Há muitos enganos repetidos todos os dias como se fossem verdade. É tão estranho como uma ideia feita, por mais que desmentida com argumentos científicos, demora anos ou até décadas a ser desfeita. Neste dia das mentiras, o Bicho-Que-Morde decidiu investigar algumas das supostas verdades que, afinal, não passam de tretas.

1 – O Espaço

Há um lado escuro da lua

A Lua não tem um lado escuro, mas sim uma parte que nunca é vista da Terra. Vemos sempre a mesma face porque a força gravitacional exercida pelo nosso planeta faz com que 41% da superfície lunar fique escondida. Assim como a Terra, a Lua também gira em torno do próprio eixo. A superfície da Lua é iluminada pelo Sol nos ciclos diurnos e escurece nos períodos noturnos. A face visível é mais brilhante porque capta mais luz refletida da Terra.

A Grande Muralha da China pode ser vista do Espaço

Um dos grandes responsáveis por passar esta ideia foi Richard Halliburton. Em 1938, o explorador americano contou no seu livro «Second Book of Marvels» que a muralha poderia ser vista da Lua. O mito ganhou fôlego graças ao astronauta americano Eugene Cernan, que em 1972, após regressar da missão Apollo 17, disse ter visto a construção chinesa quando se encontrava em órbita a 320 km da Terra.

Foram precisos 65 anos para desfazer esse engano. Em 2003, Yang Liwei partiu na nave Shenzhou 5 e só regressou após 14 voltas à Terra. Em nenhuma dessas voltas avistou a muralha. Foi suficiente para o governo chinês retirar a informação dos manuais escolares.

Não há gravidade no Espaço

A Teoria da Relatividade, de Einstein, defende que a organização do Universo não é mais do que o resultado da gravidade que todos os corpos exercem uns sobre os outros. A sua intensidade é que varia consoante a distância, o volume e a massa do objeto ou corpo. As imagens dos astronautas a flutuarem no espaço são enganadoras. Não sentir o peso não significa ausência de gravidade. O que acontece é que, lá em cima, esta é tão reduzida que se transforma em microgravidade. Ao viajar no Espaço, a nave é atraída pela Terra, entrando na sua órbita e arrastando o astronauta para esse movimento.

Se a nave entrasse na órbita de outros planetas maiores que a Terra, a sensação de peso seria mais intensa. Um astronauta com 68 quilos teria, por exemplo, 168 quilos em Júpiter, o maior planeta do sitema solar, e pouco mais do que 4 quilos em Plutão, que é o planeta mais pequeno.

Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar

Um raio pode cair centenas de vezes no mesmo lugar, como é o caso do Empire State Building, nos EUA, atingido em média 100 vezes por ano ou da Torre CN, no Canadá, 75 vezes todos os anos. Isto acontece porque são precisamente os sítios mais elevados que concentram maiores quantidades de eletricidade nas extremidades.

O recorde Guiness para o lugar com a maior concentração de relâmpagos não fica, contudo, num pico alto, mas sim no Lago de Maracaibo, na Venezuela, que em certas alturas do ano chega a ser atingido 28 vezes por minuto. O fenómeno ainda não é completamente conhecido, mas acredita-se que a explicação está na combinação entre as correntes de ar e a abundância do metano libertado pelas reservas de petróleo do subsolo.

2 – Saúde e higiene

Micro-ondas destrói os nutrientes dos alimentos

Vamos lá então acabar com as dúvidas de uma vez por todas: aquecer ou cozinhar alimentos no micro-ondas não só é inofensivo como é, também, uma das melhores maneiras de manter os nutrientes quase intactos. O tempo em que os alimentos ficam a cozinhar no calor faz toda a diferença, bem como a quantidade de água usada. No caso do micro-ondas, o calor e a água necessários para cozinhar os alimentos são mais reduzidos do que no fogão. Ao encurtar o tempo de cozedura, o micro-ondas atenua a degradação das vitaminas ou dos minerais dos alimentos.

Devemos beber pelo menos dois litros e meio de água por dia

Já lá vão mais de 70 desde que a Comissão de Nutrição e Alimentos dos EUA (Food and Nutrition Board) recomendou aos adultos beber cerca 2,5 litros ao dia. A advertência foi largamente difundida pela imprensa e televisão, mas faltou um pormenor, que faz toda a diferença: boa parte dessa ingestão já é feita através dos alimentos que comemos.

Laranja com leite faz mal

Alimentos ácidos coalham o leite, daí o mito. Mas, por mais azedo que seja um fruto, não supera os ácidos gástricos que ajudam a fazer a digestão. Um estômago sem uma acidez equilibrada não consegue absorver, aliás, a quantidade de nutrientes que o nosso organismo precisa. Neste capítulo, a vitamina C contida na laranja facilita a absorção do cálcio do leite. A combinação não podia ser mais feliz.

O cérebro descansa durante o sono

O ritmo do cérebro não é sempre igual durante o período em estamos a dormir. Há momentos em que os processos mentais ficam mais lentos e momentos de grande agitação. Na fase dos sonhos, conhecida como REM (sigla em inglês para Rapid Eye Movement, ou seja, movimento rápidos dos olhos), o frenesim não podia ser maior. É nesta etapa do sono que os pensamentos e as memórias são organizados. Em suma, a criatividade está ao mais alto nível.

