Não se percebe a razão para os sociólogos, os antropólogos ou os filósofos ainda não se terem debruçado seriamente sobre este assunto da maior importância: por que gostam tanto os portugueses dos diminutivos, como os inhos ou os zitos? Seja um convite para um cafezinho, um obrigadinho/a para agradecer, um coitadinho para lamentar ou um beijinho na despedida. ❤️
Em cada dúzia de palavras trocadas numa conversa, há um ou dois diminutivos para reduzir ou suavizar o tamanho das coisas, das pessoas, dos lugares ou de sentimentos. Nada a ver com o «poquito», o «despacito» ou sequer com os restantes quatro sufixos – illo/a – zuelo – ín/ina e ecito/a – dos hispânicos. Nem com as cinco diferentes terminações do holandês – je – tje – etje –pje e –kje.
Nenhum deles bate as cerca de três dezenas de sufixos na pontinha da língua portuguesa. O inglês também tem os seus casos curiosos como o «daddy», o «sweetie» ou o «tinny».
Mas, não são como os nossos diminutivos, em que basta colar três ou quatro letrinhas no finalzinho da palavra – geralmente um «INHO» ou um «ZITO» -, e já está! Um rapazinho, por exemplo, será sempre um «little/small boy» entre os anglo-saxónicos. E, já agora, um petit garçon entre os francófonos ou um kleiner junge para os alemães.
Há muitas línguas por este mundo fora a usar o diminutivo.
Exceção, talvez, para os nórdicos, como os dinamarqueses ou os suecos, que não perdem tempo com essas pieguices.
O português, esse, usa e abusa deles. Os sufixos podem ser colados aos pronomes (euzinha ou aquelazinha, populares entre os brasileiros), aos substantivos (peixinho, solzinho, friozinho), aos adjetivos (quentinho, bonzinho, gordinho) e até aos advérbios (devagarinho, pertinho, direitinho).
🌦 Chuvisco de sufixos
A variedade põe a cabeça a andar à roda. Não é só o INHO(A) e o ZINHO(A). Há ainda a SITA(O)/ZITA(O) para casita ou rapazito, por exemplo. O ISCAR para mordiscar ou chuviscar. Ou ISCO para marisco (pequeno animal do mar) e para asterisco que, na sua origem, é um astro mínimo na vastidão do universo.
Há também CULA(O) para película, cutícula (pele) ou gotícula, diminutivo de gota – que, por sinal, já é minúscula, mas alguém julgou não ser suficiente. Querem mais? EBRE para casebre, EJO para lugarejo, ECO para jornaleco, OCA para engenhoca, OTE para frangote, ITO para canito, ETE para murete, ILA para moçoila, ELHO para fedelho, ILHA para cartilha, INO para pequenino, UCHO para gorducho, USCO para chamusco, IM para pasquim e ICHO para rabicho.
E, agora, já chega? Só mais um porque tem mesmo piada (ou piadinha para não destoar): ELA para costela (costa), goela (do latim gulella, diminutivo de gula, garganta), ou tabela (do latim tabella, diminutivo de tabula, tábua).
Serve este último exemplo para introduzir peso do latim nos sufixos da nossa língua. Muitos diminutivos, aliás, deixaram de o ser há muito tempo, assumindo-se hoje como palavras de corpo inteiro.
Só mergulhando na sua raiz latina é que se descobre que, antes de serem mais, já foram menos.
O músculo, do latim musculu, é composto pela palavra mus (rato) + culo, que é a sua terminação diminutiva. Do mus saiu o mouse em inglês (ratinho em português). E por que está este roedor dos laboratórios associado ao músculo? A resposta está nos seus rápidos movimentos de contração e relaxamento.
Outro exemplo é caneta, um tubinho (ou cana) com uma ponta na extremidade. Cana veio do latim canna que, quando é pequena, é uma simples caneta, mas quando cresce vira um canhão.
O diminutivo até deu origem a novas espécies no reino dos insetos, sabiam? A mosca, se for da fruta, passa a mosquinha. Toda a gente sabe disso, mas, e o mosquito? Ah, pois… não é possível reduzi-lo mais ainda porque ele, coitadinho, já tem a sua raiz na palavra mosca + diminutivo ITO.
😵Enganadores e com muitos significados
Os diminutivos estão de tal forma enrolados na nossa língua que nem os nomes próprios escapam – Marianinha, Joãozinho, Fatinha ou Nandinho. Há quem ache ser um sinal de fraqueza. Deve ser por isso que, muitos deles, não têm permissão para sair de casa: Jojó é só para os amigos e família, e o mesmo para Sãozinha ou Nelito. Mas nem no caso dos nomes, nem noutro qualquer, será fraqueza. Quando muito intimidade.
Para quem não está familiarizado com a língua portuguesa, os diminutivos são muito enganadores. Só aqui, entre nós, sabemos a diferença entre dar um jeito e um «jeitinho». E que esperar um minuto não é o mesmo que «esperar um minutinho» (geralmente é sempre mais, há que reconhecer).
No capítulo do tempo, aliás, os sufixos conseguem ser tão precisos como um relógio suíço. Noitinha é noite que está prestes a começar, cedinho são as primeiras horas da manhã e tardinha não é muito tarde, mas também já não é cedo.
É preciso conhecer bem esta língua para perceber que, apesar dos seus minúsculos tamanhos, eles podem ser carinhosos, ofensivos ou depreciativos. Tudo depende daquela entoaçãozinha que se coloca na voz.
Exemplos, vamos a isso:
«Não há nada como a comidinha da mamã!» A comidinha aqui é o amor a transbordar pela panela. Mas quando «está na hora de ter uma conversinha», já sabemos que esse amor está suspenso e vem aí um ralhete.
Quando ouvimos «vidinha de sempre», desconfiamos que esse alguém está entediado com os seus dias. Mas, se nos responderem «é só uma constipaçãozinha», já sabemos que o mal-estar tem pouca importância.
Os sufixos são também muito eficientes para demonstrar irritação: «Não aguento mais o fedelho mimado!», desprezo: “Homenzinho insuportável!”, mas também um pouquinho de compaixão: «Coitadinho…».
E até para mostrar que algo é insuficiente: “Foi só uma semanita de férias, passou a correr.».
Por fim, os multifacetados diminutivos servem para a missão mais literal de todas. Sublinhar simplesmente a pequenez de algo: «Os duendes da floresta vivem escondidos na casota debaixo de um pinheiro.»
Antes da despedida, não queres ler: «Mentirinhas e traições da língua portuguesa»?
Agora é que é: adeusinho! 😘