O papel higiénico desapareceu. E não foi só no supermercado do nosso bairro. Foi em todo o lado. Em Portugal, no Japão, nos EUA, no Reino Unido, na Austrália, em França ou no Canadá. É um mistério! – pensou o Bicho-Que-Morde, decidindo de imediato investigar as causas. Antes de mais, é preciso reforçar que o momento é especial, como todos sabemos. E lembrar que a única forma de combater a pandemia provocada pela propagação do coronavírus é ficar em casa.
E é isso que toda a gente está a fazer: abastecer a despensa de bens essenciais para não ter de sair à rua durante vários dias. É um bom motivo, mas será que o papel higiénico é um produto de primeira necessidade? OK, a pergunta é parva. Quando a necessidade aperta, não há nada tão capaz de nos acudir nessa aflição como o papel higiénico. Reformulemos, então, a pergunta: precisamos mesmo de dezenas de rolos guardados em casa?
A resposta é não, não precisamos.
Todos sabemos disso, mas, em momentos de grandes incertezas, o nosso cérebro tem mais tendência para ceder ao medo do que usar a razão. Muita gente levou quilos de papel higiénico para casa com receio que ele acabasse. Como o medo gera ainda mais medo, outros tantos foram atrás, temendo que nada sobrasse quando viessem a precisar do produto sanitário.
E, pronto, foi assim que as prateleiras ficaram vazias. Em países como Reino Unido, China ou França houve rotura de stock. Nos Estados Unidos e Canadá, a venda foi racionada a uma embalagem por família. E, na Austrália, os supermercados contrataram seguranças para vigiar os clientes.
Por todo o mundo, os fornecedores aceleraram a produção do papel higiénico para responder a este súbito aumento da procura. As fábricas, apesar de terem reduzido o número de trabalhadores para minimizar os riscos de saúde, continuam a operar 24 horas por dia, sete dias por semana.
A estratégia da indústria, como conta o site da televisão americana CNN, é deixar cair outros artigos – como rolos de cozinha, guardanapos ou toalhetes – e canalizar todos os esforços neste produto. É o caso também da marca portuguesa Renova, que deixou de produzir o seu icónico papel higiénico preto, para se centrar no convencional.
Ainda assim, por mais que os stocks sejam repostos, quase todos os dias, há sempre alguém que volta para casa sem o conseguir comprar. Quem julga que este não é agora o nosso maior problema, o melhor é olhar para o que está a acontecer no Reino Unido.
Perante a sobrecarga do sistema de esgotos, as autoridades sanitárias estão a alertar a população para não atirar na sanita toalhetes húmidos ou papel de cozinha, que estão a causar frequentes entupimentos.
A esta altura, já deves estar a fazer outra pergunta. Porque é que os restantes produtos – aqueles realmente básicos, como leite, arroz, pão ou enlatados – também não desapareceram?
A teoria do nojo
Nestas alturas em que se tenta evitar o contágio, a aversão às coisas que nos repugnam aumenta, dizem os especialistas.
Neste caso, não há só uma, mas várias respostas. Uma delas está relacionada com o que os psicólogos chamam de teoria do nojo. Quando um vírus como este anda lá fora à solta, a tendência é sentir ainda mais repulsa por tudo aquilo que não está limpo. E, no subconsciente coletivo, o papel higiénico, como o nome próprio diz, simboliza a higiene.
Nestas alturas em que se tenta evitar o contágio, a aversão às coisas que normalmente nos repugnam aumenta, dizem os especialistas. E o papel higiénico é o que está mais à mão para nos dar uma sensação de controlo sobre a limpeza. Como também o são, aliás, os géis, o álcool ou as máscaras de proteção individual, que também têm estado esgotados.
Quando comparado com estes produtos, o papel higiénico tem ainda outras vantagens muito apreciadas nos dias que correm.
Além de ser um produto barato, nunca se estraga.
Mesmo se, no final desta pandemia, sobrarem quilómetros de rolos ainda empacotados, não faz mal. É só continuar a usá-lo até acabar. Enlatados, comida congelada, massa ou arroz, por mais que durem, têm sempre prazo de validade.
Toda essa preocupação é desnecessária. Precisamos de armazenar mais mantimentos do que o habitual, é certo. Mas sem exageros. A despensa abastecida para duas semanas é suficiente, dizem as autoridades de todos os cantos do planeta. As pessoas podem estar fechadas em casa, mas as mercadorias continuam a circular para chegar a todo o lado.
A fraqueza dos caranguejos
Entreajuda é o que falta aos caranguejos para escapar da panela. Será que somos como eles? A História diz que não.
Se uma boa parte da população levar para casa mais do que precisa, haverá muita gente com a despensa vazia. Sabes que é mais ou menos isso que acontece com os caranguejos? Quando um mariscador os coloca ainda vivos num balde, sabe que eles nunca conseguirão escapar. Do que eles precisavam para fugir era de sentido de entreajuda. Mas, em vez de se organizarem, atropelam-se uns aos outros. Nenhum consegue alcançar a borda do balde porque há sempre um (ou mais) a puxá-lo para o fundo. E é assim que acabam todos na panela.
Será que somos como os caranguejos? Em certas alturas, parece que sim. Mas a História também tem demonstrado que, em momentos de crise, apesar das pilhagens, motins e falta de civismo, é o sentimento de união que predomina.
Não é por acaso que agora há vizinhos a levar comida e medicamentos aos idosos, grupos no Facebook para ajudar quem precisa, operários a fazer horas extras para fabricar mais máscaras de proteção coletiva, álcool (e, claro, também mais papel higiénico), farmacêuticos a fazerem gel desinfetante nos seus minilaboratórios ou médicos e enfermeiros a trabalhar sem folgar. E não pensem que é só aqui. É por todo o mundo.