Ao longo dos 41 anos do Estado Novo, houve muitas proibições. Estas 10 são apenas uma amostra. Alguns dos exemplos podem dar vontade de rir de tão cómicos que são. Mas servem para termos uma pequeníssima ideia de como era a vida no país de Salazar, onde até os sonhos, as ambições e o amor eram controlados por decretos. O 25 de abril, há 50 anos, pode parecer que foi há uma eternidade. Mas a liberdade, essa, nunca está garantida e constrói-se todos os dias.
1. Beijos na Boca
Um beijinho, mesmo de fugida, mesmo pequenino, se fosse na boca, era o suficiente para um namorado atrevido ser arrastado para a esquadra. Além de multado em pelo menos 57$00 (28 cêntimos), só saía em liberdade depois de o agente da polícia lhe rapar a cabeça. É isso que nos conta o jornalista e escritor António Costa Santos no seu livro Proibido! Beijos na rua ou no jardim eram considerados atos exibicionistas que afrontavam a moral e os «bons costumes» do Estado Novo.
2. Escolas e salas separadas para rapazes e raparigas
Rapazes e raparigas nunca se cruzavam na escola. Se elas iam para aulas de manhã, eles iam só à tarde. No caso das escolas com mais do que uma sala, as turmas estavam separadas por géneros, havendo um pátio de recreio para rapazes e outro para raparigas.
Até à década de 50, a instrução básica obrigatória era de três anos para as raparigas e de quatro para os rapazes. Cantar o hino nacional era a primeira coisa que se fazia e todas as salas tinham na parede uma fotografia de Salazar, outra do presidente da República e um crucifixo, além da palmatória na mesa do professor ou professora, que servia para dar reguadas aos malcomportados.
3. Biquínis e fatos de banho decotados
Em 1940, Portugal começou a receber refugiados de toda a Europa. Fugiram da II Guerra Mundial e trouxeram novos hábitos que deixaram Salazar arrepiado. Sobretudo as mulheres que iam sozinhas aos cafés, fumavam como os homens e exibiam as suas minissaias nas esplanadas do Rossio, em Lisboa. Depressa surgiram tentativas para travar essas «modernices» que ameaçavam os costumes incentivados pelo Estado Novo.
Em maio de 1941, o ministro Mário Pais de Sousa tomou providências para salvaguardar o «mínimo de condições de decência» nas praias portuguesas. O que este palavreado da lei significa é que os banhistas só podiam usar fatos de banho com as medidas e os decotes previamente determinados pelo Ministério do Interior.
As mulheres eram obrigadas a usar fatos inteiros. Biquínis nem pensar! O traje tinha de cobrir o peito e as cavas deviam contornar as axilas. Os homens deveriam vestir um calção de corte inteiro, bem ajustado à perna e à cintura, com a parte da frente reforçada e cobrindo boa parte da barriga.
4. BD estrangeira
A febre da BD chegou em força na década de 1950. Por toda a Europa e Estados Unidos, as crianças e os adolescentes viviam colados aos livros de banda desenhada. Mas, em Portugal, as histórias aos quadradinhos vindas do estrangeiro estavam proibidas. Nem as publicações americanas, inglesas ou francesas ou sequer as traduções brasileiras ou espanholas estavam autorizadas. Significava isto que as aventuras do Super-Homem, Batman, Capitão Marvel, Tarzan ou até as personagens da Walt Disney não tinham poder para entrar no país.
5. Isqueiros sem licença
O fiscal dos fósforos ou agente da polícia que apanhasse alguém com um isqueiro sem a respetiva licença de porte deveria confiscá-lo e passar uma multa de 250$ (1,5€). O decreto-lei publicado em novembro de 1937 tinha como finalidade incentivar a indústria nacional fosforeira. A licença era individual, custava 60 escudos (30 cêntimos) e era passada por uma repartição de finanças. Quem denunciasse o infrator ficaria com 15% desse valor. A lei existiu até ao início da década de 1970.
6. Vender Coca-Cola
Os donos da Coca-Cola fizeram várias tentativas para a bebida entrar em Portugal, mas Salazar nunca cedeu. A explicação oficial era que o seu elevado teor de cafeína podia criar habituação. Proteger os vinhos e os refrigerantes nacionais foi também uma outra justificação apresentada pelo regime. A verdadeira razão, porém, estaria no medo de que, com a entrada da marca americana no país, chegassem também ventos de modernidade que comprometessem os valores morais em que o Estado Novo acreditava. A bebida entrou oficialmente no país a 4 de julho de 1977, curiosamente o dia em que os Estados Unidos comemoram a independência.
7. Vadiagem e mendigos
A proibição de mendigar nas ruas e noutros lugares públicos começa em 1931, tornando-se cada vez mais repressiva nos anos seguintes. O Código Penal dessa altura punia com prisão até seis meses quem fosse considerado vadio. Isto é, quem não tivesse casa, profissão nem meios de subsistência.
Só poderiam pedir esmola os que tivessem uma caderneta a comprovar alguma incapacidade física ou mental ou, então, não pudesse trabalhar devido à velhice.
Os restantes eram capturados pela polícia, julgados como vadios e, por regra, acabavam por serem libertados ao fim de alguns dias. É apenas em 1976 que o Serviço de Repressão à Mendicidade é extinto, acabando-se também com as normas que mandam prender os mendigos.
8. Mulheres a viajar sem autorização dos maridos
As mulheres não podiam viajar para fora do país a não ser que tivessem autorização dos maridos. A lei foi introduzida no Código do Processo Civil de 1939 e só acabaria três décadas depois, já com Marcello Caetano no poder. Até 1967, elas tinham também de pedir o consentimento dos maridos se quisessem exercer atividades ligadas ao comércio, assinar contratos ou tomar decisões sobre bens (casas ou propriedades) que lhes pertenciam.
9. Enfermeiras, telefonistas e hospedeiras só solteiras!
Telefonistas da Anglo Portuguese Telephone, enfermeiras dos Hospitais Civis, funcionárias do Ministério dos Negócios Estrangeiros e hospedeiras de ar da TAP não podiam casar. A proibição para as telefonistas acabou em 1939, mas continuou mais umas décadas para as outras profissões.
As enfermeiras só se puderam casar em 1962 e tanto as hospedeiras como as mulheres a trabalhar no Ministério dos Negócios Estrangeiros só viram essa norma abolida após a revolução de 1974.
No caso das professoras primárias, o casamento, a partir de 1936, era permitido quando obtivessem autorização do ministro da Educação Nacional e apenas nas situações em que o seu vencimento era igual ou inferior ao dos maridos.
10. Os maridos podiam abrir a correspondência das mulheres
Antes do 25 de Abril, foram muitas as desigualdades entre homens e mulheres, com elas a serem empurradas para as tarefas domésticas, sem direito a votar ou a poderem decidir sobre a educação dos filhos. A discriminação chegou ao ponto de os maridos terem o direito de abrir a correspondência das mulheres.
Esse direito estava consagrado no Código Civil de 1966 e só viria a acabar em 1976. É nesse ano, aliás, que a nova Constituição estabelece finalmente a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios.
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Se queres saber mais sobre os costumes no início do século 20, lê também «A vida portuguesa ilustrada a preto e branco».
Fontes consultadas: Salazar contra Superman | Público (Os malditos do Estado Novo) | Público (Políticas de repressão à mendicidade no Estado Novo) | Caminhos da Memória (1) | Caminhos da Memória (2) | Antena Livre | Correio do Minho |