Winnie, o filósofo que faz tudo por uma colher de mel

Pouca gente sabe que, antes de ser uma personagem famosa da literatura infantil, Winnie The Pooh foi um ursinho de verdade. Após a mãe morrer, foi acolhido por um militar. Não querendo levá-lo para as trincheiras, deixou-o no zoo de Londres. Winnie era tão alegre e generoso que se tornou na atração principal da cidade. Só depois disso, serviu de inspiração para Alan Milne escrever os livros que fizeram a Europa esquecer a Primeira Grande Guerra e voltar a acreditar na humanidade.


O comboio parou na cidade de White River pouco depois da hora do almoço. O tenente Harry Colebourn aproveitou a paragem de breves minutos para esticar as pernas e respirar um pouco de ar fresco. Desceu os degraus da carruagem, mas antes sequer de pisar a plataforma, ficou paralisado ao dar de caras com um ursinho preto que o olhava cheio de curiosidade.

_ Quer levá-lo? – Perguntou o dono, entregando-lhe a trela –. É seu por 20 dólares.

_ Onde o encontrou? – Quis saber Harry.

_ Matei a mãe dele durante uma caçada, mas não posso fazer o mesmo com ele.

O tenente, que era também cirurgião veterinário e adorava animais, sacou logo ali do bolso duas notas de 10 dólares e levou o urso para o comboio.

O que tem este episódio passado na tarde de 24 de agosto de 1914 de especial? Bom, um filhote de urso especado na estação de uma cidadezinha canadiana já seria suficiente. Mas este é também o começo de uma história pouco conhecida que deu origem a uma outra história mundialmente famosa.

O ursinho preto foi a inspiração para escritor inglês Alan Alexander Milne, criar, em 1926, a personagem Winnie The Pooh. Quem não conhece ou, pelo menos, não ouviu falar das aventuras de um urso doido por mel e capaz de tudo pelos amigos?

Mas, ainda antes de Winnie chegar aos livros de Milne e também aos filmes da Disney, na década de 1960, muita coisa se passou. O urso foi, entretanto, parar ao Regimento de Cavalaria Fort Guerry, onde o seu dono tratava dos cavalos que iam para as frentes das batalhas da Primeira Guerra Mundial.

 

 Para evitar que fosse para as trincheiras, o dono de Winnie entregou-o ao zoo de Londres. 

 

Winnie tornou-se na mascote dos militares, dormindo debaixo da cama de Harry, brincando e pousando para as fotos com os soldados. Com o avançar da guerra, Harry teve também de ir para as trincheiras. Sabendo que não era lugar para ninguém, deixou Winnie ao cuidado do zoológico de Londres.

_ Assim que esta loucura acabar, venho buscar-te e vais viver comigo no Canadá – prometeu-lhe.

Ao fim de praticamente quatro anos, Harry regressou para cumprir a promessa. Assim que o viu, porém, desistiu dos planos. Winnie tornou-se na atração principal do zoo. Era tão alegre e mansinho que os treinadores deixavam as crianças entrarem no poço dos ursos para andarem nas cavalitas dele e alimentarem-no com maçãs e leite açucarado.

_ Winnie, esta é que é afinal a tua casa – disse Harry despedindo-se do urso com um beijinho no focinho.

Que feliz ficou a criançada com a decisão do veterinário. Christopher foi um desses rapazes que deu pulos de alegria. Todos os fins-de-semana implorava ao pai para o levar ao zoo. Era tão doido pelo urso que até deu o seu nome ao peluche preferido, acrescentando-lhe o apelido Pooh.

No quarto de Christopher estavam aliás muitos outros peluches que também entram nas aventuras inventadas pelo pai – o Piglet, o Tigger, o Kanga, o Roo, o Rabbit ou o Eeyore.

Para quem pergunta porque são os livros de Alan Milne e de Ernest Howard Shepard tão populares, boa parte da resposta está no momento em que foram publicados. Com a guerra, uma profunda tristeza tomou conta da Europa. E foi então que Winnie apareceu, usando o humor e a ingenuidade para mostrar que tudo pode ser destruído, menos o amor e a amizade. Dito assim pode até parecer piroso, mas esses foram os valores que ficaram nos diálogos até hoje repetidos nos livros e na internet como se fossem máximas de grandes filósofos.

Percorre a galeria para ler algumas das frases retiradas das aventuras de Winnie. Usa as setas nas laterais do painel para avançar ou recuar:

Se gostas de clássicos infantis, tens de espreitar este artigo: As crianças de Vasco Granja.

Fontes consultadas: The Telegraph | History | Encyclopaedia Britannica |

Deixem passar a ambulância do barbudo

Abdul Sattar Edhi tem mais de 20 mil filhos. Como é isso possível? Bem, ele não é o pai biológico, mas registou-se como o tutor dessas crianças. Os orfanatos espalhados pelo Paquistão são uma das muitas missões da Fundação Edhi. Mas, o que o tornou conhecido no país são as 1500 ambulâncias que todos os anos socorrem um milhão de doentes e feridos que não têm como pagar pelos cuidados médicos. Pode até parecer que Abdul é um multimilionário. Só com uma grande fortuna poderia abrir hospitais, refeitórios, albergues ou centros de reabilitação. Mas não, tudo o que conseguiu foi a mendigar nas ruas de Karachi.


Mithadar é um lugar barulhento, como muitos outros bairros à volta da cidade de Saddar. De dia ou de noite, há vendedores de fruta e legumes, moradores a entrar e a sair de prédios com os tijolos e os cabos elétricos à mostra e ainda buzinas que se ouvem da estrada poeirenta. Adbul habituou-se ao bulício e até consegue dormitar à porta do centro médico.

É ali que ele passa as noites à espera dos que precisam de cuidados médicos. São mendigos, crianças, homens e mulheres que não podem pagar os tratamentos e medicamentos. Boa parte deles é do bairro, mas outros vêm de diferentes pontos da cidade e até da área metropolitana de Karachi, no Paquistão. O centro de Abdul está sempre aberto, contando com a ajuda de meia dúzia de médicos e enfermeiros voluntários.

Ainda antes de abrir o seu próprio centro, na década de 1950, Abdul trabalhou com os Memon, uma comunidade religiosa que também cuida da população pobre. Tratou dos doentes durante meses, mas, ao fim de um tempo, percebeu que a porta se fechava quando um não muçulmano pedia ajuda.

_ Porque não recebemos todos? – Perguntou um dia a um dos líderes.

_ Cuidamos apenas dos muçulmanos.

_ E os outros?

_ Não conseguimos tratar de todos, como tal, tratamos dos nossos.

_ Isso não faz sentido!

_ São as nossas regras. Tens de perceber isso se quiseres continuar connosco.

Abdul não percebeu e acabou por deixar a Fundação Memom para abrir um centro médico para crentes de qualquer religião ou não crentes em nenhuma religião. Como não tinha um tostão no bolso, andou pelas ruas da cidade, pedindo dinheiro nas estradas, de porta em porta, de loja em loja.

O primeiro centro médico 

 Abdul dormitava num banco, à espera de quem não tinha como pagar pelos cuidados médicos 

Quem passava por ele, barbudo e vestido com uma velha túnica, julgava ser mais um pedinte, como tantos a encher as ruas de Saddar. Mas foi assim que juntou o suficiente para abrir o centro médico e comprar os medicamentos. A notícia espalhou-se depressa e Abdul conseguiu também a ajuda de médicos e enfermeiros para manter o centro aberto 24 horas por dia.

Os memons é que não apreciaram nada o atrevimento de Addul. Houve quem espalhasse boatos de que era um homem sem fé e, como tal, de caráter duvidoso. Addul tentou ignorá-los, mas os voluntários do seu centro avisaram-no de que muitos deles nunca o deixariam em paz.

_ Tens de te afastar por uns tempos – avisou um dos médicos a trabalhar com ele.

_ E o centro?

_ É só por uns tempos até a poeira assentar. Na tua ausência, cuidaremos nós das pessoas, não te preocupes.

Abdul deixou de aparecer, mas continuava inquieto. Sabia que o seu centro era demasiado pequeno para enfrentar uma organização poderosa. A solução era tornar o seu trabalho maior, mas para isso precisaria de mais dinheiro e mais gente disposta a trabalhar com ele sem querer nada em troca.

Em vez de se esconder em casa, Abdul partiu, mendigando por pratos de comida, dormindo nas ruas e juntando moedinhas para apanhar comboios e barcos que o levaram para paragens mais distantes. O plano era conhecer o que faziam os outros países para cuidar dos pobres, sobretudo na Europa, que acabara de sair da Segunda Guerra Mundial.

Foi assim que chegou a Londres, capital do Reino Unido, onde trabalhou como funcionário em centros de saúde e conheceu o Welfare State. O sistema, também conhecido na Europa como Estado Social ou Estado Providência, tem como objetivo assegurar que tanto ricos como pobres tenham direito aos mesmos cuidados e serviços básicos, como hospitais, escolas, casas ou comida.

Os 20 mil filhos de Abdul

 Os orfanatos da Fundação já acolheram mais de 35 mil crianças. Abdul é o pai das que não foram adotadas 

No regresso ao Paquistão, Abdul já sabia o que queria: com o dinheiro dos que podiam pagar, levaria os cuidados médicos aos que não tinham como pagar. Os donativos conseguidos nas ruas de Saddar levaram-no a montar um campo de tendas para centenas de pessoas que adoeceram durante a epidemia da gripe asiática de 1957.

O trabalho feito nesse acampamento tornou Addul Edhi popular por todo o Paquistão. Não só mais médicos e enfermeiros se juntaram a ele, como também ganhou a primeira grande doação. O dinheiro, oferecido por um empresário da comunidade Memom, serviu para comprar uma velha carrinha que ele converteu numa ambulância, a primeira de uma frota que hoje conta com 1500 veículos.

