De parvinha Josefa não tem nada

Só porque pintava doces, frutas ou anjos de bochechas rosadas, Josefa foi malvista na arte portuguesa. Os críticos não perceberam que a doçura das suas obras deu ao Barroco um estilo bem português. E que de parvinha não tinha nada. Ela foi a primeira pintora portuguesa, que com a sua arte, sustentou a família e geriu negócios de sucesso. Tudo isso numa época em que as mulheres não davam um passinho sem pedir licença aos papás ou aos senhores seus maridos.

 

 

Era uma vez três vaquinhas… Bem, vaquinhas é maneira de dizer. A Galante, a Cereja e a Formosa pesam mais de 300 quilos cada e dão litradas de leite. É Josefa que se encarrega desta tarefa. Fala com elas, enquanto enche dois ou três baldes, e sai apressada, porque ainda tem de dizer bom dia às galinhas e dar algumas instruções aos caseiros. De regresso a casa, apanha uma mão-cheia de cenouras e nabos da horta e coloca-a numa cesta em cima da mesa da cozinha. Limpa as mãos sujas de terra no avental, mas volta a sujá-las de tinta assim que entra na oficina para passar o resto do dia entre telas, cores e pincéis.

Josefa tem muitas encomendas, de igrejas, conventos, famílias da nobreza e da realeza. Quadros, estampas, gravuras em metal, olaria, tapeçarias, relíquias e também retábulos, que são os que mais sucesso fazem. É com a arte que sustenta a mãe e as duas sobrinhas órfãs a viverem com ela no Casal da Capeleira, uma quinta na vila de Óbidos. E sobra ainda bastante dinheiro para comprar quintas, casas e terrenos.

Josefa é daquelas supermulheres que põe toda a gente a pensar como é que o raio da moça consegue fazer tudo.

Convém explicar que não é de uma mulher do século 21 que esta história conta. Ela nasce em 1630, em Sevilha, mas aos quatro anos muda-se com a família para Óbidos, a vila natal do pai.

As mulheres, em pleno século 17, estão ainda a milhas de vislumbrar os direitos mais básicos. As que casam têm de pedir licença aos maridos até para ir à casa de banho. As solteiras vivem o resto da vida em casa dos pais ou a rezar nos conventos e, por mais adultas e responsáveis, também não podem dar um passinho sem consultar os senhores seus pais.

No princípio, Josefa segue as mesmas pisadas da maioria das mulheres solteiras. Aos 16 anos, entra no Convento Agostinho de Sant’Ana, em Coimbra, mas, apesar de muito devota, achou que a vida de freira não era bem a praia dela. Ao fim de três anos, voltou para a casa dos papás. Mas não para viver à custa deles. Enfiou-se na oficina do pai e continuou a pintar com ele.

 

Uma vedeta na vila

Agnus Dei – Museu de Évora
 

 Gentes de todo o país e até de Espanha fazem um desvio quando vão às Caldas só para cumprimentar Josefa 

Aos 19 anos, ela vende quadros como bolinhos quentes e aos 30 já é uma vedeta. A fama de Josefa chega tão longe que gentes de todas as partes do país e até mesmo de Espanha, sempre que vão às termas das Caldas da Rainha, fazem um desvio só para cumprimentá-la em Óbidos. 

Causa estranheza ver como naquela época uma artista era tão popular como hoje são as estrelas de cinema. Só que o caso dela é único.

Josefa foi a primeira pintora profissional portuguesa. Havia outras mulheres a pintar, mas nenhuma conseguia ganhar a vida com a arte. 

Mesmo assim, há qualquer coisa que não bate certo. Como é que ela vende quadros, compra e arrenda terrenos e quintas se, naquela época, as mulheres não tomam nenhuma decisão sem os pais ou os maridos autorizarem? Poder-se-ia pensar que Josefa não faz nada sem primeiro consultar o pai, Baltazar Gomes Figueira. 

Mas não, Josefa não depende de ninguém, pai, marido ou tutor. Aos 30 anos ela consegue a emancipação administrativa. Mais não é do que um papelinho carimbado no cartório a dizer preto no branco que pode fazer os negócios que bem entende, vender e comprar propriedades e assinar contratos sem precisar de um homem por perto. 

É um estatuto atribuído, por exemplo, às viúvas, mas Baltazar fez questão que a filha tivesse os mesmos privilégios. E foi graças a essa decisão que, após a morte do pai, em 1674, Josefa conseguiu assegurar a subsistência da família.

 

De culta a tontinha

Natureza morta com bolos – Museu de Évora

 

 Só porque pintava doces, flores e anjinhos, Josefa foi vista pelos intelectuais como beata e tontinha 

As obras dela continuam hoje a ser vendidas e compradas, principalmente por colecionadores privados. Há quadros, retábulos ou tapeçarias suas espalhadas por igrejas, conventos, mosteiros, museus, fundações em Lisboa, Peniche, Torres Vedras, Évora, Coimbra ou em cidades espanholas como Madrid ou Sevilha. 

Mas houve, entretanto, qualquer coisa que mudou nas últimas décadas. A arte dela foi deixando de ter importância. Em alguns casos, passou até a ser motivo de risota. Dizem os entendidos que os preconceitos de alguns críticos e intelectuais fizeram com que Josefa de Óbitos passasse de culta e determinada a pacóvia e beata. E tudo por acharem que pintar doces conventuais, frutas e flores é uma arte menor.

Ou, então, só porque estudou num convento de freiras e viveu numa vila afastada de Lisboa. Como se ser da província fosse o mesmo que ser tacanho. E os conventos fossem só para gente ingénua e sem ambição.

Pois, pelos vistos, alguns ainda pensam que, se escolhesse a capital para morar e conviver com as elites, certamente não tricotaria «rendas com pincéis» ou pintaria meninos Jesus «rechonchudos» que mais parecem «trouxas-de-ovos», como escreveu Miguel Torga no seu Diário.

Se Josefa pintou naturezas mortas, isso para alguns só mostra que não passa de uma mulher prendada, embora sem talento para pintar coisas mais nobres e sérias como o corpo e o rosto humanos com todos os seus detalhes. Essa, sim – sentenciaram eles -, é a arte que, ao contrário de flores, doces e outros salamaleques, demonstra o domínio da técnica e do conhecimento da anatomia humana.

E, assim, com duas ou três pinceladas carregadas de ideias feitas, tiraram a Josefa o direito a ocupar um lugar entre os melhores.

Foram apressados a julgá-la. Se perdessem algum tempo a olhar com atenção para a obra dela, poderiam ver que não é por ser mulher que pinta anjinhos de olhos esbugalhados, boquinhas pequenas e bochechas rosadas.

 

A inventora do Barroco português

São João Batista Menino – Coleção Particular

 A doçura é aquilo que distingue Josefa de todos os artistas europeus do Barroco 

A doçura, tantas vezes achincalhada, é a forma que ela encontrou de representar o divino. Ou melhor, a separação que ela faz entre os seres celestiais, como anjos e santos, e as pessoas como nós. E essa, dizem os especialistas, é uma das suas grandes originalidades, é aquilo que a distingue de todos os outros artistas do Barroco.

Quando os espanhóis ou os italianos usam a escuridão e os rostos contorcidos de dor para mostrar esse mesmo lado divino, Josefa usou a ternura sem, contudo, descuidar a técnica e o rigor aplicados nas rendas, joias, flores, frutos, bolos e olaria.

Esse preconceito, como todos os preconceitos, não desparece da noite para o dia. São precisos anos a fio para devolver o estatuto que Josefa merece ocupar na arte. Mas esse trabalho já começou. Há uns anos, por exemplo, o Museu Nacional de Arte Antiga dedicou-lhe uma grande exposição para mostrar que a sua arte não é só feita de bolos, frutas e flores, mas também de histórias que contam a vida de santos, de Cristo e que deram ao Barroco uma versão bem portuguesa.

