, havia muitas proibições, por isso, estas 10 que os Bichos no Sótão desenterraram são apenas uma amostra. Alguns destes exemplos podem até dar vontade de rir de tão cómicos que são, mas servem para ter uma pequena ideia de como era a vida no país de Salazar, em que até os sonhos, as ambições e o amor eram controlados por decretos.
Beijos na boca
Um beijinho, mesmo de fugida, mesmo pequenino, se fosse na boca, era o suficiente para um namorado atrevido ser arrastado para a esquadra. Além de multado em pelo menos 57$00 (28 cêntimos), só saía em liberdade depois de o agente da polícia lhe rapar a cabeça. É isso que nos conta o jornalista e escritor António Costa Santos no seu livro Proibido! Beijos na rua ou no jardim eram considerados atos exibicionistas que afrontavam a moral e os «bons costumes» do Estado Novo.
Escolas mistas para rapazes e raparigas
Rapazes e raparigas nunca se cruzavam na escola. Se elas iam para aulas de manhã, eles iam só da parte da tarde. No caso em que as escolas tinham mais do que uma sala, as turmas eram separadas por géneros e havia um pátio de recreio para rapazes e outro para raparigas.
Cantar o hino nacional era a primeira coisa que se fazia e todas as salas tinham afixados na parede uma fotografia de Salazar, outra do presidente da República e um crucifixo, além da palmatória na mesa do professor ou professora, que servia para castigar os malcomportados.
Outro castigo frequente era colocar a criança num canto da sala com orelhas de burro enfiadas na cabeça. Até à década de 50, a instrução básica obrigatória era de três anos para as raparigas e de quatro para os rapazes.
Biquinis e fatos de banho decotados
Em 1940, Portugal começou a receber refugiados de toda a Europa. Fugiram da II Guerra Mundial e trouxeram novos hábitos que deixaram Salazar arrepiado. Sobretudo as mulheres que iam sozinhas aos cafés, fumavam como os homens e exibiam as suas minissaias nas esplanadas do Rossio, em Lisboa. Depressa surgiram tentativas para travar essas «modernices» que ameaçavam os costumes incentivados pelo Estado Novo.
Em maio de 1941, o ministro Mário Pais de Sousa decidiu tomar providências no sentido de salvaguardar o «mínimo de condições de decência» nas praias portuguesas. O que este palavreado da lei significa é que os banhistas só podiam usar fatos de banho com as medidas e os decotes previamente determinados pelo Ministério do Interior.
As mulheres eram obrigadas a usar fatos inteiros. Biquínis nem pensar!
O traje tinha de cobrir o peito e as cavas deviam contornar as axilas. Os homens deveriam vestir um calção de corte inteiro, bem ajustado à perna e à cintura, com a parte da frente reforçada e cobrindo boa parte da barriga.
Quem não respeitasse as regras era detido e julgado no próprio dia, podendo ir para a prisão e arriscando-se ainda a uma multa máxima de 300$ (1,50€), aplicada pelo capitão do porto ou comandante da PSP. A fiscalização ficava por conta dos cabos-do-mar que, a partir de meados da década de 1960, não tiveram outro remédio senão começar a fechar os olhos às centenas de turistas mais atrevidos que passaram a frequentar as praias do Estoril e do Algarve.
BD estrangeira
A febre da BD chegou em força na década de 1950. Por toda a Europa e Estados Unidos, as crianças e os adolescentes viviam colados aos livros de banda desenhada. Mas, em Portugal, as histórias aos quadradinhos vindas do estrangeiro estavam proibidas. Nem as publicações americanas, inglesas ou francesas ou sequer as traduções brasileiras ou espanholas estavam autorizadas. Significava isto que as aventuras do Super-Homem, Batman, Capitão Marvel, Tarzan ou até as personagens da Walt Disney não tinham poder para entrar no país.
Os restantes heróis estrangeiros só podiam ser publicados na revista «Mundo de Aventuras» se cumprissem um certo de número de regras. Desde logo, o nome tinha de ser aportuguesado e qualquer tentativa de sacar uma arma era prontamente eliminada, muitas vezes, decepando braços e mãos. E foi assim que alguns dos heróis mais populares entre as crianças portuguesas passaram a ter uma nova identidade. Flash Gordon, era o Capitão Relâmpago, Big Ben Bolt era Luís Euripo, Cisco Kid usava o nome de Luís Ciclone e Rib Kirby era Ruben Quirino.