As ambulâncias Edhi socorrem doentes e feridos que nunca chegariam aos hospitais, mas não é o único serviço que a sua fundação presta. Abdul treinou mais de 40 mil enfermeiros, abriu lares para doentes mentais, orfanatos para crianças, centros de reabilitação para toxicodependentes, albergues para mulheres abandonadas, cozinhas comunitárias ou abrigos para animais.

A obra dele é a maior organização social do Paquistão. As ambulâncias Edhi transportam um milhão de doentes por ano e a fundação gere mais de 300 centros de assistência social por todo o país. Abdul já acolheu 35 mil crianças órfãs e encontrou uma família para cerca de metade delas. As restantes foram adotadas por ele e vivem nos centros da fundação.

Até bem perto de morrer, em 2016, com 88 anos, Abdul não só continuou a conduzir as suas ambulâncias como a visitar todos os dias os seus orfanatos. Foram sempre dias de muita barulheira com a criançada a pular e a subir para o colo dele. Tal como o Pai Natal rodeado de miudagem a brincar com as suas barbas brancas. Só que Abdul Edhi é mil vezes melhor – sem ofensa para o Pai Natal. Afinal, ele não se limitava a aparecer uma vez por ano nem tão pouco precisava de brinquedos para conquistar as crianças.

FICHA BIOGRÁFICA
NOME: Abdul Sattar Edhi
NASCEU EM: Banta, Gujrat, Índia, em 1928 (dia e mês desconhecidos)
MORREU EM: Karachi, a 8 de julho 2016 e foi sepultado na aldeia Edhi
ALCUNHAS: Anjo de Misericórdia, o homem mais rico dos pobres

Fontes consultadas

Fundação Edhi | The Hindu | The Telegraph | The Guardian | Wikipédia |

Por que tem o corpo humano partes inúteis?

corpo humano

O corpo humano é uma máquina sempre a trabalhar. Cada órgão, célula, fio de cabelo ou reação têm funções específicas: eliminar toxinas, combater vírus, transportar sangue ou proteger-nos das ameaças vindas do meio ambiente. Das unhas às pestanas, dos pulmões à bexiga, das palmas das mãos às plantas dos pés, dos pelos do nariz à cera dos ouvidos, quase tudo tem utilidade. 

Quase tudo não é tudo. Há órgãos que não servem para nada. Mas já foram muito importantes para ajudar os nossos antepassados a recolher alimentos, a mastigar raízes ou a escutar sons e ruídos ameaçadores. A vida, entretanto, evoluiu e o corpo humano transformou-se para responder a novas necessidades. Mas há resquícios que ficaram para nos lembrar que a evolução é um caminho lento. Alguns evolucionistas acreditam que essas partes podem vir a ganhar outras funções. 

Descobre, a seguir, 10 bizarrias do corpo humano. São exemplos daquilo que os cientistas chamam de órgãos ou respostas vestigiais. Ou seja, partes do corpo com funções que já não fazem sentido.

DEDOS ENRUGADOS

Cinco minutos na água bastam para os dedos enrugarem. Durante muito tempo, pensou-se que essa reação não tinha qualquer função. Os investigadores da Universidade de Newcastle, Inglaterra, tiraram a limpo essa dúvida. Pediram a dois grupos de voluntários para retirar um a um os berlindes de dentro de um balde com água e transferi-los através de uma pequena abertura para outra mão. O primeiro grupo tinha as mãos previamente molhadas e os dedos encarquilhados e foi esse que completou a tarefa mais depressa. As rugas dos dedos tornam mais fácil manusear objetos submersos em água e terão ajudado os nossos antepassados a procurar alimentos à borda dos rios ou dentro de lagos. 

PELE DE GALINHA

Quando os humanos estavam cobertos de pelos, os arrepios e calafrios serviram para reagir ao medo e ao frio. Os pelos espetados ajudavam os humanos a parecerem maiores e mais medonhos quando pressentiam que iam ser atacados. É mais ou menos o que acontece com os gatos quando apanham um susto e ficam com o pelo eriçado. Essa mesma reação, ao criar uma camada isolante no corpo, era também útil para os nossos antepassados se protegerem do frio.

CÓCEGAS

Dormir no mato era uma aventura perigosa para os nossos antepassados. Havia sempre bicharocos a rondar. O corpo humano aprendeu a lidar com esses perigos, desenvolvendo a capacidade para sentir cócegas. As patinhas de uma aranha ou de um escorpião a andar sobre a pele ativam o córtex sensorial primário, provocando uma reação em cadeia – primeiro o medo e depois risadas nervosas e descontroladas capazes de tirar qualquer dorminhoco do sono mais profundo. 

DENTES DO SISO

corpo humanoSão o terceiro molar e os últimos dentes a nascer, geralmente entre os 16 e os 20 anos. Hoje, com o tipo de alimentação que temos, tornaram-se desnecessários. O cérebro cresceu e a mandíbula diminuiu, deixando menos espaço para os dentes do siso – há cerca de 100 mil anos, contudo, foram muito úteis para mastigar plantas e raízes.

TUBÉRCULO DE DARWIN

O tubérculo de Darwin é uma cartilagem que faz mexer as extremidades das orelhas. A esmagadora maioria da população perdeu a capacidade de controlar esses músculos, que já ajudaram os nossos antepassados a detetar barulhos e sons no meio da Natureza. No reino animal ainda é bastante útil, sendo uma característica comum entre cães, linces ou coelhos, por exemplo.

APÊNDICE

corpo humanoO apêndice desempenhou um papel essencial quando a alimentação dos humanos era mais baseada em proteínas vegetais do que animais, facilitando a digestão da celulose das plantas e das raízes. Outra função deste tubinho ligado ao intestino grosso era produzir anticorpos que ajudavam na defesa do organismo. Agora, o apêndice é dispensável no corpo humano, embora se tenha descoberto recentemente que serve de depósito de bactérias que auxiliam na digestão. Mas podemos passar sem ele, já que as suas funções são compensadas por outros órgãos. 

CÓCCIX

Muito antes de começarem a andar, os nossos antepassados perderam a cauda e o cóccix é o que resta desses tempos. São três a cinco vértebras no fim da coluna e servem hoje como uma estrutura de apoio muscular, sobretudo quando nos inclinamos ou nos sentamos. Para os ancestrais do Homo sapiens, essa parte era determinante para se equilibrarem em cima das árvores.

MÚSCULO PLANTAR

corpo humanoLocalizado próximo do joelho, o músculo plantar serviu aos nossos antepassados para segurar objetos com os pés, habilidade ainda hoje bastante desenvolvida nos primatas. Nos humanos, o seu desuso acabou por atrofiá-lo. Não tem qualquer utilidade, a não ser quando utilizado para reconstruir os tecidos musculares de outras partes do corpo humano, opção bastante frequente na medicina. 

ENJOO NO CARRO

O automóvel tem pouco mais de um século, o que faz com que a humanidade ainda não se tenha habituado a viajar sobre rodas. O corpo está parado, mas o cérebro recebe sinais de que se está a mexer. Ao pressentir que alguma coisa está errada, o cérebro julga que o organismo está a ser envenenado e tenta provocar o vómito para expulsar o veneno.

MAMILOS MASCULINOS

corpo humano

Os mamilos, nos homens, nem mesmo nos primórdios da existência humana tiveram utilidade. O que acontece é que eles surgem ainda antes de se determinar o sexo do feto. É só a partir da sexta semana que as hormonas masculinas, como a testosterona, começam a surgir, travando o desenvolvimento dos mamilos. Os ratinhos passam pelo mesmo processo embrionário, mas, assim que o sexo é definido, o organismo liberta uma proteína que destrói o tecido mamário dos machos.

🤸‍♂️Se gostas de descobrir os mistérios do teu corpo, lê também «Quantas bactérias vivem connosco?»

Fontes consultadas: Megacurioso BBC Brasil Super Interessante EM

Ilustrações: Pixabay

 

 

 

 

 

 

Por que gostam os abutres de cadáveres?

Não é uma questão de gosto, os abutres não nasceram para caçar como as outras aves de rapina. Embora tenham bicos fortes e pontiagudos – que esgravatam até ao osso -, são incapazes de apanhar uma presa viva.  Do que eles precisavam eram de garras afiadas para fisgar e levantar os animais em fuga. Em vez disso, têm pés de galinhas tão fracos que nem sequer conseguem rasgar a pele ou transportar pedaços de carne.

Não tendo os instrumentos necessários para caçar, especializaram-se noutras técnicas. Desde logo, são peritos em encontrar animais mortos. São os primeiros a chegar ao local, comendo sem cerimónias ou, então, esperando pelas sobras largadas por outros predadores. Por pressentirem a morte a vários quilómetros de distância, não têm muitos amigos. São chamadas aves necrófagas e há quem julgue que só sabem viver da desgraça alheia.

Mas elas fazem o trabalho sujo que mais ninguém quer fazer. Limpam os terrenos de cadáveres, evitando doenças que põem em perigo animais e humanos.  Por mais nojenta e putrefacta que esteja a carniça, os abutres comem tudo e nada lhes acontece. O estômago deles aguenta tudo, peste bubónica, raiva e todo o tipo de bactérias que provocam infeções mortais.

Um estômago de ferro

 O estômago deles é tão ácido, que dissolve a maioria das bactérias a viver na podridão
da carne  

O superpoder dos abutres está no suco gástrico produzido pelo aparelho digestivo, que pode chegar a ser mil vezes mais ácido do que o nosso. É tão ácido, que desfaz em segundos a maioria das bactérias – os investigadores calculam que 60% das substâncias tóxicas por eles ingeridas são simplesmente dissolvidas no estômago.

