Se toda a gente partilha uma notícia é porque só pode ser verdade, certo? Não! Nem tudo o que aparece no Facebook, no Youtube, no Tik Tok ou no WhatsApp é de confiança. Saber como funcionam estas plataformas digitais é o primeiro passo para entender como uma fake news se transforma rapidamente numa praga. Vamos lá, então, desmontar a lógica das redes sociais para descobrir como as notícias podem ser distorcidas, espalhando o medo, a violência e a confusão.
Uma fake news é como um vírus que encontrou, no seu caminho, uma multidão para se reproduzir ininterruptamente. A comparação ajuda a compreender como uma notícia falsa se pode alastrar, destruindo o bom nome de pessoas, virando uns contra os outros, desacreditando a ciência ou pondo a nossa saúde em perigo.
A teoria dos matemáticos da Universidade do Indiana, nos Estados Unidos, mostra justamente como as fake news seguem o mesmo percurso de um vírus, infetando o máximo de pessoas até virar uma pandemia. Para a missão ser bem-sucedida, no entanto, há pelo menos três conspiradores que precisam de trabalhar juntos nas redes sociais.
👆 Passa com o dedo ou com o cursor em cima dos retângulos para conhecer quais são.
▪▫▪ abundantes quantidades de informação a circular;
▪▫▪ pouco tempo para prestar atenção a tudo e selecionar o que vale a pena partilhar;
▪▫▪ e, por fim, as partilhas intuitivas e impulsivas.
Estão, então, reunidas as condições para as piores notícias começarem a circular. Mas, antes de tudo, não se esqueçam que, para qualquer disparate se tornar viral, é preciso que alguém carregue num botão. No universo paralelo das redes sociais, cada pessoa é um pontinho ou um nó ligado a outros pontinhos que representam os amigos e seguidores. Tudo o que fazemos, por isso, terá sempre uma reação em cadeia.
Tal como acontece com uma gripe, ao estarmos expostos a uma notícia falsa, a probabilidade de sermos contagiados/as é grande. Mas, se no caso do vírus, basta uma espécie para originar uma pandemia, as variedades das fake news são múltiplas e a disparar para áreas tão distintas como saúde, educação, política, ambiente, cultura, desporto… tudo! Enquanto os virologistas têm de encontrar a vacina contra uma estirpe da gripe de cada vez, o número de disparates a circular nas redes sociais é assustadoramente espantoso.
Por detrás de cada fake news, está sempre alguém que montou uma fábrica de notícias falsas para atrair um maior número de pessoas ao seu website. O processo envolve várias etapas, como roubar conteúdos de outros sites, adulterá-los e fazê-los passar por verdadeiros. O intuito é tirar o máximo lucro com as receitas dos anúncios, mas também há quem queira influenciar as crenças e os ideais políticos. A estratégia só resulta usando as redes sociais, o trampolim para angariar o maior número de visitantes. Um dos truques muito comum é criar falsos perfis nas redes sociais e publicar os artigos, geralmente sensacionalistas, em grupos do Facebook, por exemplo.
Como um disparate se torna credível
As notícias falsas sobre o 5G e a pandemia geraram medo e protestos na rua por toda a Europa.
O que também é espantoso é a capacidade de uma mentira altamente improvável se tornar viral em menos de nada. A esse fenómeno, os especialistas chamam de «reforço social» e acontece quando o mesmo disparate é sucessivamente partilhado pelos vários pontinhos que constituem a nossa rede. Se, por exemplo, lermos nos nossos feeds «As antenas 5G transmitem a covid-19» ou «as vacinas contra o SARS-COV-2 contêm chips usados para controlar a população através de antenas 5G», o nosso primeiro instinto será pensar: «Isso é ridículo!».
Entretanto, vemos um segundo post a dizer o mesmo e, depois, outro e outro e outro. Às tantas, o que nos parecia ridículo torna-se possível, aumentando a probabilidade de virmos também a partilhar o disparate com os outros pontinhos da nossa rede. Essa é uma forma simples de explicar os mecanismos da mente. O processo, no entanto, é muito mais complexo e não está inteiramente decifrado.
