Não é preciso um cronómetro para medir a duração das falas e das pausas trocadas entre amigos ou colegas. Mas, quando esses intervalos são prolongados, ficamos irrequietos, sem saber muito bem porquê. Quanto tempo dura o silêncio antes de se tornar incómodo? A pergunta tem muitas respostas, tantas como as culturas.
Para um espanhol, bastam um ou dois segundos, concluiu Michael Handford, professor de Linguística na Universidade de Tóquio. Os anglo-saxónicos aguentam entre três e quatro segundos e os japoneses conseguem ficar 5 a 6 segundos sem dizer uma palavra.
Haru Yamada, professora de Linguística na Universidade de Westminster, em Londres, acrescenta que, em conversas e reuniões de negócios, os japoneses chegam a ficar 8,2 segundos sem falar, o que é praticamente o dobro dos americanos. Outras experiências conduzidas na Universidade de Groningen, Holanda, mostraram ainda que, entre os falantes de inglês e de holandês, o silêncio, quando dura mais do que 4 segundos, deixa as pessoas inquietas.
Oriente versus Ocidente
As pausas, para os orientais, são mais importantes do que as palavras. Os ocidentais preferem conversas aceleradas e silêncios curtos.
São estudos suficientes para começar a perceber que os povos têm vários entendimentos sobre este assunto. Isso tem muito a ver com a forma como cada cultura lida com o silêncio. As diferenças são mais acentuadas à medida que as distâncias cultural e geográfica aumentam.
Nas sociedades orientais, as pausas importam mais do que as palavras, conta Adam Jaworski, no livro «O Poder do Silêncio». Justamente o contrário do que acontece nas culturas ocidentais, em que as pessoas se sentem confortáveis quando as conversas decorrem num ritmo acelerado e as pausas são curtas, explica o sociolinguista da Universidade de Hong Kong.
No Japão, por exemplo, haregei é o conceito usado para reconhecer que a melhor forma de comunicar é estar calado.
A cultura japonesa entende que as palavras só são necessárias quando tudo o resto falha e é urgente resolver um problema de comunicação. O silêncio para os orientais é encarado como positivo, enquanto os ocidentais o associam a atitudes negativas. Não será por acaso que os habitantes deste lado do mundo vêem os habitantes do outro lado do mundo como reservados e tristonhos.
Mas isso também acontece entre povos do mesmo continente. As pessoas do Norte da Europa são geralmente vistas pelos países do Sul como frias e caladas. Em contrapartida, há aquela ideia de que as gentes do Sul – italianos, espanhóis ou gregos -, são alegres e barulhentas, falando alto, interrompendo-se uns aos outros ou conversando sem quase dar espaço ao silêncio.
Esses preconceitos têm afinal raízes no silêncio, explica Maria Sifianou no seu livro «Cortesias Linguísticas através das Fronteiras». O cliché atribuído aos povos do Mediterrâneo tem muito a ver com a sua pouca disposição para aguentar o silêncio, diz a professora de Linguística na Universidade de Atenas.
No sentido oposto, o silêncio e o respeito pela privacidade dos outros são caraterísticas vincadas entre os finlandeses, explica Michael Berry, investigador na Universidade de Turku, na Finlândia. Os habitantes da Finlândia não gostam de conversas velozes e encaram as pausas como uma parte importante da comunicação.
Viver no extremo Norte do continente europeu explica, em parte, esse seu feitio fechado, muitas vezes refletido nos ditados populares:
«Ouve muito e fala pouco» ou «Uma palavra é o suficiente para provocar muitos estragos».
Este é o povo menos falador da Europa, dizem os investigadores finlandeses Jaakko Lehtonen e Kari Sajavaara no artigo «O Silêncio Finlandês Revisitado». Mas não é o caso mais extremo entre os ocidentais. Werner Enninger, autor do livro «Silêncio(s) através das Culturas», descobriu que o povo Amish da Velha Ordem tem uma capacidade extraordinária para lidar com o silêncio. Numa conversa de 60 minutos entre os membros desta comunidade, o investigador da Universidade de Essen contou 85 pausas entre as frases, que variaram entre 5 e 55 segundos.
As grandes diferenças entre os tempos mostram que eles não têm propriamente regras sobre o uso e a duração dos silêncios numa conversa. Depende das circunstâncias e da vontade de cada um e não de uma norma implícita como acontece em outras culturas.
