Há centenas de sotaques que se escutam de norte a sul, do litoral ao interior ou do continente às ilhas. As expressões e os falares variam de cidade para cidade e, em muitos casos, até de freguesia para freguesia. Para simplificar, o Bicho-Que-Morde agrupou as pronúncias em 6 regiões – do Minho ao Algarve. Mas, ainda antes de separar cada um para o seu lado, vamos juntar todos no mesmo lugar para ver no que isto dá…
Um algarvio, um alentejano, um transmontano, um beirão, um açoriano e um madeirense chegam pela tardinha à estação de comboio de Peso da Régua. Todos eles com as suas pronúncias.
_ Tardi! – diz o alentejano.
_Tás co olho?! – pergunta, desconfiado, o açoriano.
_ Que parrascana me saiu vocemessê – responde o alentejano – nã entendi patavina.
_ Nã ligue qu’o môce tá pior que marafade – intromete-se o algarvio, dando uma palmadinha nas costas do alentejano – N’ouves, sê maline do diéb? O compadre só quis dar uma vaia.
_ Nã faça caso cumpadre… – Responde o alentejano para o algarvio – O home andô toda a tarde intêra na taverna e depôs veio acompanhado.
_Todo o mundo a papiar, mas ninguém se entende! – Interrompe, entretanto, o madeirense.
Vá larê! – grita o açoriano.
_ Mas porquê tanto alanzoar??? – pergunta o beirão – tenho a certessa de que toda a gente aqui é bom corassssão.
_Vá, deixem-se lá de bardinices e venham larpar uma pratada de alheira e grelos, que sou eu que convido – diz o transmontano.
E lá foram eles todos contentes para a casa do transmontano na abelhinha do madeirense.
O que ficamos sem saber é como correu a almoçarada entre gentes tão diferentes. Isto de falar em bom português tem muito, mesmo muito que se lhe diga. Convém saber o mínimo para, mesmo sendo português, não nos perdermos em terras de Portugal. O mínimo, nestes casos, é não levar em conta que as pronúncias variam de cidade para cidade, muitas vezes, até de freguesia para freguesia. O algarvio de Portimão não é exatamente o mesmo do de Tavira. Tal como, para um habitante do Faial, nos Açores, o micaelense é chinês. E as pronúncias do Norte estão longe de serem só duas ou três.
Há centenas de sotaques que se escutam de Norte a Sul, do litoral ao interior ou do continente às ilhas. Em Setúbal, por exemplo, carrega-se no «R», em Viseu troca-se o «B» pelo «V», na Covilhã assobia-se o «S», em Lisboa acentua-se o «O» na tórada (tourada) ou no óvir (ouvir), em Beja vai-se falando no gerúndio e na Madeira há ainda um gostinho especial pelo «inho» no finalzinho das palavras.
A transmontana e o transmontano
Bragança, Mogadouro, Vila Flor ou Mirandela são alguns dos municípios da região de Trás-os-Montes.
São muito variadas as pronúncias deste país, todos eles ligados à geografia, às histórias e aos percursos desses lugares ao pé do mar, à beira do rio ou junto à fronteira, que viveram da pastorícia, da agricultura, das salinas, da cortiça, do minério ou do contrabando, com sol quente, noites geladas ou neve no pico das montanhas. Tudo isso e muito mais moldou as línguas dos portugueses.
Para que ninguém passe vergonha em terra alheia, é bom ter algumas noções básicas das pronúncias portuguesas. É bom saber, por exemplo, que, entre os transmontanos, tudo o que termina em «agem» acaba em «aije». Viagem é «viaije», garagem é «garaije» ou ladroagem é «ladroaije». Ou ter também em atenção que o «ch» vem acompanhado de um «t»: chão diz-se tchão e chouriço é «tchoiriço». Transmontano que é transmontano também troca o «Z» pelo «J» – Jejus, ajar ou juíjo – e ainda o «V» pelo «B»: botar (votar), bila (vila) ou bentania (ventania).
Nas beiras, o famoso «S» sibilado é pronunciado entre o «s» e o «ch». O mesmo «s», aliás, quando encaixado entre duas vogais, fica a meio caminho entre o «z» e o «j». O algarvio também é cheio de truques. A começar pelo «O» que se evapora no final das palavras – gato é gat, fogo é fôg e amigo é amig. Os plurais a acabar em «ães» passam todos a «ans» – cães são cans, mães são mans e os pães são pans. Os «ões», esses, transformam-se todos em «ons»: limons, patrons ou camions.
O alentejano e a alentejana
O Alentejo é a maior região de Portugal, com 58 municípios e cerca de 400 freguesias.
Passemos aos alentejanos, com bastantes afinidades com os algarvios. É o caso dos verbos no infinitivo (terminados em ir/er/ar) ou das palavras que acabam em «r» e em «l». Todos, sem exceção, são corridos com um «i» no final. A diferença é apenas um ligeiro acentuar do «e» – fazêri, mordêri ou comêri ou, então, no «o» – amôri ou calôri e ainda anzóli (anzol) ou jornali. O «ei» dá lugar ao «ê» – mantêga, lête ou quêjo – e o gerúndio, também popular entre açorianos e madeirenses, põe alentejanos e algarvios a dizer a toda a hora «tou fazendo, tou comendo, tou mangando…»
Viajemos agora para a Madeira, onde o «i» junto ao «l» se lê «lhe/lho/lhi»: quilhómetro, famílhia ou aquilho. O «u» introduz-se nas sílabas tónicas da form(ú)iga, ou do l(ú)ivro. E o «e» rouba o lugar ao «o» nas terminações das palavras (carro – carre, macaco-macaque ou Ronaldo-Ronalde).
