O André pediu ao pai para perguntar ao Bicho-Que-Morde porque é que os esquimós não dão beijinhos nas bochechas como todos os outros. O Bicho foi investigar e descobriu que a saudação com o nariz é só um entre os muitos costumes que permitiram a este povo sobreviver nas terras mais frias do planeta. Os inuítes, como gostam de ser chamados, resistem a temperaturas que ultrapassam os 40 graus negativos, mas agora, com as mudanças climáticas, estão a abandonar um modo de vida que durante séculos esteve bem conservado no gelo.
Não é preciso sentir o frio do Ártico para perceber que um único dedinho despido é um ato de coragem que nem os mais valentões se atrevem a não ser que sejam obrigados. Nas terras geladas do Alasca, da Gronelândia ou da Sibéria, os beijinhos na cara não seriam nada do outro mundo entre os esquimós não fosse o pormenor de o rosto, tal como o resto do corpo, estarem cobertos com capuzes e casacos felpudos. Embrulhados em tanto agasalho, sobram os narizes para roçarem ao de leve um no outro e assim substituir a beijoca na bochecha.
A saudação tradicional, que toda a gente conhece como beijinho de esquimó, tem o nome de kunik.
Esse foi o costume dos inuítes que saltou logo à vista dos primeiros exploradores europeus ao chegarem ao Ártico no século 16. Mas enganam-se os que pensam que os esquimós andam a esfregar os narizes a torto e a direito. O kunik está reservado às pessoas especiais, família e amigos e, principalmente, entre papás e filhotes. Os outros são corridos a beijinhos na cara ou a apertos de mão, tal como aqui.
Dos confins da Sibéria até ao Alasca
Os inuítes vivem em terras geladas que se estendem por seis milhões de quilómetros quadrados.
Ainda assim, o beijinho com o nariz ficou para sempre associado a este povo. Tal como o nome esquimó, embora boa parte deles não goste. Foram os nativos da América do Norte a darem-lhe esta alcunha, que significa comedores de carne crua.
A maioria deles prefere ser chamada de inuíte, que na língua inuktitut quer dizer povo.
Dependendo do lugar onde vivem, porém, a designação pode variar. No Alasca, eles são os Yupik, no Canadá usam o nome Inupiat, na Gronelândia, Kalaallit e, na Sibéria (Rússia), não se importam nada de serem chamados de esquimós.
Já deu para perceber que esta é uma das culturas mais dispersas pelo mundo. São seis milhões de quilómetros quadrados, começando nos confins da Sibéria, na Rússia, passando pela Groenlândia e terminando no Canadá e Alasca. Muita terra gelada para um povo com pouco mais de 100 mil habitantes. A maioria vive no Canadá (65.000) e na Gronelândia (50.000). No Alasca não chegam a 16.000 e na Rússia são menos de dois mil.
O beijinho com o nariz é só mais um costume a demonstrar como os inuítes souberam adaptar-se aos territórios mais frios e inóspitos do planeta. As temperaturas no extremo norte podem descer aos 35/40 graus negativos, o suficiente para em poucos minutos congelar os cabelos, a língua ou as pestanas. Ninguém senão eles ousa viver nas planícies brancas onde nem as árvores sobrevivem.
Longe de tudo e todos
As temperaturas no extremo norte podem descer aos 35/40 graus negativos, o suficiente para afastar tudo e todos.
Foi o frio que durante séculos os manteve longe de tudo e todos. Nem mesmo os primeiros europeus que ali chegaram em busca das baleias estavam interessados em permanecer muito tempo nas suas terras. As populações indígenas viveram sossegadas, pelo menos, até aos tempos da Guerra Fria.
Foi mais ou menos entre os anos de 1950 e 1960, que os EUA descobriram no extremo norte as condições ideais para construir bases científicas e, principalmente, militares utilizadas para prevenir eventuais ataques da União Soviética. À sua volta nasceram cidades com escolas, igrejas, lojas e centros de saúde, tornando o estilo de vida dos inuítes cada vez mais ocidental.
Os únicos que hoje mantêm os costumes praticamente intactos são os esquimós do leste da Sibéria a viver na costa da Península da Chukchi. Eles é que continuam longe de tudo e todos e são o último testemunho de como viveram os seus parentes próximos do Alasca, do Canadá e da Gronelândia.
O gelo que derrete os costumes
Com as mudanças climáticas, os inuítes mudam-se para as cidades, deixando os seus modos de vida.
Nos restantes territórios, os costumes continuam a mudar e cada vez mais depressa. E não é somente porque os inuítes já não estão isolados como antigamente. É sobretudo porque, com as alterações climáticas, o gelo diminui de ano para ano, derretendo também o seu modo de vida. Os caiaques substituem agora os trenós puxados pelos cães, que antes percorriam quilómetros sobre o gelo até chegarem ao lugar ideal para fazer um buraco e lançar uma cana de pesca.
Segundo as contas da NASA, o Ártico perde em média 54 mil km2 de gelo por ano e, a continuar a esse ritmo, o mais certo é ficar sem gelo durante o verão antes de 2050. Com o mar congelado apenas algumas semanas durante o ano, os inuítes abandonam as suas casas para viverem nas cidades, deixando para trás a pesca e a caça cada vez mais escassas.
Quem mais sofre com as alterações do clima são os cães da Gronelândia, abandonados à medida que as famílias se mudaram para as cidades.
Boa parte deles estão entregues à sorte, rondando as povoações à procura de alimento no lixo e junto às casas. Durante séculos, foram os melhores companheiros dos caçadores. Hoje são temidos por todos.
Nas terras dos inuítes
Se a temperatura deste texto não te pôs a bater o dente, então experimenta ler também o artigo «Quanto frio faz no lugar mais frio?»
Fontes consultadas: Curious Historian | Chimu Blog | Encyclopaedia Britannica | Superinteressante | National Geographic |
Fotos e créditos:
Família Inupiat (Alasca, 1929) | © Edward S. Curtis
Família no trenó | © Ansgar Walk – Creative Commons Attribution – Share Alike 2.5 Generic license.
Família vestida com parkas tradicionais | © Ansgar Walk – Creative Commons Attribution – Share Alike 2.5 Generic license.
Urso Polar (galeria) | © Christopher Michel – CC BY 2.0