Quem olha para o sobreiro solitário numa planície alentejana nem desconfia quantas vidas palpitam na sua sombra – insetos, passarada, javalis, veados, linces, fuinhas, lagartos, coelhos, raposas ou cegonhas-negras. Milhares de animais dependem dele, tal como inúmeras plantas – alecrim, rosmaninho, funcho, alfazema, urze ou variedades incomensuráveis de cogumelos. Há razões de sobra para o sobreiro ser a mais portuguesa de todas as árvores. A cortiça é só uma delas. Aventura-te nesta homenagem que o Bicho-que-Morde lhe presta para celebrar a chegada da primavera, já neste sábado, e o Dia Mundial da Árvore, neste domingo. Está visto que vai haver festa no fim de semana! 🥳

Que nos perdoem o castanheiro, a alfarrobeira, a faia ou a bétula. Todos nascidos e criados em terras portuguesas. Tal como as restantes 49 espécies nativas, que tanto orgulho nos dão. Mas o sobreiro tem estatuto especial. É a árvore nacional, protegida por lei desde 2011. Ninguém se atreva a encostar um dedo nele. Enquanto aqui viver, só será abatido se estiver prestes a morrer. E, mesmo assim, é preciso uma autorização por escrito.

É o mínimo que se exige perante uma das primeiras árvores a chegar a este canto do mundo. O sobreiro existe há mais de 60 milhões de anos, desde a formação da bacia do Mediterrâneo. Faz parte, portanto, da vegetação espontânea da Península Ibérica, cobrindo, antes dos humanos inventarem casas e agricultura, densas florestas partilhadas com outras espécies do género Quercus. O centro e o sul do país são os melhores lugares para ele, crescendo, desde o nível do mar até 500 metros de altitude, em busca do clima quente, húmido e temperado pela maresia do Atlântico.

A maior área florestal do mundo

Sobreiro

Portugal tem a maior área de sobreiros do planeta, mais de um milhão de hectares em montado de sobro.

Poucas árvores na Europa estão tão bem apetrechadas como o sobreiro para resistir ao calor. As raízes são fundas para beber nos lençóis freáticos a grande profundidade. As folhas estão revestidas por cutículas, impedindo desperdícios de água pela transpiração. E a casca é espessa e esponjosa, protegendo-a dos incêndios florestais.

Mas atenção, não somos os únicos privilegiados com a sua presença. O sul de França, a costa ocidental da Itália, a orla mediterrânea de Espanha, Marrocos, Argélia ou Tunísia também reúnem excelentes condições para lhe proporcionar felicidade e qualidade de vida. Mas é aqui que a esmagadora maioria da população prefere viver. Se juntarmos a azinheira e o sobreiro, Portugal possui a maior área do mundo (34%) com mais de um milhão de hectares em montado de sobro. É um terço da nossa área florestal, com quase 70% da espécie concentrada no Alentejo.

Deixemo-la, por isso, sossegada nas planícies do Sul e façamos tudo para a proteger de qualquer perigo. Ela, em troca, dá-nos tudo o que tem. A bolota serve de comida ao porco preto e no fabrico de óleos e farinhas culinárias sem glúten. As folhas são usadas na forragem para alimentar o gado e também como fertilizante natural. Os galhos e troncos das podas são convertidos em carvão vegetal. E das suas madeiras são extraídos ácidos naturais usados em cosméticos e produtos químicos. Falta ainda referir o óbvio – cortiça, obviamente! Quase metade da produção mundial acontece aqui (49%), com 100 mil toneladas extraídas todos os anos e a representarem praticamente 1% das exportações anuais do país.

Os proveitos do sobreiro

Sobreiro

Cortiça, pecuária, caça, mel, cogumelos ou turismo são algumas atividades dependentes dos montados.

