Marias, por favor, não fiquem ofendidas com o que se segue. Nem os Franciscos, os Rodrigos, as Anas ou as Sofias. O Bicho Que Morde sabe que vocês são os mais populares da escola, do bairro e até do país. O vosso reino não está em perigo. Mas hoje é dia de mostrar outros nomes próprios, que raramente têm oportunidade para aparecerem.


Até porque, se forem sempre os mesmos, é um bocadinho aborrecido esse passinho de dança. Quando não é a Maria é a Ana e quando não é a Ana é a Maria. Ou quando não são os dois nomes a se unirem no mesmo nome. E o mesmo para vocês rapazes. Se não é José, é João, já para não falar do José Maria ou do João Maria, duplas invencíveis, mesmo para quem está na I divisão, como os Franciscos, as Joanas, os Andrés, as Leonores, os Duartes, as Matildes ou os Rodrigos.

A até mesmo os Santiagos, os Afonsos, os Salvadores, as Carlotas, as Beneditas ou as Camilas, que regressaram em grande do passado. Não é qualquer um ou qualquer uma que escala desde os confins de décadas e séculos e chega aos lugares de topo. É proeza, sim senhora, mas não é motivo para cantar de galo.

Ninguém julgue que, chegando ao pódio, pode ali ficar sentado de perna traçada a contemplar a vista.

Neste jogo dos nomes, há muita competição. Não sabemos se, neste preciso momento, uma Catarina, uma Alexandra ou um Miguel não estarão a subir degrau a degrau para, sem fazerem barulho, reconquistarem o troféu perdido algures no início do milénio. Os nomes são como as marés, vão e vêm. Tirando, obviamente, o quarteto imbatível composto pela Maria, Ana, João e José. E tirando também os que foram e não voltaram.

São precisamente esses que o Bicho Que Morde quer trazer à memória para não se perderem para sempre.

São tantos, mas tantos, que é impossível nomeá-los a todos. Quando achamos que não pode haver mais, aparece uma carrada deles para mostrar que todos juntos são, provavelmente, mais do que as Marias, as Anas, os Josés ou os Joãos  – ou será Joões?

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O plural de João é Joões. A maior parte dos substantivos terminados em ão faz o plural em ões: botão, garrafão, lampião, coração, etc. Podes prosseguir com a leitura. 😉

Reis, rainhas e artistas


Armandina, Aparecida, Balbina, Benilde, Amadeu, Adalberto, Amândio, Anastácio, Antenor, Abílio, Adolfo, Aguinaldo, Custódia, Cidália, Clementina, Clotilde, Cremilde, Capitolina, Belarmino, Clemente, Casimiro, Deodato, Deolinda, Diamantina, Ernestina, Eulia, Esperança, Dionísia, Dolores, Elvira, Encarnação, Etelvina, Ernestina, Eulália, Esmeralda, Ernesto, Ezequiel, Eurico, Fabrício, Fausto, Felisberto, Filinto, Gregório, Hilário, Heliodoro, Horácio, Glória, Graciete, Generosa, Genoveva, Geraldina, Henriqueta, Helga, Iolanda, Isolda, Isolina, Ivone, Higino, Igcio, Inocêncio, Jarbas, Ilídio, Ivo, Ismael, Jacinto, Juvenal, Leónidas, Ludovico, Licínio, Glória, Laurentina, Lisete, Leontina, Marcelino, Malaquias, Nestor, Narciso, Onofre, Onorato, Honorato, Octávio, Olavo, Otelo, Pascoal, Quintino, Quirino, Romeu, Raimundo, Ramiro, Rodolfo, Miquelina, Nazaré, Odete, Ofélia, Palmira, Preciosa, Perpétua, Piedade, Quitéria, Ricardina, Rubina, Severa, Umbelina, Valentina, Virgília, Vitória, Zulmira, Simplício, Severino, Serafim, Tibério, Valdemar, Ubaldo, Zacarias.

