A pergunta é simples, a resposta nem por isso. Como a cada duas semanas há, pelo menos, uma língua que desaparece, as contas só podem ser aproximadas. As estimativas andam à volta das sete mil. Dos assobios aos estalidos, passando por códigos secretos, são ricas e variadas as formas que povos encontraram para comunicar na selva, nas cidades ou nas serras. E se achas que o português e o mirandês são as únicas línguas que se falam por aqui, o melhor é ler já a seguir o que o Bicho que Morde descobriu.
Kuşköy em turco significa aldeia dos pássaros. Essa é a povoação, no nordeste da Turquia, cercada de vales e montanhas cobertas de plantações de chá e avelãs. Quando um habitante precisa de falar com outro habitante, lança um uma série de assobios e espera pela resposta, devolvida também em assobios. O kus dili que, traduzido para português, quer dizer língua dos pássaros, é a forma que encontraram para vencer as distâncias e comunicar com os agricultores dos Montes Pônticos.
São cerca de 10 mil os aldeões que ainda sabem falar a língua dos pássaros. Mas, com o telemóvel a substituir cada vez mais os assobios, o provável é o kus dili desparecer. Tal como os cerca de 50 a 60 por cento dos idiomas que se calculam poderem vir a acabar no próximo século.
Estima-se, aliás, que a cada 14 dias há uma língua que morre, levando com ela as histórias, as canções, as anedotas e os costumes de um povo.
Esta é a razão para não ser possível dizer com rigor quantos idiomas existem no mundo. Serão entre 6500 e 7100, embora cerca de dois mil com menos de mil falantes. As línguas vivem numa grande selva, onde cada uma luta pela sobrevivência. É um mundo injusto, onde os mais fortes eliminam os mais fracos.
O rei da selva
O inglês é a língua mais falada no mundo, mas o português também está no top 10, é o nono idioma, com 252 milhões de falantes.
O inglês, com 1,2 mil milhões de falantes, é, como sabemos, o leão desta selva, estendendo o seu reinado pelos filmes, música, televisão, reuniões de negócios e até colóquios internacionais que põem toda a gente a falar da mesma maneira.
Existem outras línguas que, embora não conseguindo competir com o poder de sua majestade, surgem a seguir nesta cadeia de grandes predadores. Entre os milhares de idiomas que tentam resistir, apenas 23 contam com mais de meio milhão de falantes – entre os quais o português com 252 milhões.
A esmagadora maioria tem poucas hipóteses de resistir não só ao domínio da língua inglesa como, em alguns casos, às perseguições políticas e religiosas ou até à falta de dinheiro dos governos para investir na sua preservação.
Os que correm grande perigo são também os dialetos das pequenas comunidades, a lutar pelo seu espaço em países muitos populosos.
O recorde da diversidade
A Papua Nova Guiné, na Oceânia, é o país com mais línguas: 850 faladas por pequenas comunidades isoladas nas montanhas da selva.
É o caso da Indonésia com mais 700 línguas e 270 milhões de habitante. O bahasa, no entanto, sobrepõe-se a todas elas como língua oficial. Ou, então a Papua Nova Guiné, com oito milhões de pessoas e cerca de 850 línguas.
É um recorde absoluto e a proeza muito se deve ao facto de uma boa parte das populações viver isolada na selva montanhosa sem contacto com o mundo exterior.
Havendo, contudo, vontade, é sempre possível salvar um idioma, como já aconteceu com o hebraico. Estava praticamente extinto no fim do século 19, mas começou a ser recuperado em paralelo com o nascimento de um sentimento nacional judaico. Hoje, é a língua oficial do estado de Israel, sendo falada por oito milhões de israelitas.
Ou o catalão que, depois de décadas de perseguição pela ditadura de Francisco Franco, renasceu a partir dos anos 1970, como forma de afirmação política e cultural da região espanhola da Catalunha.
São línguas que sobrevivem a tudo porque continuam a ser ensinadas nas escolas, mas também porque os mais novos aprendem com os mais velhos em casa.