Escovas duras limpam melhor os dentes

Escovas com cerdas duras agridem os dentes e a gengiva. Logo, a mais indicada, segundo os dentistas, deve ser macia e com uma enorme quantidade de cerdas. Convém saber também que dois minutos é o tempo indicado para uma escovagem correta e o melhor momento para o fazer é meia-hora depois das refeições, dando assim tempo à saliva para neutralizar a acidez natural dos alimentos e das bebidas.

Por fim, e só para derrubar mais uma ideia feita, a pasta de dentes é o menos importante na lavagem, devendo ser usada em quantidades reduzidas para não desgastar o esmalte nem originar muita espuma na boca – uma gota do tamanho de uma ervilha é suficiente.

3- Animais

Os morcegos são cegos

A grande maioria dos morcegos vê o mundo a preto-e-branco e algumas espécies chegam a ter uma visão 10 vezes superior aos humanos. De onde surgiu, então, esta ideia de que são cegos? Provavelmente, por serem mamíferos equipados com uma espécie de sonda, que emite frequências para detectar obstáculos no caminho.

Estes sinais sonoros, que os humanos não ouvem, retornam depois ao ouvido do morcego, permitindo-o medir as distâncias, bem como várias características dos objectos ou dos animais, desde o tamanho à velocidade a que se deslocam.

Os camelos armazenam água nas bossas

Nas bossas podem acumular-se 35 quilos de gordura, quantidade suficiente de energia para alimentar um camelo durante três semanas. A capacidade para armazenar água, no entanto, está nos rins, nos intestinos e ainda na circulação sanguínea, que evita a desidratação através da forma oval dos glóbulos vermelhos (ao contrário dos redondos dos humanos, por exemplo).

Os camelos conseguem passar até 7 dias sem beber e perder até 40% do seu peso, antes sentirem qualquer efeito da desidratação. Ao mesmo tempo, são capazes de reabastecer-se de água bebendo mais de 200 litros de uma só vez.

Os gatos adoram leite

Apesar da televisão e do cinema terem ajudado a difundir a imagem do gatinho deliciado com uma tigela de leite, este é um dos alimentos mais indigestos para eles, podendo provocar vários problemas intestinais. O leite de vaca não é indicado para gatos, existem outros produtos lácteos destinados a eles nas lojas de animais.

Cão que abana o rabo está feliz

Pode estar contente da vida, mas também pode ser sinal de ansiedade, medo e até de irritação. Uma das formas de conseguir saber o que sentem, será avaliar o seu comportamento através de outros indícios, como a posição da cabeça e das orelhas e ainda se têm ou não os dentes arreganhados.

4 – Corpo humano

Usamos apenas 10% de nosso cérebro

A origem deste mito poderá estar numa série de trabalhos científicos que foram surgindo desde os finais do século XIX. O primeiro a lançar a semente terá sido o francês Jean Pierre Flourens, um dos fundadores da ciência experimental. Foi ele que qualificou grande parte da massa cinzenta como «córtex silencioso», influenciando outros cientistas a defenderem que essa zona não tinha quaisquer funções.

Na década de 1890, William James perguntou num ensaio se a maioria de nós usaria mais do que 10% dos recursos mentais, desperdiçando a maioria das capacidades. Essa suposição foi ganhando gradualmente um outro sentido, e os 10% da nossa capacidade intelectual transformaram-se em 10% do nosso cérebro.

Lowell Thomas, radialista americano, propagou essa ideia ao atribuí-la, em 1936, a William James, no prefácio da obra de Dale Carnegie «Como fazer amigos e influenciar pessoas». A crença foi repetida por todo o lado, na imprensa, nos livros de auto-ajuda e na publicidade.

Com o auxílio de novas técnicas, como o electro encefalograma ou a ressonância magnética funcional (MRI), foi possível confirmar que não há zonas cerebrais inativas. Descobriu-se, aliás, que até as tarefas mais simples do dia-a-dia envolvem áreas espalhadas por todo o cérebro. Não existe, portanto, nenhuma parte adormecida à espera de um beijo encantado para acordar e começar a ser útil.

Ler em movimento descola a retina

A não ser que se tenha sérios problemas de saúde, a retina do olho só se desloca após um impacto muito forte. O único perigo de ler num transporte em movimento é o enjoo. Mas essa má disposição nada tem a ver com o risco de a retina se descolar. O perigo está sim num acidente de viação, numa bola de futebol que atinge a nossa cara ou outros incidentes que podem provocar lesões e traumas nos olhos.

 

Se rapar a barba e os pêlos com uma lâmina, eles voltam a crescer mais fortes

Desde a década de 1920, vários estudos demonstraram precisamente o contrário. Ainda assim, muitos continuam a acreditar que raspar ou cortar os pêlos acelera o seu crescimento, tornando-os mais grossos e resistentes. Tudo não passa de pura ilusão. Para começar, ao irromper à superfície da pele, o cabelo deixa de ser um organismo vivo e, como tal, não sofre transformações na sua textura ou velocidade de crescimento. Se o novo cabelo parece mais escuro é porque ainda não foi exposto ao sol nem ao ambiente exterior.

Se ainda não leste, acho que também vais gostar de ler: «Erros, mentiras e traições do português».

Fontes consultadas: BBC (1) |BBC (2) | Mundo dos AnimaisPetMeg | EarthSkyUniverse Todayaskmem | Diário do Grande ABCGizmodo |É verdade ou Mentira?Alternet | Business Insider |

Edição eletrónica de “Os 50 mitos populares da psicologia”, de Scott O. Lilienfeld, Steven Jay Lynn, John Ruscio, Barry L. Beyerstein