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WILLIAM KAMKWAMBA. O rapaz feiticeiro que mudou a direção dos ventos

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Um livro de uma biblioteca e um monte de ferro-velho. Foi o suficiente para William Kamkwamba, um rapaz que não podia ir à escola, construir um moinho de vento e tirar uma aldeia do Malawi da escuridão. A invenção conduziu-o a uma viagem aos Estados Unidos, onde tirou a licenciatura em Estudos Ambientais, regressando mais tarde para levantar outros moinhos, construir painéis solares, bombas de água, produzir biogás e muito mais.

Com o último raio de sol a morrer no horizonte, chega o aviso para toda a gente se enfiar em casa. Os aldeões de Wimbe, no Malawi, acreditam que há espíritos a viver na escuridão. Tudo o que têm para se protegerem deles são velas e candeeiros de querosene. William Kamkwamba adormece sempre com medo. Mas, assim que desponta a primeira luz do dia, levanta-se cheio de coragem, espantando as baratas e os ratinhos que, durante a noite, também encontram refúgio perto do colchão dele.

Trywell, o pai, está à espera dele no campo de cultivo. Os dois vão inspecionar os pés de milho para saber quais ainda podem vingar. As primeiras chuvas prometiam um bom ano, mas as enxurradas que se seguiram levaram todas as esperanças de se poder vir a tirar da terra alimento suficiente para sustentar a família. De dia para dia, corta-se em mais uma despesa. Primeiro as velas e o querosene, depois a refeição da manhã e, por fim, o almoço, ficando a ceia antes de se deitarem.

Quando, na outra ponta da plantação, Trywell chama o filho, o rapaz já desconfia do que aí vem, mas deixa-o falar:

_ Este ano não vamos conseguir pagar os teus estudos.

_ Não te preocupes com isso. Vou ajudar-te com as colheitas.

_ É claro que me preocupo! Mas só as matrículas custam o suficiente para termos comida durante duas semanas e meia.

_ Com a barriga vazia não temos escolhas, verdade?

_ Talvez para o ano possas regressar, nunca se sabe.

Em frente ao pai, William arma-se em valentão, mas, nessa noite, enterra a cabeça no colchão de palha e chora baixinho para ninguém ouvir. 

Um livro na biblioteca

 Foi na biblioteca da escola que William descobriu a solução para tirar a sua aldeia da escuridão 

Na semana seguinte, com o início das aulas, William não tem de ir à escola, mas despacha as tarefas do campo e sai esbaforido estrada fora como se estivesse atrasado para um compromisso importante. Só para à entrada da antiga escola primária. Deixa as crianças sentarem-se na sala e percorre o corredor, entrando na biblioteca do doutor Hartford Mchazime.

No meio de tanta escolha, é um livro de ciência com o título «Using Energy» (Usando a Energia) que chama a atenção dele. Tem na capa uma fileira moinhos de vento tão altos que entram pelo céu e furam as nuvens. Há mais fotografias nas páginas e ainda esquemas, desenhos, retas e circunferências explicando como montar um moinho igual. William anda a namorar o livro a algum tempo e não tira da cabeça a ideia de construir uma máquina como aquela nas traseiras da casa para gerar energia.

Hartford Mchazime está ali perto e fica intrigado com a escolha do miúdo. Ele podia ter levado livros de banda desenhada ou de aventuras, mas escolheu um manual de ciências.

_ O que vais fazer com isto? – Pergunta, apontando com o dedo para capa do livro.

_ Vou construir um igualzinho a estes – responde prontamente William.

Hartford sorri e faz uma festa na carapinha do rapaz, deixando-o passar.

_ Então boa sorte!

Uma gerigonça de ferro-velho

 William foi buscar rodas de bicicleta, hélices ou baterias velhas para construir o moinho 

William não faz a mínima ideia onde está metido, mas assim que pergunta ao pai que ferramentas há em casa, percebe que a missão seria bem mais complicada do que o previsto.

_ Temos uma chave de fendas, uns parafusos e umas porcas – explica Trywell, mostrando a caixa onde os instrumentos estão guardados.

_ Só com isso não vou a lado nenhum – solta desgostoso William, mas o pai encoraja-o a continuar.

