Fazer o bem não é só quando alguém precisa. Deve estar em tudo o que fazemos. Não pensem que é pieguice. Está cientificamente provado que a bondade mantém o cérebro ativo, traz felicidade, melhora o rendimento na escola e no trabalho, aumenta a resistência para enfrentar as dificuldades e contagia os outros com a nossa gentileza. Investigações recentes dizem que todos nascemos com ela, mas é tão frágil que precisa de treino diário para não desaparecer.

Sabias que a bondade mora num lugar especial do teu cérebro? Os neurocientistas dizem que ela está alojada no topo da espinha dorsal. O seu nome científico é nervo vago e consiste num feixe de fibras nervosas e musculares que o psiquiatra Stephen W. Porges, da Universidade de Illinois, em Chicago, também chama de «nervo da compaixão».

Além de estimular vários órgãos como o coração, o pulmão, o fígado ou aparelho digestivo, ele é também responsável por desenvolver sentimentos de compaixão, gratidão ou amor. Sempre que é ativado, esse nervo vai à luta, cria ligações entre as pessoas, devolve a tranquilidade quando estamos inquietos, conduzindo, de uma maneira geral, a uma vida mais feliz.

Praticar o bem é a melhor forma de pô-lo a trabalhar e, com isso, zelar pelo nosso bem-estar emocional, aumentar a resistência para enfrentar as dificuldades ou até melhorar os resultados na escola. Se formos bondosos para os outros, não é só o reino dos céus, o paraíso ou o nirvana que se abrem para os crentes. A generosidade é recompensada aqui e agora e é um grande trunfo para não deixar o cérebro envelhecer.

Um dom que nasce connosco

 bondade

A bondade nasce connosco e sem ela a humanidade não teria conseguido sobreviver.

A bondade faz parte da natureza humana desde o primeiro dia. A teoria já vem do século 18, com o mito do bom selvagem, e até caiu em descrédito, mas ganhou recentemente um novo fôlego. Psicólogos como Dacher Keltner, diretor do Laboratório de Interações Sociais da Universidade da Califórnia, defendem que ela é inata e indispensável para humanidade sobreviver e continuar a evoluir.

Compaixão, gratidão e respeito pelos outros sãos dons que nascem no cérebro e se desenvolvem em sociedade para facilitar a vida em comunidade. Apesar de não ser algo que se possa ver ou agarrar, todos somos capazes de reconhecer um ato de bondade. Saber o que nos leva a agir é que é mais difícil. Há várias emoções, como empatia ou compaixão, misturadas. O cérebro, todavia, não se deixa enganar e sabe distinguir cada uma delas.

A empatia – explica-nos Richard Davidson, professor de psicologia e de psiquiatria na Universidade de Winsconsin- Madison (EUA) – é a capacidade de sentir o que os outros sentem e a compaixão é o que nos leva a fazer algo para aliviar o sofrimento dos outros. Cada uma dessas emoções, além de estimular outros sentimentos, usa corredores separados para calcorrear os labirintos do cérebro.

É um mecanismo perfeito que desenvolvemos desde os primeiros anos de vida. Mas tão frágil que, se não for exercitada todos os dias, desaparece sem disso darmos conta. Uma das razões para a bondade não ser duradora é o ambiente não lhe ser favorável. Ela surgiu para facilitar a convivência entre pequenos grupos, como explica o antropólogo Michael Tomasello.

Acontece, porém, que a maioria da população mundial vive em grandes cidades, onde cada pessoa circula entre centenas ou milhares de estranhos. A bondade, não conseguindo acompanhar a evolução das sociedades modernas, está a definhar nos centros urbanos, mas vai resistindo nas aldeias, onde os laços entre vizinhos e família são ainda fortes.

Cuidado com as ilusões

 bondade

O cérebro valoriza mais as experiências negativas, moldando a nossa visão do mundo.

Uma das razões que nos leva a não praticar a bondade é julgar que ela desapareceu. Mas não é bem assim. Os especialistas estão convencidos de que muita da nossa desconfiança na humanidade é influenciada pela cultura em que vivemos, sobretudo pelas notícias que nos chegam da televisão ou da Internet e que trazem para a luz do dia injustiças, desonestidades de políticos ou de pessoas com poder, guerras ou violência. Essa atitude está também muito ligada às nossas experiências pessoais. O cérebro, tão inteligente para umas coisas, não tem o bom senso para ver que nem todos são vigaristas ou burlões.

O livro «O Cérebro de Buda», do neuropsicólogo Rick Hanson, explica que somos mais facilmente influenciados pelas experiências negativas do que positivas. Daí ser tão importante reprogramar o cérebro. Para os adultos é um bocadinho mais difícil do que para os mais novos, exige treino e persistência para valorizar o lado bom da vida. Temos de nos esforçar para viver em pleno e interiorizar cada experiência boa, que deixará marcas duradoras no nosso íntimo.

De cada vez que a mente se abre a um acontecimento positivo, o cérebro altera os seus circuitos, mudando, aos poucos, a nossa visão sobre o mundo. A realidade, para os neurocientistas – e para muitos outros investigadores das ciências exatas e sociais – é um espelho daquilo que vivemos e pensamos. E o mundo é feito de múltiplas realidades. Cada um pode escolher em qual quer viver – valorizar as alegrias ou se deixar arrastar pelas tristezas, julgando não existir nada mais além disso.

Levar a bondade além-fronteiras

 bondade

Uma das melhores formas de praticar a bondade é desejar o bem a todos, inclusive aos desconhecidos.

Seguir o caminho da bondade é o exercício diário que os cientistas recomendam em todas as idades para tonificar o cérebro. Não se trata apenas de atos heroicos ou de fazer o bem quando alguém precisa, mas também de pequenos gestos que preenchem o nosso quotidiano. Ser cordial no trânsito, dar passagem aos idosos, ajudar quem está desorientado, cumprimentar, sorrir e ser gentil para estranhos são algumas formas de treinar os bons sentimentos.

Uma das melhores maneiras de praticar a bondade é desejar o bem a todas as pessoas, inclusive aos desconhecidos com os quais nos cruzamos na rua, no metro ou na pastelaria. Ao fazermos isso, diz o investigador Richard Davidson, estamos a alargar o círculo da bondade, mudando não só a nossa experiência como a dos outros que são contagiados com a nossa gentileza.

E desta forma, tão simples, conseguimos expandir o alcance da bondade, que, a pouco e pouco, entra nas escolas, nos escritórios, nos transportes públicos, nos supermercados, nas repartições de finanças até, por fim, atravessar fronteiras, continuando o seu percurso, enquanto houver quem sorria e seja gentil com os outros.

🤔Se gostas de desvendar os mistérios da mente, o Que-Bicho-Te-Mordeu tem mais uma sugestão de leitura para ti: «Por que é (quase) tudo uma questão de perspetiva?»

◼◻◼ «Por que é preciso praticar a bondade todos os dias?» é uma versão simplificada do artigo «Praticar o bem para ativar o circuito neurológico da bondade», do Cantinho dos Papás, o subdomínio do quebichotemordeu.com.

ilustrações: Charles Kingsley e William Heath, «The water-babies: a fairy tale for a land-baby» (1915), Kingsley, Charles e Robinson, W. Heath (William Heath, Houghton Mifflin (Boston)