Por terem também um sistema imunológico à prova de bala, as restantes bactérias que sobrevivem à lavagem gástrica não têm outro remédio se não ficarem no intestino quietas e frustradas por não conseguirem provocar sequer um arroto. As bactérias agarradas nas penas poderiam ser um problema para os outros animais em contacto com os abutres.

Mas, até no bem-estar deles, estas aves pensaram. Não é por acaso que são carecas. Só assim enfiam o bico e a cabeça nos lugares mais fétidos sem contaminar as penas e sem o perigo de espalhar doenças. Além disso, ao urinarem sobre os pés, desinfetam tudo à volta. O ácido úrico é tão poderoso que os mantém limpos e inofensivos para o meio ambiente.

Apesar de todos os cuidados com a higiene, são vistos como transmissores de doenças e como uma ameaça. Sobretudo por boa parte dos criadores de gado, que atiram a matar sobre eles com medo de que venham a atacar os seus animais. E esta é só uma das razões porque a espécie está em risco de desaparecer. O maior perigo é um anti-inflamatório, usado em muitos países, no tratamento do gado, que tem dizimado populações inteiras de abutres, principalmente nos continentes africano e asiático.

O diclofenac é tão fatal para os abutres como o kryptonite é para o Super-homem.

Além do chumbo das balas, é a única substância que o organismo deles não consegue combater. Os abutres que se alimentam das carcaças de animais tratados com este remédio morrem de insuficiência renal ao fim de algumas semanas.

Países como Camboja, Paquistão, Nepal, Irão e Índia têm vindo a proibir o medicamento para tentar inverter o decréscimo das populações de abutres. Mas não é ainda o caso de Portugal que, desde 2016, espera pela decisão da Direção Geral de Alimentação Veterinária para autorizar ou impedir a comercialização de um anti-inflamatório que contém essa substância.

Esse é o principal inimigo das aves necrófagas, mas não é o único. O choque com linhas elétricas e a falta de alimento são também outros perigos que contribuíram para algumas populações decrescerem abruptamente nos últimos 30 anos. Das 23 espécies existentes, 14 estão em perigo.

Abutres em Portugal

 Abutre-preto,
britango e grifo
são as três
espécies que
sobrevoam o
território português,
todas elas
ameaçadas 

Nos céus de Portugal, por exemplo, sobrevoam três espécies de abutres, todas ameaçadas. O abutre-preto (Aegypius monachus) já chegou a ser dado como extinto e está hoje «criticamente em perigo», segundo a classificação da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). O britango (Neophron percnopterus) está «em perigo» e o grifo (Gyps fulvus) tem estatuto de «quase ameaçado».

Biólogos e associações ambientais têm-se esforçado para recuperar estas espécies, mas os resultados são ainda pouco significativos. Hoje, há cerca de duas centenas de britangos, mas a população diminui de ano para ano. Os abutres-pretos são pouco mais do que duas dezenas, mas a tendência é para o seu número vir a aumentar. A espécie tem vindo a recuperar desde 2010 e, depois de quase 50 anos sem se reproduzir, voltou a nidificar em regiões como Moura, no Alentejo, ou em Idanha-a-Nova/Castelo Branco.

É um sinal de esperança, embora haja muito trabalho a fazer em Portugal e em muitos outros lugares do planeta onde os abutres estão quase a desaparecer. A proteção destas aves é tão importante que, todos os anos, no primeiro sábado de setembro, assinala-se o Dia Internacional da Consciência do Abutre. 

Um mundo sem abutres poderá tornar-se num lugar perigoso.

Não é exagero, isso quase aconteceu na Índia, na década de 1990, quando 99% destas aves desapareceram em pouco mais de 15 anos por causa do tal anti-inflamatório usado para tratar o gado. Os animais mortos passaram a ser comidos por cães selvagens e ratos. Só que nenhum deles está preparado para resistir às bactérias que proliferam na carne podre. O resultado foi um surto de raiva que matou cerca de 48 mil pessoas entre 1992 e 2006. 

A carne estragada é um perigo e não é só para os animais que os comem. Os insetos em contacto com ela ou com os animais infetados espalham doenças por onde passam. E até os restos das carcaças como os ossos, também comidos pelos abutres, contaminam rios e lagos, aumentando a propagação de doenças. É assim que muitas epidemias começam. É por isso que, quando alguém salva um abutre, está também a salvar o planeta.

 

Fontes consultadas: Today I Found OutMental FlossThe Spruce

Livros infantis. Os clássicos antes de serem clássicos

Muitas vezes, os grandes livros transformam-se em sucessos instantâneos, vendendo milhares de exemplares e sendo traduzidos para dezenas ou centenas de línguas e dialetos. Outras vezes, demoram tempo a serem reconhecidos. Num caso ou no outro,  resistiram ao tempo, passando as histórias de pais para filhos ou de avós para netos. Os Bichos no Sótão selecionaram 10 clássicos da literatura infantil e juvenil, revelando não só as ilustrações originais, como contando também alguns dos segredos escondidos nestas obras. Se mais quiseres saber, é só leres estas 10 fichas. 

 

 

Os Contos dos Irmãos Grimm

Título originalContos Infantis e Domésticos
Autores Wilhelm Grimm e Jacob Grimm
País Alemanha
Ilustrações as ilustrações do alemão Gustav Süs (1855) estão entre as mais antigas que se conhecem, mas muitos artistas ilustraram edições históricas – desde os alemães George Cruikhank e Viktor Paul Moh até ao inglês Arthur Rackham.
1ª edição 1812

Ficha de leitura: os leitores detestaram os detalhes violentos ou as notas explicativas no rodapé das páginas. Jacob nem quis saber mais do livro e foi Wilhelm quem decidiu adocicar as histórias. Ao longo da vida, publicou mais seis edições, mudando o estilo e acrescentando mais contos. Boa parte das histórias ficaram bem diferentes, como é o caso da Branca de Neve ou de Hänsel e Gretel que viram as suas mães substituídas por madrastas. A intensão foi acalmar as famílias horrorizadas ao lerem que mães biológicas maltratavam os filhos. E foi assim que as coitadas das madrastas ficaram com o papel de vilãs.

Memórias de um Burro

Título originalMemoires d’un Ane
Autora Sophie Feodorovna Rostopchine | Condessa de Ségur (1799 – 1884).
Foi para os 20 netos que, já com 58 anos, a Condessa de Ségur começou a escrever, conseguindo viver dos direitos de autor. Publicou 20 obras, e as Memórias de um Burro, em particular, foi dedicado ao neto Henri de Ségur.
País França
IlustraçõesHorace Castelli (1825–1889
1ª edição1860

Ficha de leitura: Cadichon é um burro tão inteligente que decide escrever as suas memórias, depois de ouvir duas crianças a discutirem sobre as suas capacidades intelectuais. O livro é cheio de aventuras passadas com os muitos donos que teve. Por vezes, atravessou momentos de grande crueldade, mas viveu também muitas alegrias e episódios divertidos. Foi rica a vida deste burro que ensina aos humanos quão importante é aprender com os erros.

Alice no País das Maravilhas

Título originalAs Aventuras de Alice no País das Maravilhas
AutorLutwidge Dodgson, assinava com o pseudónimo de Lewis Carroll (1832 – 1898).

Além de professor de Matemática com um gosto especial por jogos e quebra-cabeças, Lewis Carroll foi romancista, poeta, desenhista, fotógrafo e reverendo anglicano. O livro começou a nascer durante um passeio de barco no rio Tamisa, que Lewis fez com as três filhas de um amigo. O nome da protagonista não é por acaso, já que uma das irmãs era Alice Liddell.

PaísReino Unido
IlustraçõesJohn Tenniel (1820-1914)
1ª edição1865 
Dois mil exemplares foram impressos em junho de 1865 para serem vendidos a 4 de julho. Assim que o ilustrador do livro, John Tenniel, viu os exemplares, ficou arrepiado com a fraca qualidade na impressão das imagens. Carroll suspendeu de imediato o lançamento. Hoje, restam 23 exemplares da primeira edição e valem uma fortuna.

Ficha de leitura: Alice cai numa toca de coelho, indo parar a um lugar com criaturas excêntricas como um chapeleiro louco, um gato risonho que tão depressa aparece como desaparece ou um coelho sempre com pressa e a olhar para o relógio. Tal como os sonhos, a história está cheia de absurdos, como poções que fazem encolher, bolachas que fazem crescer, tacos que se transformam em flamingos, bolas de cricket que viram ouriços, jogos de palavras, enigmas e poemas infantis.

Vinte Mil Léguas Submarinas

Título originalVingt Mille Lieues Sous Les Mers
AutorJules Gabriel Verne, conhecido nos países de língua portuguesa por Júlio Verne (1828 – 1905)

Embora tivesse seguido as pegadas do pai, formando-se em Direito, Jules teve sempre um espírito inquieto. Com 11 anos, embarcou como aprendiz de marinheiro num navio com destino à Índia. A viagem durou pouco, pois o pai conseguiu apanhá-lo ainda antes de sair de França. O filho confessou então que ia atrás de uma prima por quem se enamorara, mas prometeu que as próximas viagens seriam apenas em sonhos. E foi o que fez ao longo de uma centena de obras traduzidas para 148 línguas. É hoje considerado o inventor do género ficção científica e muitos dos livros anteciparam grandes invenções como submarinos e cápsulas espaciais. 

País França
Ilustrações Alphonse de Neuville (1835-1885) e Édouard Riou (1833-1900)
1ªedição1871

Antes do livro, a história saiu em fascículos, publicados na revista Magasin d’Éducation et de Récréation, entre março de 1869 e junho do ano seguinte. Em novembro de 1871 a obra é publicada com 111 ilustrações de Alphonse de Neuville e Édouard Riou.