O açoriano e a açoreana
A ilha mais populosa dos Açores é São Miguel (137 mil habitantes), a mais pequena é o Corvo com 400 habitantes.
E, assim, chegamos aos Açores, mas nem vale a pena entrar em detalhes para não dizer disparates. Só no Pico há, pelo menos, 47 pronúncias distintas, segundo os linguistas. Os continentais do Sul, ao chegarem ao arquipélago, intrometeram-se no sotaque de São Miguel. Na Terceira, São Jorge, Graciosa e Pico, a influência veio do Norte de Portugal. E o Faial tem um dedinho das gentes de Coimbra e da região Centro.
A minhota e o minhoto
O Minho abrange os distritos de Viana do Castelo e Braga e é uma das regiões mais chuvosas da Europa.
Cada lugar deste país tem uma maneira muito própria de falar, mas também palavras que só quem é da terra entende. Não se trata apenas de variações sobre o mesmo. Também as há, se fores ao Norte, por exemplo, não digas «falta um quarto para as duas», mas antes «duas menos um quarto», em vez de ténis, diz sapatilhas e não perguntes onde é «casa de banho», mas onde fica o «quarto de banho».
Essas são pequenas diferenças, que fazem pouca diferença para Norte e Sul, Litoral e Interior, Continente e Ilhas se conseguirem entender. O problema são as palavras que não estão no dicionário do português padrão. Sem o mínimo de preparação, ninguém adivinha que zangado é «escamado» em Marvão e «renheta» na Madeira. Que aborrecido, triste ou preocupado é «apoquentado» no Algarve, «embuziado» nos Açores ou «aporrinhado» no Alentejo.
As crianças, então, têm nomes a saltitar de lugar para lugar – «cachopos» nas Beiras, «canalha» no Norte, «buzicos» na Madeira ou «catraios» no Algarve. Da mesma maneira que um coscuvilheiro no Minho é «cabaneio» e «enrediaceiro» nos Açores, enquanto uma lanterna é «fox» no Minho e «olho-de-boi» na Madeira. E uma valente chapada é uma «lostra» no Minho, uma «relampada» na Madeira, uma «buftada» no Algarve e uma «lapada» no Porto.
O algarvio e a algarvia
O Algarve está dividido em duas zonas: o Barlavento (ocidental) e o Sotavento (Oriental).
Um tonto, um maluco ou um cabeça-no-ar é um «trapichado/trapichento» na Madeira, um «chanfrado» no Alentejo, um «bagou» nos Açores ou um «alvariade» no Algarve. E um «pangalatranas» no Minho é um pobre desajeitado, enquanto um «morcão» no Porto é pouco inteligente e um «desgroviade» anda desnorteado pelas terras do Algarve.
Mulher feia e gorda tem o nome de «matrafona» no Algarve, «fogareiro» nos Açores e «abadessa» nas Beiras (Viseu). E desmazelado é um «balhelha» em Foz Côa, um «maltrapichado» na Madeira, um (ou uma) «calhandra» em Marvão e um «mal-enjorcado» nas Beiras.
A madeirense e o madeirense
Madeira e Porto Santo são as únicas ilhas habitadas do arquipélago da Madeira.
São palavras que nunca mais acabam, mas, em casos excecionais, não é difícil decifrar. Se um eletricista açoriano pedir um «atarraxador», desconfiamos que é uma chave de fendas. Se um mecânico, também nos Açores, substituir um «limpa-pingos», percebemos o que é um para-brisas. E se um pau-de-filete se fundir numa rua, não precisamos que nos digam o que é um poste de iluminação.
Com alguma imaginação, descobrimos que um «cagatório» é uma casa de banho no Funchal, tal como «Ir e vir em seco» é muito esforço para lá e para cá sem qualquer proveito ou ainda que «fazer um recado» é um favor que se presta a alguém.
Não será também difícil adivinhar que «ventejar» no Alentejo é dar um pum ou vários puns, que uma «abuínha» é uma borboletinha e uma «abelinha» uma joaninha. Mais difícil é acertar num «lambrioso» (guloso em Trás-os-Montes), num «cagaréu» (pescador de Aveiro), num chuço (chapéu-de-chuva, no Porto), ou numa quente e reconfortante caneca de «bela-luisa», um chazinho de Lúcia-Lima para os algarvios. Há «portuguesices» em fartura que um bom português nunca irá entender.
O beirão e a beirã
Por ter sido dividida em Beira Alta, Beira Baixa e Beira Litoral, a região é referida no plural – as Beiras.
😎Por falar em «portuguesices», sabes por que gostam tanto os portugueses de diminutivos?
Fontes consultadas: Vitor Madeira | Mais Algarve | Cidade da Covilhã | Ciberdúvidas da Língua Portuguesa (1) | Ciberdúvidas da Língua Portuguesa (2) | O Falar de Marvão – Património Imaterial Raiano – Teresa Susana Bengala Simão, Universidade de Évora (2015) | Portal Alentejano | Cantinho da Madeira | Variação Sociocultural de Alguns Regionalismos Madeirenses na Comunidade de Fala do Bairro da Nazaré (São Martinho, Funchal), de Naidea Nunes, 2019 | Escola Portuguesa | Wikipédia | Diário de Trás-os-Montes |