Dona Teresa, nos manuais da escola, é a mãe que D. Afonso Henriques derrotou e mandou prender. Só há poucos anos os investigadores descobriram uma mulher que julgavam ser impossível existir na Idade Média. A História esqueceu-a, mas foi ela quem se proclamou rainha para lutar contra os mouros, a irmã, a Igreja, os barões e o filho, abrindo caminho à independência do Condado Portucalense.
Das primeiras coisas que se aprende na escola, logo a seguir ao bê-á-bá e ao 2+2 = 4, é que D. Afonso Henriques foi o nosso primeiro rei. E que, não há como negar, lutando ele contra Leão e Castela e ainda contra os mouros, fundou, em 1139, o Reino de Portugal, o qual acabaria por ser reconhecido, quatro anos mais tarde, pelo Papa Inocêncio II.
Mas, como acontece na maioria dos grandes feitos medievais, os heróis raramente partilham os louros com quem lhes abriu o caminho para cumprirem o seu destino. É de elementar justiça, como tal, reconhecer o mérito de Dona Teresa, mãe de Afonso Henriques, a qual, muito anos antes do filho, já se tinha autoproclamado rainha do Condado Portucalense, tendo até sido reconhecida em documentos oficiais da Santa Sé.
Uma rainha cercada
Indo contra barões e Igreja, Teresa definiu as estratégias para conquistar a independência do seu reino
Dona Teresa foi quem deu os passos decisivos para o pedaço de terra situado entre os rios Minho e Mondego se ver livre dos muçulmanos, dos espanhóis e chegar até à beira do mar, na ponta de Sagres.
Esta foi a mulher que lutou contra os mouros, contra a irmã, contra o filho, contra os barões e contra a Igreja para criar um reino independente. Mas, só há poucos anos foi finalmente resgatada pela História. Ao procurarem conhecê-la melhor, os investigadores descobriram uma figura que julgavam não ser possível existir na Idade Média.
Teresa, filha bastarda de Afonso VI, rei de Leão e Castela, nunca se encolheu perante bispos, homens prepotentes da nobreza ou famílias poderosas. Nem deixou que outros decidissem a sua vida ou a do seu reino. Foi sempre ela a comandar as estratégias, a decidir as alianças ou a distribuir regalias e poderes para continuar a liderar o jogo como bem entendesse.
O cerco dos mouros
Ao casar-se com Teresa, Henrique de Borgonha recebeu o Condado Portucalense como dote de casamento.
Com a morte do marido, Henrique de Borgonha, e com o varão Afonso Henriques ainda bebé, é ela que assume, em 1112, o governo do Condado Portucalense, o território que chegara às mãos do casal como dote de casamento. A região ia, inicialmente, do Minho ao Douro Litoral. Mas foi crescendo.
A liderança de D. Teresa foi, pouco tempo depois, posta à prova, entre 1116 e 1117, com o cerco de Coimbra pelos mouros. A queda da cidade seria o fim do condado e, sabendo disso, D. Teresa chefiou as operações durante cinco meses até correr com eles para bem longe do Mondego.
Essa foi a batalha que fez ecoar o nome dela para lá de Leão e Castela, chegando aos ouvidos do papa. Pascoal II, como reconhecimento dessa vitória, oferece-lhe o título de «Tarasia, Regina Portucalensis» (Teresa, Rainha de Portugal) e ainda eleva o estatuto de condado a reino «Regnus Portucalensis».
Guerra entre irmãs
Teresa recusava-se a prestar vassalagem à irmã, até ao dia em que ambas partem para a guerra.
O título caiu muito mal na corte da rainha Urraca de Leão e Castela, a meia irmã de Teresa que, sendo também Imperatriz da Hispânia, exigia vassalagem de todos os monarcas ibéricos. Teresa, no entanto, foi hábil a ignorar os avisos e continuou a criar leis ou novos foros sem aprovação da irmã.
Durante cerca de 16 anos, ela governou o condado sem interferências, mediando conflitos, retribuindo lealdades, castigando traidores ou fazendo alianças. Até ao dia em que a paciência de Urraca se esgotou. A Imperatriz avançou com tudo e cercou o Castelo de Póvoa de Lanhoso, no Minho.
Dona Teresa resistiu durante um ano, acabando por ser obrigada a negociar um acordo com a irmã. Em 1121, rende-se à vassalagem de Urraca, mas mantém-se como rainha do condado. Depois disso, e temendo as investidas de Leão e Castela, ela virou-se para as terras galegas, coligando-se a Fernão de Trava e outros barões daquele reino, que, aliás, já lhe tinham prestado socorro em muitas aflições no passado.
Amores proibidos
Teresa e Fernão Peres de Trava estavam perdidos de amores, mas a Igreja e os barões estavam dispostos a tudo para lhes dificultar a vida.
Fernão foi o seu braço direito, passando a governar os condados de Porto (Portocale) e Coimbra e a tomar importantes decisões no Condado de Portugal. A aliança, na verdade, era muito mais do que política. Os dois estavam perdidos de amor. Chegaram até a ter duas filhas, mas nunca se casaram. Um escândalo que muito incomodava a Igreja e, particularmente, o arcebispo de Braga, D. Paio Mendes da Maia, o tutor de D. Afonso Henriques.
Dona Teresa não hesita em prendê-lo, depois de ser por ele acusada de adúltera, mas é obrigada a soltá-lo, ao final de alguns meses, para não ser excomungada pelo papa Calisto II. Com o arcebispo cá fora, a vida da rainha torna-se mais difícil de dia para dia. D. Paio alia-se aos barões de Entre-Douro-e-Minho, que, descontentes com a aliança da rainha com os galegos, já nem tinham receio em contestar a sua autoridade.
A nobreza portucalense estava disposta a tudo para retirar a coroa das mãos de uma mulher, algo que ia contra a tradição milenar e até contra os desígnios divinos. Do seu lado, tinham o maior aliado de todos: D. Afonso Henriques, que com 17 anos se armou cavaleiro e derrotou, em 1128, a mãe, na Batalha de São Mamede.
Os caminhos de Portugal e Galiza
Os dois reinos separaram-se com Afonso Henriques, mas ainda hoje há quem defenda a reunificação dos dois povos
Sabemos pouco sobre os destinos de Teresa e Fernão. Há quem acredite que o filho prendeu a mãe no Castelo da Póvoa de Lanhoso e quem julgue que ela se exilou num convento minhoto, onde morreu em 1130. Mais recentemente, os investigadores acrescentaram a hipótese de Teresa e Fernão terem sido expulsos de Portugal, indo possivelmente para Galiza.
Os dois reinos, a partir de D. Afonso Henriques, seguiram caminhos diferentes. A Galiza, com o tempo, foi sendo integrada em território espanhol. E Portugal continuou a crescer até ao Algarve e, com os Descobrimentos, lançou-se além-mar. Mas, ainda hoje, há galegos e portugueses a sonharem com a reunificação destes territórios.
Portugaliza é o termo que alguns historiadores e intelectuais usam para mostrar que os dois povos estão unidos pela cultura, pela história, pela língua e pela geografia. «Deixa Castela e vem a nós», escreveu o poeta português Afonso Lopes Vieira. A História, neste caso, não vai recuar, mas Galiza e Portugal terão sempre Teresa e Fernão.