Não é difícil imaginar como o computador revolucionou a maneira como hoje se trabalha, certo? Errado! Quando, no início da década de 1980, o computador chegou aos escritórios, já essa revolução tinha acontecido há muito tempo. Sim, o computador acelerou o ritmo de trabalho, esse é um mérito dele. Mas foi a máquina de escrever que mudou tudo.
Até ao final do século 19, os escritórios tinham quilos de papéis amontoados, mata-borrões, tinteiros ou canetas por todo o lado. Cartas, contratos, atas, folhas de registos, formulários e todo o tipo de documentos eram escritos à mão, com muita paciência, mas também muita perda de tempo. A máquina de escrever limpou as mesas da papelada e dos borrões de tinta.
Não se pense que, por serem pesadas e barulhentas, eram lentas. Tudo dependia da agilidade de cada um. Os funcionários bem treinados eram capazes de datilografar em média 100 palavras por minuto. Era preciso prática, pois claro, e os cursos de datilografia serviam para isso mesmo.
Saber escrever à máquina foi um trunfo das mulheres para entrar nos escritórios, lugares só de homens até ao final do século 19.
Nessa altura, eles ainda achavam que o lugar delas era em casa a cuidar dos filhos e das tarefas domésticas ou então entretidas com bordados e lições de piano.
Mas, perante o fracasso na comercialização da máquina de escrever, a primeira fabricante, a Remington and Sons, lançou uma nova campanha de marketing, virando-se agora para o público feminino. Diziam eles que a sua invenção foi feita a pensar nelas. As teclas (ou chaves) precisavam de dedos delicados e não de patorras desajeitadas. Mais do que força, a dactilografia exigia habilidade e talento, tal como as teclas de um piano.
A entrada das mulheres nos escritórios
A máquina de escrever foi feita para dedos delicados e não para patorras desajeitadas.
A ideia pegou num instante. Elas não perderam tempo, aprendendo rapidamente a escrever à máquina e entrando no mercado de trabalho como secretárias eficientes e despachadas. Havia praticamente um curso de datilografia em cada esquina. Salas cheias de mulheres enfileiradas a escrever como máquinas. Isto é, carregando nas teclas a uma velocidade doida e sem olhar para o teclado. A primeira regra que se ensinava era a posição das letras e como usar os 10 dedos para escrever.
Cada dedo tinha uma série de letras atribuídas. Hoje, tudo isso parece uma perda de tempo. Quem se dá ao trabalho de decorar e treinar todas as posições das teclas? Ninguém, mas o certo é que a eficiência das secretárias poupou muito tempo e dinheiro às empresas. Desde que o computador substituiu a máquina de escrever, não descolámos mais os olhos do teclado, tal qual as galinhas a bicar o milho do chão, procurando pela tecla com o acento circunflexo ou o pelo símbolo da percentagem ou então pelo ponto de exclamação.
Escrever com dois ou três dedos no máximo… Que desperdício! Faz sentido só alguns trabalharem e os outros ficarem ociosos? Muito mais justo será distribuir a tarefa por todos e acabar o trabalho em metade do tempo. Esse foi o segredo das secretárias. Elas foram tão importantes para as empresas como para a independência das mulheres.
Escrever com todos os dedinhos
Uma aluna bem treinada escrevia 100 palavras por minuto.
O típico datilógrafo era uma mulher moderna, elegante que queria distância de bordados ou de bolos fofos acabadinhos de sair do forno. Foi o começo de um longo percurso para, a pouco e pouco, deixarem de ser o braço forte dos presidentes e passarem a ocupar lugares de topo das empresas – um caminho, aliás que ainda hoje se vai conquistando.
A máquina de escrever colou-se à imagem das secretárias, mas os escritores também martelaram muito nas teclas para escrever romances e, por acréscimo, lançar várias marcas para o estrelato. O americano Mark Twain (1835-1910) disse ter sido o primeiro a datilografar os seus originais, usando uma Remington N.º 2 para escrever As Aventuras de Tom Sawyer.