E há dois anos e picos, chegou um quadro de Josefa ao Louvre, em Paris, oferecido por um galerista lusodescendente, Philippe Mendes. Maria Madalena confortada pelos Anjos é apenas mais uma entre as mais de 20 mil obras em exposição no museu mais famoso de França e do mundo. Não atrairá logo a atenção dos visitantes, sobretudo daqueles que correm contra o tempo para completar o roteiro das grandes estrelas como a Mona Lisa de Da Vinci, o Banho Turco de Ingres, ou os Pássaros de Braque. Mas o quadro está lá, dia e noite, fazendo parte das coleções permanentes. Entre os milhões que visitam o Louvre todos os anos, haverá alguém que vai parar para apreciar a arte de Josefa de Óbidos.

 

Ficha biográfica
NOME: Josefa d’Ayala e Figueira NOME ARTÍSTICO: Josefa de Óbidos (como muitos artistas da época, Josefa também assinava as suas obras com o nome do lugar onde vivia). NASCEU EM: Sevilha (Espanha), em fevereiro de 1630. Desconhece-se o dia, sabe-se apenas que foi batizada a 20 do mesmo mês MORREU EM: Óbidos a 22 de julho de 1684

 

Fontes consultadas: Público | Executiva | El Mundo | Wikipédia | Fotos Antes e Depois
FOTOS: Wikimedia Commons

O médico Lazowski derrotou os nazis com a ciência

Crédito: PUBLIC DOMAIN // LUCY QUINTANILLA

Por mais que os nazis ameacem os que ajudam os judeus, Eugene Lazowski sabe que um médico tem de tratar toda a gente sem exceção. E foi por isso que ele e o amigo inventaram uma epidemia de tifo. A cidade polaca ficou de quarentena durante quase três anos, impedindo o exército alemão de levar os judeus para os campos de concentração.

Há um lenço branco amarrado na cerca de madeira. Sinal de que alguém está doente.  Eugene Lazowski espera a noite cair para sair às escondidas e bater à porta da família que pediu ajuda. Ele, como qualquer outro médico, está proibido de atravessar para o outro lado da cidade de Rozwadów para dar assistência aos judeus.

A vida na Polónia mudou subitamente a 1 de setembro de 1939. O exército alemão ocupou a parte ocidental do país, dando início à Segunda Guerra Mundial. São os nazis que estão em vantagem e, portanto, são eles a ditar as regras: quem prestar auxílio aos judeus que vivem do outro lado da vedação será imediatamente preso.

Eugene tem de ser cuidadoso, mas organiza muito bem as rotinas para não ser apanhado desprevenido. Tudo corre bem até ao dia em que um homem lhe entra pelo consultório pedindo ajuda. Ele está de passagem pela cidade para visitar a família. Em menos de uma semana terá de regressar ao campo de prisioneiros onde quase não come e é obrigado a trabalhar 14 a 16 horas por dia.

Ele ainda pensou fugir, mas sabe que, logo a seguir, a mulher e os filhos seriam presos. Eugene diz-lhe que vai ajudá-lo, mas não sabe o que fazer e vai ter com o colega Stanislaw. Pode ser que ele tenha alguma ideia. Nunca se sabe.

_ Há uma coisa que podemos fazer – diz o amigo.

 _ O quê? – Pergunta ele.

_ Descobri, por acaso, que se injetasse num paciente bactérias mortas de tifo eles teriam todos os sintomas, mas não desenvolveriam a doença.

_  Isso é genial! Os alemães morrem de medo do tifo – interrompeu Eugene, todo entusiasmado.

Não é caso para menos. O tifo é uma doença altamente contagiosa transmitida por parasitas como piolhos e pulgas que matou milhares de soldados nas trincheiras durante a Primeira Guerra Mundial. O susto foi tão grande que o exército alemão tem agora ordens expressas para relatar imediatamente qualquer caso suspeito.

No dia seguinte, os dois médicos decidem infetar o doente com o falso tifo e enviar uma amostra do sangue ao laboratório dos alemães para confirmarem a doença. Em menos de 24 horas recebem um telegrama. 

“Positivo confirmado. Stop. Isolar paciente. Stop. Não permitir que saia da cidade. Stop.”

Zona declarada de quarentena

 

 Eugene sabe que, se infetasse a cidade com a falsa doença, acabaria com a perseguição dos nazis aos judeus 

A vontade deles é pular de alegria, mas ficam calados como ratinhos encolhidos no esconderijo. Seria um segredo só deles.

 _ A tua ideia foi espetacular, Stanislaw, mas poderíamos fazer muito mais.

_ O que queres dizer com isso Lazowski?

Eugene já está a matutar num plano mais ambicioso. Infetar toda a cidade com a falsa doença acabaria de vez com a perseguição dos nazis aos judeus.

_ Isso é muito mais perigoso – avisou o amigo.

_ Sim, mas tens ideia das vidas que podemos salvar?

Não é preciso dizer mais nada para o convencer. Nas semanas seguintes, os doentes são infetados à medida que passam pelo consultório dos dois médicos. Nem todos. Os alemães não poupam os judeus infetados com tifo e, como tal, eles ficam de fora deste esquema.

As amostras de sangue são enviadas para os laboratórios alemães por fases. Primeiro só um ou dois casos e, à medida que as semanas passam, mais e mais. O objetivo é fingir uma epidemia que se alastra de dia para dia. 

O plano parece estar a resultar, mas por pouco tempo. Tantos doentes e nem sequer uma morte? Algo de estranho se passa, pensaram os nazis. Em breve contam enviar uma equipa médica do exército à cidade de Rozwadów para tirar a limpo os casos de tifo.

_ Agora é que estamos tramados! – Soltou Stanislaw.

_ Temos de manter o sangue frio – avisou o amigo.

Eugene também está apavorado, mas não desiste da farsa. A equipa chegaria em poucos dias numa comitiva de médicos veteranos e aprendizes.

_ Vamos organizar uma festa para os médicos mais velhos à entrada da cidade. Haverá comida e vodka com fartura. Enquanto isso, tu estarás no hospital para receber os colegas mais novos.

Assim fazem. Selecionam os doentes mais magricelas, com olheiras até ao fundo da cara e pálidos como fantasmas. E colocam-nos em quartos sujos, escuros e sem janelas. Às portas da cidade, Eugene recebe a comitiva com um banquete.

_ Bem-vindos, caros colegas. Devem estar fatigados da viagem. Porque não descansam umas horas à volta da mesa?

 _ Bem gostaríamos, caro colega, mas só podemos perder um dia aqui.

 _ Não seja por isso – diz Eugene –, enviem os mais jovens para uma primeira avaliação e depois vão vocês, mas já descansados e saciados.

E porque não? – Pensam os alemães. Sentam-se, comem, contam piadas e lambuzam-se durante um par de horas. Enquanto isso, os novatos vão visitar os doentes. Mal entram nos quartos, tal era o pivete. Analisam à pressa as amostras de sangue e saem a correr convencidos de que estão perante uma epidemia. Os colegas mais velhos nem se lembram mais de confirmar os resultados das análises de tão alegres que estão depois do sexto ou do sétimo copito de vodka engolido de penálti.

Mais perigo no fim da guerra

Polónia durante a Segunda Guerra Mundial (Wikimedia Commons)

 

 Ao pressentir que estão a perder, os nazis apertam o cerco aos suspeitos de colaborarem com o inimigo 

O exército mantém a quarentena e nem um oficial alemão se atreve a aproximar da cidade. Os cerca dos 8 mil habitantes de Rozwadów e aldeias vizinhas vivem sem medo de serem enviados para campos de concentração ou de trabalho. Eugene é destacado para vigiar a epidemia e impedir a propagação da doença fora da cidade. Durante quase três anos, o médico polaco trata todos os doentes sem exceção e sem receio de ser preso.

Mas uma nova ameaça surge quando a guerra está prestes a terminar. Em janeiro de 1945, os soviéticos atacam os alemães na Polónia. Os nazis estão a perder a vantagem, ainda assim, apertam o cerco aos polacos, sobretudo àqueles de quem suspeitam estarem a colaborar com o inimigo. É o caso de Eugene, avisa um soldado alemão que, grato por já ter sido tratado por ele, decidiu ajudá-lo.

_ O Dr. Lazowski tem de fugir e já!

_ O que é que você sabe homem?

_ A Gestapo está de olho em si!

A polícia secreta do regime nazi descobriu que o médico anda a tratar os membros da Armia Krajowa, exército de livre resistência polaco que combate os alemães e os soviéticos que invadiram o país.