Ficha de leitura: Náutilus é um submarino comandado pelo capitão Nemo que, juntamente com a sua tripulação, navega nas profundezas do mar. A humanidade, desconhecendo esta máquina, julga estar a ser ameaçada por um monstro marinho. O professor Aronnax parte então numa fragata com o intuito de caçar a besta, mas acaba prisioneiro de Nemo. Juntos vivem as maiores aventuras das suas vidas, passando por lugares como a cidade perdida de Atlântica ou os mares gélidos do Polo Sul e enfrentando lulas gigantes, baleias e outras criaturas saídas da imaginação de Verne.

As Aventuras de Pinóquio

Título originalAs Aventuras de Pinóquio. História de um Fantoche.
AutorCarlo Lorenzini, assinava com o pseudónimo de Carlo Collodi (1826- 1890)

Além de escrever livros infantis e manuais escolares, era um jornalista bem conhecido em Itália. Antes de se dedicar à escrita, tentou ser comediante, mas sem sucesso. Foi nessa altura, aliás, que criou o seu nome artístico Collodi.

País Itália
IlustraçõesEnrico Mazzanti (1850 – 1910)
1ª edição1883.

Em 1881,  Ferdinado Martini convidou Collodi a escrever histórias infantis em folhetins no Giornale per i Bambini (Jornal para Crianças). Ele aceitou o desafio, enviado dois capítulos da série La Storia di um Burattino (A História de um Fantoche). A rapidez na resposta não teve a ver com o entusiasmo dele, mas com as dívidas de jogos que precisava pagar. Na carta ao amigo escreveu: “Envio-lhe esta brincadeira, faça o que quiser com ela; mas se a publicar, pague-me bem para ter vontade de continuá-la.”

Os primeiros fascículos foram um sucesso e ele continuou a escrever até, um belo dia, enforcar o boneco numa árvore e dar o assunto por terminado. Só não contava com a fúria dos leitores que o obrigaram a continuar até Pinóquio ser um rapaz como todos os outros. A história terminou em janeiro de 1883 e, no mês seguinte, foi publicada em livro com o título As Aventuras de Pinóquio.

Ficha de leitura: Pinóquio parece um rapaz malcomportado, mas nem sequer é um rapaz. É um boneco talhado a partir de um pedaço de madeira encantada, que sonha em vir a ser de carne e osso. Por fazer só o que lhe apetece, sofre as maiores desventuras. É roubado, enforcado ou usado como cão de guarda. Animado pela promessa da Fada Azul de o transformar num menino, decide mudar o comportamento. A obra foi adaptada pela Disney em 1940, que acrescentou o pormenor do nariz que cresce quando ele mente.

As Aventuras de Huckleberry Finn

Título original As Aventuras de Huckleberry
AutorSamuel Langhorne Clemens, com o pseudónimo Mike Twain, (1835 – 1910).
País  Estados Unidos
IlustraçõesEdward Windsor Kemble (1861 – 1933)
1ª edição  1884 (Reino Unido); 1885 (Estados Unidos)

Ficha de leitura: para escapar aos maus tratos do pai bêbado, Huck Finn foge com Jim, um escravo que quer ir para o norte dos Estados Unidos, onde a escravatura já foi abolida. Os dois vivem muitas aventuras ao longo do rio Mississippi, algumas delas perigosas, mas voltam ao saber que uma tia de Huck morreu e lhe deixou uma fortuna, dando também a liberdade a Jim. O regresso a casa dura pouco tempo. Ao saber que uma outra tia o quer adotar, Huck, sempre avesso a regras e disciplina, decide fugir outra vez, rumando ao Oeste ainda por desbravar.

O Maravilhoso Feiticeiro de Oz

Título original The Wonderful Wizard of Oz
AutorLyman Frank Baum, mais conhecido como L. Frank Baum (1856 -1919)

Lyman Frank Baum teve várias profissões antes de começar a escrever livros aos 40 anos: foi ator, criador de aves, dramaturgo, jornalista ou empresário e, por algumas vezes, esteve à beira da falência. Acabou por descobrir o talento para a escrita quando experimentou usar rimas para contar histórias aos quatro filhos.

PaísEstados Unidos
Ilustrações William Wallace Denslow (1856 –1915)
1ª edição 1900

A obra, lançada a 17 de maio, tem um sucesso tão grande nos Estados Unidos, que o autor escreve mais 13 livros dedicados às aventuras passadas na Terra de Oz. A história continua até hoje a inspirar dezenas de outros autores, que juntos já lançaram mais de meia centena de livros inspirados na saga de Oz. 

Ficha de leitura: Dorothy é uma órfã a viver no interior do Kansas com os tios e, inesperadamente, é arrastada por um ciclone para uma terra mágica. Para regressar a casa, terá de encontrar o feiticeiro de Oz, o único com o poder de realizar todos os desejos. No caminho enfrenta muitos obstáculos, desde bruxas a monstros, mas também conhece bons amigos – o Espantalho, que sonha em ter um cérebro, o Leão Cobarde, que queria ser corajoso e o Homem de Lata, que dava tudo para ter um coração.

A História de Pedrito Coelho 

Título originalThe Tale of Peter Rabbit
Autor Beatrix Potter (1886-1943) |texto e ilustrações

Beatrix e o irmão Bertham passaram a infância rodeados de animais. Ambos tinham aulas em casa e na sala de estudo havia ratos, coelhos, um ouriço, morcegos, uma coleção de borboletas e outros insetos. Era Beatrix que cuidava deles, observando os seus comportamentos e entretendo-se a desenhá-los. 

País Inglaterra
1ª edição1902

Beatrix escreveu o livro em 1893 para Noel Moore, o filho de cinco anos da sua antiga governanta. Após várias editoras terem recusado publicar a história, Beatrix lança a obra por conta própria, em 1901. No ano seguinte, a editora Frederick Warne & Co. decide imprimir a história, que se torna num sucesso imediato. A obra já foi traduzida para 36 línguas, com mais de 45 milhões de exemplares vendidos.

Ficha de leitura: Peter, personagem inspirada no coelho que Beatrix teve na infância, vive com a mãe e três irmãs. Eles podem brincar em qualquer lado, menos no jardim do senhor McGregor. E é justamente ali, onde o pai um dia foi apanhado e acabou esfrangalhado numa tarde, que Peter vai apanhar cenouras e outros legumes. É o único a desobedecer à mãe, acabando por ser descoberto pelo senhor McGregor. Peter só escapa depois de passar por muitas aflições. Ao chegar a casa, faminto e esfarrapado, em vez de mimos da mamã, leva um ralhete e vai para a cama só com um chá de camomila no estômago para aquietar a traquinice.

O Principezinho

Título originalLe Petit Prince
AutorAntoine de Saint-Exupéry (1900-1944) | texto e ilustrações

É durante a segunda Guerra Mundial que Saint Exupéry escreve O Principezinho, mas nunca chegará a ver a obra publicada. Ele é aviador do Exército de Libertação e, embora estivesse proibido de voar por ter mais de 40 anos, insiste para que lhe sejam atribuídas missões. A 31 de julho de 1944, levanta voo de Borgo, na Córsega, rumo a Saboia, mas é intercetado por dois aviadores alemães e despenha-se algures no mar mediterrâneo.

PaísFrança
1ª edição 1943 (Estados Unidos); 1946 (França)

A edição francesa de O Pequeno Príncipe deveria estar à venda no Natal de 1945, mas será adiada até abril de 1946 e publicada três anos depois da edição americana. Com 145 milhões de exemplares vendidos, é considerado o livro mais vendido no mundo depois da Bíblia. Foi traduzido para 265 línguas e dialetos, desde tibetano, arménio, lapão, bengali ou bielorusso só para citar alguns exemplos.

Ficha de leitura: a história de um rapaz que cai do asteroide B 612 e vagueia de planeta em planeta pode parecer a aventura de mais um herói, mas à medida que se avança nas páginas descobre-se um Principezinho que sonha sair do lugar onde nasceu e conhecer novos sítios e gentes. Sonhos que, afinal, são os mesmos que unem a humanidade. Mas este rapaz também consegue ver em cada coisa e cada pessoa aquilo que as torna únicas no mundo.

A Fada Oriana

AutoraSofia de Mello Breyner Andersen (1919-2004)

Sofia era uma poetisa bem conhecida quando se estreou nos contos infantis. Começou a escrevê-los para entreter os filhos, que apanharam sarampo e não podiam sair da cama. As crianças ficaram tão viciadas nas histórias, que pediram mais e mais. Mesmo depois de ficarem boas, sempre que regressavam da escola, perguntavam se a mãe tinha escrito mais alguma coisa.

PaísPortugal
IlustraçãoBió, pseudónimo de Isabel Maria Vaz Raposo (1929)
1ª edição1956 (Edições Ática)

Ficha de leitura: Oriana é uma fada que ajuda gentes pobres e cura as árvores doentes. Nunca se cansa de trabalhar, até um dia ver a imagem dela refletida no espelho da água e ficar enfeitiçada por ela própria. A partir daí, esquece-se das suas tarefas e, como castigo, a Rainha das Fadas tira-lhe as asas e a varinha de condão. A floresta seca, os animais fogem para os montes e as pessoas perdem-se no labirinto da cidade. Oriana só volta a ter asas quando esquece a vaidade e volta a ajudar os habitantes da floresta.

WILLIAM KAMKWAMBA. O rapaz feiticeiro que mudou a direção dos ventos

Um livro de uma biblioteca e um monte de ferro-velho. Foi o suficiente para William Kamkwamba, um rapaz que não podia ir à escola, construir um moinho de vento e tirar uma aldeia do Malawi da escuridão. A invenção conduziu-o a uma viagem aos Estados Unidos, onde tirou a licenciatura em Estudos Ambientais, regressando mais tarde para levantar outros moinhos, construir painéis solares, bombas de água, produzir biogás e muito mais.

