Houve um tempo em que ir ao médico era privilégio de poucos e comprar medicamentos, mais difícil ainda. Nas aldeias, lugares onde o progresso demora sempre a chegar, era mais fácil confiar na sabedoria popular do que contar com a ajuda de um médico. Dores de dentes ou de cabeça, ferroadas de abelha, cólicas, constipações ou febres eram curadas com mezinhas caseiras feitas de alfazema ou flor de laranjeira, de banha de porco ou cera de abelhas, de cal ou de sal marinho.


Desde a Antiguidade e ainda antes sequer de existirem médicos, que as mezinhas e crenças nas benzeduras, orações e ladainhas foram passando de boca em boca e de geração em geração. Aproveitava-se tudo o que a natureza oferecia para fazer chás e infusões, xaropes e pomadas, unguentos e emplastros que se acreditava terem um poder para curar dores do corpo e na alma.

Deixamos aqui algumas receitas que vários investigadores recolheram e publicaram em livros ou teses. Começamos com «Mezinhas Populares do Algarve», de Maria da Encarnação Raminhos. Continuamos por aí acima com remédios caseiros outrora usados no Alentejo e publicados por Ana Eleonora Borges e Victor Valente de Almeida, na revista científica «Silva Lusitana». E terminamos esta viagem no norte do país, entre Montalegre e Boticas, com a «Medicina Popular Barrosã», de António Fontes e João Gomes Sanches (ver bibliografia no fim da página).

Aviso importante à criançada: apesar de aparentemente inofensivas, as mezinhas devem ser levadas a cabo apenas por gente que sabe o que faz. Isto é, por ervanários e velhotes das aldeias que, ao longo de anos, acumularam a sabedoria para conhecer as doses certas para cada maleita. Além disso, xarope de toucinho com mel e agriões, centeio às colheradas ou chazinhos de casca de bolota não devem saber lá muito bem.


Algarve

Aftas

Repetir três vezes sem se enganar: «em cima deste sapo, outro, nem este nem outro». Era a ladainha antigamente recomendada, mas não existem quaisquer provas de resultados garantidos. Mais eficaz era uma ou várias lambidelas numa parede caiada, remédio santo para curar estas feridas na boca, que entre as gentes mais antigas do Algarve ganharam o nome de sapos. «O pobre diabo deve estar cozido de sapos», comentavam antigamente as comadres e compadres em algumas terras algarvias ao ver alguém de língua colada nas paredes caiadas.

Inflamação das goelas

Gargarejos, várias vezes ao dia, com salva e chás de malvaísco, de raiz-doce (alcaçuz) ou de cachapeiro (também conhecido por verbasco-ondeado).


Cabelo fraco

Para fortalecer e dar brilho ao cabelo, a receita da mezinha é uma pasta caseira feita com salsa fresca esmigalhada e água. Cobrir todo o cabelo com o preparado e deixar atuar durante cerca de meia hora. Lavar a cabeça com água tépida até retirar todos os vestígios.

Calos

Diz o povo algarvio que vinagre e água quente é a melhor mezinha para extrair um calo por inteiro. Para o sucesso da operação é necessário seguir três passos. O primeiro é colocar numa bacia uma boa dose de vinagre e duas doses iguais de água quente. Deixar os pés de molho nesta solução durante um quarto de hora e, por fim, retirar os calos com os dedos, que deverão sair facilmente. Se ainda assim custar a sair, repetir a operação.


Flatulência (puns)

Uma chávena de água a ferver com camomila, hortelã e acro. Convém deixar o chá respirar por umas horas. Tomar entre três a quatro chávenas por dia.

Irrequietude

Para curar o bicho-carpinteiro, há quatro tipos de chás recomendados: erva-dos-gatos, alfazema, flor de S. João e erva-cidreira.

Alentejo

Dores de garganta

Comer rodelas de limão assadas com açúcar.

Prisão de ventre

Beber sumo de um limão com uma colher de chá de açúcar.

Dores de dentes

Aplicar alecrim cozido e sal no dente dorido.

Cólicas

Massajar a barriga com azeite morno.

Queimaduras

Em terras alentejanas, são conhecidas duas mezinhas para aliviar queimaduras, ambas muito simples. A primeira é uma compressa feita de folha de couve com azeite colocada em cima da queimadura e renovada quando seca. A segunda é fazer o mesmo, mas substituir a couve pela folha da faveira e o azeite pela banha.