_ E se procurares nos quintais dos vizinhos? Há por aí muita maquinaria avariada e abandonada com peças que podem ser usadas.

Os olhos de William acendem-se como duas estrelinhas na noite e, nessa mesma tarde, sai disparado, vasculhando quintais, bermas de estrada e baldios à procura de ferro-velho. Durante semanas, coleciona peças como um sucateiro a esgravatar o lixo. Tubos de PVC, uma hélice do ventilador de um trator, rodas de bicicleta, chapas de zinco, ripas de madeira, canas de bambu, baterias de carro, rádios partidos, amontoa tudo perto de casa para o caso de vir a precisar.

Dia após dia, o moinho fica mais alto, até atingir os cinco metros de altura. William decide ligá-lo a uma bateria de carro para armazenar a energia.

Nessa mesma noite, o moinho dele gera energia para acender quatro lâmpadas e ligar um rádio. O suficiente para fazer a festa lá em casa a ouvir e dançar música reggae. A gerigonça atrai, nos dias, a seguir a vizinhança que, desconfiada, aparece a medo para ver de perto as invenções do rapaz.

_ O miúdo é um feiticeiro – sussurram entre eles – aquela coisa só vai chamar os maus espíritos.

William mostra aos vizinhos que não há magia por detrás da ciência. Explica como, usando a força do vento, é possível iluminar as casas sem precisar de lenha ou querosene. Aos poucos, eles vão acreditando que as proezas do rapaz são bem mais espetaculares que os misteriosos poderes dos espíritos.

Ventos que atravessam fronteiras

 Com o apoio de organizações internacionais, William construiu mais dois moinhos e foi estudar para os Estados Unidos 

O moinho de William é tão alto que pode ser avistado a dezenas de quilómetros, atraindo não só curiosos ali à volta como jornalistas, bloguers e até os organizadores das TED Talk. E a partir daqui tudo gira a grande velocidade. As TED Talk são conferências mundialmente conhecidas que põem as boas ideias, vindas de qualquer parte do planeta, a circular na internet. 

O moinho é motivo para irem buscar o rapaz, que viaja de avião até Nova Iorque. William espanta todos com o seu invento, angariando dinheiro para construir mais dois moinhos na sua aldeia. Um deles, com 12 metros de altura, capta os ventos acima das copas das árvores e consegue gerar eletricidade para mais seis casas. O terceiro usa energia solar para bombear a água dos poços usada na rega e na cozinha. 

Logo depois, William consegue uma bolsa para estudar na Academia de Liderança Africana, na periferia de Joanesburgo, na África do Sul, continuando os estudos no College Dartmouth, universidade no estado do New Hampshire.

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Espíritos apaziguados

 William tem uma fundação que já construiu painéis solares, produziu biogás ou comprou computadores para escolas 

O rapaz que um dia teve de desistir da escola licenciou-se em Estudos Ambientais. Com o diploma na mão, voltou à aldeia para gerir a sua fundação, Moving Windmills Project. Desde que saiu dos Estados Unidos, William já fez tanta coisa que o difícil é saber por onde começar. Construiu painéis solares, angariou fundos para computadores dos alunos do secundário, que agora têm também acesso a uma biblioteca digital.

Construiu também uma unidade produtora de biogás na vila de Masitala que usa estrume de vaca para gerar gás e substituir a lenha nas cozinhas. A fundação dele também ensina os aldeões a consertar e manter as bombas de água para poços, evitando que os dejetos e bactérias se infiltrem na rede.

O grande sucesso, contudo, são as duas equipas de futebol – uma de raparigas e outra de rapazes – apoiadas pela sua fundação. Cada vez que há um jogo, as aldeias ali à volta juntam-se para assistir às partidas. As mulheres aproveitam o acontecimento para vender bolinhos, sumos e cervejas. Quando o jogo acaba, a festa continua muito para lá do pôr do sol. Já ninguém tem medo da noite. Há quem desconfie que os espíritos gostam de ouvir as gargalhas das crianças e, por isso, deixam os vivos em paz.

Fontes consultadas: Fundação Moving Windills | TED Talks | William Kamkwamba blog | TED Speakers | Wikipédia

Fotos : Erik (HASH) Hersman via Flickr

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