O pó entra em casa sem pedir licença nem fazer barulho. Acomoda-se atrás das portas, debaixo da cama, nos livros e revistas ou por cima do frigorífico. Quase não damos pela presença dele até que, sem saber como, descobrimos que, uma a uma, as partículas se acumularam nos lugares mais secretos, formando pequenas nuvens ou tapetes de poeira. É nesse momento que não dá mais para adiar a decisão: está na hora de pegar no aspirador ou no pano de flanela e espantar a sujidade para fora de casa. Mas não por muito tempo. O pó, esse intruso silencioso, regressa sempre ao local do crime.
Ao fim de um ano a limpar, quanto pó sacudimos das nossas casas? As contas dependem naturalmente do tamanho dos apartamentos ou das moradias e também de outros fatores como animais de estimação, varandas, quintais ou localização geográfica das habitações. Em qualquer dos casos, nunca é coisa pouca. Uma casa com seis divisões, por exemplo, acumula em média cerca de 18 quilos por ano, segundo os cálculos feitos por investigadores americanos.
Limpar até à origem do pó
De onde vem e de que é feito o pó? A pergunta intriga também os cientistas, que gastam muito tempo a pensar em poeira
Mas de onde vem e de que é feito o pó que aparece em casa? A pergunta não intriga apenas quem anda a tentar livrar-se dele com paninhos, espanadores, aspiradores e produtos de limpeza. Há também cientistas que gastam muito do seu tempo a pensar em poeira.
Quanto mais investigam, mais descobertas espantosas fazem. A mais evidente é que o pó vem de todos os lados e é feito de partículas de muitas coisas insignificantes. Cerca de 60% da poeira vem de fora. Ao abrimos as portas e janelas, deixamos entrar as partículas suspensas no ar. Sempre que chegamos a casa, transportamos também connosco terra e sujidade agarradas aos sapatos e às roupas. As restantes 40% das poeiras são fibras que se soltam dos peluches, lençóis, toalhas, roupas, tapetes e tecidos, além de cabelos, pele morta, pelos de animais de estimação, migalhas de comida ou restos de cadáveres de insetos.
Decompor cada partícula para saber o que contém o pó pode ser uma canseira. Andrea Ferro, investigadora da Universidade de Clarkson, em Nova Iorque, deu-se a esse trabalho e descobriu que há poeiras de todos os tamanhos e composições. Desde partículas simples, com um único composto orgânico ou inorgânico. Até às mais complexas com um núcleo inorgânico (minerais, carbono ou metais) e um revestimento orgânico (insetos, pólen ou escamas de pele, por exemplo).
Os químicos camuflados no pó
Produtos domésticos, materiais de construção, eletrodomésticos ou mobília também libertam partículas
Pode ser muito complicado desvendar a composição da poeira, mas uma coisa é certa, se a casa não for aspirada com alguma regularidade, há partículas que demoram uma eternidade a desaparecer. Ao analisar a sujidade doméstica, Andrea encontrou por exemplo DDT em muitas amostras de pó recolhidas do chão. Trata-se de um pesticida usado depois da Segunda Guerra Mundial para combater os mosquitos, mas, por ser prejudicial à saúde, acabou proibido na década de 1970. Apesar disso, ainda hoje, está presente nas casas americanas.
Este não foi o único químico encontrado. Dos escapes dos carros, da queima de combustíveis ou de outros processos industriais desprendem-se também partículas de arsénio ou de chumbo que viajam com o vento até às nossas casas e que é preciso eliminar com uma boa aspiradela.
Dentro de casa há também uma grande variedade de partículas que se libertam de produtos de higiene, de limpeza, de móveis, de pisos envernizados ou de tintas de parede. Investigadores de cinco instituições americanas encontraram em casas de 14 estados dos EUA 45 químicos provenientes de produtos domésticos, materiais de construção, eletrodomésticos ou mobília. A maior parte dessas substâncias pode ser eliminada com boas práticas como lavar as mãos e aspirar a casa.
Vida selvagem dentro de casa
Cadáveres de mosquitos, aranhas e formigas desfazem-se em pó e acumulam-se nos cantos da casa
E há também gigantescas colónias de minúsculas criaturas a morar no pó, mais propriamente nove mil espécies de micróbios, entre os quais dois mil fungos e cinco mil bactérias dos mais variados tipos, segundo as contas de um outro estudo americano. Não é motivo para ficarmos paranoicos e desatarmos a esfregar tudo e a toda a hora. A maioria destes organismos é inofensiva e alguns deles poderão até ser bons para a nossa saúde. A quantidade e a variedade das bactérias, por exemplo, vão mudando consoante a existência de gatos, cães e outros animais. Os fungos, por outro lado, variam de região para região, estando sobretudo dependente das características climatéricas.
Já que o assunto são agora seres microscópicos, não há como escapar aos milhões de ácaros, que se multiplicam em ambientes húmidos, ou nos insetos, que depois de mortos, ficam desfeitos em partículas minúsculas. Segundo as estimativas das universidades da Carolina do Norte e do Colorado Boulder, o pó pode esconder cadáveres de mais de 600 tipos de artrópodes (aranhas, mosquitos, formigas, besouros, entre outros).
O pó aprisionado na eletricidade
Aprisionado nos eletrodomésticos, sofás, carpetes, peluches ou fios elétricos, o pó já não consegue libertar-se
Quem diria que as nossas casas seriam verdadeiros viveiros ou jardins zoológicos a pulsar de vida selvagem? Resta saber porque gosta tanto o pó de viver connosco, quando tem mais espaço e liberdade lá fora. A verdade é que em muitos casos não se trata de uma opção.
Com tanta tralha dentro de casa, a poeira tem tendência para se acumular nos lugares mais secos onde as cargas elétricas positivas e negativas estão em repouso (eletricidade estática). Ou seja, a poeira é atraída pelos eletrodomésticos, televisores, computadores, cabos e fios elétricos, sofás, carpetes e outros têxteis. Uma vez aprisionado, já não consegue se libertar a não ser que apareça uma alminha caridosa disposta a limpar todos os cantos da casa.
Há muitas maneiras de travar batalhas contra o pó, mas nenhuma delas é suficiente para vencer a guerra de uma vez por todas. O pó vai dando umas tréguas, aqui e acolá, mas volta sempre para mostrar que é um casmurro da pior espécie.
Também nós, munidos de panos de flanela, de vassouras ou de um bom aspirador, somos tão casmurros como o pó. 😁