_ Eles sabem disso há muito tempo. Só não fizeram nada porque o seu trabalho para conter a epidemia era mais importante – explica o soldado alemão.

Agora é diferente. A guerra está no fim, os alemães estão mais vingativos e já não é seguro ficar na cidade. Eugene segue o conselho do soldado alemão. Agarra na mulher e na filha e parte com meia dúzia de roupas numa mala de viagem. Anda fugido até a guerra acabar e, depois, muda-se para os Estados Unidos, em 1958, onde é convidado a dar aulas de pediatria na Universidade de Illinois.

Ninguém mais ouve falar do que ele e o amigo fizeram para salvar os habitantes de Rozwadow. A verdade é que ninguém sabe. Nem sequer as famílias deles. Ambos têm medo de serem presos por terem inventado uma falsa epidemia.

Um segredo três décadas guardado

Ryan Bank (2001)

 

 Só 32 anos depois da guerra é que os médicos contam a verdade. Logo a seguir, Eugene visita a Polónia 

O plano manteve-se secreto até 1977, quando Eugene revela tudo num artigo escrito para a revista da sociedade americana de microbiologia. Ou seja, só 32 anos depois de a guerra acabar. Mais tarde, em 1993, os dois médicos contam toda a história no livro “The Private War”, um sucesso de venda nas livrarias polacas. E, sete anos depois, Eugene regressa à Polónia para visitar Rozwadow.

É recebido como um herói com direito a vários dias de festas. É numa destas comemorações que um desconhecido se aproxima dele, dando-lhe um abraço demorado.

_ O meu pai estava às portas da morte e o Dr. Lazowski curou-o em 5 dias.

Eugene abre um sorriso malandro e segreda ao ouvido dele:

_ Não fui eu, foi tifo que salvou o teu pai – diz ele, desmontando o esquema ao polaco ainda convencido de que a cidade fora alvo de uma epidemia durante a Segunda Guerra Mundial.

Ficha biográfica
NOME: Eugeniusz Sławomir Lazowski
ALCUNHA: Schindler polaco
NASCEU EM: Częstochowa, Polónia, em 1913 (dia e mês desconhecidos).
MORREU EM: Oregon, Estados Unidos, a 16 de dezembro de 2006

 

Depois de uma história de um heróis, que tal outra história de seis heroínas? O voo das seis Marias salvou centenas de vidas.

Fontes consultadasChicago Tribune | amednews.com | Historic Biographies

Quantas cores tem o mundo?

Experimenta primeiro acertar na resposta:

a) 10 milhões; b) infinitas; c) nenhuma.

 

E a resposta certa é…

Carrega aqui, por favor, e descobre a resposta.
Todas!
😉

 

Como muita coisa na vida, esta pergunta também não tem uma resposta preto no branco. O mundo não é o que parece. Ou melhor, não é o que os nossos olhos veem. Tudo depende de quem, do lugar ou do ângulo em que a cor surge. Há muitos fatores a condicionar a nossa perceção, começando na luz, continuando no cérebro e acabando nos olhos que tanto podem pertencer a um humano como a um animal.

 

 Esclarecido este ponto, comecemos então pela resposta a) 10 milhões.

Dez milhões de cores, ou melhor, tonalidades, é o que o olho humano consegue ver. O número tem em conta os 3 aspetos que compõem a nossa perceção:

1000 níveis
de claro-escuro que somos capazes de distinguir;

100 níveis
de vermelho-verde que podemos ver;

100 níveis
de azul-amarelo que o olho humano também consegue reconhecer.

Embora as quantidades pareçam enormes, as contas não são complicadas e o número total de cores que uma pessoa vê é cerca de:

1000 x 100 x 100 = 10 000 000 (10 milhões).

Só que este resultado não representa nem pouco mais ou menos o total de cores que existe no mundo. A visão humana é até bastante pobre se comparada, por exemplo, com um computador que exibe cerca de 16,8 milhões de cores para criar imagens coloridas de alta resolução.

Por esta amostra, dá para ver que há muitas cores invisíveis para os humanos. O branco, aliás, pode não ser mais do que a incapacidade dos nossos olhos para interpretar uma determinada cor detetada pelo cérebro. 

Vermelho, verde e azul são as luzes primárias a partir das quais se formam as cores na nossa mente. É a combinação entre essas três luzes que mostram todas as outras cores captadas pelo olho humano. 

Existem, porém, outras misturas de luzes complementares, como o azul e o laranja, o vermelho e o verde, a púrpura e o amarelo, que os olhos humanos são incapazes de interpretar. E é por isso que, se calhar, não temos na nossa palete, por exemplo, o vermelho-esverdeado ou o amarelo-azulado. 

E, depois, há uma série de radiações de luz que também escapam ao olho humano. Somos capazes de ver as sete cores do arco-íris, mas todas as radiações abaixo ou acima dessa faixa permanecem escondidas.

Ok, então se 10 milhões não representa o total de cores e há muitas delas invisíveis, voltemos a colocar a pergunta: quantas cores há no mundo? Está na hora de explicar a resposta: b) infinitas.

A esta altura, já é possível calcular que a perceção das cores depende em grande parte das condições em que são vistas e que se resume a três pontos essenciais: o brilho da cor; a quantidade de iluminação e a interferência de outras cores nas redondezas. 

Para complicar, a perceção humana depende ainda de onde e como surge a cor, que tanto pode cobrir objetos e superfícies como aparecer em fontes de luz ou dentro de volumes. Só para complicar ainda mais as contas, as pessoas também não veem todas o mesmo, havendo sempre pequenas diferenças de caso para caso. E, como tal, se a variedade de condições, as formas de percecionar e a quantidade de tonalidades invisíveis aos olhos humanos são praticamente inesgotáveis, a resposta mais aproximada é o infinito.

Toda a verdade sobre o preto e o branco

 

 As cores podem não passar de ilusões da nossa cabeça ou serem até fruto da cultura e da aprendizagem 

 

Ou então zero, que nos leva por fim à resposta c) nenhuma.

Em última análise, podemos até concluir que a cor não existe. O que existe é a luz que molda toda a nossa perceção sobre as cores. A maioria dos humanos consegue distinguir uma cor da outra, mas a verdade é que elas não passam de fantasias coloridas da nossa cabeça. 

As cores são processadas pelo cérebro a partir de estímulos luminosos captados e transmitidos pelos olhos. Ou seja, a nossa visão interpreta a luz refletida ou absorvida nos objetos. Quando, por exemplo, todas as cores são refletidas, a cor que vemos é o branco. 

Em contrapartida, quando todas as cores são absorvidas, o preto é a cor que surge diante dos nossos olhos. As cores, como tal, podem muito bem não passar de ilusões ou serem até fruto de condicionalismos impostos pela cultura ou pela geografia. 

Os esquimós conseguem identificar e descrever dezenas de tonalidades de branco, o que é bastante útil para saber, por exemplo, se uma camada de gelo é frágil e não convém pisar. E os índios no Brasil conseguem ver muito mais variações de verde do que qualquer um de nós, sabendo exatamente quando uma planta está no ponto certo para ser colhida. E isto acontece porque a perceção das cores também depende do passado, da memória e da aprendizagem.

 

 😻 Este tema só fica completo com a leitura de: Quantas cores veem os animais?

Fontes consultadas: Rochester Institute ofTechology/ Munsell Color Science Laboratory BBC Mundo EstranhoCambridge In ColourRede Globo 
Fotos: Pixabay

Quantas caretas faz o rosto humano?

Alguma vez reparaste na cara que alguém faz ao perceber que pisou cocó de cão? E na expressão de um adepto quando o clube dele marca um golo? Ou, então, saberás por acaso qual é a tua cara ao abrir uma prenda de aniversário, que é exatamente aquilo que pediste? Nojo, alegria, tristeza, medo, raiva e surpresa são as seis emoções básicas que o rosto humano consegue expressar. 

Mas, atenção, os sentimentos humanos são bem mais complicados. E as seis expressões básicas são demasiado simples para abarcar todo o tipo de emoções que nos sobressaltam sem qualquer aviso. Até porque, uma surpresa nem sempre é agradável, às vezes é triste, outras vezes deixa-nos muito irritados ou bastante receosos. O mesmo acontece com o medo, com o nojo ou com a raiva, que, com frequência, arrastam outras sensações. 

