Há 78 anos, em maio de 1942, a escritora inglesa Enid Blyton publicou os «Cinco na Ilha do Tesouro». Foi nessa data que ficámos a conhecer os irmãos Júlio, David e Ana, a prima Zé e Tim, o cão rafeiro com faro de caçador. A ideia inicial era escrever meia dúzia de livros e acabar com a brincadeira em três ou quatro anos, no máximo. O plano, entretanto, saiu furado, mas pelos melhores motivos. A criançada ficou de tal forma viciada, que ela estendeu esta aventura até 1963, publicando ao todo 21 livros.
Comprados nas papelarias ou então requisitados nas bibliotecas, estes foram os primeiros livros a sério para muitas crianças das décadas de 1970 e 1980. Sem letras grandes, nem bonecada, mas com páginas escritas do princípio ao fim e uma narrativa organizada em capítulos. Tal e qual como qualquer livro de adultos.
O segredo do sucesso não é difícil de perceber. Enid Blyton era uma hábil contadora de histórias, apesar de muito criticada por usar vocabulário simples para caracterizar as personagens ou narrar as aventuras.
Mas ela, desde cedo, percebeu que uma boa leitura vive das emoções que desperta e não de palavras pomposas e complicadas. Nunca precisou de floreados e rodriguinhos para prender os leitores aos seus livros.
Tinha antes uma imaginação tão fervilhante que, muitas vezes, dizia ter uma «tela de cinema» a correr à solta dentro da cabeça.
As ideias escorriam-lhe como cascatas de água, levando-a a escrever a uma velocidade incrível de 10 mil palavras por dia. Capítulos inteiros foram, muitas vezes, teclados numa só tarde, na sua máquina de escrever pousada no colo.
São páginas e páginas sem uma gota de tédio para emperrar a leitura, guiada pelos cinco a explorar passagens e esconderijos secretos, mansões e barcos assombrados e a perseguir contrabandistas ou bandidos da pior espécie. Era muita adrenalina a acelerar naquela escrita, mas muita gulosice também.
Limonada, scones e compotas
Impossível ler sem salivar com as descrições dos lanches dos cinco. Havia pães, bolos variados, frutas, compotas, e picles.
Se há trechos que os leitores nunca esquecerão são justamente as descrições detalhadas dos piqueniques com as toalhas de algodão estendidas sob o céu azul e banhadas de sol, limonada caseira e muita comida para inquietar as papilas gustativas de crianças conformadas com papos secos e copos de leite frio que tinham para o lanche.
Sandes de pepino, ovos cozidos, alface fresca e crocante, rabanetes vermelhos, sardinhas enlatadas, pão derretido na boca, presunto, scones e bolos variados, potes de manteiga, compotas, tortas de maçã, tomate, beterraba, picles feitos pelas mulheres dos agricultores ou frutas suculentas.
Meu Deus! Como terá salivado a miudagem quando os livros foram publicados pela primeira vez….
É claro que as gerações seguintes também, mas, em plena Segunda Guerra Mundial e com a Europa a racionar leite, arroz, carne ou farinha, aquele fartote de alimentos coloridos pôs certamente muita gente, naquela altura, a lambuzar-se com os olhos e com a imaginação.
Sem escola e sem adultos por perto
Júlio, David, Ana e a prima Zé são livres para fazer o que lhes dá na gana. Sem pais nem adultos por perto para lhes moer o juízo.
A comida sempre foi uma parte importante, mas não fiquem com ideias erradas. O papel principal sempre esteve guardado para os cinco. Ou, dito de outra maneira, para as aventuras que viveram sempre que começavam as férias da escola. E, no mundo dos cinco, só havia férias escolares. Melhor ainda: férias intermináveis e sem adultos por perto.
A miudagem devorava tudinho até à última página. No fim – há que admitir –, sobrava uma pontada de inveja a ressoar na cabeça: onde é que se meteram os pais desta malta? Porque é que, às páginas tantas, não aparecia uma mamã, de rolos na cabeça, a gritar de uma marquise de alumínio para a praceta cercada de prédios:
«Não vou repetir nem mais uma vez que o jantar está na mesa!»
Nenhum deles tinha um único pai a moer-lhes o juízo ou sequer a mostrar qualquer interesse em passar as férias com eles. Era estranho, mas toda a gente sabe que, nos livros, tudo é possível. Júlio, David e Ana, a prima Zé e o cão Tim estavam entregues a si próprios para fazer o que lhes desse na gana.
É verdade que eles não tinham televisão, internet ou videojogos. E quem é que se lembra disso quando corre pelos prados, sobe ao topo de castelos em ruínas, atravessa túneis, visita quintas abandonadas, rebola nos campos verdes ou apanha banhos de sol nas enseadas de areia?
Enfiados nos apartamentos das cidades, a coleção «Os Cinco» foi (e ainda é) o escape de muita criançada que tinha (e ainda tem) de desesperar pelas férias de verão para poder respirar ar fresco e liberdade. E, quase 80 anos depois, os livros de Enid Blyton continuam a mostrar como a infância é a mais empolgante aventura de todas as gerações.