Antes de saber porque cheiram tão bem, era bom perceber que cheiro é este que põe tanta gente a focinhar nas páginas dos livros. É difícil chegar a uma única resposta pois os aromas variam de livro para livro. Sabemos que é um perfume doce, com um toque suave a baunilha, flores ou tantos outros aromas como terra, café, chocolate ou bolachas. Por detrás dessas fragrâncias está, muitas vezes, uma misteriosa substância, chamada lignina ou lenhina que, além de unir e endurecer as fibras da celulose, solta a vanilina, composto responsável pelo cheiro a baunilha.
Mas há outras moléculas nas colas ou nas tintas usadas nos textos, nas ilustrações e nas encadernações que também influenciam os cheiros dos livros. O benzaldeído, um líquido amarelo e pastoso, liberta por exemplo um aroma a amêndoas amargas, o fufural solta um cheiro a cereais e pão que, combinado com a baunilha, lembra biscoitos. O etilbenzeno tem um odor muito parecido a gasolina, o tolueno cheira a diluentes de tinta, o 2-etilhexanol é um álcool que liberta um perfume floral e o hexanol, um outro tipo de álcool, larga um odor a terra misturada com mofo, que muitos associam a roupa velha ou a salas antigas e pouco arejadas.
Todos esses cheiros tornam-se mais intensos com o tempo. À medida que o papel envelhece, esses elementos reagem à luz, à temperatura e à humidade do ambiente, decompondo-se e libertando substâncias químicas à base de carbono que se evaporam e se misturam com o ar. Essas essências, conhecidas como compostos orgânicos voláteis (COV), têm diferentes cheiros consoante o tipo de papel usado na impressão do livro.
Café, chocolate e baunilha
Não é de estranhar
que os livros cheirem
a café, chocolate ou
baunilha. Os três
alimentos contêm
lignina fermentada
ou torrada
Nos livros antigos há, pelo menos, 15 substâncias já catalogadas por um sensor mecânico inventado por uma equipa de investigadores da Universidade de Londres. Do estudo, coordenado pelo químico Matija Strlic, saiu num novo instrumento a que chamaram «Roda dos Aromas dos Livros Históricos» e que, à semelhança do que já existe para classificar os odores dos vinhos, ajuda a correlacionar os aromas detetados pelo nosso olfato com os químicos presentes nos livros.
Antes de ser analisada em laboratório, boa parte das substâncias foi identificada com a ajuda dos visitantes do Museu e Galeria de Arte de Birmingham e ainda de um grupo de pessoas desafiado a farejar os livros da Biblioteca de Wren, na Catedral de São Paulo, em Londres.
A maioria dos visitantes do museu contou que o cheiro dos livros antigos era parecido com chocolate e café. O que não é de estranhar, tendo em conta que estes dois alimentos provêm de lignina fermentada ou torrada. Para a maioria das pessoas do outro grupo, a biblioteca tinha um cheiro a madeira velha, lenha a crepitar na lareira, terra ou baunilha.
Cada cheiro conta uma viagem
Os livros também contam
as histórias dos lugares
onde estiveram: caixas,
porões de barcos, dorsos
de cavalos ou estantes
de madeira
Mas o cheiro dos livros pode misturar outros elementos, além dos compostos químicos presentes na celulose ou nos materiais usados no fabrico e encadernação. Tudo depende não apenas de como foram feitos, mas também onde estão e por onde andaram. Os livros absorvem odores que pairam no ar, tabaco, maresia, madeira das estantes, couro, entre outros. Cada livro conta uma história, passando pelas viagens e pelos lugares secos ou húmidos onde foram guardados como caixas de madeira, malas de pele, porões de barcos a atravessar oceanos ou dorsos de cavalos que os transportaram de um lado para outro.
E é por isso que as obras mais antigas são aquelas que concentram os cheiros mais fortes, acumulados durante décadas ou séculos. Os novos livros, além de terem uma história de vida ainda curta, já não são feitos como antigamente. Para começar, a lignina é removida da madeira não só para evitar que o papel ganhe com o tempo aquele tom amarelo como para atrasar a decomposição do livro.
E, hoje, o leque de produtos químicos usados no fabrico de um livro é tão mais alargado, chegando muitas vezes às centenas, que se torna muito mais difícil distinguir e identificar todos os cheiros libertados por cada um desses compostos. Bom, a verdade é que também não há assim muitos cientistas interessados em investigar sobre este assunto. Digamos que os livros novos não precisam de tanta atenção como os antigos.
Não é só porque as fragrâncias libertadas pelas obras históricas são mais intensas e misteriosas que despertam tanta curiosidade dos investigadores. É sobretudo porque através destes cheiros é possível saber se um livro está muito danificado e a precisar de um trabalho de restauro.
Como os tais compostos orgânicos voláteis se soltam das páginas a um ritmo previsível, os bibliotecários conseguem saber quando um livro está muito doente e a necessitar com urgência de uma intervenção antes que fique irremediavelmente estragado.
Memórias na chuva de verão
Os cheiros dos livros
são como recordações
felizes. Fazem lembrar os
bolos das avós ou sótãos
atafulhados. Deve ser por
isso que há tanta gente a
focinhar nas páginas
Esse é o objetivo principal dos químicos que se dedicam a investigar o cheiro dos livros. Mas nada impede que essas descobertas possam ser usadas também para deleitar os nossos sentidos. Já alguma vez perguntaram por que tantas pessoas gostam do cheiro que vem do interior de uma biblioteca ou de um livro antigo?
Talvez seja por trazer à memória lugares silenciosos e quietos como os sótãos atafulhados de objetos antigos ou por lembrar lanches de bolos, pãezinhos quentes e biscoitos que as avós preparam para as crianças ou, quem sabe, recordar a terra quente e molhada pela chuva numa tarde de final de verão.
Pode haver muitas razões, mas o certo é que, tanta gente está seduzida por este cheiro, que houve até quem tivesse guardado esses aromas em frascos de perfume, em velas aromáticas ou em latas de aerossóis para fazer dinheiro com a ideia. Nada mal pensado, não acham?
Fontes consultadas:
Popular Science | Compound Interest | Heritage Science | The Guardian