De cada vez que expressamos uma emoção, os músculos do rosto conjugam uma série de movimentos para transmitir aos outros aquilo que nos vai na alma. E quanto mais elaborada for essa emoção, mais complexas são também as transformações que acontecem no rosto. É como se o cérebro fosse um cozinheiro a dosear os ingredientes para que os músculos consigam cozinhar a expressão que melhor corresponde ao que se está a sentir. 

Algumas gramas de alegria e umas pitadas de surpresa, por exemplo, fazem a nossa boca esboçar um sorriso, abrir muito os olhos e levantar as sobrancelhas. Umas boas doses de nojo e tristeza q.b. são o suficiente para cerrar os dentes, franzir a testa e deixar descair os cantos da boca. 

No caso das expressões que combinam várias emoções, os movimentos do rosto são muitas vezes subtis. Aos olhos destreinados, passam desapercebidas e foi por isso que os investigadores da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, recorreram aos computadores para conseguir contabilizar o número de expressões faciais de um rosto humano. 

Além das seis emoções básicas universalmente conhecidas, os cientistas identificaram outras mais complexas, usando um algoritmo que mapeou cerca de 5 mil imagens de expressões humanas, decompondo todos os movimentos dos músculos. 

Cada uma das seis expressões faciais básicas tem um conjunto específico de movimentos musculares e que se tornam mais complexos ao serem combinados com outras 15 emoções. Com mais ou menos variações, estas 21 caretas que o rosto faz servem para expressar os mesmos sentimentos em quase todas as pessoas, pelo menos nas culturas ocidentais.

Esta é a lista das 21 expressões mapeadas pelos investigadores americanos:

FelizChocada/oSurpreso/a
Admirada/oAmedrontada/oZangado/a
Enojado/aSurpreso/aSurpresa feliz
Feliz, mas enojado/aTriste e com medoTriste e zangada/o
Triste e surpreendido/aTristemente enojada/oCom medo e zangado/a
Com medo e surpreendido/aCom medo e enojada/aCom raiva e surpreso/a
Zangada/o e enojada/oEnojado/a e surpreso/aÓdio

Os rostos não mentem

 As palavras
nem sempre correspondem
ao que estamos a sentir, mas
as expressões, essas, nunca mentem 

A investigação realizada em 2014 pode vir a ser bastante útil para ajudar a diagnosticar alguns problemas e doenças que afetam a cognição, como o autismo ou traumas do foro psicológico. E, quem sabe, contribuir até para aperfeiçoar a inteligência artificial, desenvolvendo robôs capazes de interpretar as expressões humanas.

Tão importante também  é o estudo permitir conhecer melhor o cérebro e as suas capacidades de comunicar. As expressões faciais são a mais antiga forma de comunicação entre os humanos. Muito antes da fala ou a escrita, já usávamos o rosto para comunicar perigos e ameaças. 

Essa capacidade é ainda hoje um dos pilares da comunicação. Para entendermos os outros, não basta saber escutar, mas também ver e interpretar aquilo que se ouve e que se vê na cara dos outros. São várias as investigações a demonstrar que a comunicação verbal precisa de outros elementos para ser melhor entendida. No global, as palavras ditas são o que menos importa, 7% apenas. Cerca de 38% da comunicação é conseguida através do tom de voz e 55% deve-se aos gestos e às expressões faciais.

 O rosto é a nossa parte mais honesta. As palavras podem muitas vezes não corresponder ao que estamos a sentir, mas as expressões, essas, não mentem. Tanto assim é que, em alguns países, há departamentos de polícias que contam com especialistas em linguagem corporal para ajudar a detetar mentiras de supostos criminosos durante os interrogatórios.

Mas o estudo das emoções não é apenas útil para apanhar mentirosos, melhorar a comunicação com os outros ou ajudar a ciência a aperfeiçoar a inteligência artificial. Servem principalmente para conhecermos mais sobre nós próprios e dar importância aos nossos sentimentos. Ao tomarmos consciência deles, percebemos que há muitos estados de alma a viver dentro de nós. Umas vezes estamos tristes, outras vezes frustrados, alegres, irritados ou até eufóricos. Somos feitos de muitas e diferentes emoções e só um pateta é que diz estar sempre alegre. E, mesmo assim, está a mentir.

Clica em cada imagem do painel e descobre o que faz o teu rosto para expressar as 6 emoções básicas.

Fontes consultadas: PNAS Artists Network |  Scholarpedia Ebah

 

 

 

 

Fotos: montagem com fotos Pixabay

Por que há engarrafamentos sem causa nenhuma?

Se não há acidentes nem obras por perto, por que estão os carros parados? É difícil entender o que empata o trânsito quando não existem obstáculos à circulação. Para um automobilista, poucas coisas são tão irritantes como demorar 10 ou 15 minutos no pára-arranca e, depois, sem mais nem menos, retomar a velocidade normal. A cena é de tal modo frequente que os especialistas deram um nome a esse fenómeno – engarrafamentos-fantasmas.

 

 Para entender porquê e como isso acontece, o Bicho-Que-Morde meteu-se na boca do lobo. Entrou no seu carocha amarelo e seguiu pela via mais movimentada das redondezas. A estrada tem duas faixas, o limite de velocidade é de 90 km/h e o trânsito flui como uma corrente em movimento contínuo. Tudo corre de feição até um condutor, no corredor ao lado, se esgueirar para a faixa dele sem sequer fazer pisca.

O Bicho-Que-Morde é subitamente obrigado a desacelerar para evitar um choque. Apanha um susto, mas em poucos segundos retoma a velocidade e chega a casa sem enfrentar nenhum daqueles engarrafamentos que acontecem do nada e põem tanta gente de mau humor logo pela manhã.

O que ele nem desconfia é que aquela travagem repentina deu início ao que os engenheiros do tráfego chamam de efeito onda no trânsito. Todos os carros que seguiam atrás, não só na faixa dele como na outra, reduziram também a marcha.

À medida que se recuava na estrada, mais lenta ficava a circulação, até o trânsito parar completamente, imaginem só, a mais de dois quilómetros de distância do local onde começou toda a confusão.

Um único aselha atrapalha mil condutores

 Basta um único automobilista
desacelerar a marcha
para desencadear um
efeito em cadeia e fazer parar o trânsito  

 

 

A estrada é o exemplo perfeito de como o que cada um faz tem impacto na vida de todos. Mas de nada vale culpar o aselha que cometeu o erro. Os restantes automobilistas também têm a sua quota de responsabilidade. 

Evitar engarrafamentos-fantasmas seria muito mais fácil se cada condutor respeitasse a distância de segurança uns dos outros (que varia consoante a velocidade, o estado do piso, as condições climatéricas ou a visibilidade na estrada). Este é o conselho dos investigadores que estudam esse fenómeno.

O problema é que, na estrada, os carros estão sempre muito juntinhos. Quanto mais curto é o espaço entre eles, mais dependentes ficam das travagens dos automóveis que seguem à frente. Se estivessem mais distantes uns dos outros, poderiam reduzir a velocidade aos poucos e com maior antecedência.

Uma condução cuidadosa e atenta é não só a melhor maneira de evitar acidentes como perdas de tempo. Dois minutos parados aqui ou três minutos acolá parecem insignificâncias, mas fazem muita diferença na hora de somar tudo.

Com o conta-quilómetros parado

 

 O que fariam os condutores
se pudessem aproveitar o tempo que todos os dias desperdiçam na estrada? 

 

Só ao juntar todos os minutinhos, percebermos o tempo que se desperdiça na estrada. O índice de Tráfego Global Anual que a marca de GPS Tom Tom fez em 2017 mostra que, em Braga, os automobilistas passam em média 17 minutos no pára-arranca. No Funchal é um pouco pior (20 minutos) e, no Porto, então, é um disparate de tempo perdido, 31 minutos. 

Mas é Lisboa que ultrapassa todos os recordes das cidades portuguesas: 40 minutos por dia. Ao fim de um ano são 154 horas, ou seja, seis dias e meio. Dá vontade de perguntar a cada condutor o que fariam se pudessem fazer marcha atrás e aproveitar esse tempo. Ficar mais um pouco na cama de manhã era o que o Bicho-que-Morde faria. Só que 40 minutos por dia para fazer o que nos desse na telha daria para muito mais. É só dar fôlego à imaginação.