Com o último raio de sol a morrer no horizonte, chega o aviso para toda a gente se enfiar em casa. Os aldeões de Wimbe, no Malawi, acreditam que há espíritos a viver na escuridão. Tudo o que têm para se protegerem deles são velas e candeeiros de querosene. William Kamkwamba adormece sempre com medo. Mas, assim que desponta a primeira luz do dia, levanta-se cheio de coragem, espantando as baratas e os ratinhos que, durante a noite, também encontram refúgio perto do colchão dele.

Trywell, o pai, está à espera dele no campo de cultivo. Os dois vão inspecionar os pés de milho para saber quais ainda podem vingar. As primeiras chuvas prometiam um bom ano, mas as enxurradas que se seguiram levaram todas as esperanças de se poder vir a tirar da terra alimento suficiente para sustentar a família. De dia para dia, corta-se em mais uma despesa. Primeiro as velas e o querosene, depois a refeição da manhã e, por fim, o almoço, ficando a ceia antes de se deitarem.

Quando, na outra ponta da plantação, Trywell chama o filho, o rapaz já desconfia do que aí vem, mas deixa-o falar:

_ Este ano não vamos conseguir pagar os teus estudos.

_ Não te preocupes com isso. Vou ajudar-te com as colheitas.

_ É claro que me preocupo! Mas só as matrículas custam o suficiente para termos comida durante duas semanas e meia.

_ Com a barriga vazia não temos escolhas, verdade?

_ Talvez para o ano possas regressar, nunca se sabe.

Em frente ao pai, William arma-se em valentão, mas, nessa noite, enterra a cabeça no colchão de palha e chora baixinho para ninguém ouvir. 

Um livro na biblioteca

 Foi na biblioteca da escola que William descobriu a solução para tirar a sua aldeia da escuridão 

Na semana seguinte, com o início das aulas, William não tem de ir à escola, mas despacha as tarefas do campo e sai esbaforido estrada fora como se estivesse atrasado para um compromisso importante. Só para à entrada da antiga escola primária. Deixa as crianças sentarem-se na sala e percorre o corredor, entrando na biblioteca do doutor Hartford Mchazime.

No meio de tanta escolha, é um livro de ciência com o título «Using Energy» (Usando a Energia) que chama a atenção dele. Tem na capa uma fileira moinhos de vento tão altos que entram pelo céu e furam as nuvens. Há mais fotografias nas páginas e ainda esquemas, desenhos, retas e circunferências explicando como montar um moinho igual. William anda a namorar o livro a algum tempo e não tira da cabeça a ideia de construir uma máquina como aquela nas traseiras da casa para gerar energia.

Hartford Mchazime está ali perto e fica intrigado com a escolha do miúdo. Ele podia ter levado livros de banda desenhada ou de aventuras, mas escolheu um manual de ciências.

_ O que vais fazer com isto? – Pergunta, apontando com o dedo para capa do livro.

_ Vou construir um igualzinho a estes – responde prontamente William.

Hartford sorri e faz uma festa na carapinha do rapaz, deixando-o passar.

_ Então boa sorte!

Uma gerigonça de ferro-velho

 William foi buscar rodas de bicicleta, hélices ou baterias velhas para construir o moinho 

William não faz a mínima ideia onde está metido, mas assim que pergunta ao pai que ferramentas há em casa, percebe que a missão seria bem mais complicada do que o previsto.

_ Temos uma chave de fendas, uns parafusos e umas porcas – explica Trywell, mostrando a caixa onde os instrumentos estão guardados.

_ Só com isso não vou a lado nenhum – solta desgostoso William, mas o pai encoraja-o a continuar.

_ E se procurares nos quintais dos vizinhos? Há por aí muita maquinaria avariada e abandonada com peças que podem ser usadas.

Os olhos de William acendem-se como duas estrelinhas na noite e, nessa mesma tarde, sai disparado, vasculhando quintais, bermas de estrada e baldios à procura de ferro-velho. Durante semanas, coleciona peças como um sucateiro a esgravatar o lixo. Tubos de PVC, uma hélice do ventilador de um trator, rodas de bicicleta, chapas de zinco, ripas de madeira, canas de bambu, baterias de carro, rádios partidos, amontoa tudo perto de casa para o caso de vir a precisar.

Dia após dia, o moinho fica mais alto, até atingir os cinco metros de altura. William decide ligá-lo a uma bateria de carro para armazenar a energia.

Nessa mesma noite, o moinho dele gera energia para acender quatro lâmpadas e ligar um rádio. O suficiente para fazer a festa lá em casa a ouvir e dançar música reggae. A gerigonça atrai, nos dias, a seguir a vizinhança que, desconfiada, aparece a medo para ver de perto as invenções do rapaz.

_ O miúdo é um feiticeiro – sussurram entre eles – aquela coisa só vai chamar os maus espíritos.

William mostra aos vizinhos que não há magia por detrás da ciência. Explica como, usando a força do vento, é possível iluminar as casas sem precisar de lenha ou querosene. Aos poucos, eles vão acreditando que as proezas do rapaz são bem mais espetaculares que os misteriosos poderes dos espíritos.

Ventos que atravessam fronteiras

 Com o apoio de organizações internacionais, William construiu mais dois moinhos e foi estudar para os Estados Unidos 

O moinho de William é tão alto que pode ser avistado a dezenas de quilómetros, atraindo não só curiosos ali à volta como jornalistas, bloguers e até os organizadores das TED Talk. E a partir daqui tudo gira a grande velocidade. As TED Talk são conferências mundialmente conhecidas que põem as boas ideias, vindas de qualquer parte do planeta, a circular na internet. 

O moinho é motivo para irem buscar o rapaz, que viaja de avião até Nova Iorque. William espanta todos com o seu invento, angariando dinheiro para construir mais dois moinhos na sua aldeia. Um deles, com 12 metros de altura, capta os ventos acima das copas das árvores e consegue gerar eletricidade para mais seis casas. O terceiro usa energia solar para bombear a água dos poços usada na rega e na cozinha. 

Logo depois, William consegue uma bolsa para estudar na Academia de Liderança Africana, na periferia de Joanesburgo, na África do Sul, continuando os estudos no College Dartmouth, universidade no estado do New Hampshire.

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Espíritos apaziguados

 William tem uma fundação que já construiu painéis solares, produziu biogás ou comprou computadores para escolas 

O rapaz que um dia teve de desistir da escola licenciou-se em Estudos Ambientais. Com o diploma na mão, voltou à aldeia para gerir a sua fundação, Moving Windmills Project. Desde que saiu dos Estados Unidos, William já fez tanta coisa que o difícil é saber por onde começar. Construiu painéis solares, angariou fundos para computadores dos alunos do secundário, que agora têm também acesso a uma biblioteca digital.

Construiu também uma unidade produtora de biogás na vila de Masitala que usa estrume de vaca para gerar gás e substituir a lenha nas cozinhas. A fundação dele também ensina os aldeões a consertar e manter as bombas de água para poços, evitando que os dejetos e bactérias se infiltrem na rede.

O grande sucesso, contudo, são as duas equipas de futebol – uma de raparigas e outra de rapazes – apoiadas pela sua fundação. Cada vez que há um jogo, as aldeias ali à volta juntam-se para assistir às partidas. As mulheres aproveitam o acontecimento para vender bolinhos, sumos e cervejas. Quando o jogo acaba, a festa continua muito para lá do pôr do sol. Já ninguém tem medo da noite. Há quem desconfie que os espíritos gostam de ouvir as gargalhas das crianças e, por isso, deixam os vivos em paz.

Fontes consultadas: Fundação Moving Windills | TED Talks | William Kamkwamba blog | TED Speakers | Wikipédia

Fotos : Erik (HASH) Hersman via Flickr

Por que são os pigmeus baixinhos?

Crédito: Official Photographic Company (Missouri History Museum)

Há muito tempo, conta a lenda, os bantos expulsaram o povo kás das suas aldeias, condenando-os a passarem o resto dos dias nas escuras e húmidas florestas da África equatorial. Os homens e as mulheres, que eram os mais altos do mundo, ficaram três mil anos sem ver a luz do dia. E, sem o Sol para iluminar as suas vidas, os pigmeus encolheram aos poucos, passando de mais de dois metros para metro e meio de altura.

A lenda pode até ter muita dose de fantasia, mas há coisas que batem certo. Os pigmeus da África Central habitam há quase 60 mil anos as florestas equatoriais, onde os raios solares só a muito custo atravessam a densa vegetação. E a falta de vitamina D poderá ser uma das razões porque eles estão entre os mais pequenos do planeta. 

Essa é, pelo menos, uma das teorias. Certezas não há. Os pigmeus são dos povos mais antigos da Terra, mas permanecem um grande mistério para os cientistas, que até hoje ainda não sabem explicar muito bem porque, na maioria dos casos, eles não crescem mais do que 1,55 cm. A pergunta já deu azo a muitos estudos com investigadores a espiolharem os seus modos de vida, a examinarem o seu ADN e a compararem tudo o que recolhem com os povos vizinhos.

Os desafios da floresta

Brian Harries (Wikipedia Commons)

 A estatura pode ser uma adaptação
às florestas. Os baixinhos fazem menos esforços quando andam, nadam e caçam  

Entre as teorias mais consensuais, está a falta de vitamina D, que diminui a fixação do cálcio necessário ao desenvolvimento dos ossos.  A escassez de comida é também uma das razões apontadas para não obterem os nutrientes suficientes que os permitam crescer mais. As florestas equatoriais são riquíssimas em variedades de plantas e animais, mas a verdade é que, para os humanos, pode ser muito complicado encontrar alimentos.

Por outro lado, a baixa estatura dos pigmeus poderá ser uma adaptação aos desafios das florestas. Percorrer os trilhos acidentados implica gastar uma grande quantidade de energia para enfrentar um clima quente, húmido e sombrio. Os baixinhos, nestas circunstâncias, estão em vantagem, não precisando de se movimentarem tanto como os mais altos. Logo, queimam menos calorias para caminhar entre a vegetação, nadar ou caçar. 

