Entre as décadas de 1960 e 1970, seis raparigas, de nome Maria, saltaram de aviões e de helicópteros, atravessaram campos de batalha e socorreram, debaixo de fogo, os homens e os rapazes obrigados a combater na guerra colonial. O que teria levado Salazar, que sempre quis ver as mulheres na cozinha, a autorizar estas Seis Marias a voar? O Bicho Que Morde conta-te tudo já a seguir.
Ao contrário de todas as expetativas, Salazar ignorou as críticas dos militares presentes na reunião e chamou à parte o tenente-coronel Kaúlza de Arriaga para dizer: «Avança!» E assim foi criado o primeiro grupo de mulheres paraquedistas em Portugal. Eram as Seis Marias, como ficaram conhecidas Maria Arminda Pereira, Maria de Lourdes Rodrigues, Maria Zulmira André, Maria do Céu Policarpo, Maria Ivone dos Reis e Maria da Nazaré Duarte Mascarenhas. Foram elas as finalistas do curso inaugural de paraquedismo da Força Aérea para enfermeiras, em Portugal.
Até hoje, custa a imaginar que o Estado Novo tivesse uma ideia tão progressista.
Basta olhar para o Código Civil de 1967 para perceber que o regime estava disposto a fazer de tudo para manter as mulheres em casa, a bordar paninhos e fazer bolinhos.
Não viajavam sem autorização dos maridos, não decidiam sobre a educação dos filhos, não podiam seguir a carreira diplomática, ambicionar a magistratura ou ter profissões com salários mais altos do que os «chefes de família».
E, ainda assim, António de Oliveira Salazar deu liberdade a estas seis Marias para voar. Na verdade, ele não teve muita escolha. A Guerra do Ultramar – ou Colonial ou de Libertação, consoante o prisma que se queira relevar -, em África, estava no início e havia pouco mais de cinco mil homens no exército, na marinha e nas polícias de partida para Angola, um território 14 vezes maior que Portugal. Todos os recursos, por isso, teriam de ser aproveitados.
Uma pioneira com uma ideia pioneira
Isabel Rilvas, que já pilotava aviões e conduzia balões, foi a responsável pela criação do grupo de enfermeiras paraquedistas.
As Seis Marias chegaram, portanto, no momento certo para o chefe do governo. A ideia partiu de Isabel Rilvas, também ela pioneira. Já nessa altura pilotava aviões, conduzia balões de ar quente e foi a primeira mulher da Península Ibérica a saltar de paraquedas. Em França, onde tirou o curso, conheceu as enfermeiras paraquedistas da Cruz Vermelha.
Elas eram treinadas para socorrer desalojados e feridos em situações de catástrofes ou de emergências. Isabel regressou a Lisboa muito entusiasmada com o que vira e desafiou o secretário de Estado da Aeronáutica, Kaúlza de Arriaga, a fazer o mesmo em Portugal.
Em maio de 1961 foram, finalmente, abertas as primeiras vagas para 11 candidatas escolhidas a dedo pelo regime. Eram solteiras, tinham entre 18 e 30 anos e vinham de cursos de enfermagem de colégios católicos.
E lá foram elas para o Aeródromo Militar de Tancos. Fizeram testes médicos e provas físicas muito exigentes – corridas, flexões, saltos, manejos de armas, escaladas ou abdominais.
Cinco delas ficaram pelo caminho quando subiram ao topo de uma torre de 18 metros e não conseguiram saltar.
Sobraram as Seis Marias que acabaram o curso e receberam as suas boinas verdes, partindo cada uma delas para as diferentes províncias ultramarinas. Em Moçambique, na Guiné, em Angola ou em Goa.
Saltaram de aviões ou desceram de helicópteros, atravessaram campos de batalha, muitas vezes debaixo de fogo, para transportar feridos até aos hospitais, tratar os doentes, resgatar pilotos escondidos no mato ou ajudar populações e famílias a saírem das aldeias e cidades sob ataque.
Anjos caídos do céu
Mais 40 enfermeiras juntaram-se ao grupo das Seis Marias. Os soldados chamavam-lhes anjos caídos do céu.
Nos anos seguintes, mais mulheres se juntaram a elas. Ao todo, foram 46 enfermeiras que entre 1961 e 1974 frequentaram os 15 cursos de paraquedismo da Força Aérea. Fizeram milhares de saltos e salvamentos durante os 13 anos que a guerra durou. Participaram também em missões de vacinação e, quando não tinham de saltar, era nos blocos operatórios que estavam, apoiando os médicos nas cirurgias.
A última missão aconteceu um ano depois do 25 de Abril de 1974. Com a descolonização de Timor em curso, as enfermeiras paraquedistas foram também mobilizadas na operação de retirada das famílias de Díli para Lisboa.
Hoje, quando se fala de emancipação feminina em Portugal, raros são aqueles que se lembram de incluir as Seis Marias na lista das mulheres que fizeram História.
Está na hora de corrigir este esquecimento, embora elas não estejam propriamente interessadas em medalhas e galardões.
Bastam-lhes as vidas que conseguiram salvar. Quando os rapazes e os homens, obrigados a combater em África, caíam feridos, a primeira coisa que lhes vinha à cabeça era que estava tudo perdido. Depois, ouviam o barulho das hélices e sabiam que eram elas a chegar. Chamavam-lhes «anjos caídos do céu». Apesar de terem trocado a bata branca pela boina verde, foi mesmo isso que elas foram.