Em 40 minutos, somos capazes, por exemplo, de ler entre 7200 e 8800 palavras de um livro. Segundo os dados da UNESCO, uma pessoa consegue ler em média entre 180 e 220 palavras por minuto. E 40 minutos chegaria também para fazer uma viagem de comboio entre o terminal do Rossio, em Lisboa, e a estação da vila de Sintra, com paragens em todos os apeadeiros da linha.

O tempo que os lisboetas passam dentro dos carros dava ainda para passar 40 minutos pelas brasas todas as tardes. Essa é a duração da sesta perfeita, dizem os especialistas. O suficiente para recuperar energias após o almoço, facilitar a aprendizagem, aumentar a capacidade de resolver problemas e acabar com qualquer mau humor.

O pior engarrafamento durou nove dias

 

 A China detém o recorde
do mais longo engarrafamento
com 10 mil camiões presos em filas que chegaram aos
120 quilómetros  

 

Não faltam ideias para aproveitar o tempo perdido no trânsito. Mas, se meia-hora ou três quartos de hora bloqueado na estrada é um absurdo, o que dizer do pior engarrafamento de que há memória? Aconteceu em agosto de 2010, numa autoestrada entre uma região autónoma da Mongólia e uma província da região de Pequim, na China. Durou nove dias, atingiu filas de 120 km e aprisionou mais de 10 mil camiões e outros carros que só conseguiam avançar entre mil e três mil metros por dia.

Tudo por causa de obras de manutenção e de construção de estradas. Os trabalhos reduziram para quase metade a capacidade rodoviária da Autoestrada Nacional 110, já de si constantemente entupida pelo excesso de camiões a transportar todos os dias até Pequim milhares de toneladas de carvão retiradas das minas da Mongólia.

Para piorar, a estrada mais engalinhada ficou com os motores dos carros sobreaquecidos a pifarem a toda a hora, deixando os condutores presos durante dias a fio. Houve gente que só saiu ao fim de três dias, outros passados cinco dias. Durante esse tempo não tiveram remédio senão dormir nos carros e matar o tempo a jogar ao mahjong.

O maior problema foi na hora de comer. Sem restaurantes ou mercearias por perto, os condutores ficaram à mercê dos vendedores ambulantes. Assim que eles viram as notícias na televisão, atafulharam as suas bicicletas de comida e pedalaram até aquela via para vender noodles instantâneos, ovos cozidos ou garrafas de água pelo triplo do preço.

Só ao fim do nono dia é que o caminho foi ficando, a pouco e pouco, menos obstruído, com os outros condutores a escolherem vias alternativas. Os que estavam na autoestrada 110 puderam finalmente circular e chegar a casa a tempo de jantar com as famílias.

Parar, respirar e pensar

 As rotinas, por vezes, nem
deixam um minuto para respirar fundo e perguntar se fazem algum sentido  

 

É um caso extremo que aconteceu no outro lado do planeta. Ainda assim, dá que pensar no que também andamos a fazer deste lado. As rotinas, por vezes, são tão sufocantes que não deixam sequer um minuto para respirar fundo e perguntar se fazem sentido. Podemos repetir os mesmos hábitos, os mesmos gestos e os mesmos caminhos, dia após dia, sem nos darmos conta dos estragos que provocam.

É mais ou menos o mesmo quando nos sentamos sempre tortos no sofá e, ao fim de um tempo, as costas e os rins começam a doer. Ou quando bebemos refrigerantes ou comemos guloseimas quase todos os dias sem reparar que estamos a ficar gordinhos e pouco saudáveis.

Mas os maus hábitos não podem durar para sempre. Assim como há vícios que eliminamos pela nossa saúde, também há mudanças a fazer nas nossas rotinas pelo bem-estar de todos e do planeta. Que tal começarmos por exigir cidades com menos automóveis e mais corredores para autocarros e elétricos? Com mais árvores, parques, bicicletas e passeios largos?

Merecemos todos viver em cidades com o ar fresco e tempo para espreguiçar numa esplanada ou num um jardim. Nem que seja por apenas 30 ou 40 minutos de manhã ou ao final da tarde. Não é mil vezes melhor do que estar num automóvel super-rápido que não sai do mesmo lugar?

Este tema só fica completo com a leitura de: Por que são malcriados os condutores? 🙄

 
Fontes consultadas: ZME ScienceChina Daily|
Fotos: Pixabay

Chumaços. Pela largura (e altura) dos ombros se vê a coragem

Duas almofadinhas costuradas nos ombros das camisolas, dos casacos ou dos sobretudos estiveram entre os acessórios de roupa feminina mais importantes na década de 1980. Hoje dão vontade de rir, mas os chumaços, como ficaram conhecidos, foram mais do que uma moda, serviram para mostrar que as mulheres são tão competentes e eficientes nos lugares de chefia como os homens.


A moda nos anos de 1980 tem tanto, mas tanto para mostrar que é o cabo dos trabalhos eleger o melhor de tudo. Rendas e folhos, camisas de flanela amarradas à cintura, ténis futuristas, cabelos à caniche, fatos fluorescentes, maquilhagem de cores berrantes, macacão de peitilho e alças, calças justas com tira de elástico na ponta, chumaços, cintos e pulseiras com picos de metal e muito, muito mais.

Escolher o melhor de tudo, esclareça-se, é escolher o mais surpreendente. Nada tem a ver com gostos. Isso é coisa que muda com o tempo ou, então, desaparece e reaparece depois de um tempo. Mas lembrar todas estas tendências é querer dar importância a tudo e acabar a não dar importância a nada. Por isso – e desculpem se há quem discorde do Bicho-que-Morde -, vamos lá eleger os chumaços como o melhor desta década.

São apenas duas almofadinhas de espuma insignificantes. Mas insignificantes só o eram no tamanho. Porque assim que se acomodavam nos ombros dos casacos, das camisolas de malha, camisas, túnicas, vestidos ou blazers, transformavam tudo em menos de nada. Ombros descaídos ficavam altos, direitos e corajosos. O corpo ganhava envergadura, músculo e atitude. Pelo menos era isso em que se acreditava.

Almofadadas e competentes


 Power Dressing é o movimento que quis mostrar como elas também são competentes nos lugares de chefia 

Era uma tendência mais feminina do que masculina, mas só nos primeiros anos. Depressa os homens quiseram mostrar que os seus ombros eram igualmente importantes. Mas foram elas que começaram esta moda, nos Estados Unidos. A febre dos chumaços rapidamente chegou ao Reino Unido, contagiando toda a Europa como um estilo obrigatório para as mulheres que, irritadas por não terem as mesmas oportunidades de trabalho que os homens, quiseram mostrar serem tão firmes e determinadas como eles.

E foi assim que aquelas almofadinhas passaram a representar o Power Dressing, o movimento feminista que mostrou como também elas sabem ser competentes e eficientes nos lugares de topo das empresas.  Blazers e casacos com grandes chumaços tiveram as suas primeiras aparições na televisão, em séries americanas que o resto do mundo seguia todas as semanas como se de uma religião se tratasse.

Dallas, que durou 13 anos, ou Dinastia, transmitida ao longo de outros oito anos, contavam as desavenças e as intrigas de famílias poderosas a gerir impérios de petróleo no Texas ou no Colorado.  Como qualquer série ou novela que se preze, havia sempre os maus da fita como a Alexis Carrington, de Dinastia (interpretada por Joan Collins). Elegante e sofisticada, mas má como as cobras, fosse a gerir as reuniões de negócios ou a controlar a vida dos filhos. Do alto dos seus ombros largos, nunca perdia a autoridade nem a vontade de se vingar do ex-marido.

Doces, sim, mas firmes também


 Os chumaços cresceram com a força feminina nas empresas, mostrando determinação, mas também delicadeza 

A moda dos chumaços começou na televisão mas, num abrir e fechar de olhos, estava nas ruas. E também nos ombros daquelas que eram as mais influentes, como Margareth Thatcher (1925-2013), a primeira mulher a chegar ao cargo de primeira-ministra do Reino Unido, em 1979. 

