Se continuarmos a não prestar a devida atenção aos pirilampos, eles irão deixar de brilhar no escuro da noite. Depois, só mesmo nos contos de fadas poderemos voltar a vê-los. Não caiam no erro de pensar que é um exagero típico de gente que gosta de transformar tudo num drama. O aviso vem de cientistas de todo o mundo. O perigo de extinção é real e está próximo. As causas, essas, já as sabemos. São, mais uma vez, as criaturas humanas a estragar tudo em que tocam.
Os pirilampos estão a ficar sem lugares para viver. Eles não precisam de muito. Uma noite de verão, uma ribeira ou um charco por perto e sossego. Nada mais. O problema são os humanos. Por um motivo estúpido qualquer, a humanidade julga ser o centro do mundo. Constrói em qualquer lugar e não perde o irritante vício de acender a luz mal o sol se põe.
As ruas iluminadas aumentaram tanto no último século que as pobres das fêmeas nem conseguem mais distinguir o brilhozinho apaixonado dos machos. Sem isso, caros amigos e amigas, não há rituais de acasalamento nem filhotes para dar continuidade à espécie. Esta história de amor acaba aqui sem nunca ter começado.
Perda de habitat e poluição visual já seriam suficientes para ameaçar muitas das duas mil espécies a povoar os lugares temperados e tropicais do planeta. Mas outro grande problema são os pesticidas com que, mais uma vez, os humanos pulverizam os campos de cultivo, os jardins e até os quintais para combater as pragas. Os primeiros a sofrerem são os caracóis e as lesmas. Logo a seguir, vão-se as larvas que precisam deles para crescer, mudar a carapaça (exoesqueleto) umas seis a oito vezes e, ao fim de dois anos, transformarem-se em pirilampos cintilantes.
Uma recordação da infância
Perguntem aos papás pelos pirilampos. Vão ver como as noites quentes da infância voltam logo a cintilar.
Está assim completa a receita para o fim destes bichinhos. O problema tem-se agravado de ano para ano. Os teus pais, os teus tios ou os teus avós que o digam. Qualquer quarentão ou cinquentão é capaz de se lembrar como há uns bons anos era fácil vê-los no escuro. O verão sem eles seria o mesmo que calor sem praia, esplanada sem gelado, feira sem pipocas e por aí fora. Já perceberam a ideia, certo? Pois, há 15 ou 20 anos, não havia noite no campo ou no jardim sem pirilampos. Eles provocavam a criançada, que desatava na correria atrás dos piscas-piscas.
Não há adulto que não guarde boas lembranças dos pirilampos. Eles podem até ter crescido, podem usar gravata ou salto alto, refilar no trânsito e passar boa parte do dia no escritório. Muitos deles, é bem provável, arrumaram essas recordações na escuridão da memória. Mas experimentem só perguntarem-lhes pelos pirilampos. Vão ver como aquelas noites quentes da infância voltam logo a cintilar.
A quem acha que a humanidade passa perfeitamente sem eles, recomenda-se a leitura do artigo sobre os insetos em que o bichinho das contas lembra como cada um deles é essencial para a sobrevivência do planeta. Só isso é mais do que suficiente para não deixarmos os pirilampos desaparecerem. Mas há outra razão igualmente importante que é preciso destacar.
Luzinhas na palma da mão
Os pirilampos voam perto do nariz e pousam na palma da mão para mostrar que não estamos a sonhar.
Os pirilampos são a única ligação entre os humanos e os contos de fada. Eles andam entre cá e lá sem sequer se darem conta de que existe uma fronteira a separar os dois lados. Quem acha que agora é que o Bicho-Que-Morde endoidou de vez, é porque ainda não passou uma noite com eles e não conhece, portanto, os seus extraordinários poderes.
É verdade que há cometas, estrelas cadentes ou lusco-fuscos de fim de tarde para nos recordarem que a nossa vida tem muitos lugares encantados e não é só o corre-corre para a escola e o trabalho. Não lhes retirando a magia, todos esses momentos são muito bonitos, sim senhora, mas a triste realidade é que se perdem no horizonte sem que ninguém lhes consiga tocar.
E os pirilampos, esses, estão mesmo perto do nariz, surpreendem-nos por entre a vegetação ou pousam na palma da mão. E até se deixam envidraçar dentro dos frascos só para nos mostrar que não estamos a sonhar. Por isso – ou melhor, também por isso -, não deixem que as luzinhas dos pirilampos se apaguem.
6 perguntas para um pirilampo
1 – Como acendes as luzinhas?
