As frases, quando são orelhudas, quebram todas as regras gramaticais e entram logo no vocabulário. Elas vêm de toda a parte, dos slogans publicitários, dos humoristas, das caneladas no futebol ou das grandes deixas do cinema e da literatura.


«Problemas?» – Pergunta o mordomo às camareiras ao reparar na entrada do hotel lavada, mas sem brilho. De seguida, passa uma bola de algodão pelos mosaicos e mostra a sujidade agarrada: «O hall é limpo, mas não foi limpo como devia». Não podia ser mais desengraçado este anúncio, de 1997, ao detergente Sonasol. Mas o seu o final é inesquecível.

«O algodão não engana!»  – Conclui o mordomo.

A partir daí, a frase escapa da televisão e transforma-se numa expressão popular para tirar teimas ou ir ao fundo das questões.

A maioria das frases ditas da boca para fora evapora-se sem deixar vestígio. Muito poucas são originais o suficiente para sobreviverem mais do que quatro ou cinco segundos. Mas há algumas que ficam. Saltam de slogans publicitários, de entrevistas a figuras públicas, do cinema ou de ‘sketches’ humorísticos e entram nas graçolas do quotidiano, servindo até de muletas quando não há mais nada para dizer.

O baú dos slogans publicitários


 «Há mar e mar, há ir e voltar», «Aquela máquina», a publicidade é um baú sem fundo de slogans que se colam na língua. 

Em muitos casos, não é difícil perceber o motivo de certas expressões se colarem instantaneamente às conversas do quotidiano. Elas têm tudo para ser um sucesso: são curtas, compactas e cheias de piada. «Eu é mais bolos…»respondeu José Severino, um pasteleiro convidado por engano para falar sobre radiocomunicações num talk show televisivo.

A frase do personagem de Herman José, no programa Hermanias Especial Fim de Ano, em 1991-92, ainda hoje é recuperada quando alguém se sente pouco à vontade para falar sobre um determinado tema.

Quer-se dizer… Eu é mais bolos…

Mas a publicidade é que é um baú sem fundo de slogans para a posteridade. «O que é Nacional é bom» (1986) transformou-se numa declaração de patriotismo e de orgulho pelos produtos made in Portugal. E «Vá para fora cá dentro» (1995) convidou os portugueses a conhecer o país. Mas há mais, muito mais: «Ambrósio! Apetecia-me tomar algo…»,- Ferrero Rocher (1995), «Branco mais branco não há» – Tide (1997), ou «Tou xim?… É pra mim – Telecel (1996).

Tou xim? Só um momento. É para mim!

Mas chega de publicidade! Há também frases históricas com fartura nos livros, na música ou no cinema. Começando pelos filmes portugueses, ninguém se esquece das tiradas de Vasco Santana: «Chapéus há muitos!», Canção de Lisboa (1933), usada quando se quer mostrar que algo não tem importância. Ou «Evaristo, tens cá disto?», Pátio das Cantigas (1942), sem significado especial, provavelmente só não caiu no esquecimento por ter sido Vasco Santana a dizê-la.

Há outras expressões que resistiram sem precisarem da mestria do ator: «I’ll be back» – avisou Schwarzenegger em Exterminador Implacável (1984). Ao fim de quase três décadas e meia, continuamos a usar a expressão, com o mesmo tom robótico, sempre que damos por perdida uma batalha, mas prometemos regressar para vencer a guerra. «Hasta La vista Baby», outra pérola, desta vez, saída do Exterminador Implacável 2 (1991). Significa o mesmo que «até qualquer dia», mas com muito mais estilo.

«May the force be with you». Não é preciso ser um maluquinho pela saga da Guerra das Estrelas (1977-2018) para reconhecer instantaneamente que nos estão a desejar boa sorte. «You talking to me?» – pergunta Travis Bickle em Taxi Driver (1976). O filme de Martin Scorcese já tem mais de quatro décadas e, ainda hoje, há pelo menos uma pessoa que, todos os dias, vai ter com o ator Robert de Niro, só para lhe perguntar: «You Talking to me?»

Grandes frases do cinema


 «Muito mais estiloso do que despedirmo-nos com um «até amanhã» é usar os óculos escuros, sorrir e dizer «Hasta la vista, baby!»  

Na música isso seria mais difícil. As expressões (ou melhor, as líricas) entram mais depressa no duche do que nas conversas. Ainda assim, haverá pelo menos uma obrigatória. «…não sabe nadar yo!» é o primeiro megassucesso do hip-hop português. Mas, não menos importante, o refrão da música dos Black Company foi também repetido até ao enjoo em casas, escolas, cafés ou nas ruas.