Mas havia outras como a princesa Diana (1961-1997), a mostrar que os ombros hirtos e firmes também assentavam em mulheres doces e delicadas. Pois, que a delicadeza não queria dizer que não soubessem tomar as suas próprias decisões e assumir o controlo das suas vidas.

Os ombros acolchoados estavam lá para mostrar que elas sabiam tomar conta não só dos filhos, mas também dos negócios. Os chumaços estiveram nos ombros delas e foram-se tornando cada vez maiores, aumentando à medida que crescia também a força feminina no mundo empresarial. Só começaram a diminuir de tamanho nos primeiros anos da década de 1990, até desaparecerem para dar lugar a outras modas.

Olhando para trás ou para as fotos dos anos de 1980, os chumaços dão vontade de rir, mas o certo é que essas almofadinhas mostraram que as pequenas coisas não são para menosprezar. Por isso, endireitem as costas, levantem a cabeça e não se esqueçam: ombro descaído é ombro desistente.

FOTOS E CRÉDITOS
1 The Library of Congress, creative commons
2Margaret Thatcher, creative commons, public domain
3Melanie Griffith – foto de Alan Ligh, creative commons, Attribution 2.0 Generic 
4Princesa Diana, John MacIntyre – Paisley Scotland, creative commons
5Joan Collins, The Heart Truthderivative work: Jan Arkesteijn [Public domain]
6Beatrice Arthur e Angela Lansbury, foto de Alan Ligh, creative commons, Attribution 2.0 Generic

 

Yayoi Kusama. As bolinhas curam todas as infâncias difíceis

Yayoi Kusama pinta, faz esculturas, usa lâmpadas, espelhos ou bolinhas para espantar as alucinações que a perseguem desde criança. Pintar foi para ela uma cura, mas também para milhares de fãs que descobrem na sua arte os bocadinhos de felicidade que há em todas as infâncias, por mais difíceis que sejam.

– De onde vieram tantas pedrinhas, tão bonitas e de tantos tamanhos?  – Pergunta Yayoi, apanhando só os seixos mais lisos e redondinhos.

_ Olha esta tão pequenina! Vou pô-la aqui entre estas duas mais crescidas – diz ela, enquanto constrói um caminho de pedras ao longo do rio que corre nas traseiras da casa.

_ Filha, vem ajudar-me a pôr a mesa do jantar – grita a mãe da janela.

Yayoi detesta ir para a casa, mas obedece para não levar um sermão. Ela não percebe porque é que, dos quatro filhos, é a única a ouvir tantos ralhetes.

A mãe está sempre a dizer que uma menina tem de ser bem-comportada para mais tarde arranjar um bom casamento.

Mas ela não acredita nessas tretas. Basta ver como o pai nunca está em casa.

_ E que culpa tenho eu? – pergunta Yayoi baixinho, para a mãe não escutar.

A última coisa que quer é apanhar com os gritos, os beliscões e os castigos dela. À primeira oportunidade, foge para junto das pedrinhas. São as únicas que não se importam com boas maneiras, não gritam, nem esperam que ela saiba fazer arranjos florais ou cozinhar. Junto ao rio, tudo seria perfeito, não fossem uns metediços que do nada começaram a meter-se com ela.

_ Não te aproximes muito, que eu mordo!

Yayoi dá um pulo com o susto, mas não vê vivalma. Será que está alguém escondido atrás das árvores?

_ Estou mesmo aqui – diz a vozinha irritante.

_ É mesmo uma abóbora que está a falar comigo?

_Não é a única – avisam as florzinhas da amendoeira –, e nós também mordemos!

Yayoi sai a correr do rio e entra em casa ainda com os pés molhados.

_Não bastava a mãe, agora também as florzinhas e os legumes implicam comigo?

A perseguição das florzinhas vermelhas

 As alucinações não deixam Yayoi em paz: animais, plantas e flores ganham vida e vão atrás dela 

A cada dia que passa, Yayoi vê coisas mais estranhas. São tudo fantasias, mas muito assustadoras para ela. Por vezes, são relâmpagos a disparar no horizonte, iluminando os objetos à volta dela. Outras vezes são cães a conversar ou então anéis de luz a envolverem plantas, árvores e animais.

As alucinações perseguem-na onde quer que esteja. Até na cozinha, quando as flores vermelhas escapam da toalha de mesa e se multiplicam.

Yayoi foge, mas as florezinhas vão atrás, fazendo-a tropeçar nos degraus e torcer o tornozelo.

Ela está muito assustada e só quando agarra no caderno e começa a desenhar é que tem sossego. Ao passar as fantasias para o papel, as visões deixam de ser reais e passam a ser unicamente delírios da imaginação.

Ela está sempre a rabiscar, mesmo que a mãe rasgue os desenhos e esconda os cadernos por achar que devaneios de artista não são próprios de meninas de boas famílias. Mas Yayoi arranja sempre maneira de desenhar, usando esferográficas e lápis esquecidos nas gavetas, sacas de sarapilheira guardadas no celeiro, carvão, sumo de beterraba ou trapos que encontra aqui e ali. Tudo serve para pintar, esculpir e fugir das coisas que ganham vida e vão atrás dela.

A pintura é o único esconderijo e mais importante se torna quando o Japão entra na Segunda Guerra Mundial, em 1941, ao lado da Alemanha. Todas as crianças da cidade Matsumoto são obrigadas a deixar a escola e a trabalhar na fábrica, remendando os para-quedas dos soldados.

Yayoi passa 10 a 12 horas por dia numa cave mal iluminada a ouvir sirenes de ataques aéreos e motores de aviões a sobrevoarem a cidade.

Só quando chega a casa é que regressa aos desenhos.

_ Se pintar é a única maneira de ser feliz, então, quando crescer, vou ser pintora – decide ela antes de adormecer.

A tradição não é para raparigas rebeldes

 Yayoi sai de casa para estudar em Quioto e também na escola revolta-se contra as regras impostas pela tradição 

Assim que a guerra acaba, Yayoi entra na escola de arte em Matsumoto e, pouco depois, convence o pai a deixá-la continuar os estudos na cidade de Quioto. Foi um alívio sair de casa, mas até na sala de aula, os mestres padecem do mesmo mal que a mãe. Os alunos só podem pintar de acordo com os bons preceitos de Nihonga, corrente artística que usa técnicas tradicionais do Japão.

_ Porque não posso fazer o que quero, se o melhor da pintura é a liberdade para desenhar o que me apetece?

E o que lhe apetece é descobrir o que fazem os artistas na Europa ou na América. Yayoi compra livros e revistas que mostram a arte que se faz lá fora. É assim que descobre as pinturas de Georgia O’Keeffe e envia para ela as aquarelas que pintou fora da escola. Ela fica tão deslumbrada com o talento de Yayoi que mostra essas pinturas a galeristas americanos.

E pronto! Bastou isso para Yayoi se aventurar em terras da América. A mãe, claro, desaprova com veemência a mudança, mas a filha parte mesmo assim para os Estados Unidos, sentindo-se finalmente livre. Nova Iorque da década de 1960 é tudo o que ela esperava. Tem artistas atrevidos como Joseph Cornell ou Andy Warhol e tem liberdade para protestar na rua contra guerras ou reclamar pelos mesmos direitos que os homens.

Longe das meninas japonesas bem-comportadas, a arte de Yayoi multiplica-se como aquelas florezinhas ou pontinhos de luz que ainda a atormentam. Ela usa todas as alucinações nos trabalhos e é isso que deixa os galeristas e os críticos nova-iorquinos maravilhados. Nunca viram coisa igual e pedem para ver mais.

Yayoi Kusama ganha fama com as telas de luzinhas a piscar, instalações translúcidas ou corpos cobertos de bolinhas.

Está sempre a pintar, esquecendo-se, muitas vezes, de dormir ou de comer. Chega a trabalhar 30 e 40 horas seguidas, revestindo telas com redes ou pontinhos que saem borda fora e trepam paredes e janelas como se quisessem alcançar o infinito.

Tantas horas sem descanso acabam por piorar o estado dela, as alucinações ficam mais intensas. Os médicos bem tentam convencê-la a internar-se num hospital, mas ela continua a pintar desalmadamente até não conseguir mais aguentar os delírios e a dar-lhes finalmente razão.

_Está na hora de regressar ao Japão – conclui ela.