Já respondi a essa pergunta no artigo sobre os insetos, mas não me importo de explicar outra vez. Nós somos bioluminescentes, ou seja, seres capazes de emitir luz a partir de uma reação química. Temos uma substância, a luciferina, que, ao se combinar com o oxigénio e com uma enzima chamada luciferase, oxida e emite luz no final do nosso abdómen. Mas atenção, nem todas as espécies brilham, algumas lançam odores, como feromonas, para atrair as fêmeas ou comunicarem com os outros. Como também não somos os únicos com essas características. Há outros insetos, moluscos, microrganismos, animais marinhos e até certos tipos de cogumelos com o mesmo talento.
2 – Para que serve a luz?
As nossas luzinhas servem para tudo e mais alguma coisa, desde caçar, defendermo-nos dos predadores, comunicar com os outros pirilampos ou acasalar.
3 – Como sincronizam os piscas-piscas?
Seria impossível enumerar todas as formas como usamos as nossas luzinhas. Cada espécie têm um padrão próprio de sincronização do seu brilho. Alguns piscam em uníssono, como é o caso dos pirilampos que habitam o sudeste da Ásia. Eles têm o costume de se reunirem à noite nas copas das árvores para oferecer um verdadeiro espetáculo cintilante, ligando e desligando as suas luzinhas ao mesmo tempo. Outras espécies coordenam o seu brilho verde néon em vagas de luz a ondular pela floresta por intervalos curtos e intermitentes. A sincronização é o elemento chave para a harmonia dos espetáculos, daí a importância vital de cada um estar atento aos movimentos luminosos dos outros. O ritmo do nosso pisca-pisca é, por isso, muito diferente quando estamos sozinhos ou em grupo.
4 – Como distinguir um macho de uma fêmea?
Os machos são os que voam, enchendo de perlimpimpins as noites quentes de verão. As fêmeas gostam mais de ficar junto ao solo, embora dêem muitas vezes o ar da sua graça subindo ao topo dos ramos e das folhas dos arbustos para cintilar. Elas têm um padrão próprio para atrair os machos da sua espécie. E eles piscam para avisar que se vão aproximar. Após o acasalamento, as fêmeas deixam de piscar. Existem espécies que comunicam ao crepúsculo e outras durante a escuridão da noite.
5- Quando é possível assistir aos vossos shows?
No fim da primavera e durante o verão, mas só nos lugares mais húmidos e longe dos pesticidas. Se tens um quintal e gostarias de receber as nossas vistas noturnas, terá de ter algumas condições especiais. Desde logo, apagar as luzes exteriores e deixar a natureza selvagem ocupar boa parte do terreno. Isto é, nada de fertilizantes químicos e pesticidas. Precisamos de arvores baixas, os pinheiros, por exemplo, e também de matéria orgânica como folhas, galhos e relva um pouco mais crescida para criar um ambiente acolhedor. Por fim, uma lagoa ou um riacho para nos refrescarmos. Falem também com os vossos vizinhos para desligarem as luzes exteriores. Seguindo estas sugestões, pode ser que um dia tenham uma surpresa. Nunca se sabe…
6 – Quantas espécies há?
Que indelicadeza da minha parte, deveria ter começado logo pelas apresentações. Os pirilampos são insetos da ordem Coleoptera, pertencentes à família Lampyridae. Temos o nome científico Lampyris, que significa lanterna em latim. Ao todo, somos cerca de duas mil espécies, 65 das quais a viver na Europa e dez em Portugal. São eles o pirilampo-ibérico (Lampyris ibérica), o pirilampo-comum (Lampyris noctiluca), o Lampyris raymondi, o Nyctophila reichii, o Pelania mauritanica, Pirilampo-pequeno-de-lunetas (Lamprohiza mulsantii), o Pirilampo-grande-de-lunetas (Lamprohiza paulinoi), o Phosphaenopterus metzneri, o pirilampo-preto (Phosphaenus hemipterus) e o pirilampo-lusitânico (Luciola lusitânica).
Se a natureza é a tua cena, temos mais um bom tema para ti: A arte esquecida de ler os sinais da Natureza
Fontes consultadas: Phys.org | Wilder.pt (1)| Wilder.pt (2) | Firefly.org | Viveraciencia.org |
Créditos das imagens:
2 – Coelhos e pirilampos: © Joyjit_as_JC/Pixabay | 3 – Pirilampos na floresta: © Sam Weng – CC BY-ND 2.0 | 4 – Texto colocado em cima da Imagem de © Terry Priest – CC BY-SA 2.0 |