Antes de apresentar alguns dos milhares de livros já censurados, é preciso dizer que nenhum regime ou governo consegue banir por completo uma obra. Paredes falsas, alçapões secretos, leituras clandestinas na calada da noite, tudo vale para espreitar um livro proibido. Quando alguém, do alto da sua ignorância, retira, queima ou rasga uma obra, mais ganas têm as pessoas de a ler. E tu, se soubesses que havia um livro condenado, não irias a correr lê-lo?
A História do Touro Ferdinando, de Munro Leaf (1936)
«Escrevi um livro que pensava ser para crianças… Mas agora não sei», desabafou Munro Leaf quando soube que o seu livro «A História do Touro Ferdinando» fora proibido em Espanha e na Alemanha. Percebe-se bem o espanto dele, tendo em conta que se trata da história de um touro que prefere cheirar as flores ao invés de lutar em touradas. O objetivo do autor era simplesmente passar uma mensagem de paz, mas a obra acabou por ser foi rotulada de «subversiva», «propaganda vermelha», «propaganda fascista» ou até de «sátira indigna do movimento pacifista». Lançado nove meses antes da Guerra Civil Espanhola, foi não só banido pelo ditador espanhol Francisco Franco, entre 1939 e 1975, como pelo regime nazi (1933-45). Hitler considerou a obra como «propaganda degenerada» e exigiu que todos os exemplares fossem queimados. Quando a Alemanha perdeu a guerra, 30 mil exemplares do livro foram distribuídos pelo país como um símbolo de paz.
Últimas Farpas, de Ramalho Ortigão (1945)
São textos publicados em folhetins mensais, entre 1911 e 1915, reunidos num volume lançado em 1945. Foi imediatamente considerado subversivo pelo Estado Novo. A obra do jornalista e escritor Ramalho Ortigão é apenas uma entre os cerca de 900 livros que o regime baniu, em Portugal, entre 1933 e 1974. Outros nomes da literatura, como Miguel Torga, Alves Redol, Herberto Hélder, Natália Correia ou Vergílio Ferreira tiveram o mesmo destino. Com críticas mordazes à hipocrisia das classes abastadas, aos valores bolorentos da igreja ou à marginalização social das mulheres, as «Últimas Farpas» nunca escapariam à perseguição da ditadura de Salazar.
Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll (1865)
Sim, até o maior clássico infantil de todos os tempos foi banido, em 1931, na China. Motivo? O General Ho Chien acreditava que colocar os animais a falar era um insulto aos humanos. As conversas da Alice com a Lagarta, o Coelho Branco, o Gato Cheshire ou com a Tartaruga Fingida confundiram muito a cabeça dos censores chineses, que temiam que as crianças pudessem tratar animais e humanos ao mesmo nível.
I write what I like, Steve Biko (1978)
A obra é uma seleção de artigos de opinião, entrevistas ou discursos do ativista anti-apartheid. Publicado em 1978, esteve proibido até meados dos anos 1990. O apartheid foi um regime de minoria branca da África do Sul, oficializado em 1948 com a chegada do Novo Partido Nacional ao poder. Os negros passaram a ter de viver na periferia, não podendo votar, adquirir terras ou misturar-se com a população branca. Steve Biko fundou o Movimento de Consciência Negra para lutar contra este regime. «I write what I like» inclui dezenas de textos em que Biko incentiva a população negra a unir-se para romper com as «cadeias de servidão» e lutar pela dignidade. «Black is Beautiful» foi o slogan que, de tanto repetir, se tornou mundialmente famoso. Biko foi morto pela polícia em setembro de 1977. «Eles tiveram de matá-lo para prolongar a vida do Aparthaid”, disse sobre ele Nelson Mandela, o primeiro presidente negro da África do Sul.
A Cabana do Pai Tomás, Harriet Beecher Stowe (1852)
Esteve proibido nos sete estados esclavagistas dos EUA, entre 1861 e 1865, por defender o fim da escravatura. Tal não impediu que fosse a obra mais popular do século XIX, com 300 mil livros vendidos nos Estados Unidos da América e um milhão na Grã-Bretanha. O sucesso surpreendeu até a autora, que confessou nunca esperar ganhar mais do que o suficiente para comprar um vestido. Defensora da liberdade dos negros, Harriet retratou o longo sofrimento dos escravos através do personagem «Uncle Tom». O livro viria, nos anos seguintes, a ser central para criar o movimento pelo fim da escravatura, que esteve na origem da guerra civil, na década de 1860.
Versículos Satânicos, de Salman Rushdie (1988)
Lançado em 1988, foi imediatamente banido em 15 países governado por líderes muçulmanos, entre os quais Irão, Egito, Quénia, Malásia, Paquistão, Senegal ou Singapura. A obra foi considerada ofensiva ao profeta Maomé e, em 1989, Salman Rushdie foi condenado à morte pelo então líder religioso do Irão. O aiatola Khomeini ofereceu uma recompensa 2,3 milhões de euros a quem matasse Rushdie que, a partir dessa altura, passou a viver sob proteção da polícia britânica.
Ulysses, de James Joyce (1922)
Quem se aventurar a ler a obra do irlandês James Joyce perceberá de imediato que a leitura irá durar uns longos meses. Não é apenas por ser um calhamaço com 550 páginas. É sobretudo por ser considerado um dos livros mais difíceis e intrincados de sempre. Tal não impediu os censores de descobrir trechos declarados como «obscenos» pelos tribunais. A obra de Joyce foi publicada em 1922 e proibida nos EUA e Grã-Bretanha durante quase toda a década de 1930. Nos Estados Unidos, aliás, os Correios tinham ordens para queimar todos os livros que passassem pelos seus serviços.
My Fathers’ Daughter, de Hannah Pool (2005)
Aos seis meses, Hannah Pool foi adotada, em 1974, por um académico britânico a trabalhar no Sudão. A viver em Londres, desde bebé, ela descobre aos 19 anos que o pai biológico e os irmãos estavam vivos na Eritreia. Decide então regressar ao país onde nasceu para se reencontrar com a família e com as suas raízes. Esse é o percurso que ela conta no livro proibido pelo governo eritreu, em 2014. O presidente Isaias Afwerki baniu a obra por conter críticas políticas e denunciar uma sociedade patriarcal, em que as raparigas se casam na adolescência, não podendo sonhar com uma carreira.