Má digestão

Comer hortelã-pimenta com um pedaço de casca de limão.

Tosse

Envolver rodelas grossas de cenoura no açúcar, deixar umas horas até obter um xarope. Há mais uma receita que, em vez de cenouras, usa figos-da-índia e açúcar. Mais trabalhosa é a mezinha que mistura poejos, figos passados, casca e miolo de amêndoa e açúcar amarelo. Ou então, chá de poejo com figos passados, grãos de aveia e mel.

Gripes e constipações

As passas de figo fervidas são muito usadas no Alentejo para aliviar os sintomas de gripes e constipações. Outra mezinha popular é xarope de poejo com uma folha de eucalipto (também usado como remédio para tosse). Ou, então, uma mistura usada só para gripes: nove figos, flor sabugueiro, sete cabeças de marcela, flor de laranjeira, meio litro de água e açúcar. Para rematar, mais três receitas que curam constipações. Poejo e casca de limão, casca de cebola com casca de bolota e limão e flor de malva com poejos.

Lombrigas

Beber um copo de leite e logo a seguir uma chávena de chá de hortelã ou, simplesmente, leite com hortelã.

Febre

Espalhar sobre a testa uma pasta feita de folha de parreira molhada e esmagada no vinagre.

Fraqueza

Ferver e bater bem toucinho velho, juntar agriões e mel. Tomar aos poucos.

Cicatrizar feridas

Aplicar uma pomada feita com flor de murta, alecrim, esteva fervida, azeite e cera virgem.

Região Barrosã (Montalegre e Boticas)

Calvície

Ferver folhas de nogueira e usá-las para lavar a cabeça.

Catarro

Comer sopa de frango e legumes cozinhada em água onde antes se cozeram muitas cebolas.

Diarreia

Comer umas boas colheradas de um destes três cereais: farelo, trigo seco ou centeio. Ou então beber chá de marmeleiro.

Dores de dentes

Lavar a zona da raiz dos dentes com a água benta da igreja.

Febre

Tomar banhos de água fria.

Gretas nas mãos

Passar sabão ou cera de abelha nas zonas afetadas.

Mordedura de vespa ou de abelha

Colocar uma lâmina de aço em cima da ferroada para aliviar a dor e impedir o inchaço.

Queimaduras

Aplicar água de cal misturada com água gelada (com cubos de gelo ou neve). Assim que a dor acalmar, aplicar um emplastro de sabão, açúcar e azeite na zona afetada.

Terçolho

Lavar os olhos com água das pias das galinhas e esfregar com alho.


Bibliografia
  • Compendio dos Segredos Medicinaes, ou Remedios Curvianos, de João Curvo Semedo (1783), disponível na Biblioteca Nacional, em Lisboa.
  • As plantas medicinais e condimentares. Análise das potencialidades de uma região alentejana – concelhos de Reguengos de Monsaraz, Mourão, Moura, Serpa, Barrancos, Alandroal e Mértola, de Ana Eleonora Lopes Borges, Victor Carlos Valente de Almeida (1996), revista Silva Lusitana nº4.
  • Cultura de Plantas Aromáticas e Medicinais, de Giambattista M Ferretti (2005), Publicações Europa-América.
  • Medicina Popular BarrosãEnsaio de Antropologia Médica, de António Fontes e João Gomes Sanches (2005), Lisboa, Editorial Notícias.
  • Mezinhas Populares do Algarve, de Maria da Encarnação Raminhos (2006), Contra Margem.
  • Curas Caseiras e Chás Milagrosos, de Paulo Francisco, Lagos, Colecção Naturália, N.º 12, (2006).
  • Léxico das Plantas Medicinais, de Iris Schmidt (2007), Dinalivro.
  • Ervas, Usos e Saberes – Plantas Medicinais no Alentejo e Outros Produtos Naturais, de José Salgueiro (2010) edições Colibri.
  • Segredos Guardados no Tempo – Plantas, rezas e mezinhas do concelho de Serpa, de Inês Cachola, Isabel Barradas, Margarida Camões, Maria Caeiro e Marina Elisiário (2011), Câmara Municipal de Serpa.
  • Ervas & Mezinhas na Cozinha e na Saúde, de M. Margarida Pereira-Müller (2012), Colares Editora.

Antes de ires embora, espreita só este artigo mesmo a propósito: Doces histórias preparadas na cozinha portuguesa.