Há muito tempo, conta a lenda, os bantos expulsaram o povo kás das suas aldeias, condenando-os a passarem o resto dos dias nas escuras e húmidas florestas da África equatorial. Os homens e as mulheres, que eram os mais altos do mundo, ficaram três mil anos sem ver a luz do dia. E, sem o Sol para iluminar as suas vidas, os pigmeus encolheram aos poucos, passando de mais de dois metros para metro e meio de altura.
A lenda pode até ter muita dose de fantasia, mas há coisas que batem certo. Os pigmeus da África Central habitam há quase 60 mil anos as florestas equatoriais, onde os raios solares só a muito custo atravessam a densa vegetação. E a falta de vitamina D poderá ser uma das razões porque eles estão entre os mais pequenos do planeta.
Essa é, pelo menos, uma das teorias. Certezas não há. Os pigmeus são dos povos mais antigos da Terra, mas permanecem um grande mistério para os cientistas, que até hoje ainda não sabem explicar muito bem porque, na maioria dos casos, eles não crescem mais do que 1,55 cm. A pergunta já deu azo a muitos estudos com investigadores a espiolharem os seus modos de vida, a examinarem o seu ADN e a compararem tudo o que recolhem com os povos vizinhos.
Os desafios da floresta
A estatura pode ser uma adaptação
às florestas. Os baixinhos fazem menos esforços quando andam, nadam e caçam
Entre as teorias mais consensuais, está a falta de vitamina D, que diminui a fixação do cálcio necessário ao desenvolvimento dos ossos. A escassez de comida é também uma das razões apontadas para não obterem os nutrientes suficientes que os permitam crescer mais. As florestas equatoriais são riquíssimas em variedades de plantas e animais, mas a verdade é que, para os humanos, pode ser muito complicado encontrar alimentos.
Por outro lado, a baixa estatura dos pigmeus poderá ser uma adaptação aos desafios das florestas. Percorrer os trilhos acidentados implica gastar uma grande quantidade de energia para enfrentar um clima quente, húmido e sombrio. Os baixinhos, nestas circunstâncias, estão em vantagem, não precisando de se movimentarem tanto como os mais altos. Logo, queimam menos calorias para caminhar entre a vegetação, nadar ou caçar.
Uma investigação da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, descobriu também nos pigmeus um conjunto de genes que os protegem dos fungos, vírus ou bactérias abundantes nas florestas. Esse reforço de defesas do organismo, contudo, pode ter efeitos colaterais no seu crescimento. O gene CISH, por exemplo, ajuda a combater doenças como malária e tuberculose, mas é também responsável por inibir o crescimento humano.
Os pigmeus adaptaram-se, portanto, às condições das florestas, desenvolvendo ao longo de 20 mil anos genes responsáveis pela sua baixa estatura. Parece que foi há uma eternidade, mas, do ponto de vista evolucionista, essas transformações são muito recentes. Basta aliás lembrar que o Homo sapiens, o nosso antepassado, saiu do continente africano há cerca de 60 mil anos, espalhando-se por todo o planeta e mudando a sua genética e o seu modo de vida para se adaptar às condições dos novos lugares.
Essa capacidade de mudar é que determina como somos, a pele escura ou clara, os olhos amendoados ou salientes, o cabelo louro ou castanho, uns mais altos e outros mais baixos. Aquilo que somos não tem unicamente a ver com a cultura, a alimentação e a educação, mas também com a nossa aptidão para ultrapassar os desafios que a Natureza coloca no nosso caminho.
A sorte dos pigmeus
São muitas os perigos
que cercam os pigmeus: da extração
de madeira à
exploração das minas de ouro ou de diamantes
A características de cada povo não tornam uns melhores que os outros, já sabemos, apenas influenciam a forma como somos e como vivemos. Hoje, tal como antigamente, a sorte dos pigmeus está ligada às florestas. Sem ela, eles perdem tudo. E, nas últimas décadas, são muitos os perigos que os cercam. A extração de madeira, as plantações de café, a exploração das minas de ouro ou de diamantes ameaçam a sua sobrevivência.
Em 1970, eles foram expulsos do Parque Nacional de Kahuzi-Biega, na República Democrática do Congo. E logo a seguir de Bwindi e Magahinga, no Uganda. São só alguns entre muitos casos de povos pigmeus que, afastados das suas terras, são muitas vezes obrigados a mendigar ou a vender potes de cerâmica para sobreviver.
Estima-se que sejam 920 mil pigmeus a viver na África Ocidental numa extensão de 178 milhões de hectares.
A contagem foi feita por investigadores de várias universidades da Europa, dos Estados Unidos, do Canadá e do Japão e pretende ser um contributo para proteger este povo obrigado a viver longe das florestas e, em muitos casos, acesso a cuidados de saúde ou a escolas.
Um dos principais problemas é que nenhum dos países africanos está disposto reconhecê-los como um povo indígena de caçadores-coletores, com direito sobre as terras onde sempre viveram e com a sua identidade feita de línguas e tradições de caça bem diferentes umas das outras. Afinal, parece que a lenda sobre o povo kás não é só um conto para adormecer crianças. Os pigmeus estão outra vez a serem expulsos, mas, desta vez, não há florestas para os abrigar.
Fontes consultadas: National Geographic | Scientific American | Nature World News | Público |