Há vários investigadores que, neste momento, estão a explorar os intrincados artifícios mentais que levam a que uma determinada fake news seja partilhada em vez de outra qualquer. As notícias falsas sobre as redes 5G demonstraram, por exemplo, como muitas outras causas podem funcionar como uma caixa de ressonância. Os exemplos do 5G, retirados do Portal 5G da Anacom, não são fictícios. São casos reais de informações falsas que circularam nas redes sociais, provocando medo e até revoltas nas ruas em muitos países como Portugal, Inglaterra, Estados Unidos ou Austrália.
E o momento em que surgiram nas redes sociais foi decisivo para serem propagados a uma velocidade estonteante. A instalação das redes 5G coincidiu com o auge da pandemia. Confinados em casa e aterrorizados perante um vírus medonho e desconhecido, muita gente refugiou-se nas redes sociais para esquecer o isolamento. São, por isso, vários os botões que podem desencadear uma pandemia de notícias falsas.
A lei cega do algoritmo
O algoritmo identifica padrões de comportamentos e determina o que vemos nas redes sociais.
O principal botão, aliás, está no uso das novas tecnologias que dão o impulso para as fake news acertarem em cheio nos seus alvos. Todos já ouvimos falar do famoso algoritmo e não é por acaso. Ele é um dos maiores responsáveis por acelerar a velocidade com que as notícias falsas se alastram como uma praga.
Noah Giansiracusa, professor de Matemática da Universidade de Brown, nos Estados Unidos, explica no livro «Como os Algoritmos Criam e Previnem Notícias Falsas», que a inteligência artificial (IA) pode ajudar a combater as mentiras a circular nas redes sociais. Só que, por enquanto, estes softwares programados para pensar como humanos apenas têm contribuído para aumentar a loucura.
A sua investigação está sobretudo focada em algoritmos de aprendizagem profunda e inteligência artificial (DeepLearning.AI), programas especializados que permitem aos computadores identificar padrões entre diferentes conjuntos de dados. Sempre que estamos no Facebook, no YouTube ou no Tik Tok, por exemplo, deixamos um rasto de migalhas digitais. Juntando todas estas partículas, é possível ficar a saber do que gostamos, o que partilhamos, o que lemos ou vemos na Internet. Toda essa informação é processada por algoritmos de IA e usada para prever e influenciar o nosso comportamento da próxima vez que estivermos a navegar em websites ou redes sociais.
O objetivo do algoritmo não é contaminar toda a gente com notícias falsas, naturalmente. Ele está antes concentrado em identificar quais os anúncios que chamam a nossa atenção. Temos a tendência para encarar as redes sociais e os motores de busca como plataformas que ajudam a procurar e a filtrar a informação. O que é verdade, em parte, mas Noah Giansiracusa alerta para um detalhe que geralmente não damos muita importância. O Facebook, o Youtube ou o Google são, antes de qualquer outra coisa, empresas. A sua razão de existir, portanto, passa por captar a atenção do maior número de clientes e com isso maximizar os lucros.
Romper a bolha virtual
Perceber qual é a lógica por detrás de uma notícia falsa é meio caminho para travá-la.
Mas os algoritmos de aprendizagem, concebidos para imitar a inteligência humana, não sabem distinguir o falso do verdadeiro, guiando-se cegamente pelo nosso padrão de comportamento. O que fazer então para lutar contra a obsessão do algoritmo?
Desmontar e perceber qual é o mecanismo que ele usa para nos cativar será o primeiro passo. O outro é, talvez, perceber que as redes sociais não são o único lugar onde procurar a informação e divertimento.
A Matemática, por exemplo, dá uma ajuda, mostrando como as estatísticas podem ser distorcidas. A História também dá lições sobre como ao longo do tempo foram vários os regimes a usar campanhas de propaganda para manipular a opinião pública. A Arte pode demonstrar como as imagens são facilmente modificadas. A verdade é que todas as disciplinas dão o seu contributo, tal como os bons livros que lês, o cinema, o teatro, os museus, os jornais – que estão a atravessar um mau bocado com a falta de leitores – ou as conversas sobre mil e um temas interessantes com os teus pais, amigos ou professores.
Ou seja, praticamente tudo pode servir para construir um pensamento crítico, que ajuda a saber verificar factos, interpretar e avaliar as notícias. As redes sociais, guiadas pelas leis do algoritmo, são bolhas virtuais. Se não tivermos cuidado, elas afastam-nos de tudo o que é real. E a vida, essa, só acontece quando damos o salto para fora delas.