O valor económico do sobreiro, no entanto, não está somente na extração da cortiça. Muitos outros rendimentos são gerados a partir dos montados de sobro. Pecuária, caça, mel, cogumelos ou turismo são outras atividades dependentes dos sobreiros, que também contribuem para cerca de 14 mil postos de trabalho diretos e indiretos, segundo as contas da WWF Portugal. O valor ambiental, esse então, é incalculável. E não é apenas pela captura de dióxido de carbono – tanta quanto as florestas da Europa Central (três toneladas por hectare). É toda a vida animal e vegetal que brota à volta do sobreiro. Comecemos por enumerar as 24 espécies de répteis e anfíbios (53% da população portuguesa), passemos rapidamente para as mais de 160 espécies de aves e ainda 37 espécies de mamíferos (60% dos mamíferos portugueses).

Descubram a seguir algumas espécies catalogadas no estudo «A Fauna dos Montados», de José Fernandes de Abreu e José Luís Coelho-Silva.

Sobreiro

🐗Os montados onde há cultivo de seara, pastagem temporária e forragem servem de habitat a bandos de diferentes pássaros como toutinegra-real, tentilhão-comum, calhandra, escrevedeira-de-garganta-preta, verdilhão, pintassilgo, cotovia-pequena, perdiz, codorniz, pombo-torcaz e rolas, estes dois últimos durante o outono e o inverno. E ainda muitos mamíferos como lebres, coelhos, doninhas, texugos, raposas e ginetas.

🐾Quando a agricultura está em pausa, há outros animais a tomarem conta da vegetação baixa e dispersa dos montados, entre os quais o toirão, o saca-rabos, o mangusto, a galinhola, o pombo-torcaz, o coelho ou a raposa.

🐌Os terrenos agrícolas abandonados, onde o matagal cresce selvagem, o melro, o rouxinol, a felosa-poliglota, o picanço-real, a carriça e o rouxinol-dos-matos são os primeiros pássaros a aparecer. E, logo depois, os mamíferos, como coelhos, ginetas, fuinhas, raposas, gatos-bravos, linces-ibéricos, javalis ou veados.

🦎Nos montados onde a vegetação cresce abundante e selvagem e sem produção agrícola, são as águia-de-asa-redonda, os saca-rabos (ou ratos-de-faraó), a salamandra, o sapo-parteiro-fossador e ainda os grous que, no inverno, utilizam o montado de azinho como zona de alimentação.

🦋Nos terrenos com searas e grandes clareiras, vive o tartaranhão-cinzento, o tartaralhão-azulado e o gruiforme em vias de extinção. A abetarda, a mais pesada das aves europeias, mas também uma das mais difíceis de observar, aparece em meados de fevereiro para acasalar nos montados da região de Castro Verde.

🐦Clareiras grandes e pequenas em montados sem cultivo são o pouso preferido do peneireiro-de-dorso-malhado, do peneireiro-de-dorso-liso, do falcão-abelheiro, do guincho-da-tainha ou da águia-imperial.

🐰Quando ao montado com clareiras se junta um matagal denso nas redondezas, ou quando as clareiras estão cobertas por vegetação alta, surge o açor, o veado, o gato-bravo, a fuinha ou o lince ibérico.

🦅Clareiras no meio de sobreiros, azinheiras e pinheiros é tudo o que a águia-calçada, a águia-imperial, o falcão-ógea, o milhafre-real ou o açor precisam para viverem felizes.

🦊Sempre que rios ou albufeiras atravessam os montados, é a vez do milhafre-preto, do pato de superfície, do galeirão, da cegonha-negra ou da lontra darem o ar da sua graça. O lagarto-d’água e tritão-de-ventre-laranja são também alguns repteis anfíbios a agitarem estas águas.

🐹

As florestas de sobro da Península Ibérica são também, segundo a Associação Portuguesa de Cortiça, um paraíso para outras espécies de aves como piscos, tordos ou ainda para cerca de 60 mil garças-reais que anualmente chegam do Norte da Europa para nidificar. A coruja-do-mato, ave de plumagem cinzenta ou castanho-ruivo, também aparece em montados de sobro e azinho, usando os buracos das velhas árvores para fazerem as suas casas.

Embora muito fugidiço, quem também pode comparecer na calada da noite é o rato-dos-pomares, ou leirão, classificado como quase ameaçado em todo o planeta. Apesar de apreciar muito as hortas, os pomares ou as zonas pedregosas de vegetação escassa, o roedor europeu tem especial predileção pelas florestas de sobreiros, assegura a revista National Geographic.

