Dona Teresa. O 1º rei de Portugal foi, afinal, uma rainha

Dona Teresa, nos manuais da escola, é a mãe que D. Afonso Henriques derrotou e mandou prender. Só há poucos anos os investigadores descobriram uma mulher que julgavam ser impossível existir na Idade Média. A História esqueceu-a, mas foi ela quem se proclamou rainha para lutar contra os mouros, a irmã, a Igreja, os barões e o filho, abrindo caminho à independência do Condado Portucalense.

Das primeiras coisas que se aprende na escola, logo a seguir ao bê-á-bá e ao 2+2 = 4, é que D. Afonso Henriques foi o nosso primeiro rei. E que, não há como negar, lutando ele contra Leão e Castela e ainda contra os mouros, fundou, em 1139, o Reino de Portugal, o qual acabaria por ser reconhecido, quatro anos mais tarde, pelo Papa Inocêncio II.

Mas, como acontece na maioria dos grandes feitos medievais, os heróis raramente partilham os louros com quem lhes abriu o caminho para cumprirem o seu destino. É de elementar justiça, como tal, reconhecer o mérito de Dona Teresa, mãe de Afonso Henriques, a qual, muito anos antes do filho, já se tinha autoproclamado rainha do Condado Portucalense, tendo até sido reconhecida em documentos oficiais da Santa Sé.

Uma rainha cercada

 Indo contra barões e Igreja, Teresa definiu as estratégias para conquistar a independência do seu reino 

Dona Teresa foi quem deu os passos decisivos para o pedaço de terra situado entre os rios Minho e Mondego se ver livre dos muçulmanos, dos espanhóis e chegar até à beira do mar, na ponta de Sagres.

Esta foi a mulher que lutou contra os mouros, contra a irmã, contra o filho, contra os barões e contra a Igreja para criar um reino independente. Mas, só há poucos anos foi finalmente resgatada pela História. Ao procurarem conhecê-la melhor, os investigadores descobriram uma figura que julgavam não ser possível existir na Idade Média.

Teresa, filha bastarda de Afonso VI, rei de Leão e Castela, nunca se encolheu perante bispos, homens prepotentes da nobreza ou famílias poderosas. Nem deixou que outros decidissem a sua vida ou a do seu reino. Foi sempre ela a comandar as estratégias, a decidir as alianças ou a distribuir regalias e poderes para continuar a liderar o jogo como bem entendesse.

O cerco dos mouros

 Ao casar-se com Teresa, Henrique de Borgonha recebeu o Condado Portucalense como dote de casamento. 

Com a morte do marido, Henrique de Borgonha, e com o varão Afonso Henriques ainda bebé, é ela que assume, em 1112, o governo do Condado Portucalense, o território que chegara às mãos do casal como dote de casamento. A região ia, inicialmente, do Minho ao Douro Litoral. Mas foi crescendo.

A liderança de D. Teresa foi, pouco tempo depois, posta à prova, entre 1116 e 1117, com o cerco de Coimbra pelos mouros. A queda da cidade seria o fim do condado e, sabendo disso, D. Teresa chefiou as operações durante cinco meses até correr com eles para bem longe do Mondego.

Essa foi a batalha que fez ecoar o nome dela para lá de Leão e Castela, chegando aos ouvidos do papa. Pascoal II, como reconhecimento dessa vitória, oferece-lhe o título de «Tarasia, Regina Portucalensis» (Teresa, Rainha de Portugal) e ainda eleva o estatuto de condado a reino «Regnus Portucalensis».

Guerra entre irmãs

 Teresa recusava-se a prestar vassalagem à irmã, até ao dia em que ambas partem para a guerra. 

O título caiu muito mal na corte da rainha Urraca de Leão e Castela, a meia irmã de Teresa que, sendo também Imperatriz da Hispânia, exigia vassalagem de todos os monarcas ibéricos. Teresa, no entanto, foi hábil a ignorar os avisos e continuou a criar leis ou novos foros sem aprovação da irmã.

Durante cerca de 16 anos, ela governou o condado sem interferências, mediando conflitos, retribuindo lealdades, castigando traidores ou fazendo alianças. Até ao dia em que a paciência de Urraca se esgotou. A Imperatriz avançou com tudo e cercou o Castelo de Póvoa de Lanhoso, no Minho.

Dona Teresa resistiu durante um ano, acabando por ser obrigada a negociar um acordo com a irmã. Em 1121, rende-se à vassalagem de Urraca, mas mantém-se como rainha do condado. Depois disso, e temendo as investidas de Leão e Castela, ela virou-se para as terras galegas, coligando-se a Fernão de Trava e outros barões daquele reino, que, aliás, já lhe tinham prestado socorro em muitas aflições no passado.

Amores proibidos

 Teresa e Fernão Peres de Trava estavam perdidos de amores, mas a Igreja e os barões estavam dispostos a tudo para lhes dificultar a vida. 

Fernão foi o seu braço direito, passando a governar os condados de Porto (Portocale) e Coimbra e a tomar importantes decisões no Condado de Portugal. A aliança, na verdade, era muito mais do que política. Os dois estavam perdidos de amor. Chegaram até a ter duas filhas, mas nunca se casaram. Um escândalo que muito incomodava a Igreja e, particularmente, o arcebispo de Braga, D. Paio Mendes da Maia, o tutor de D. Afonso Henriques.