Isqueiros sem licença
O fiscal dos fósforos ou agente da polícia que apanhasse alguém com um isqueiro sem a respetiva licença de porte deveria confiscá-lo e passar uma multa de 250$ (1,5€). O decreto-lei publicado em novembro de 1937 tinha como finalidade incentivar a indústria nacional fosforeira. A licença era individual, custava 60 escudos (30 cêntimos) e era passada por uma repartição de finanças. Quem denunciasse o infrator ficaria com 15% desse valor. A lei existiu até ao início da década de 1970.
Vender Coca-Cola
Os donos da Coca-Cola fizeram várias tentativas para a bebida entrar em Portugal, mas Salazar nunca cedeu. A explicação oficial era que o seu elevado teor de cafeína podia criar habituação. Proteger os vinhos e os refrigerantes nacionais foi também uma outra justificação apresentada pelo regime. A verdadeira razão, porém, estaria no medo de que, com a entrada da marca americana no país, entrassem também ventos de modernidade que comprometessem os valores morais em que o Estado Novo acreditava.
Pelo menos, foi essa a explicação que Salazar escreveu numa carta endereçada a um representante da Coca-Cola e que está publicada na coletânea Cenas da Vida Portuguesa, de Maria Filomena Mónica (Quetzal):
«Portugal é um país conservador, paternalista e – Deus seja louvado – atrasado, termo que eu considero mais lisonjeiro do que pejorativo. O senhor arrisca-se a introduzir em Portugal aquilo que eu detesto acima de tudo, ou seja, o modernismo e a famosa efficiency».
A bebida entrou oficialmente no país no dia 4 de julho de 1977, curiosamente a data em que os Estados Unidos comemoram a independência.
Vadiagem e mendigos
A proibição de mendigar nas ruas e noutros lugares públicos começa em 1931, tornando-se cada vez mais repressiva nos anos seguintes. O Código Penal dessa altura punia com prisão até seis meses quem fosse considerado vadio. Isto é, quem não tivesse casa, profissão nem meios de subsistência.
Só poderiam pedir esmola os que tivessem uma caderneta a comprovar alguma incapacidade física ou mental ou, então, não pudesse trabalhar devido à velhice.
Os restantes eram capturados pela polícia, julgados como vadios e, por regra, acabavam por serem libertados ao fim de alguns dias. É apenas em 1976 que o Serviço de Repressão à Mendicidade é extinto, acabando-se também com as normas que mandam prender os mendigos.
Mulheres a viajar sem autorização dos maridos
As mulheres não podiam viajar para fora do país a não ser que tivessem autorização dos maridos. A lei foi introduzida no Código do Processo Civil de 1939 e só acabaria três décadas mais tarde, já com Marcello Caetano no poder. Até 1967, elas tinham também de pedir o consentimento dos maridos se quisessem exercer atividades ligadas ao comércio, assinar contratos ou tomar decisões sobre bens (casas ou propriedades) que lhes pertenciam. Estavam igualmente impedidas trabalhar na administração local, na carreira diplomática, na magistratura e no Ministério das Obras Públicas, interdição que só acabaria, segundo a historiadora Irene Flunser Pimentel, em 1962.
Enfermeiras, telefonistas e hospedeiras só solteiras
Telefonistas da Anglo Portuguese Telephone, enfermeiras dos Hospitais Civis, funcionárias do Ministério dos Negócios Estrangeiros e hospedeiras de ar da TAP não podiam casar. A proibição para as telefonistas acabou em 1939, mas continuou mais umas décadas para as outras profissões.
As enfermeiras só se puderam casar em 1962 e tanto as hospedeiras como as mulheres a trabalhar no Ministério dos Negócios Estrangeiros só viram essa norma abolida após a revolução de 1974.
No caso das professoras primárias, o casamento, a partir de 1936, era permitido quando obtivessem autorização do ministro da Educação Nacional e apenas nas situações em que o vencimento delas era igual ou inferior ao dos maridos.
Os maridos podiam abrir a correspondência das mulheres
Antes do 25 de Abril, foram muitas as disigualdades entre homens e mulheres, com elas a serem empurradas para as tarefas domésticas, sem direito a votar ou a poderem decidir sobre a educação dos filhos. A discriminação chegou ao ponto de os maridos terem o direito de abrir a correspondência das mulheres.
Esse direito estava consagrado no Código Civil de 1966 e só viria a acabar em 1976.
É nesse ano, aliás, que a nova Constituição estabelece finalmente a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios.
Se queres saber mais sobre os costumes no início do século 20, lê também «A vida portuguesa ilustrada a preto e branco».
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Fontes consultadas: Salazar contra Superman | Público (Os malditos do Estado Novo) | Público (Políticas de repressão à mendicidade no Estado Novo) | Caminhos da Memória (1) | Caminhos da Memória (2) | Diário de Notícias | Antena Livre | Correio do Minho |