Uma investigação da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, descobriu também nos pigmeus um conjunto de genes que os protegem dos fungos, vírus ou bactérias abundantes nas florestas. Esse reforço de defesas do organismo, contudo, pode ter efeitos colaterais no seu crescimento. O gene CISH, por exemplo, ajuda a combater doenças como malária e tuberculose, mas é também responsável por inibir o crescimento humano.

Os pigmeus adaptaram-se, portanto, às condições das florestas, desenvolvendo ao longo de 20 mil anos genes responsáveis pela sua baixa estatura. Parece que foi há uma eternidade, mas, do ponto de vista evolucionista, essas transformações são muito recentes. Basta aliás lembrar que o Homo sapiens, o nosso antepassado, saiu do continente africano há cerca de 60 mil anos, espalhando-se por todo o planeta e mudando a sua genética e o seu modo de vida para se adaptar às condições dos novos lugares.

Essa capacidade de mudar é que determina como somos, a pele escura ou clara, os olhos amendoados ou salientes, o cabelo louro ou castanho, uns mais altos e outros mais baixos. Aquilo que somos não tem unicamente a ver com a cultura, a alimentação e a educação, mas também com a nossa aptidão para ultrapassar os desafios que a Natureza coloca no nosso caminho.

A sorte dos pigmeus

Wikipedia Commons

 São muitas os perigos
que cercam os pigmeus: da extração
de madeira à
exploração das minas de ouro ou de diamantes  

A características de cada povo não tornam uns melhores que os outros, já sabemos, apenas influenciam a forma como somos e como vivemos. Hoje, tal como antigamente, a sorte dos pigmeus está ligada às florestas. Sem ela, eles perdem tudo. E, nas últimas décadas, são muitos os perigos que os cercam. A extração de madeira, as plantações de café, a exploração das minas de ouro ou de diamantes ameaçam a sua sobrevivência.

Em 1970, eles foram expulsos do Parque Nacional de Kahuzi-Biega, na República Democrática do Congo. E logo a seguir de Bwindi e Magahinga, no Uganda. São só alguns entre muitos casos de povos pigmeus que, afastados das suas terras, são muitas vezes obrigados a mendigar ou a vender potes de cerâmica para sobreviver.

Estima-se que sejam 920 mil pigmeus a viver na África Ocidental numa extensão de 178 milhões de hectares.

A contagem foi feita por investigadores de várias universidades da Europa, dos Estados Unidos, do Canadá e do Japão e pretende ser um contributo para proteger este povo obrigado a viver longe das florestas e, em muitos casos, acesso a cuidados de saúde ou a escolas.

Um dos principais problemas é que nenhum dos países africanos está disposto reconhecê-los como um povo indígena de caçadores-coletores, com direito sobre as terras onde sempre viveram e com a sua identidade feita de línguas e tradições de caça bem diferentes umas das outras. Afinal, parece que a lenda sobre o povo kás não é só um conto para adormecer crianças. Os pigmeus estão outra vez a serem expulsos, mas, desta vez, não há florestas para os abrigar.

Fontes consultadas: National Geographic | Scientific American | Nature World News | Público |

Fotos: Wikipedia commons | Brian Harries, via flickr

Descobre a incrível história dos Prisioneiros de Zomba, que levaram a sua música a todos os cantos do mundo.

Cada objeto banal tem um inventor genial

Chesterman, Hinchliffe, Judson ou Sundbäck não inventaram a pólvora, o automóvel, o computador ou o telescópio. O que eles e tantos outros criaram são objetos simples, mas nem por isso menos importantes. Já imaginaram como seria o nosso dia-a-dia sem o fecho de correr, a carica, a tesoura ou carrinho de supermercado? De tão entranhados que estão nos nossos hábitos, temos a sensação que existem desde sempre. E não é nada assim. Cada objeto destes é uma criação de alguém tão genial que transformou para sempre o nosso quotidiano. Os Bichos no Sótão escolheram 15 inventos para prestar homenagem a estes grandes inventores que todos os dias tornam a nossa vida muito mais fácil.


fecho de correr

Fecho de correr

Whitcomb L. Judson foi o engenheiro americano que inventou o primeiro fecho de correr, em 1891. O engenho tinha uma série de ganchos que se prendiam a pequenas argolas usados para fechar sapatos e sacos do correio. O problema é que esses ganchos se desprendiam com facilidade. Um problema resolvido em 1907 por Gideon Sundbäck, que substituiu os ganchos e as argolas por duas bandas de dentes metálicos. E assim nasceu o fecho éclair.

Colher de pau

colher de pau

Foi inventada pelos egípcios mais de mil anos antes de Cristo nascer e servia para preparar pomadas e outras mezinhas medicinais. Foi com a Revolução Industrial, algures nos finais do século 19, que começaram a ser fabricadas em série. Os escandinavos foram os principais responsáveis por espalhar o seu uso pelo mundo. Uma das marcas mais conhecida, aliás, está sedeada na Dinamarca, a Scanwood, fundada em 1919.

Saca-rolhas 

saca-rolha

Quando se tem uma garrafa de vinho e nada para a abrir, o resultado é o desespero ou então uma ideia genial. Conta-se que foram os soldados de Napoleão que inventaram o primeiro saca-rolhas, usando um instrumento em espiral utilizado para limpar mosquetes. Essa foi depois a inspiração para Samuel Henshall, nascido em Oxford, patentear o primeiro saca-rolhas em T.

Fita métrica de enrolar

fita métrica

James Chesterman desenvolveu um processo que torna o metal plano, fino, maleável e resistente, muito usado nas primeiras décadas do século 19 para armar as saias das mulheres. A invenção, contudo, perdeu a utilidade quando as modas mudaram, ficando este inglês sem saber o que fazer com a enorme quantidade de fita de metal armazenada. Teve, então, a ideia de marcar um dos lados das fitas com medidas, guardando-as numa caixinha redonda com uma manivela que permite enrolar e desenrolar a fita. A invenção foi patenteada em 1929.

Mola de roupa

mola de roupa

A origem da mola de roupa não é totalmente conhecida, atribuindo-se com frequência a sua invenção à seita religiosa Shakers, fundada em 1772 por Ann Lee, na Inglaterra. Além de seguirem os princípios pacifistas e defenderem a igualdade de géneros, os membros desta comunidade procuravam a simplicidade em todos os aspetos do quotidiano, rejeitando qualquer objeto decorativo. A mola que inventaram era de madeira com um orifício que prendia a roupa à corda.

Tesoura

Tesoura

Os investigadores acreditam que as primeiras tesouras foram inventadas algures no Médio Oriente há mais de três mil anos. Os egípcios já utilizavam duas lâminas unidas por uma mola 1500 anos antes de Cristo. Entretanto, os romanos aperfeiçoaram o instrumento em ferro e bronze, por volta do ano 100 depois de Cristo. Mas foi apenas em 1761 que o inglês Robert Hinchliffe desenhou a tesoura moderna que passou a ser vendida em série para todo o mundo.

Lata de conserva

lata de conserva

Nicolas Appert foi o cozinheiro francês que desenvolveu uma técnica em 1795 para conservar alimentos em água fervida dentro de frascos de vidro selados com rolhas e cera. A ideia surgiu depois de o governo francês oferecer uma recompensa a quem inventasse o melhor método para conservar sopas, leite ou sumos que pudessem ser consumidos pelas tropas. A invenção de Appert foi melhorada, em 1810, pelo inglês Peter Durand, que substituiu o vidro pelo estanho, dando origem aos alimentos enlatados.

Apito 

apito

Em 1833, a polícia metropolitana de Londres lançou um concurso para selecionar o melhor instrumento que atraísse a atenção das pessoas nas ruas. Joseph Hudson, um inventor de Birmingham, ganhou essa competição com o seu ruidoso apito. Até essa altura, a polícia usava chocalhos e o apito era apenas visto como um brinquedo ou instrumento de música. Hudson também inventou o acme thunderer (apito de ervilha), o primeiro apito para árbitros de futebol, que substituiu os lenços brancos.

Palhinha

palhinha

Marvin Stone era já um fabricante de cigarros de papel de Ohio, nos Estados Unidos, quando em 1888 registou a invenção da palhinha, tentado reproduzir em papel os canudos naturais de centeio habitualmente usados para beber sumos e batidos. O protótipo foi feito com tiras de papel enroladas e coladas num lápis. O papel foi revestido em parafina para não ficar molhado e acertado com o diâmetro suficientemente estreito para evitar que os caroços e as sementes pudessem entrar pelo orifício.

Canivete suíço

canivete

Karl Elsener era proprietário de uma empresa de materiais cirúrgicos antes de inventar o canivete suíço. A ideia surgiu porque não queria que o país continuasse a comprar canivetes à Alemanha. O primeiro canivete, de 1897, destinado ao exército suíço, apresentava uma versão para os soldados – com lâmina, agulha, abre-latas e chave de fendas – e outra para os oficiais, que além desses extras, tinha também um saca-rolhas e uma segunda lâmina mais pequena.

Carica 

A primeira carica, inventada pelo irlandês William Painter, em 1891, era uma cápsula de metal com a borda dentada e forrada com um disco de cortiça. A ideia foi logo um sucesso para vedar as bebidas gaseificadas, que antes eram cobertas com tampas de madeira ou cerâmica, pouco eficazes para conter o gás e o liquido das garrafas.

Garrafa térmica

garrafa térmica

O escocês James Dewar inventou, em 1822, um frasco capaz de conservar líquidos quentes ou frios. Como físico e químico que era, a invenção tinha como objetivo manter soluções químicas a altas ou baixas temperaturas, mas acabou por ser também de grande utilidade para o uso do dia-a-dia. A garrafa de Dewar pode ser de vidro ou de metal e tem uma dupla camada selada no gargalo. No intervalo entre as duas camadas, o ar não circula, impedido assim as variações de temperatura.