Só que, agora, não é mais uma rapariguita com medo dos castigos da mãe nem se sente culpada por não seguir as regras só porque é tradição. Passaram-se muitos anos, entretanto, ela cresceu e descobriu que não importa o lugar onde se está para se sentir livre. Se tiver de ser num hospital psiquiátrico, pois que seja.

_Vou cuidar de mim e deixar que cuidem de mim, mas irei pintar sempre – decide Yayoi ao entrar no hospital psiquiátrico Seiwa, na cidade de Tóquio.

As mil viagens das bolinhas e abobrinhas

 A arte de Yayoi viaja pelo mundo com milhares de fãs a fazerem fila para verem as exposições dela 

E é ali que ela tem estado nos últimos 40 anos. Muito próximo do hospital, numa rua com casinhas e árvores de um lado e do outro, está o estúdio onde trabalha. Yayoi anda sempre atarefada, cheia de borrões, cola ou bocadinhos de papel agarrados à roupa e com as ajudantes a borboletarem à volta dela.

_A arte é a minha cura! – explica ela quando entrevistada por jornalistas.

É a cura porque, quando pinta, deixa para trás medos e alucinações, mas a arte dela também é a cura para muita gente. Milhares de pessoas fazem filas para ver as telas e as instalações que expõe por todo o mundo, no Centre Georges Pompidou, em Paris, no MoMA, de Nova Iorque, na Tate Modern, em Londres, no Malba, em Buenos Aires e em muitas outras cidades como Rio de Janeiro, no Brasil, ou Nova Deli, na Índia.

A arte dela fervilha de luz e de cor, mas não será apenas isso que atrai multidões. As lâmpadas que se acendem e apagam em cores diferentes, os quartos de paredes espelhadas, as salas cobertas de bolinhas coloridas ou as abóboras pintalgadas fazem-nos regressar aos tempos em que fomos crianças. E, mesmo aqueles com infâncias difíceis, descobrem na arte dela um cantinho onde foram felizes. Essa é a magia da Princesa das Bolinhas, a alcunha mais popular de Yayoi Kusama.

Site oficial de Yayoi Kusama

VÍDEOS

1 – Entra em seis dos 20 quartos de espelhos infinitos (Infinity Mirror Rooms) de Kusama no vídeo produzido pelo canal americano NPR:

2 – A Kusamania é uma febre que ataca crianças e adultos! Confirma se não é verdade com o vídeo da Lemon Art Lab:

Da pintura para a música, a distância não assim tão grande. Basta clicar neste artigo para descobrir a diabólica vida de Paganini: «A maldição de um talentoso violinista»

FOTOS E CRÉDITOS

Foto 1 (abertura): Susanne Nilson, via Flickr 
Foto 2: Vagner Carvalheiro, creative commons via Wikimedia Commons
Foto 3 (Infinity Room): Helsinki Art Museum, The Broad, crative commons, via Wikimedia Commons
Foto 4  (Abóbora de plástico): SH Kim, via Pixabay
Fontes consultadas: Psychiatric News | Tate Art Gallery | Queensland Art Gallery | The Art Story | The Cut | O Globo | The New York Times

Por que cheiram tão bem os livros?

Antes de saber porque cheiram tão bem, era bom perceber que cheiro é este que põe tanta gente a focinhar nas páginas dos livros. É difícil chegar a uma única resposta pois os aromas variam de livro para livro. Sabemos que é um perfume doce, com um toque suave a baunilha, flores ou tantos outros aromas como terra, café, chocolate ou bolachas. Por detrás dessas fragrâncias está, muitas vezes, uma misteriosa substância, chamada lignina ou lenhina que, além de unir e endurecer as fibras da celulose, solta a vanilina, composto responsável pelo cheiro a baunilha.

 

Mas há outras moléculas nas colas ou nas tintas usadas nos textos, nas ilustrações e nas encadernações que também influenciam os cheiros dos livros. O benzaldeído, um líquido amarelo e pastoso, liberta por exemplo um aroma a amêndoas amargas, o fufural solta um cheiro a cereais e pão que, combinado com a baunilha, lembra biscoitos. O etilbenzeno tem um odor muito parecido a gasolina, o tolueno cheira a diluentes de tinta, o 2-etilhexanol é um álcool que liberta um perfume floral e o hexanol, um outro tipo de álcool, larga um odor a terra misturada com mofo, que muitos associam a roupa velha ou a salas antigas e pouco arejadas.

Todos esses cheiros tornam-se mais intensos com o tempo. À medida que o papel envelhece, esses elementos reagem à luz, à temperatura e à humidade do ambiente, decompondo-se e libertando substâncias químicas à base de carbono que se evaporam e se misturam com o ar. Essas essências, conhecidas como compostos orgânicos voláteis (COV), têm diferentes cheiros consoante o tipo de papel usado na impressão do livro.

Café, chocolate e baunilha

 

 Não é de estranhar
que os livros cheirem
a café, chocolate ou
baunilha. Os três
alimentos contêm
lignina fermentada
ou torrada 

 

Nos livros antigos há, pelo menos, 15 substâncias já catalogadas por um sensor mecânico inventado por uma equipa de investigadores da Universidade de Londres. Do estudo, coordenado pelo químico Matija Strlic, saiu num novo instrumento a que chamaram «Roda dos Aromas dos Livros Históricos» e que, à semelhança do que já existe para classificar os odores dos vinhos, ajuda a correlacionar os aromas detetados pelo nosso olfato com os químicos presentes nos livros.

Antes de ser analisada em laboratório, boa parte das substâncias foi identificada com a ajuda dos visitantes do Museu e Galeria de Arte de Birmingham e ainda de um grupo de pessoas desafiado a farejar os livros da Biblioteca de Wren, na Catedral de São Paulo, em Londres.

A maioria dos visitantes do museu contou que o cheiro dos livros antigos era parecido com chocolate e café. O que não é de estranhar, tendo em conta que estes dois alimentos provêm de lignina fermentada ou torrada. Para a maioria das pessoas do outro grupo, a biblioteca tinha um cheiro a madeira velha, lenha a crepitar na lareira, terra ou baunilha.

Cada cheiro conta uma viagem

 Os livros também contam
as histórias dos lugares
onde estiveram: caixas,
porões de barcos, dorsos
de cavalos ou estantes
de madeira 

Mas o cheiro dos livros pode misturar outros elementos, além dos compostos químicos presentes na celulose ou nos materiais usados no fabrico e encadernação. Tudo depende não apenas de como foram feitos, mas também onde estão e por onde andaram. Os livros absorvem odores que pairam no ar, tabaco, maresia, madeira das estantes, couro, entre outros. Cada livro conta uma história, passando pelas viagens e pelos lugares secos ou húmidos onde foram guardados como caixas de madeira, malas de pele, porões de barcos a atravessar oceanos ou dorsos de cavalos que os transportaram de um lado para outro.

E é por isso que as obras mais antigas são aquelas que concentram os cheiros mais fortes, acumulados durante décadas ou séculos. Os novos livros, além de terem uma história de vida ainda curta, já não são feitos como antigamente. Para começar, a lignina é removida da madeira não só para evitar que o papel ganhe com o tempo aquele tom amarelo como para atrasar a decomposição do livro.

E, hoje, o leque de produtos químicos usados no fabrico de um livro é tão mais alargado, chegando muitas vezes às centenas, que se torna muito mais difícil distinguir e identificar todos os cheiros libertados por cada um desses compostos. Bom, a verdade é que também não há assim muitos cientistas interessados em investigar sobre este assunto. Digamos que os livros novos não precisam de tanta atenção como os antigos.

Não é só porque as fragrâncias libertadas pelas obras históricas são mais intensas e misteriosas que despertam tanta curiosidade dos investigadores. É sobretudo porque através destes cheiros é possível saber se um livro está muito danificado e a precisar de um trabalho de restauro.

Como os tais compostos orgânicos voláteis se soltam das páginas a um ritmo previsível, os bibliotecários conseguem saber quando um livro está muito doente e a necessitar com urgência de uma intervenção antes que fique irremediavelmente estragado.