A escritora britânica Agatha Christie (1890 – 1976) escreveu os seus policiais numa Remington Victor T. O famoso autor de livros infantis Dr. Seuss (1904-91) usou uma Smith-Corona para dar gás às aventuras de personagens como Grinch ou o Gato do Chapéu. Ian Fleming (1908-64), que deu vida ao espião James Bond, tinha uma Triumph Gabriele. Clarice Lispector (1920-77), uma das maiores escritoras brasileiras, ficou conhecida por escrever com uma Underwood ao colo.
A máquina de escrever tornou-se numa ferramenta de trabalho indispensável para os escritores, tal como agora é o computador.
Mas com uma grande diferença. Um romance – ou qualquer outro tipo de texto literário datilografado – , é escrito, riscado e reescrito várias vezes. Não há uma tecla «delete» para apagar os erros, corrigir ou substituir palavras. Não se pode cortar uma frase de um lado para colar no outro. Nem mudar uma vírgula ou tão pouco retirar um ponto final só para acrescentar mais uma ideia.
Muitos escritores guardaram as primeiras versões dos seus romances. São folhas e mais folhas datilografadas com tudo à mostra: erros, rabiscos, sublinhados, setas, círculos à volta das palavras e anotações nas margens desvendam como é o processo de criação. O computador, quando chegou, engoliu isso tudo, não deixando um único vestígio. Lemos um livro da primeira à última página e nem sequer pensamos que boa parte daquelas frases e palavras foram escritas e rescritas várias vezes até o autor ficar feliz.
O trabalho invisível
O computador apaga o esforço do escritor, mas a máquina de escrever não esconde nada.
A máquina de escrever é o único instrumento de trabalho que não esconde nada. E isso não acontece com nenhuma outra profissão. Quando comemos um bolo, não nos damos conta de que foi preciso um pasteleiro misturar os ingredientes até a massa ficar cremosa. O mesmo acontece quando, por exemplo, nos sentamos numa cadeira – ninguém se lembra que houve um designer que passou horas a desenhá-la e um carpinteiro que serrou e martelou as tábuas.
A obra surge nas prateleiras de uma grande superfície, nas montras de uma pastelaria ou na estante de uma livraria. Sem marcas de gordura, aparas de madeira ou borrões de tinta. Tudo aparece limpo e parece fácil. Só quem se deu ao trabalho sabe o trabalho que deu. A máquina de escrever revelava o outro lado das obras feitas.
Quem inventou a máquina de escrever?
Não houve um único inventor, os historiadores, aliás, calculam que a máquina de escrever foi inventada pelo menos 52 vezes até ganhar forma e função definitivas. A primeira tentativa é do engenheiro inglês Henry Mill que, em 1714, desenhou uma máquina tão complicada que nunca saiu do papel. Mas foi ele a abrir o caminho para outros aperfeiçoarem o engenho.
Pelo caminho, houve muitos fracassos, desde Pellegrino Turri (1808), a William Austin Burt (1829), até ao padre brasileiro Francisco João de Azevedo (1862). Todos os modelos eram grandes, desajeitados e mais lentos do que a escrita a mão. Foi preciso esperar pelo ano de 1867 para o tipógrafo americano Christopher Latham Sholes (1819-1890) apresentar a primeira máquina de escrever que funcionava. O invento foi mais tarde comercializado com sucesso pela fábrica de armas Remington and Sons, de Nova Iorque.
Muito pouco mudou desde a invenção de Sholes, foi só a partir da segunda metade do século XX que surgiram versões mais avançadas como a máquina elétrica e, mais tarde, a eletrónica. Os modelos da última geração já eram bastante sofisticados, com memória, recursos de programação e quase 20 vezes mais rápidos do que os seus antecessores.
Hoje, a máquina de escrever é uma peça de museu ou uma raridade num antiquário, mas não foi assim há tanto tempo que elas deixaram de ser comercializadas. A última foi vendida em abril de 2011. Com o fecho da multinacional Godrej & Boyce, com sede em Bombaim, na Índia, a máquina de escrever também deixou de ser fabricada.