Idolatramos o cérebro por ser o suprassumo da inteligência. Amamos o coração por espalhar amor pela circulação sanguínea. Adoramos o sistema digestivo por não nos deixar passar fome. E somos eternamente gratos ao aparelho respiratório, a nossa brisa fresca todos os segundos. Mas, e o fígado, por que nunca nos lembramos dele? Para acabar com tamanha injustiça, o Bicho-que-Morde presta-lhe uma humilde homenagem. Obrigado, querido fígado, sem ti não poderíamos apreciar o lado belo da vida. Está na hora de reconhecer tudo o que fazes pela nossa saúde.

O fígado é aquele colega estranho e antissocial que todas as empresas têm. É tão tímido que nem se dá pela sua presença. Mas ele não se importa, nem sequer leva a mal que ninguém pergunte o que faz encafuado no seu escritório. Até ao dia em que adoece. É então que toda a gente põe as mãos na cabeça e grita em desespero:

_E agora, o que vai ser de nós?!

Antes de chegar a esse ponto, vamos descobrir quais as suas funções e prestar-lhe a devida atenção.

O fígado é um funcionário multifacetado e com muitos talentos. Ele é como um rececionista, que verifica e regista toda a correspondência. É também o responsável do armazém, que decide o que guardar, o que deitar fora e o que pode ser reaproveitado. E é, ainda, o gestor de crises, que sabe exatamente o que fazer quando há falhas de fornecimento na central de energia.

O fígado, um dos maiores órgãos do corpo humano, está ligado ao tubo digestivo através da veia porta hepática. Por essa abertura passam praticamente todos os nutrientes, mas também as substâncias nocivas que ingerimos. Assim que chegam ao seu território, as hormonas e vitaminas são cuidadosamente retiradas e recicladas. As bactérias, essas, são imediatamente eliminadas. As células sanguíneas antigas, após filtradas e decompostas, servem para fabricar a bilirrubina, que o corpo expulsa através das fezes e da urina.

Nenhum inimigo escapa!

Fígado

O fígado neutraliza todas as substâncias tóxicas maleficamente introduzidas pelos inimigos.

O fígado é um estratega de mão cheia, conhece mil e um artifícios para neutralizar as substâncias tóxicas maleficamente introduzidas pelos nossos inimigos. O álcool, por exemplo, é imediatamente reduzido a acetaldeído, um composto com menos hidrogénio. Como ele ainda tenta resistir, é transformado de seguida em ácido acético, substância presente no vinagre. Finalmente, já completamente derrotado, só lhe resta aceitar ser expulso do organismo em forma de água e CO2.

O fígado produz também até um litro de bílis todos os dias, um líquido verde-oliva, que vai diretamente para a vesícula biliar e para o intestino delgado (duodeno), ajudando o organismo a decompor e a absorver a gordura.

Entre inúmeras outras tarefas, ele também é responsável por regular a doçura no sangue. Após uma grande almoçarada, o fígado retém o excesso de açúcar – sob a forma de glicogénio -, soltando-o mais tarde, quando os níveis estão em baixo. O mesmo acontece, aliás, com vitaminas e minerais, como o ferro e o cobre, libertados pelo fígado sempre que necessário.

O seu papel é ainda decisivo no metabolismo das proteínas: as células hepáticas alteram os aminoácidos nos alimentos para serem usados na produção de energia, hidratos de carbono ou gorduras. Deste processo, resulta o amoníaco, uma substância tóxica, convertida em ureia pelo fígado, permitindo aos rins expulsá-lo através da urina.

Não abusem da generosidade!

Fígado

Ao exagerar no sal, açúcar e gordura,o fígado, torna-se incapaz de nos proteger.

Já deu para perceber que o fígado é um funcionário altamente especializado e muito competente. Mas, se lhe dermos demasiadas preocupações, pode rapidamente entrar em burnout. É inteiramente compreensível, não acham? Ninguém aguenta estar sempre a trabalhar. Sem tempo para a família, nem fins de semana para ver a bola, ir ao cinema ou ler um bom livro antes de ir para a cama.

Ao sobrecarregá-lo com açúcar, sal, gordura ou refeições pobres em fibras e vitaminas e, se ainda por cima, não mexemos um dedo para queimar as calorias, está-se mesmo a ver qual será o resultado. É o desrespeito pelo seu trabalho que faz um bom fígado virar um mau fígado. O nosso melhor funcionário deixa subitamente de dar conta do recado. Perde a concentração, comete falhas a torto e a direito e regressa a casa exausto e desanimado.

O que talvez não saibam é que, mesmo cansado e maltratado, o fígado faz das tripas-coração para nos dar uma segunda oportunidade.

Ele é o único órgão do corpo humano capaz de se regenerar sem deixar marcas ou cicatrizes.

Basta que, para isso, entre no bloco operatório e peça ao cirurgião para lhe remover o tecido doente. Se mais de metade da sua superfície estiver saudável, conseguirá em pouco tempo voltar à boa forma (e tamanho) de sempre.

Mas não julguem que o milagre se pode multiplicar vezes sem conta. Todos temos um limite e, nisso, o fígado não é diferente dos restantes mortais. É por isso que devemos dar-lhe férias e fins de semana, um direito, aliás, de todos os estudantes e trabalhadores. Podem estar certos de que, ao sentir-se amado e reconhecido, o fígado continuará a trabalhar alegremente pela nossa felicidade.

🤯Aproveita também para descobrir quantos malabarismos faz o cérebro.