Memórias na chuva de verão

 Os cheiros dos livros
são como recordações
felizes. Fazem lembrar os
bolos das avós ou sótãos
atafulhados. Deve ser por
isso que há tanta gente a
focinhar nas páginas 

Esse é o objetivo principal dos químicos que se dedicam a investigar o cheiro dos livros. Mas nada impede que essas descobertas possam ser usadas também para deleitar os nossos sentidos. Já alguma vez perguntaram por que tantas pessoas gostam do cheiro que vem do interior de uma biblioteca ou de um livro antigo?

Talvez seja por trazer à memória lugares silenciosos e quietos como os sótãos atafulhados de objetos antigos ou por lembrar lanches de bolos, pãezinhos quentes e biscoitos que as avós preparam para as crianças ou, quem sabe, recordar a terra quente e molhada pela chuva numa tarde de final de verão.

Pode haver muitas razões, mas o certo é que, tanta gente está seduzida por este cheiro, que houve até quem tivesse guardado esses aromas em frascos de perfume, em velas aromáticas ou em latas de aerossóis para fazer dinheiro com a ideia. Nada mal pensado, não acham?

Fontes consultadas:

Popular Science | Compound InterestHeritage Science | The Guardian

Fotos: Pixabay

A propósito de cheiros e narizes, já algumas vez perguntaste:

 🤥Por que não vemos o que está à frente do nariz?

😘 Por que dão os esquimós beijinhos com o nariz?

Qual é coisa, qual é ela? Vê lá se és capaz…

adivinhas

Perguntas que são enigmas, que fazem pensar e são divertidas. Tanto faz jogar sozinho como em equipa. Há sempre respostas, umas evidentes, outras nem tanto. São puzzles, são armadilhas, às vezes são quadras, outras trava-línguas, mas põem sempre a imaginação a trabalhar. Ninguém sabe quem as inventou. Fazem parte da tradição oral. Quer dizer que chegaram intactas até aos dias de hoje porque os mais velhos contaram aos mais novos e os mais novos não as deixaram morrer.


Aqui ficam algumas adivinhas para despertar o bichinho.  Passa com o cursor do rato nos quadrados coloridos para leres as perguntas e carrega no botão de cada um deles para descobrires as respostas. Para passar ao jogo seguinte, basta carregares na seta [>] que aparece na lateral do painel. 

Atenção: esta apresentação só resulta em pleno no desktop, tablet ou portátil. No telemóvel, alguns textos podem aparecer cortados.

Quantas memórias cabem no cérebro?

O cérebro tem tanto, mas tanto espaço para guardar as memórias que nenhum cientista sabe ao certo quanto espaço é esse. Há poucos anos, um grupo de investigadores do Salk Institute, na Califórnia, descobriu que a capacidade da memória será pelo menos 10 vezes superior ao que se julgava.

Ao reconstruírem um fragmento minúsculo do hipocampo, encontraram um número monstruoso de impulsos eletroquímicos que fazem a comunicação entre neurónios (padrões sinápticos) e que são responsáveis por armazenar a memória. Algo que andará à volta de 2,5 petabytes de dados, ou 1 milhão de gigabytes

Essas medidas não nos dão a mínima ideia das quantidades que representam. Mas, se convertermos tudo em livros, páginas de internet, horas de televisão ou anos de música, será qualquer coisa como 4,7 mil milhões de livros, 670 milhões websites, 300 anos de emissões televisivas ininterruptas ou 4,5 mil anos de música em formato Mp3. Dá para acreditar?

O que temos e o que usamos

 

 

 A memória não funciona sempre da mesma maneira, podendo a informação durar um segundo ou a vida inteira 

Pelos vistos, a capacidade para guardar informações é praticamente inesgotável, mas uma coisa é o espaço disponível e outra é a quantidade de memórias que se consegue colocar lá dentro. Aí a conversa já é outra.

Embora a lotação para armazenar as recordações seja quase ilimitada, o cérebro é incapaz de fixar a enorme quantidade de estímulos que recebe dos cinco sentidos. Há demasiada informação a circular a cada milésimo de segundo para se conseguir anotar tudo e com todos os detalhes.

É por isso que, em vez de se concentrar nas miudezas, o cérebro foca-se no aspeto geral. Por exemplo, quando um leão nos aparece à frente, os nossos sentidos transmitem ao cérebro uma enormidade de detalhes – a posição das orelhas, das patas e das garras em posição de ataque, o rugir, os dentes afiados, os músculos contraídos e por aí fora. A maioria desses dados, porém, não sai do subconsciente porque a única coisa que importa reter numa fração de segundo é que temos de fugir antes de a fera nos desfazer aos bocados.

E, por outro lado, a memória não é toda igual nem funciona sempre da mesma maneira. Temos uma memória a longo prazo – uma espécie de câmara frigorífica industrial que conserva as informações por muitos e muitos anos – e uma memória a curto prazo – que é como uma geleira de campismo, mantendo as informações por um período limitado de tempo, podendo depois serem esquecidas ou transferidas para a primeira câmara frigorífica.

Lembranças curtas e longas

 

  

 Exercitando a memória é possível torná-la mais elástica e duradoura, tal como um músculo do corpo 

E é por termos também uma memória a curto prazo que nos esquecemos muitas vezes de coisas. Cientistas acreditam que boa parte das informações enviadas para o cérebro pode durar menos de 30 segundos. Só conseguimos reter uma pequena quantidade – entre cinco e nove elementos, como letras, palavras, algarismos, entre outros. Basta aliás fazer um teste rápido para demonstrar como é limitada a nossa memória a curto prazo. Experimenta, por exemplo, memorizar durante dois minutos a lista de palavras que se segue:

Nove Troca Célula Anel Luxúria
Tomadas Lâmpadas Maçã Mesa Trouxa
Exército Banco Fogo Segurar Quente
Relógio Cavalo Cor Bebé Tranche
Secretária Agarrar Encontrar Bebedouro Rochedo

Agora, anota as palavras que consegues lembrar, mas não vale espreitar. Os cientistas estão convencidos de que não são mais do que meia dúzia delas, mas pode ser que consigas surpreendê-los. Até porque, tal como um músculo, é possível exercitar a memória, tornando-a não só mais elástica como duradoura. Esforço, treino e técnicas alcançam feitos extraordinários como aconteceu com o chinês Chao Lu que, em 2005, recitou sem se engasgar 67.980 dígitos do número Pi (π), durante 24 horas.

Ou como Dominic O’Brien, que entrou, em 2002, no livro de recordes do Guiness por enumerar uma sequência de 2808 cartas de 54 baralhos que visualizou uma única vez – errou oito vezes, quatro das quais corrigiu assim que o informaram da falha. Não é à toa que o britânico está proibido de entrar em qualquer casino, dado a vantagem gigantesca que teria sobre todos os outros jogadores.

Os truques dos atletas da memória

  

 O nosso cérebro transforma-se de cada vez que retém uma memória ou conclui uma aprendizagem 

 

Dominic ou Chao parecem ter superpoderes, mas o que eles fizeram qualquer um poderia fazer: treino e técnicas de memorização. O chinês, por exemplo, converteu pequenas séries de números em palavras que, dispostas numa determinada sequência, contam histórias. O britânico, por outro lado, usou uma técnica que já os gregos empregavam na Antiguidade e que ele chamou de método de viagem. Basta escolher um percurso familiar – entre a casa e a escola, por exemplo –, e ir traçado na mente várias paragens, cada qual ligada a um objeto.

Imaginando que temos uma lista com 5 tarefas para fazer: é só ir colocando cada uma delas no nosso caminho em lugares estratégicos: comprar pão está associado ao banco de jardim, dar um recado dos pais à professora está mentalmente fixado no vidrão à entrada da escola, devolver o livro da biblioteca na chaminé da churrasqueira e por aí em diante.

São algumas das muitas formas para memorizar e que não são tão diferentes das que usamos para aprender. Cada vez que ganhamos uma habilidade, como tocar um instrumento, uma língua estrangeira ou conhecimentos dos livros, algo acontece dentro da nossa cabeça. Não é só a memória e a comunicação entre os neurónios que se transformam, mas toda a estrutura do cérebro. Ninguém fica igual, depois de aprender, de experimentar ou de descobrir.

Fontes consultadas: Psicologiacop.blogspot | Estadão Seeker BBC Brasil
Ilustrações: Pixabay