Gorduras e açúcar são dois grandes inimigos da nossa saúde. Há uma glândula minúscula, no entanto, capaz de derrotá-los. O pâncreas não te julga quando cais em tentação. Mas se abusares da sorte, nem ele nem ninguém virá em teu auxílio.
O Bicho-que-Morde prestou, um bom tempo atrás, uma singela homenagem ao fígado, por todo o trabalho silencioso em benefício da nossa saúde. As intenções dele foram as melhores, mas, nos dias imediatamente a seguir, outros órgãos protestaram, originando uma desordem interior sem precedentes. Os rins convocaram uma manifestação à porta da bexiga pela dignidade profissional da sua classe. O estômago saiu à rua, provocando longas horas de engarrafamentos nas principais vias do aparelho digestivo. A pele arrepanhou-se toda, reivindicando o seu estatuto de maior órgão do corpo humano.
A confusão foi total e o Bicho-que-Morde, tentando remediar a embrulhada em que se meteu, comprometeu-se a reconhecer publicamente os inestimáveis contributos de cada um. Mas pediu tempo e paciência porque é só um e não pode fazer tudo ao mesmo tempo.
Por sorteio, supervisionado pelo governador civil, o pâncreas é o órgão que se segue. O resultado levantou logo um burburinho: “o pâncreas… uma glândula minúscula que nem 100 gramas pesa…”. Não te deixes influenciar, caro leitor ou leitora, as más-línguas dos restantes órgãos demonstram apenas que os ânimos, por agora, podem até estar mais calmos, mas o incómodo não desapareceu.
Poder antigordura
A presença do pâncreas, com cerca de 15 cm, é muito discreta, mas a sua localização é estratégica. Procurem-no atrás do estômago, entre o duodeno e o baço. Apesar de não dar nas vistas, ele joga em pelo menos dois grandes campeonatos: a função exócrina (ou digestiva) e a função endócrina, lançando para a circulação sanguínea importantes hormonas para o equilíbrio do organismo.
Nada como um suculento caso prático para compreender bem este processo. Uma bela refeição de almôndegas com esparguete, por exemplo, após triturada e engolida pela boca, aterra no estômago, sendo energicamente amassada até virar uma pasta mole e pegajosa.
O pâncreas está na retaguarda e de vigia e, assim que os restos de comida chegam ao duodeno – a primeira parte do intestino delgado -, dispara uma série de enzimas. Sem qualquer misericórdia, as proteínas complexas, como gorduras e açúcares, são quebradas em micromoléculas, ficando em condições para serem absorvidas pelo organismo.
O seu poder reside no suco pancreático que produz em quantidades certeiras para ajudar no processo digestivo. Fragmentar proteínas e carboidratos é missão que envolve um trabalho de equipa entre o estômago, o fígado e o pâncreas. Mas a ação antigordura, essa, nenhum outro órgão do corpo humano é capaz de desempenhar com tanto zelo e eficiência como o pâncreas.
As suas habilidades não se esgotam unicamente durante a digestão. Tão importante, aliás, é a função exócrina, que se traduz na sua capacidade para libertar na circulação sanguínea a insulina e a glucose. Essas duas hormonas fazem parte do grupo de intervenção especial de células esféricas do pâncreas. São produzidas nas ilhotas de Langerhans – vasos capilares descobertos em 1869 pelo cientista alemão Paul Langerhans – e controlam as quantidades de açúcar no organismo.
Gulodice com moderação
O pâncreas, essa miniatura de órgão humano, é um aliado de peso no combate a uma das maiores ameaças à nossa saúde – a gulodice. Mas não abuses da sorte, por favor, porque até os super-heróis têm os seus limites. O pâncreas não te recrimina quando comes de vez em quando uma dose de batatas fritas ou uma fatia de bolo de chocolate. Mas se o “de-vez-em-quando” passar a “quase-todos-os-dias”, então, nem ele nem ninguém poderá vir em teu auxílio.
Se quiseres agradecer os seus préstimos, trata-o com muito amor e carinho. Mas do que ele gosta mesmo é de brócolos, couve-flor e repolho. E também, já agora, de frutas como laranja, kiwi, manga ou morango, que ajudam na sua desintoxicação. De resto, como tudo na vida, comer com moderação, fugir dos alimentos processados e praticar exercício físico deixa toda a gente feliz e acaba com qualquer hipótese de uma revolta interior.