Colher de gelado

colher de gelado

Sherman L. Kelly teve a ideia de desenhar uma colher para servir gelados quando passeava numa praia da Florida, algures na década de 1930, e reparou que uma funcionária de uma gelataria se esforçava demasiado para tirar pequenas porções de gelado com uma colher de sopa. A inovação de Sherman está não só no formato da concha, proporcionado uma colherada perfeita, mas também na pega contendo um fluído que aquece a palma da mão. Além de ergonómica e inquebrável, tem um design tão sofisticado que ganhou um lugar de honra no MoMA, museu de arte moderna de Nova Iorque.

Carrinho de supermercado

carrinho de supermercado

Sylvan N. Goldmam era proprietário da rede de supermercados Piggly-Wiggly na cidade de Oklahoma (Estados Unidos) e Fred Young era mecânico. Juntos construíram, em 1937, o primeiro carrinho de supermercado. Usaram grades de metal e rodinhas e anunciaram que ninguém mais precisaria de carregar as compras em cestas. A ideia, contudo, levou algum tempo a tornar-se popular. Sylvan e Fred criaram outros modelos e fizeram centenas de demonstrações da utilidade do carrinho até ficarem finalmente multimilionários com a sua invenção.
 

Tupperware

tupperware

As caixas de plástico mais famosas no Ocidente são uma invenção de Earl Silas Tupper, que na década de 40 usou o politeno –, material para proteger os fios elétricos – desenvolvendo assim uma versão melhorada do plástico. A este método, o americano acrescentou um novo processo de molde por injeção e uma tampa hermética. O sucesso de vendas, todavia, não teve a ver só com o produto, mas com a estratégia de vendas à volta do Tupperware. Em vez de serem vendidas em lojas, as caixinhas eram distribuídas por mulheres que promoviam as famosas reuniões de Tupperware nos lares americanos.

Fontes consultadas: 

Infopédia | Asia Recipe | Sociedade da Mesa | Toolbarn.com | Wikipédia | Mega Curioso | Mundo Estranho | Mundo dos Canivetes | Papo de bar | Explicatorium

Alguém viu o leão de Rio Maior?

Há 48 anos, a história de um leão à solta pelas redondezas da então vila de Rio Maior sobressaltou os habitantes, que se fecharam em casa e organizaram caçadas sem nunca encontrar a fera. A notícia correu o país, aparecendo na televisão e nas primeiras páginas dos jornais. O leão de Rio Maior ainda hoje vive na memória dos mais velhos, mas será que tudo não passou de um mito?

As portas estão trancadas e de noite ninguém sai à rua. Mesmo durante dia, só se põe o pé fora de casa quando é preciso e sempre com todas as cautelas: passo apressado, coração aos pulos e o olhar de esguelha. Pior é para quem vive nas aldeias e vilas rurais rodeadas de montes e descampados sem vivalma e que ninguém ousa atravessar. 

Os habitantes de Rio Maior, uma vila do Ribatejo encostada à região do Oeste, vivem atormentados desde o dia em que um pastor fugiu desvairado por esses campos, gritando que um leão andava à solta lá para os lados de Estranganhola. Desde então, ninguém quer ter o azar de se cruzar com a fera.

Na verdade, poucos o avistaram, mas as carcaças de cabras, jumentos e ovelhas devoradas e largadas no meio do nada são provas mais do que suficientes para as gentes de Rio Maior passarem as noites em branco, temendo pela segurança dos filhos, dos vizinhos, do carteiro ou do padre da paróquia.

A notícia corre como um rastilho curto, jornais e televisão enviam repórteres para o local.

Rio Maior, que nunca aparece nas notícias, surge nas primeiras páginas dos jornais e até o senhor Fernando Pessa, digníssimo jornalista da RTP, se desloca à terra, percorrendo de bicicleta os campos para entrevistar pastores e agricultores que terão avistado a fera. Juram todos a pés juntos que o leão existe e anda pelos campos a esquartejar o gado, refugiando-se depois nas matas.

História real ou inventada?

 


 De há uns tempos para cá, parece que o animal se evaporou. Os habitantes voltaram a pôr o pé na rua. 

Viver com medo não é vida para ninguém, muito menos para quem é do campo e não se deixa encolher por tudo e por nada. Os moradores de Rio Maior querem voltar a dormir sem sobressaltos, nem que para isso seja preciso enfrentar a fera olhos nos olhos. Organizam-se caçadas com centenas de voluntários que, armados com espingardas, varas, cacetes e tudo o que encontram à mão, partem à procura do leão.

Mas nem sinal do leão. Dizem que o rugido dele ecoa a dezenas de quilómetros de distância, mas até agora o único rugir felino que se ouve é dos gatos vadios a miar junto dos caixotes de lixo. Será que o animal não passa de uma fantasia do povo de Rio Maior? – Perguntam os restantes portugueses que acompanham a novela na imprensa e na TV.

O país está impaciente por não haver prova do crime e ri-se da história mirabolante.

Comenta-se o caso na padaria, no talho, ao balcão dos cafés ou entre os colegas do escritório. Essa agora! Um leão a rondar uma vila portuguesa…

Custa a acreditar, é verdade, principalmente porque de, há uns tempos para cá, até parece que o animal se evaporou. Ninguém mais o viu e a GNR já nem se dá mais ao trabalho de rondar as matas.

Os jornalistas deixam de aparecer, as trancas das portas abrem-se, os habitantes vão perdendo o medo e voltam a por o pé na rua, seguindo com a vida, como de costume.

O leão de Rio Maior não passa de uma historieta, rumores que ninguém sabe quem começa, mas todos vão atrás.  É como aquele caso dos ratos gigantes que habitam os subterrâneos do convento de Mafra. Ou dos fantasmas que pedem boleia nas estradas de Sintra e na curva do Mónaco, em Oeiras.

O leão de Rio Maior nunca mais apareceu e virou um mito urbano. Nunca se percebe bem como e porquê essas histórias ganham vida. Os entendidos dizem que são fruto dos nossos medos e ansiedades. São como contos tradicionais, só que mais modernos, mas que também se propagam de boca em boca.

Alguns destes mitos são inofensivos, mas outros podem prejudicar alguém, como aquele caso na década de 1980 em que toda a gente pensava duas vezes antes de entrar numa loja dos chineses com medo de desaparecer por uns dias e ser mais tarde encontrado num beco sem um rim e com uma cicatriz na zona do abdómen.

Ou como os hambúrgueres do MacDonald feitos de minhocas. Vá lá saber-se quem inventou tais histórias… O problema é que causaram muitos prejuízos entre os comerciantes chineses ou na cadeia americana de fast food.

Um cachorro que virou leão

 Até hoje, há quem não saiba que o leão foi apanhado na estrada quando era ainda bebé. 

Durante muito tempo, acreditou-se também que o leão de Rio Maior seria mais um mito a juntar-se a outros. Há quem se lembre desta história, passada algures em janeiro de 1973, e ainda hoje esteja convencido de que tudo não passou de uma grande treta. 

Mas, onze anos mais tarde, veio a descobrir-se que a história do leão de Rio Maior é verdadeira e tem um fim triste. José Diogo, um comerciante do Cidral, ganhou coragem e, em 1984, contou finalmente à imprensa local que durante quase um ano tomou conta da fera. Encontrou-o perdido na berma de uma estrada. Seria provavelmente a cria de uma leoa de um circo que escapou por entre as grades da jaula e se perdeu. 

Era tão pequenino, que José Diogo julgou ser um cachorrinho de uma raça esquisita.

O leãozinho passou a viver com ele, alimentado nas primeiras semanas a leite e restos de comida. Foi crescendo, ficando cada vez maior, até o dono perceber que de cão não tinha nada.

Podia ter alertado a GNR, podia ter chamado os tratadores de um zoo qualquer, mas José já não conseguia viver afastado da fera, afeiçoara-se a ele como se de um animal de estimação se tratasse. Só que o leão era grande de mais e ele não podia mais tê-lo em casa. Levou-o, então, para um antigo forno de uma aldeia próxima. O local estava há muito abandonado e José Diogo julgou que o seu leão e os habitantes estavam em segurança.

Mas os animais selvagens não são feitos para viverem em cativeiro e o leão de Rio Maior não aguentou muito tempo enclausurado. Um belo dia, o dono foi visitá-lo como de costume e ele desaparecera sem deixar pistas. Começaram então os avistamentos, aparecia e desaparecia aqui e ali, deixando muitas vezes a sua marca, no gado esventrado pelas goelas.

Do medo à gratidão 


 O leão continua a rondar a cidade como nome de rua, de doce regional ou como mascote para atrair turistas. 

José Diogo ficou aflito com os relatos que chegaram sobre o seu leão de estimação. Nem conseguia mais dormir, pensando que um dia ele poderia atacar um habitante e então seria uma tragédia. Agarrou numa caçadeira e saiu à procura da fera. Andou horas a chamar por ele, até que ele veio ter com o dono.

José apontou a arma à cabeça dele, hesitou por uns segundos, e depois disparou, acertando-lhe em cheio. Poder-se-ia dizer que o matou a sangue frio, mas só ele saberá o que lhe custou tirar a vida ao seu companheiro e queimar o cadáver para não deixar vestígios.

José Diogo foi para casa desalentado e desarmado, levando com ele o segredo.

O leão de Rio Maior desapareceu, mas, com o passar do tempo, os habitantes acabaram por ganhar-lhe também afeição e até gratidão. Foi graças a ele que a cidade saiu do anonimado. E ainda hoje ele continua a rondar a povoação, que passou a cidade em 1985, seja como nome de beco de rua ou de queijada típica da região. Até já foi mascote que, durante uns anos, promoveu o turismo dentro e fora do país.

