O que é verde para muitos é azul marinho para alguns. O que parece gigante de um lado é minúsculo do outro. O que é um pitéu aqui é repelente acolá. O que é sim para a maioria é não para a minoria. Que jogo confuso vem a ser este? Não se deixem enganar, não é jogo nenhum. É (quase) tudo uma questão de perspetiva.
Tudo é uma questão de perspetiva. Cada um/a tem uma maneira muito particular de olhar o mundo. É o nosso ponto de vista. Nosso porque anda sempre connosco, transportando tudo o que somos. As histórias que vivemos ou nos contaram, a genética, as pessoas, os lugares ou os livros que nos influenciaram. Esse é um ponto de vista no meio de milhões de pontos vista, com outras histórias, outras pessoas, outros lugares e outros livros.
É assim que o mundo funciona para nós e até no reino dos animais não será muito diferente. Um elefante da savana, com as suas seis toneladas, nem dará pela presença de uma formiguinha. Tal como a perspetiva de uma girafa a olhar para um elefante como um baixote atarracado. E a formiga, com o seu meio centímetro de comprimento, pode ser um gigante aos olhos de uma mymaridae. Será que já ouviste falar do mais pequeno inseto do mundo? Ele pertence à família das vespas, tem entre 0,5 e 1 milímetro de envergadura e chega a ser 400 vezes mais pequeno do que a formiga típica.
Comparações intergalácticas
A Lua é uma maçã ao lado de qualquer planeta e a Terra uma bola de ténis comparada com Júpiter.
Sabe-se lá quantos seres, mais pequenos do que eles, habitam as profundezas deste mundo. Mais longe ainda, na vastidão do Universo, um humano poderia ser colossal num asteróide e microscópico num buraco negro. Visto da Terra, por exemplo, a Lua cheia domina o céu noturno, mas é Júpiter que, distante dos nossos olhos, ganha a perspetiva de gigante do sistema solar.
Se pudéssemos estalar os dedos e saltitar de planeta em planeta, veríamos, aliás, que isto de ser gordo ou magro é também um ponto de vista. Ou melhor, uma questão de gravidade. Em Marte e em Mercúrio, teríamos apenas 38% da nossa massa corporal. Um gorducho com 80 quilos pesaria pouco mais de 30 quilos (80 x 0,38) e um magrinho com 50 quilos teria perto de 19 quilos (50 x 0,38).
Mas, enquanto, as viagens intergalácticas não chegam, fiquemos mesmo por aqui, porque há pontos de vista em abundância para explorar, a começar pelos feitios dos humanos. Se estás convencido, por acaso, de que os extrovertidos são os mais populares em qualquer lugar deste planeta, é porque nunca te cruzaste com um belga. Palmadinhas e abraços são costumes poucos comuns por aquelas bandas.
Toques no ombro ou no braço, por mais ligeiros que sejam, têm diferentes graus de perspetiva consoante a latitude.
O psicólogo canadiano Sidney Yourard espiou as conversas de dois amigos a tomarem café em várias partes do mundo. Descobriu que, entre os ingleses, nem um toque houve durante praticamente uma hora. Os americanos, vá lá, tocaram no amigo duas vezes, mas os recordistas foram mesmo os franceses, com 110 toques, e os porto-riquenhos os campeões, com 118 toques.
O Oriente do outro lado
Vai uma espetada de tarântula ou preferem ratinhos do arrozal? Comam tudo para não ofender o anfitrião.
Está visto que demonstrações de afeto não são iguais em todo o lado. Tal como a ideia que se tem de intimidade e de privacidade. Viajemos agora para uma casa de banho pública da cidade de Tóquio, no Japão. Trinco na porta, música ambiente, botão para aquecer a sanita, mais botões para variadas funções de limpeza, purificador de ar e tanto conforto que nem dá vontade de sair. Mas está na hora de dar um pulo até à China, onde os cubículos das casas de banho – delas e delas – nem porta têm. Com tanta gente estranha a entrar e a sair, até se perde a vontade de fazer xixi.