Este é o segredo para um idioma durar para sempre, mesmo quando o resto do mundo fala numa língua diferente. Só em Nova Iorque, por exemplo, são faladas mais de 800 línguas, além do inglês, claro.
A(s) língua(s) portuguesa(s)
Barranquenho, minderico ou romani são algumas línguas ainda faladas em Portugal, além do português e do mirandês, línguas oficiais.
E quem julga que o português é a única língua genuína que por aqui se fala, é capaz de ficar surpreendido ao saber que há outras formas de comunicar a fazer também parte do nosso património linguístico. Não, não é apenas o mirandês, que em 1999 ganhou estatuto de segunda língua oficial e conta com três dialetos – o central, o raiano e o sendinês.
É também o cabo-verdiano ou crioulo, língua oficial de Cabo Verde, falado por cerca de 200 mil pessoas. E o barranquenho com cerca de três mil falantes, do concelho de Barrancos, muito influenciado pelo espanhol.
Ou o minderico, com cerca de 200 falantes. Começou no século 17, como um código secreto entre comerciantes e fabricantes de mantas e acabou por se alastrar pelas comunidades da Serra de Aires e Candeeiros.
E não fica por aqui, o caló português que, segundo as contas do site Ethonologue, é falado por cinco mil ciganos, mistura o português com muitas palavras do romani. E o próprio romani, ainda falado por meio milhar de pessoas da comunidade cigana.
E já que estamos a incluir tudo, tudinho, porque não acrescentar as cerca de 15 línguas dos imigrantes residentes em Portugal, segundo as estimativas do Pordata? Pelo andar da carruagem, qualquer dia também teremos de incluir nesta lista o inglês algarvio… admirem-se! 😉
Vejam como soam as cinco línguas que o Bicho Que Morde selecionou por serem muito diferentes de tudo o que se fala por este planeta fora.
Kuş dili
Trata-se de uma versão com 400 anos da língua turca, que usa assobios agudos para comunicar a grandes distâncias. A língua está associada a Kuşköy, uma aldeia no norte dos Montes Pônticos, na Turquia, que todos os anos celebra um festival dedicado à língua dos pássaros. Em 2017, a UNESCO incluiu o idioma na lista do Património Cultural Imaterial.
Vídeo: a linguagem dos pássaros da aldeia Kuşköy
!Xóõ
É a língua dos estalidos produzidos com a ajuda da língua ou dos lábios e sem a ajuda dos pulmões. Também chamada de taa, pertence à família de línguas africanas khoisan. É falada por cerca de quatro mil pessoas espalhadas por um vasto território do Botsuana e por algumas regiões da Namíbia.
Vídeo: a língua mais difícil do mundo
Pirahã
Falado por cerca de 350 indígenas das margens do Rio Maici, no Amazonas, tem apenas 12 fonemas e só conhece o presente. Nesta língua, que não tem forma escrita, não há passado nem futuro, tal como não existem também números ou palavras para descrever as cores, a não ser claro ou escuro.
Vídeo: a comunicação sem passado nem futuro
Rotokas
Falado por cerca de quatro mil habitantes de Bougainville, ilha da Papua Nova Guiné. Não apresenta sons nasais e tem apenas 11 fonemas e 12 letras no alfabeto (A, E, G, I, K, O, P, R, S, T, U, V).
Vídeo: o mais pequeno alfabeto do mundo
Minderico
Também chamada de piação dos charales do Ninhou, a língua tem duas variantes regionais: a de Minde e a de Mira de Aire, designado também calão mirense. Em 2015, foi incluída no Registo da Memória do Mundo da UNESCO, um programa que visa sensibilizar o público para a urgência de preservar o património documental. Ficam aqui alguns exemplos de palavras usadas no minderico: carranchano (amigo), fusca (noite), gargantear (cantar), bruxo (computador) ou albertinas (bolachas).
Vídeo: o código secreto dos comerciantes de têxteis