Ricas ervas, cogumelos apetitosos

Sobreiro

Nos montados de sobreiro e azinheira estão as melhores ervas aromáticas e cogumelos, boa parte ainda por explorar.

Onde há muitas espécies de animais é porque há também grande abundância de plantas. Os montados estão, por isso, longe das paisagens unicamente cobertas por searas. As variedades de ervas aromáticas e medicinais e de cogumelos são tantas, que ficaríamos o resto do dia a contá-las. Ainda bem que o Livro Verde dos Montados destaca as mais importantes. Das mais de uma centena de aromáticas que crescem nos montados, as da família das Labiadas, com cerca de 20 espécies, merecem especial atenção: a nêveda, o clinopódio, o alecrim, o rosmaninho, os orégãos ou os tomilhos. As que pertencem à família das Compostas, como a macela e as perpétuas, também são características das florestas de sobreiros.

Com propriedades medicinais, são mais de 200 espécies de plantas, pertencentes a dezenas de famílias botânicas, em que se destaca o funcho, o hipericão, a malva, a arruda, o fel-da-terra, a murta, a esteva, a aroeira, a urze, a alfazema, rosmaninho, a dedaleira e o medronheiro.

A variedade aumenta quando há linhas de água por perto, aparecendo outras espécies que se juntam à festa: o poejo, o mentrasto, a giesta das vassouras e a hortelã-da-ribeira. As ribeiras e os rios propiciam ainda alguns alimentos como os espargos silvestres, recolhidos pelas populações.

🍄🤍🍄💛🍄

Passemos agora aos fungos, que não são só uma delícia num arroz de míscaros ou numa frigideira com azeite e coentros. As mais de 800 espécies de cogumelos e trufas a brotar, sobretudo na primavera e no outono, são essenciais para a saúde dos montados. São eles que absorvem os nutrientes do solo, partilhando depois todas as boas energias com as raízes do sobreiro. Entre as centenas de espécies comestíveis, algumas dezenas têm um grande valor comercial, como o agárico, o orelha-de-judas, a laranjinha, o tortulho, vários tipos de boletus, os rapazinhos, a trompeta-da-morte, o coprino, o reishi, o pé-azul, a púcara, a repolga, o rabo-de-peru ou as túberas. Ufa!!!

As ameaças ao sobreiro

Sobreiro

Pecuária intensiva, desertificação, agricultura mecanizada ou erosão dos solos são alguns perigos que cercam o sobreiro.

Estão aqui motivos de sobra para cuidarmos bem do sobreiro. Não se pense que, por ser resistente ao calor do Mediterrâneo, sobrevive aos efeitos das alterações climáticas. Esta espécie, como todas, tem os seus limites, ficando muito fragilizada quando a exploração pecuária é intensa. A pastagem do gado em demasia retira ao solo a capacidade de reagir aos períodos de seca.

A saúde dos montados vê-se, aliás, pela quantidade e diversidade de ervas aromáticas. Elas são as vigilantes, indicando o estado de conservação dos ecossistemas dos montados. Apesar de bem-adaptadas ao clima mediterrânico, os especialistas alertam para o perigo de algumas delas estarem em declínio, como o calafito, que luta contra a erosão, a desertificação ou o uso de máquinas nos terrenos agrícolas.

A acrescentar a tudo isso estão os cerca de cinco mil hectares que, desde a década de 1990, desaparecem todos os anos, segundo os cálculos dos especialistas da Universidade de Lisboa. É que, apesar de protegido como árvore nacional, os sobreiros, quando morrem, não têm sido substituídos. Não é apenas o recorde mundial de área de montado que é preciso preservar. Isso é o que menos importa. Há muitas vidas em jogo que não podemos arriscar.

O Bicho-Que-Morde tem outros artigos para celebrar a riqueza das árvores. Vê lá qual queres ler já a seguir:

🌳 Quanto vale, afinal, uma árvore?
🌳A árvore da minha Terra
🌳 Por que é bom falar com as plantas?