Um segundo é suficiente para os pássaros soltarem 45 notas (sílabas vocais) de uma assentada. Algumas espécies até conseguem esticar o canto por mais de 7 segundos antes de iniciar um novo pio. E isso nem é o mais espetacular. Há os que são capazes de, em plena atuação, subir e descer as notas musicais (frequências de som) em simultâneo, além de emitir dois tons distintos ao mesmo tempo. Se isso não é uma dádiva da Natureza, o que será?

Se fossem cantores profissionais, os tenores, os sopranos ou os barítonos teriam na passarada uma séria concorrência. Uma concorrência desleal, é preciso que se diga. O talento dos pássaros esconde-se na siringe, algo que nós não temos e sem o qual eles piavam baixinho. Trata-se de um aparelho vocal localizado no fim da traqueia, ramificado em dois canais controlados de forma independente. É o que basta para permitir todas estas proezas que, na voz dos humanos, fariam maravilhas.

Há contudo uma coisa que humanos e pássaros têm em comum: as mesmas escalas musicais. Ou seja, os passarinhos também aplicam a matemática para compor as suas melodias. A descoberta, feita em 2014 por biólogos da Universidade de Viena, não será tão surpreendente assim. Afinal, os conceitos baseados em princípios matemáticos (como a álgebra ou a lógica) estão sempre presentes na natureza.

Dueto homem-pássaro

Pássaros e humanos não só
partilham a mesma escala
musical como usam as mesmas
 zonas do cérebro para o canto
 e para a fala.

Outra investigação, também feita em 2014, descobriu que o canto das aves tem algumas relações de parentesco com a nossa fala, apesar de a nossa linguagem ser muito mais complicada. O estudo, da Universidade Duke, nos EUA, conclui que pássaros e humanos usam partes do cérebro semelhantes para comunicarem entre si e ainda que há dezenas de genes comuns por detrás dessa habilidade. É por isso que vários investigadores estudam o canto dos pássaros especificamente para entender como os humanos aprendem a falar e como corrigir algumas deficiências da fala causadas por doenças.

Outros aspetos sobre o canto das aves já são há muito conhecidos pelos ornitólogos, especialistas em desvendar a vida secreta dos pássaros. Além de exprimir medo perante um perigo, o canto das aves serve sobretudo para dizer aos rivais que aquele lugar é território dele e não querem intrusos a rondarem a zona. É por isso que são mais os machos que as fêmeas a usar os seus dotes artísticos.

Não é a única utilidade do canto, o cortejo desempenha um papel muito importante. Quanto mais habilidosos forem os machos, mais hipóteses têm de arranjar uma companheira. São elas que escolhem com quem vão acasalar, mas do que uma gosta a outra pode não gostar. Tal como em todas as artes, também os cantos dos pássaros não tocam o coração de todos (de todas, neste caso) de igual maneira. E há sempre espécies mais picuinhas do que outras. As pardalitas dos Estados Unidos, por exemplo, são muito exigentes com os machos, escolhendo os parceiros que menos erros cometem durante o canto, como demonstrou o estudo da Universidade do Porto, conduzido por Gonçalo Cardoso.

É que não basta usar apenas os dotes que a natureza deu. Cantos há muitos, do mais elementar ao mais elaborado. O pardal Zonotrichia leucophrys canta uma melodia muito simples, com uma ou duas sílabas que repete sem se cansar. As corruíras têm centenas de repertórios e o Toxostoma rufum (espécie de tordo norte-americano) tem mais de dois mil cantos. Mas não é por usarem todas as notas da pauta que os machos aumentam as chances de arranjar uma parceira.

Muitas vezes, como demonstrou outro estudo do investigador português, os malabarismos vocais de pouco servem. O que elas apreciam mesmo é a forma como cantam, a interpretação ou, como diriam alguns, a alma que eles colocam na sua atuação. Se uma ave canora não tem um grande repertório de sílabas para apresentar, poderá sempre apostar na criatividade, combinando a repetição com mudanças rápidas de frequência de som para conquistar a fêmea. Quando estão a namorar, contudo, ele e ela são capazes de interpretar em dueto as mais românticas melodias misturando sons e tons que vão do simples ao mais complicado.

Talento não é tudo

O canto não é um dom
inato. Os filhotes nascem
com algumas noções
básicas, mas tudo o resto
aprendem com os adultos

Este como qualquer outro talento requer trabalho, treino e esforço, não é uma dádiva da Natureza. Quando um passarinho nasce, já tem no seu código genético as instruções para soltarem os pios mais básicos, que servem para chamar a atenção quando têm fome ou estão em perigo. Mas não são mais do que gritos de socorro (ou choros de bebé) sem nenhuma sensibilidade artística. Tudo o resto, ou seja, os sons melodiosos são aprendidos com os mais velhos.

Cada espécie tem a sua própria linguagem, mas por vezes, dentro da mesma família há variações e dialetos usados por pássaros separados por longas distâncias. É preciso ter em conta que há 18 mil espécies de aves conhecidas a sobrevoarem o nosso planeta, cada qual com os seus caprichos de artista. Um melro-preto português, por exemplo, pode não entender patavina do que diz o seu primo neozelandês.

Esse mesmo melro, aliás, pode ter um pio mais ou menos estridente se estiver no parapeito de um prédio no centro de Coimbra ou num sobreiro de uma planície alentejana. Os passarinhos da cidade têm de ter um pio muito mais agudo para se sobrepor aos ruídos urbanos e conseguir conversar com os outros passarinhos. Por tudo isso e muito mais, já deu para perceber que, o canto das aves é belo, mas de simples tem muito pouco.

Um segundo basta para um pássaro soltar 45 notas. Algumas espécies conseguem esticar o canto por mais de 7 segundos antes de um novo pio.

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🐦Sugestões para manhãs e fins tarde soalheiros

  • ▫▪▫ No website birdsongs é possível ouvir o canto de várias espécies de aves. Espreita aqui o canto das espécies que habitam o território português.
  • ▪▫▪ No WikiAves, website brasileiro para amantes dos pássaros, há gravações partilhadas com vários exemplos de canto de aves.
  • ▫▪▫ No website Aves de Portugal há dezenas de propostas sobre locais para observar aves.