Quantas vezes lavas as mãos por dia? Muitas mais do que antes, seguramente. Que remédio! A medicina pode até ter evoluído imenso, mas água e sabão continuam entre as melhores armas para derrotar os velhos e os novos vírus. Simples, não é? Só que não foi assim tão fácil para o médico que há 173 anos descobriu o poder deste gesto para salvar vidas. Ele bem que tentou convencer os colegas. E, de tanto insistir, arruinou a carreira e acabou os dias fechado numa instituição para doentes mentais.

Está na hora de conhecer um pouco melhor a vida de Ignaz Semmelweis. É o mínimo que poderíamos fazer para reconhecer tudo o que ele tem feito por nós nestes tempos de pandemia.  Entremos, por isso, no Hospital Geral de Viena, na Áustria, onde ele trabalhou como médico obstetra, entre 1844 e 1850. Mas não abram a porta de repente e sem antes usar a máscara. É agora procedimento obrigatório em qualquer recinto fechado, mas, naquele tempo, servia unicamente para afastar o bafio pestilento a pairar no ar.

Sim, custa a acreditar, mas é verdade: nessa altura, os hospitais eram lugares nauseabundos.

Quartos, corredores, salas, tudo tresandava a xixi, vómito e outras imundícies acumuladas por falta de limpeza. O cheiro era tão intenso que toda a gente usava lenços para tapar o nariz. Os médicos – a bem da verdade – também não se preocupavam muito com a higiene. Raramente lavavam as mãos ou sequer os instrumentos.

Não será difícil concluir que, até à segunda metade do século 19, seria mais seguro ficar doente em casa do que correr para os hospitais. O perigo de infeções causadas por vírus e bactérias nem passava pela cabeça deles. Acreditava-se antes que as doenças viajavam em nuvens de vapores venenosos a espalhar partículas em decomposição vindas do subsolo e conhecidas como miasmas.

O mistério das mortes nas maternidades

 Semmelweis descobriu que as infeções podiam ser evitadas com a lavagem das mãos, mas os colegas continuaram desleixados. 

No Hospital Geral de Viena, no entanto, as infeções não atingiam todos os pacientes da mesma forma. Com duas maternidades a funcionar em alas separadas, Semmelweis estranhou que uma tivesse mais mamãs e bebés a adoecerem do que a outra. Os casos aconteciam principalmente com os médicos e estudantes de medicina do que com as parteiras.

Durante meses, ele testou várias hipóteses, acabando por concluir que, ao não lavarem as mãos, os médicos transportavam «partículas cadavéricas» vindas das salas de autópsias. Era esta, afinal, a grande diferença entre as duas maternidades.

Logo de seguida, colocou uma bacia cheia de cal, água e cloro para que, sob a sua vigilância, todos desinfetassem as mãos antes de entrarem na maternidade.

Um mês depois, o índice de mortalidade caiu de quase 20% para menos de 2%.

O resultado seria mais do que suficiente para o hospital adotar novas regras de higiene, mas, a triste história é que os médicos continuaram desleixados. Enquanto uns nem sequer seguiam as recomendações dele, outros lavavam as mãos a despachar e sem os cuidados básicos.

Nós é que somos culpados?

 Os médicos ficaram ofendidos por Semmelweis atribuir a causa de morte dos doentes às más práticas dos hospitais. 

Na primavera de 1850, Semmelweis fez mais uma tentativa para ser ouvido. Subiu ao palco da conferência da Sociedade Médica de Viena e, perante uma multidão, alertou para os perigos das más práticas dos hospitais.

_ Quem é este espertinho para vir aqui dizer que nós é que somos os culpados das mortes dos pacientes? – cochicharam os médicos entre eles.

Rapidamente o burburinho subiu de tom com a classe em peso a atacar o médico por pôr em causa a velha teoria das nuvens venenosas – tão velha que viajou da Idade Média até ao século 19 sem nunca ser questionada.

A gota de água foi quando Semmelweis publicou um livro com a sua tese e chamou de «assassinos» aos médicos que não lavavam as mãos.

Aí é que foi a desgraça completa, foi corrido do hospital e regressou a Budapeste, na Hungria, onde nasceu.

Nos anos seguintes, continuou a trabalhar num pequeno hospital da cidade, dando aulas e ensinando também aos colegas a importância da lavagem correta das mãos. Os novos hábitos de higiene eliminaram praticamente as febres e as infeções, mas não foi por isso que o chorrilho de críticas ao seu trabalho acabou. Semmelweis continuava, todos os dias, a ser atacado por defender a sua teoria.

O fim trágico de Semmelweis

 O médico húngaro foi arrastado para um asilo, onde acabou por morrer duas semanas mais tarde. 

E, com isso, foi ficando mais triste, mas também mais intempestivo. Ninguém podia tocar no assunto, que explodia como uma fera, levando tudo atrás. Os colegas decidiram que o melhor seria interná-lo num asilo. Foi arrastado contra a vontade, enfiado num colete de forças e trancado numa cela.

Não durou muito tempo o pobre Semmelweis. Duas semanas depois, morreu aos 47 anos, no dia 13 de agosto de 1865. Mas não foi nem de tristeza nem de fúria. Foi antes de uma ferida na mão direita que infetou e, sem tratamento próprio, acabou por gangrenar.

Quão mais trágico e irónico poderia ter sido o fim deste homem?

Ao remexerem nos papéis que deixara no gabinete, os colegas encontraram uma nota onde ele desabafava: “(…) Quando olho para o meu passado, só consigo dissipar a tristeza imaginando um futuro onde as febres mortais serão banidas (…)”.

Sabemos hoje que essas infeções não desapareceram. Mas de lá para cá, a medicina deu passos gigantes. No nosso presente, toda a gente sabe que os hospitais, por mais problemas que tenham, são lugares que curam e não lugares que matam.

Louis Pasteur, Joseph Lister e Robert Koch foram os cientistas que, décadas mais tarde, muito beneficiaram do trabalho de Semmelweis para revolucionar – cada um na sua especialidade-, os métodos de combate às infeções. Eles e todos nós só podemos estar gratos e gratas à dedicação com que este médico húngaro se entregou à medicina e aos doentes.

Obrigado Ignaz Semmelweis!

Que tal ler também a extraordinária vida de um outro médico? Como Lazowski usou a ciência para derrotar os nazis.