Lucy é uma rapariga como muitas que conhecemos por aí. Pelo menos, assim parece. Gosta de brincar, gosta de receber miminhos dos papás e, principalmente, gosta de desvendar mistérios escondidos nas coisas e nas pessoas.
Lucy também tem um irmão mais novo. Mas Luka não é um rapazito como os outros que ela conhece. Ou, pelo menos, assim parece. Ele nunca brinca com ela. Nem sequer a olha nos olhos quando ela tenta brincar com ele. Está sempre entretido com coisas estranhas. Arruma os patinhos de borracha em fila indiana, constrói torres de cubos de açúcar ou pirâmides de dedais de costura.
Está todo o dia agarrado às mesmas coisas, repetindo os mesmos gestos e repisando nas mesmas brincadeiras. Como se fosse um boneco de corda avariado.
_ Há qualquer coisa de errado com o meu irmão – pensa ela. Mas deve ser a única lá em casa a pensar assim. A mãe nem liga aos estranhos hábitos de Luka. Se calhar, está convencida de que não pode fazer nada para mudá-lo.
_ Mas eu posso! – conclui ela – achando que a sua próxima missão é encontrar uma forma de entrar na cabeça do irmão para consertar as peças avariadas.
A missão de Jessica
Jessica quando criança julgava que tinha de fazer alguma coisa para o irmão deixar de ser esquisito.
Lucy é a personagem de uma história de animação. É feita de tecido, de fios de lã, de molas, parafusos e rodas dentadas. Mas por detrás de toda esta maquinaria está uma rapariga de verdade. O nome dela é Jessica Ashman. Se ainda não ouviram falar dela, é provável que venham a ouvir um dia destes.
Ela é uma artista inglesa bastante conhecida e, entre outras coisas, faz filmes de animação, muitos deles premiados em festivais internacionais. «Fixing Luka» é a sua primeira animação profissional e também a mais conhecida. Traduzido para português quer dizer «Consertando Luka» e narra a história de uma criança que tenta entender o que de errado há com o irmão.
Lucy é Jessica quando criança. Ela não percebe o que se passa com o irmão. Julga que tem de fazer alguma coisa para ele ser como os outros rapazitos. Mas Luka é um menino diagnosticado com perturbações incluídas no espetro de autismo.
O autismo é uma coisa engraçada. Bem… engraçado não é. No início, provoca muita ansiedade em toda a família. Mas, de uma certa maneira, é peculiar porque apesar de alguns sintomas serem comuns a muitas crianças, há vários tipos de autismo, causados por diferentes combinações e influências genéticas e sociais. Daí o termo espetro, usado para abarcar a ampla variedade de perturbações, que se manifestam de uma maneira única em cada pessoa.
Luka não é como as outras crianças
Assim que Lucy aceitou as esquisitices de Luka, passou a ser muito mais fácil brincarem como irmãos.
Aprender a lidar com crianças como o Luka leva tempo, exige paciência e, só com muito amor, é que se consegue finalmente comunicar com eles. Não querendo desvendar muito desta história, Lucy acabou por entender que o irmão é como é. Não está estragado nem precisa de conserto. Assim que aceitou as esquisitices dele, passou a ser muito mais fácil brincarem como irmãos.
Luka não é como os outros rapazes, mas a verdade é que ninguém é como os outros. Ao longe, podemos até parecer iguais. Mas basta olhar para as nossas próprias esquisitices. Há quem goste de ter tudo sempre arrumadinho. Quem só durma com o peluche ao lado da almofada. Quem coma sempre a clara primeiro e só depois a gema do ovo. Ou quem fique irritado quando mexem nas suas coisas. Quem não goste de beijinhos a torto e direito. E quem julgue haver sempre alguém a falar mal dele nas suas costas.
Até os famosos são esquisitos
Quem nos conhece bem, sabe as nossas esquisitices. E não é por isso que gosta menos de nós.
Ninguém se livra das esquisitices. Até os famosos. Albert Einstein não teria inventado a teoria da relatividade sem a sua obsessão pelas fórmulas e equações. Coco Chanel não teria revolucionado a moda feminina sem passar horas seguidas entre tecidos, desenhos e alfinetes, esquecendo até de jantar ou almoçar. Conta-se que o compositor alemão Ludwig van Beethoven andava aos círculos pelo quarto em busca de inspiração.
Poderíamos continuar a enumerar muitas mais esquisitices, mas já deu para ver que há de tudo e para todos os feitios. No supermercado, na escola, no cinema ou do outro lado da rua, somos mais ou menos todos iguais. Mas, como diz o compositor brasileiro Caetano Veloso, de perto, ninguém é normal. Quem nos conhece bem, sabe quais são as nossas esquisitices. E não é por isso que gosta menos de nós.