Toda a gente, em algum momento, cantou ou disse que alguém «não sabe nadar yo!» em greves e manifestações, contra governantes ou treinadores da bola. O refrão ganhou até honras de chefe de Estado quando o então presidente Mário Soares também gritou «As gravuras não sabem nadar!». Desta vez para lutar contra a barragem no Vale do Côa, que em 1995 ameaçava afundar os desenhos do Paleolítico Superior.

Mas voltemos ao Herman José, que vale bem a pena. Ele sozinho lançou mais expressões para as bocas do povo do que dezenas de campanhas publicitárias. «Resmas /paletes de gajas ats de mim», «Não havia necessidad, «Eu é que sou o presidente da Junt, «Caturreir, «Fantástico, Melga, «Let’s look at the traila», «Este homem não é do Norte!», «Onde é que você estava no 25 de Abril?». Foi um chorrilho de expressões que brotaram como cogumelos, a partir dos anos 1997-98.

São tiradas de Nelo (e Idália), do Diácono Remédios, da Super Tia, do Melga (e Mike) ou de Lauro Dérmio. E muito antes destas personagens do Herman Enciclopédia ganharem vida, outras tantas estavam já bem entranhadas nas graçolas que se faziam à custa de Maximiana – «Ó pra mim, no Humor de Perdição (1987-1988), de Serafim Saudade – «O verdadeiro artista», no Hermanias, em 1985, ou de Cachucho (e Natacha) – «Foge p’ra casa da mamã, no Casino Royal em 1990.

O Homem a quem parece que aconteceu não sei quê… – Gato Fedorento

Ao longo de quase 30 anos, as personagens de Herman povoaram as piadas dos portugueses. É façanha difícil de superar, mas o que os Gato Fedorento fizeram com um único ‘sketch’, em 2003, também não é para se menosprezar. «O Homem a quem parece que aconteceu não sei quê…» dura menos de minuto e meio, mas foi o suficiente para popularizar expressões que nunca mais acabam. «Certas e determinadas situões», «Ah e tal, «Maaau», «… falam, falam, falam, falam, falam, falam, , e eu não os vejo a fazer nada», «com certeza que fico chateado, ! Está a perceber?».

Depois disso, eles lançaram para o estrelato muitas outras expressões – «Tesourinho deprimente», «Derivado a…» ou «De maneiras que» -, mas o curto desabafo de Fonseca é um marco. A personagem, desempenhada por Ricardo Araújo Pereira, parece-se mesmo com «certas e determinadas» pessoas com quem nos cruzamos por aí. Gente que passa a vida a deitar conversa fora e, depois de tudo espremido, não fica nada. A piada, para lá da piada, é serem justamente as frases feitas que ninguém presta atenção a fazerem o sucesso deste ‘sketch’.

O humor à solta nas ruas


 «Derivado a» serem humoristas, Herman e os Gato Fedorento lançaram mais expressões do que «resmas» de campanhas publicitárias.  

Parece até que todas estas expressões surgiram do nada. Pode ser verdade em alguns casos, mas o mais provável é a maioria ser resultado de horas e horas a escrever, reescrever e a ensaiar para, na altura certa, soarem como espontâneas. Regra geral, é assim que os humoristas, os compositores ou os escritores trabalham. Não pensem que George Orwell teve um momento de inspiração quando atirou para as páginas do seu livro 1984 «Big Brother is Watching You». Ou que Shakespeare colocou, sem mais nem menos, na voz de Hamlet a mais famosa dúvida da literatura: «Ser ou não ser, eis a questão!».

As tiradas inesquecíveis dão muito trabalho, a não ser que sejam enganos ditos no calor do momento. Os jogadores da bola são especialistas neste tipo de calinadas. O que, vendo bem, não é assim tão difícil de entender. Os futebolistas estão constantemente na televisão. Ou é porque perdem, ou porque ganham ou porque empatam, os jornalistas não os largam e, de tanto despejarem frases feitas, acabam por meter o pé na argola.

As calinadas da bola


 De tanto falarem na televisão, os jogadores da bola acabam por enfiar o pé na argola.  

Há tantos exemplos que o difícil é escolher. «Vão vir charters» ou «Sócio, por favor, estou concentradíssimo», da autoria de Futre, «O burro sou eu?», de Scolari quando treinava a seleção no Euro 2004, «Faca de dois legumes», de Jaime Pacheco ou «forno interno do clube», de Jorge Jesus.

Mas é João Pinto, antigo capitão do FC Porto, que merece a gratidão de todos os portugueses. Ele é o autor dos melhores pontapés na lógica semântica. «Sim, estamos felizes porque estamos contentes» ou «O meu coração só tem uma cor: azul e branco». Foram muitas mais as frases lançadas pelo ex-jogador, mas pelo menos uma ficará ainda por muito tempo no vocabulário da língua portuguesa: «Prognósticos só no fim do jogo!». E com esta chegamos ao fim. Da melhor maneira.

Por falar em frases, já leste o artigo: «Quanto pesam as palavras?»