Rio Maior ambiciona ser hoje muito mais do que a terra do leão. Tem parques naturais, salinas e, como muitas outras cidades, tenta seduzir turistas e empresas para não passar ao lado progresso. A história do leão faz parte do passado, mas ninguém esquece o leão.

Vídeo: excerto do programa da RTP «A Alma e a Gente: ver e pensar em Rio Maior», de José Hermano Saraiva (2007)

 
 

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Se gostas de um bom mistério, experimenta ler também «Porque é que as zebras têm riscas?»

Fontes consultadasCidadania Rio Maior | O Mirante | Turismo Rio Maior

De parvinha Josefa não tem nada

Só porque pintava doces, frutas ou anjos de bochechas rosadas, Josefa foi malvista na arte portuguesa. Os críticos não perceberam que a doçura das suas obras deu ao Barroco um estilo bem português. E que de parvinha não tinha nada. Ela foi a primeira pintora portuguesa, que com a sua arte, sustentou a família e geriu negócios de sucesso. Tudo isso numa época em que as mulheres não davam um passinho sem pedir licença aos papás ou aos senhores seus maridos.

 

 

Era uma vez três vaquinhas… Bem, vaquinhas é maneira de dizer. A Galante, a Cereja e a Formosa pesam mais de 300 quilos cada e dão litradas de leite. É Josefa que se encarrega desta tarefa. Fala com elas, enquanto enche dois ou três baldes, e sai apressada, porque ainda tem de dizer bom dia às galinhas e dar algumas instruções aos caseiros. De regresso a casa, apanha uma mão-cheia de cenouras e nabos da horta e coloca-a numa cesta em cima da mesa da cozinha. Limpa as mãos sujas de terra no avental, mas volta a sujá-las de tinta assim que entra na oficina para passar o resto do dia entre telas, cores e pincéis.

Josefa tem muitas encomendas, de igrejas, conventos, famílias da nobreza e da realeza. Quadros, estampas, gravuras em metal, olaria, tapeçarias, relíquias e também retábulos, que são os que mais sucesso fazem. É com a arte que sustenta a mãe e as duas sobrinhas órfãs a viverem com ela no Casal da Capeleira, uma quinta na vila de Óbidos. E sobra ainda bastante dinheiro para comprar quintas, casas e terrenos.

Josefa é daquelas supermulheres que põe toda a gente a pensar como é que o raio da moça consegue fazer tudo.

Convém explicar que não é de uma mulher do século 21 que esta história conta. Ela nasce em 1630, em Sevilha, mas aos quatro anos muda-se com a família para Óbidos, a vila natal do pai.

As mulheres, em pleno século 17, estão ainda a milhas de vislumbrar os direitos mais básicos. As que casam têm de pedir licença aos maridos até para ir à casa de banho. As solteiras vivem o resto da vida em casa dos pais ou a rezar nos conventos e, por mais adultas e responsáveis, também não podem dar um passinho sem consultar os senhores seus pais.

No princípio, Josefa segue as mesmas pisadas da maioria das mulheres solteiras. Aos 16 anos, entra no Convento Agostinho de Sant’Ana, em Coimbra, mas, apesar de muito devota, achou que a vida de freira não era bem a praia dela. Ao fim de três anos, voltou para a casa dos papás. Mas não para viver à custa deles. Enfiou-se na oficina do pai e continuou a pintar com ele.

 

Uma vedeta na vila

Agnus Dei – Museu de Évora
 

 Gentes de todo o país e até de Espanha fazem um desvio quando vão às Caldas só para cumprimentar Josefa 

Aos 19 anos, ela vende quadros como bolinhos quentes e aos 30 já é uma vedeta. A fama de Josefa chega tão longe que gentes de todas as partes do país e até mesmo de Espanha, sempre que vão às termas das Caldas da Rainha, fazem um desvio só para cumprimentá-la em Óbidos. 

Causa estranheza ver como naquela época uma artista era tão popular como hoje são as estrelas de cinema. Só que o caso dela é único.

Josefa foi a primeira pintora profissional portuguesa. Havia outras mulheres a pintar, mas nenhuma conseguia ganhar a vida com a arte. 

Mesmo assim, há qualquer coisa que não bate certo. Como é que ela vende quadros, compra e arrenda terrenos e quintas se, naquela época, as mulheres não tomam nenhuma decisão sem os pais ou os maridos autorizarem? Poder-se-ia pensar que Josefa não faz nada sem primeiro consultar o pai, Baltazar Gomes Figueira. 

Mas não, Josefa não depende de ninguém, pai, marido ou tutor. Aos 30 anos ela consegue a emancipação administrativa. Mais não é do que um papelinho carimbado no cartório a dizer preto no branco que pode fazer os negócios que bem entende, vender e comprar propriedades e assinar contratos sem precisar de um homem por perto. 

É um estatuto atribuído, por exemplo, às viúvas, mas Baltazar fez questão que a filha tivesse os mesmos privilégios. E foi graças a essa decisão que, após a morte do pai, em 1674, Josefa conseguiu assegurar a subsistência da família.

 

De culta a tontinha

Natureza morta com bolos – Museu de Évora

 

 Só porque pintava doces, flores e anjinhos, Josefa foi vista pelos intelectuais como beata e tontinha 

As obras dela continuam hoje a ser vendidas e compradas, principalmente por colecionadores privados. Há quadros, retábulos ou tapeçarias suas espalhadas por igrejas, conventos, mosteiros, museus, fundações em Lisboa, Peniche, Torres Vedras, Évora, Coimbra ou em cidades espanholas como Madrid ou Sevilha. 

Mas houve, entretanto, qualquer coisa que mudou nas últimas décadas. A arte dela foi deixando de ter importância. Em alguns casos, passou até a ser motivo de risota. Dizem os entendidos que os preconceitos de alguns críticos e intelectuais fizeram com que Josefa de Óbitos passasse de culta e determinada a pacóvia e beata. E tudo por acharem que pintar doces conventuais, frutas e flores é uma arte menor.

Ou, então, só porque estudou num convento de freiras e viveu numa vila afastada de Lisboa. Como se ser da província fosse o mesmo que ser tacanho. E os conventos fossem só para gente ingénua e sem ambição.

Pois, pelos vistos, alguns ainda pensam que, se escolhesse a capital para morar e conviver com as elites, certamente não tricotaria «rendas com pincéis» ou pintaria meninos Jesus «rechonchudos» que mais parecem «trouxas-de-ovos», como escreveu Miguel Torga no seu Diário.

Se Josefa pintou naturezas mortas, isso para alguns só mostra que não passa de uma mulher prendada, embora sem talento para pintar coisas mais nobres e sérias como o corpo e o rosto humanos com todos os seus detalhes. Essa, sim – sentenciaram eles -, é a arte que, ao contrário de flores, doces e outros salamaleques, demonstra o domínio da técnica e do conhecimento da anatomia humana.

E, assim, com duas ou três pinceladas carregadas de ideias feitas, tiraram a Josefa o direito a ocupar um lugar entre os melhores.

Foram apressados a julgá-la. Se perdessem algum tempo a olhar com atenção para a obra dela, poderiam ver que não é por ser mulher que pinta anjinhos de olhos esbugalhados, boquinhas pequenas e bochechas rosadas.

 

A inventora do Barroco português

São João Batista Menino – Coleção Particular

 A doçura é aquilo que distingue Josefa de todos os artistas europeus do Barroco 

A doçura, tantas vezes achincalhada, é a forma que ela encontrou de representar o divino. Ou melhor, a separação que ela faz entre os seres celestiais, como anjos e santos, e as pessoas como nós. E essa, dizem os especialistas, é uma das suas grandes originalidades, é aquilo que a distingue de todos os outros artistas do Barroco.

Quando os espanhóis ou os italianos usam a escuridão e os rostos contorcidos de dor para mostrar esse mesmo lado divino, Josefa usou a ternura sem, contudo, descuidar a técnica e o rigor aplicados nas rendas, joias, flores, frutos, bolos e olaria.

Esse preconceito, como todos os preconceitos, não desparece da noite para o dia. São precisos anos a fio para devolver o estatuto que Josefa merece ocupar na arte. Mas esse trabalho já começou. Há uns anos, por exemplo, o Museu Nacional de Arte Antiga dedicou-lhe uma grande exposição para mostrar que a sua arte não é só feita de bolos, frutas e flores, mas também de histórias que contam a vida de santos, de Cristo e que deram ao Barroco uma versão bem portuguesa.

E há dois anos e picos, chegou um quadro de Josefa ao Louvre, em Paris, oferecido por um galerista lusodescendente, Philippe Mendes. Maria Madalena confortada pelos Anjos é apenas mais uma entre as mais de 20 mil obras em exposição no museu mais famoso de França e do mundo. Não atrairá logo a atenção dos visitantes, sobretudo daqueles que correm contra o tempo para completar o roteiro das grandes estrelas como a Mona Lisa de Da Vinci, o Banho Turco de Ingres, ou os Pássaros de Braque. Mas o quadro está lá, dia e noite, fazendo parte das coleções permanentes. Entre os milhões que visitam o Louvre todos os anos, haverá alguém que vai parar para apreciar a arte de Josefa de Óbidos.

 

Ficha biográfica
NOME: Josefa d’Ayala e Figueira NOME ARTÍSTICO: Josefa de Óbidos (como muitos artistas da época, Josefa também assinava as suas obras com o nome do lugar onde vivia). NASCEU EM: Sevilha (Espanha), em fevereiro de 1630. Desconhece-se o dia, sabe-se apenas que foi batizada a 20 do mesmo mês MORREU EM: Óbidos a 22 de julho de 1684

 

Fontes consultadas: Público | Executiva | El Mundo | Wikipédia | Fotos Antes e Depois
FOTOS: Wikimedia Commons