Todos os anos há novas experiências a demostrar as espantosas habilidades das abelhas. Mas nada supera a descoberta que Karl von Firsch fez no início da década de 1940. O zoólogo austro-alemão mostrou-nos o que esconde a dança frenética destes grandes polinizadores. Preparem-se para ficarem boquiabertos. Por detrás da sua coreografia a indicar onde se esconde a comida, há fórmulas matemáticas e princípios de astronomia que os cientistas julgavam ser capacidades exclusivas dos humanos.

Uma manhã com sol e poucas nuvens é um dia perfeito para Karl von Firsch iniciar a sua grande investigação. Ele colocou uma tigela de vidro cheia de água açucarada sobre a mesa do jardim. E esperou até surgir a primeira abelha gulosa, que, de imediato, levou com uma pincelada de guache vermelho junto à cabeça. Lá foi ela saciada e a zumbir de alegria por entre a vegetação. Horas depois, vieram as suas companheiras cheias de apetite, mergulhando as patinhas na piscina adocicada.

Como Firsch sabia que o olfato das abelhas só deteta o néctar das flores, logo concluiu que a amiga pintalgada partilhou com elas o segredo. Mas como conseguiram adivinhar sozinhas o caminho? Para encontrar a resposta era preciso tornar a tarefa delas um pouco mais difícil.

Todos os dias, o zoólogo afastou a tigela com a água açucarada mais e mais, chegando a colocá-la a quase três quilómetros de distância da colmeia.

🌹 E não é que, mesmo assim, as abelhas acabavam sempre por descobrir onde estava a guloseima?

_ A resposta só pode estar dentro da colmeia – pensou ele, levantando um dos tabuleiros para coscuvilhar as conversas entre elas.

A abelha pintalgada deu logo nas vistas. Era ela que se destacava do enxame, exibindo uma dança circular em sucessões de oitos, que as restantes companheiras seguiam com muita atenção. Karl sacou do bloco de notas para desenhar todos os seus movimentos, com ajuda de setinhas, retas e tracejados. E voltou várias vezes, ao longo dos meses seguintes, até descodificar, finalmente, que mensagem estava a sua abelha a transmitir às companheiras.

Karl von Firsch

O que ele descobriu, no início da década de 1940, deixou o mundo estupefacto. A dança das abelhas é uma equação matemática orientada por princípios da astronomia. Os movimentos, combinados com noções precisas de tempo e distância, fornecem à comunidade das abelhas informações sobre onde estão os alimentos. A abelha com a pintinha vermelha usou o ângulo do sol, não só indicando a localização da tigela, como mostrando também o caminho exato para lá chegar.

 🐝Quando ela dançava para cima, significa que deveriam voar em direção do sol.

🐝 Os movimentos para baixo queriam dizer para se afastarem do sol.

O percurso era sempre circular e feito aos ziguezagues à volta de um ponto inicial. Também isso tem uma explicação. A inclinação do dorso da abelha da esquerda para a direita mostra as coordenadas exatas da comida, por vezes, com indicação dos quilómetros a percorrer e o tempo necessário, tendo até em conta a velocidade do vento. E quanto mais rápido for o movimento do corpo, mais distante está a comida.

Uma vez que as colmeias têm dezenas de milhares de abelhas, a mensagem só passa quando as operárias imitam esse movimento, transmitindo a informação para a restante comunidade.

🌻 E é assim que todas elas têm direito ao seu quinhão de felicidade.

Karl von Firsch observou que o ritual se repete em qualquer altura do ano e é usado por abelhas-europeias (Apis mellifera) em todos os continentes. Desde a sua experiência, muitas outras descobertas espantosas já foram feitas. O seu discípulo, Martin Lindauer, descobriu, por exemplo, que as decisões das abelhas sobre para onde imigrar no inverno são tomadas em assembleias-gerais. E que os enxames são capazes até de aquecer ou refrescar as colmeias coordenando o batimento das asas.

Karl von Firsch

Mais recentemente, cientistas brasileiros e australianos ensinaram as abelhas a associar informação sobre a localização de alimentos a símbolos e cores – habilidade que até há pouco tempo se acreditava ser exclusiva de humanos, macacos e outras espécies com grandes cérebros. Mas o cérebro da abelha, esse, tem o tamanho de uma semente de sésamo com menos de um milhão de neurónios (o humano tem 86 mil milhões).

Tudo o que se tem vindo a descobrir sobre as abelhas é impressionante, ninguém poderá dizer o contrário. Mas, até agora, nada supera a descoberta feita por Karl von Firsch. Além de cruciais para a sobrevivência do planeta, quem diria que elas são também grandes cromos da Matemática?! 

Karl von Firsch

FICHA BIOGRÁFICA

Nome completo: Karl Ritter von Frisch

Nasceu em: Viena (Áustria) a 20 de novembro de 1886.

Morreu em: Munique (Alemanha) a 12 de junho de 1982.

Outras descobertas importantes: os seus estudos permitiram perceber como as abelhas-rainhas usam feromonas para atrair os zangões apenas quando estão ao ar livre. Dentro das colmeias, os machos não são afetados pelo odor delas para não destabilizar uma ordem social muito complexa. Firsch também demonstrou que os peixes distinguem variações de brilho e de cor, provando igualmente que a sua audição é mais aguçada do que a dos humanos.

Prémios: ganhou o Nobel de Fisiologia, em 1973, partilhado com Konrad Lorenz e Tinbergen Nikolaas.

Descobre mais sobre o mundo dos insetos aqui e/ou aqui.

Fontes consultadas: CULTURE & SOCIETY – History of Science | El Pais | Pesquisa FAPESP