Mas é bom que se despachem e que lavem bem as mãos, a seguir, se quiserem experimentar alguns dos pitéus no Oriente: ratinhos do campo ou dos arrozais no Vietname ou em Myanmar, pés de galinha nos restaurantes chineses e tarântula frita no Camboja. Deixem o exotismo e saltem para a cidade de Sweetwater, no Texas, EUA, onde os pedacinhos de cascavel frito são a grande atração do festival Rattlesnake Round-Up.
Se te deu uma súbita vontade de regressar à boa comidinha portuguesa, talvez gostasses de saber que os orientais iam ter também muita dificuldade em chupar os nossos caracóis ou provar os nossos enchidos de sangue de porco coagulado. Tal como não teriam coragem de comer o famoso surstömming sueco, arenque fermentado e conservado em latas. O cheiro do peixe é tão nauseabundo que é preciso abrir o recipiente dentro de um balde de água e fora de casa para evitar uma reviravolta no estômago.
Quem não for grande aventureiro com a gastronomia além-fronteiras, poderá sempre recusar, mas certos povos vão ficar muito magoados.
Na Zâmbia, é má educação. Não só tens de comer até ao fim, como, ainda por cima, deves ser tu a pedir para encher o prato, não esperando que te perguntem. No Egito, recomenda-se deixar um pouquinho de comida no final da refeição, mesmo que ainda se tenha fome. É sinal de que se ficou satisfeito e um elogio à hospitalidade dos donos da casa.
Mas imaginemos que o anfitrião te pergunta: “Vai mais uma colherada?” Tu, que não entendes a língua dele, dizes que sim ou que não com a cabeça, certo? Presta atenção, porque na Bulgária, na Albânia e na Macedónia, dizer não é balançar a cabeça de cima para baixo e dizer sim é mover a cabeça da direita para esquerda. Nada que enganar, é justamente o contrário que em qualquer outra parte do mundo.
As horas e os dias incertos
Estamos em 2020? Depende… Na Etiópia, o calendário e o relógio do Ocidente pouca utilidade têm.
São costumes únicos, irrepetíveis, só mesmo vivendo nesses países se poderia saber. Valham-nos, ao menos, a perspetiva infalível dos dias do ano. Mas olhem que nem isso… Na Coreia do Norte, corre o ano 109, na China já se entrou em 4718, Israel está em 5780 e na Etiópia ainda é 2012.
Não caiam, já agora, no erro de perguntar a um etíope que horas são. O tempo deles tem uma perspetiva muito confusa para nós. Os dias têm dois intervalos de 12 horas. Até aqui, tranquilo. O problema é que esses dias, na Etiópia, começam com o nascer do sol, às seis da manhã – a hora zero. Se tiveres um encontro marcado às sete (hora do resto do mundo), é da mais elementar importância lembrar que, para eles, será uma hora. E oito horas daqui correspondem a duas horas dali e assim por diante.
Perceberam a lógica? Ou seja, a lógica depende em que lugar do mundo se vive, qual a educação que se teve, quem são os vizinhos que vivem ao lado ou até se faz mais calor ou frio durante o ano. Tudo isso molda o nosso ponto de vista, tal como viajar, comer comidas diferentes, ouvir outras histórias e tentar entender outros pontos de vista.
Quase tudo nesta vida é uma questão de perspetiva. Mas «quase», como bem sabemos, não é tudo.
Há valores universais. O amor pelo próximo, tão apregoado pelas religiões de todo o mundo, é um deles e não é só teoria. A liberdade e a dignidade de cada um são igualmente importantes. E, por fim, RESPEITAR a diferença. Por mais que se troque o ângulo, que se estique, que se encolha ou se vire do avesso, esses são os princípios que não mudam de perspetiva. Mas, isso, já (quase) todos sabemos, certo?