A viver nos Estados Unidos e também no Canadá, este grupo religioso não podia ser mais diferente dos restantes americanos, que estão entre os povos que menos tempo consegue ficar de boca fechada. Eles gostam de falar, de interromper e, regra geral, sempre que suspeitam que vem aí uma quebra na conversa, desatam a fazer perguntas para não dar sequer espaço àquele incómodo que surge por já não haver mais assunto.
Meio segundo para estragar uma amizade
Tudo pode correr mal entre um americano e um habitante do interior do Alasca. O primeiro fala pelos cotovelos e o segundo conversa com calma.
Essa ânsia de falar dos americanos poderia causar muitos estragos se estivessem a conversar com um japonês ou um coreano, que tanto prezam o silêncio. Mas nem é preciso ir tão longe. Basta colocá-lo na mesma sala com um atabascano, um nativo do interior do Alasca, para o encontro resultar num desastre, avisa Wegner Enninger. Só porque um está habituado a conversar pausadamente e o outro fala que se desunha.
Se o americano for o primeiro a iniciar a conversa, ficará à espera que o atabascano tome a palavra assim que fizer a primeira pausa. Em vez disso, o atabascano não reage logo e o outro retoma a conversa, pensando que ele não quer falar. O atabascano por delicadeza não interrompe, mas ambos estão irritados.
_ «Este só se importa em impor o seu ponto de vista», pensa o atabascano.
_ «A conversa não lhe interessa ou ele não é capaz de entender o que eu digo?», – pensa, por sua vez, o americano.
E vão os dois para casa, cada um estendendo essa má impressão a todo o povo que os representa.
Se for o atabascano a iniciar a conversa, o desfecho não é muito diferente.
A primeira pausa, que serve apenas ele para ganhar balanço antes de prosseguir, é entendida pelo americano como uma oportunidade para falar, deixando o outro abespinhado por ter sido interrompido.
No final, o americano acaba o encontro com a sensação de que o atabascano não consegue articular duas frases seguidas e o atabascano fica frustrado por ter sido interrompido. Mais uma vez, está o caldo entornado, quando apenas bastaria ao americano esperar ou então ao atabascano antecipar pouco mais de meio segundo entre as pausas da conversa para ficarem bons amigos.
Tempo para ouvir, pensar e falar
O silêncio faz a ligação entre as conversas, dando tempo para refletir. Falar sem pensar só aumenta a probabilidade de dizer disparates.
Embora as características culturais façam muita diferença, o certo é que, mesmo entre os povos mais calados, o silêncio, mais cedo ou mais tarde, incomoda. As conversas quando têm troca de palavras constantes criam uma sensação de conforto, concluiu o estudo da universidade holandesa.
As pessoas sentem que os outros o compreendem, que são aceites e em muitos casos até concordam com elas. O silêncio, ao perturbar o ritmo da conversa, desperta sentimentos de rejeição. O mesmo já não acontece tanto entre amigos muito próximos ou entre família, pois já sabemos que eles gostam de nós e sentimo-nos como em casa.
Essa insegurança, no entanto, nada tem a ver com falta de carinho na infância ou outros problemas graves de autoestima. Somos assim há muito tempo, avisam os investigadores, e esse receio de sermos rejeitados é uma resposta evolutiva que surgiu nos primórdios da existência humana, quando a sobrevivência dependia de pertencer ou não a um grupo.
Essa desconfiança é um vestígio do passado, mas não é um grande drama.
Até porque o silêncio é, afinal, o que permite fazer a ligação entre as conversas e, principalmente, dar tempo para pensar no que os outros dizem e no que vamos dizer a seguir. Falar sem pensar, aliás, só aumenta a probabilidade de dizer disparates.
E é também muito importante não esquecer que cada um tem uma forma especial de comunicar. Uns são mais extrovertidos, fazendo pausas curtas e outros mais tímidos, prolongando os silêncios. Uns gostam mais de ouvir e outros gostam mais de falar. Ao percebermos como somos e como são os outros, conseguimos entender e respeitar melhor uns aos outros. Parece simples, não é? Mas falar é fácil…
🤫Se é de silêncio que estás a precisar, este artigo é para ti: Quanto barulho há no silêncio?