Cada um desses nomes teve os seus dias e é preciso respeitar esse glorioso passado. Boa parte deles foram reis, rainhas e outras nobrezas, antes de caírem em desgraça. Henriqueta foi Ana de Inglaterra que, por sua vez, já era filha de Henriqueta de França. Mécia, de nome completo Lopes de Haro, é a rainha que nunca chegou a ser rainha porque viu o seu casamento com Sancho II anulado pelo papa Inocêncio IV, no Concílio de Lião.

Hermenegildo, de apelido Guterres, foi dono de quase metade da Galiza e de vastas terra dos Condado Portucalense. Sebastião é o I de Portugal, desaparecido em Alcácer Quibir com apenas 24 anos. E Lucrécia é Bórgia, a filha do papa Alexandre VI e amaldiçoada só por pertencer à família mais poderosa, corrupta e sanguinária do renascentismo italiano.

Outros nomes são imortais porque irão sempre lembrar as figuras maiores das artes, da literatura ou da música. Amadeu de Souza-Cardoso, o pintor português da primeira geração dos modernistas. Josefa de Óbitos, a primeira pintora profissional, também portuguesa. Urbano Tavares Rodrigues, o escritor e jornalista, nascido em Lisboa e filho de outro escritor também Urbano, mas da Palma Rodrigues. Cesária Évora, a cantora de mornas de Cabo Verde. E também Cesário Verde, o poeta que alguns estudaram na escola.

Lembremos também os que, por mais sérios que sejam, são tão cómicos que ninguém consegue abafar um risinho. Mas é sem maldade, esperemos que possam compreender.

Anacleto (faz lembrar um esqueleto). Pancrácio (parece que têm o pâncreas inflamado).  Tibúrcio ou Tibúrcia (não devem ter vida fácil com este nome). Bonifácia ou Bonifácio (só podem ser boas pessoas). Generosa (faz por aqui muita falta), Bernardete (só podia ser coquete).

Santos, pecadores e esquecidos


Há ainda as aves raras que andam por aí alegres e contentes com os seus nomes nas bocas do grande público. Isidro, o apresentador de televisão. O nome completo é Júlio José de Pinho Isidro do Carmo. Mas ele escolheu justamente o Isidro para distingui-lo dos restantes Júlios. O [António] Victorino d’Almeida, compositor, maestro e pianista. Ou o cantor alentejano Vitorino Salomé, que é simplesmente Vitorino. E Plácido, o Domingo, que é tenor espanhol e cujo primeiro nome até é José.

O Otelo Saraiva de Carvalho, capitão de Abril. E também o outro Otelo, o mouro de Shakespeare. É certo que só existe nos palcos, mas merece estar nesta lista. Nem que seja por ser o primeiro a introduzir, ainda em 1604, o tema fraturante do casamento entre diferentes raças.

Não nos esqueçamos dos que tiveram uma segunda oportunidade só porque apareceram na televisão. Leopoldina era nome de princesa – que, por sinal, viveu infeliz ao lado de D. Pedro I, no Brasil. Mas, não é essa de quem toda a gente se lembra. É sim daquela avestruz amarela do «mundo encantado dos brinquedos».

Maximiana não tem nenhuma figura famosa para exibir, mas também não precisa. Desde que apareceu no programa de Herman José, «Humor de Perdição», ninguém mais se esqueceu dela. Perguntem aos vossos papás, se não acreditam.

 Ambrósio é santo com uma basílica na cidade de Milão, em Itália. Mas, sempre que o seu nome é pronunciado, há logo alguém a dizer: «Apetecia-me algo…» e, geralmente, esse «algo» é um chocolate Ferrero Rocher.

E já que o assunto são os santos, relembremos os nomes mais estrambólicos que, só por serem abençoados, se tornarem populares entre os comuns mortais: Gervásio, Protásio, Tadeu, Balbina, Bartolomeu ou Guadalupe.

E porque a lista já vai longa, terminemos com os que nem pelo corretor ortográfico dos softwares dos computadores são já reconhecidos: Virgolina, Tolentina, Idelfonso ou Oronato.

A todos os nomes que se enrolam na língua, que se engasgam na garganta, que pertenceram a rainhas, que fazem rir, mas também chorar, não há motivo para pensar que são menos do que os outros. Quem os ouve uma vez não se esquece mais deles. Só por isso, não irão desaparecer.