Dona Teresa não hesita em prendê-lo, depois de ser por ele acusada de adúltera, mas é obrigada a soltá-lo, ao final de alguns meses, para não ser excomungada pelo papa Calisto II. Com o arcebispo cá fora, a vida da rainha torna-se mais difícil de dia para dia. D. Paio alia-se aos barões de Entre-Douro-e-Minho, que, descontentes com a aliança da rainha com os galegos, já nem tinham receio em contestar a sua autoridade.

A nobreza portucalense estava disposta a tudo para retirar a coroa das mãos de uma mulher, algo que ia contra a tradição milenar e até contra os desígnios divinos. Do seu lado, tinham o maior aliado de todos: D. Afonso Henriques, que com 17 anos se armou cavaleiro e derrotou, em 1128, a mãe, na Batalha de São Mamede.

Os caminhos de Portugal e Galiza

 Os dois reinos separaram-se com Afonso Henriques, mas ainda hoje há quem defenda a reunificação dos dois povos 

Sabemos pouco sobre os destinos de Teresa e Fernão. Há quem acredite que o filho prendeu a mãe no Castelo da Póvoa de Lanhoso e quem julgue que ela se exilou num convento minhoto, onde morreu em 1130. Mais recentemente, os investigadores acrescentaram a hipótese de Teresa e Fernão terem sido expulsos de Portugal, indo possivelmente para Galiza.

Os dois reinos, a partir de D. Afonso Henriques, seguiram caminhos diferentes. A Galiza, com o tempo, foi sendo integrada em território espanhol. E Portugal continuou a crescer até ao Algarve e, com os Descobrimentos, lançou-se além-mar. Mas, ainda hoje, há galegos e portugueses a sonharem com a reunificação destes territórios.

Portugaliza é o termo que alguns historiadores e intelectuais usam para mostrar que os dois povos estão unidos pela cultura, pela história, pela língua e pela geografia. «Deixa Castela e vem a nós», escreveu o poeta português Afonso Lopes Vieira. A História, neste caso, não vai recuar, mas Galiza e Portugal terão sempre Teresa e Fernão.

Queres conhecer a vida de outra rainha extraordinária? Clica, então, neste artigo: Catarina de Bragança. A alentejana que ensinou boas maneiras aos ingleses.

Quantos pensamentos tens tu por dia?

Prepara-te: o número é impressionante. Mas mais alucinante ainda é a viagem dos nossos pensamentos pelos circuitos do cérebro até tomarmos uma decisão. Queres saber como são fabricados e se tornam conscientes? Vamos lá então! 😏

Se partirmos do pressuposto de que pensamento é tudo o que vem à cabeça – desde o raciocínio mais complicado ao impulso que nos leva a comer, tomar banho ou a tremer de medo – então, os números podem ir dos 60 mil a 70 mil por dia. Esse é o cálculo estimado pelos investigadores do Laboratório de Neuroimagem, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. As contas feitas aos pensamentos incluem também as horas em que o cérebro, mesmo durante o sono, continua a pensar.

A nossa mente solta um pensamento a cada 0,9257 segundos.

A esmagadora maioria dura menos de um milésimo de segundo e nem sequer temos consciência deles. Para evitar que a cabeça ande à roda todo o dia, a mente trata de filtrar os pensamentos, mantendo somente os importantes.

Mas, neste capítulo, há muitas perguntas ainda sem respostas. Boa parte dos neurocientistas nem concordaria com essas contas dos investigadores americanos. É que não há ainda um consenso sobre o que é o pensamento e como é ele criado. Infelizmente (ou felizmente), não é possível abrir a cabeça para ver o frenesim a acontecer lá dentro.

O que sabemos é que sem os neurónios a interagir entre eles, os pensamentos não existem. Essa rede neuronal é a base de tudo – desde aquilo que nos leva a agir até ao que fica secretamente guardado connosco.

O córtex (conhecido também como massa cinzenta) tem os papéis principais do pensamento. É nesse canto do cérebro que ele é fabricado e se torna consciente, influenciando os comportamentos, a forma como aprendemos, como raciocinamos, como usamos a memória, a linguagem, entre outras funções.

Tudo e mais um par de botas

Jonny Goldstein | CC BY-SA 2.0

 Quem controla os teus pensamentos? Sim, às vezes és tu, mas outras vezes, é a tua mente que está no comando. 

É tão abstrato o conceito de pensamento, que lá dentro cabe tudo: decisões a tomar sobre o que é melhor para nós, opiniões sobre tudo e qualquer coisa, processos mentais desencadeados quando procuramos respostas, receios que nos levam a não agir, ousadias que nos fazem arriscar ou o simples ato de sonhar acordado.

Podemos alternar entre vários tipos de pensamento. Podemos também ter um pensamento de cada vez. Ou muitos em simultâneo que nos ajudam a fazer várias tarefas ao mesmo tempo e a resolver problemas bicudos.

Muitas vezes, nem temos controlo sobre os pensamentos. É tão fácil isso acontecer quando deixamos a mente a divagar à procura do seu próprio rumo. Ou quando nos lembramos, por exemplo, que saímos de casa sem apagar a luz.

E também quando algo não sai da cabeça – uma música, uma irritação, uma tristeza, uma alegria ou um nervoso miudinho antes de um grande dia. Noutras alturas, somos nós que guiamos a nossa mente. Quantas vezes planeamos o dia na cabeça ainda antes de sair de casa? Chama-se a isso ações mentais, algo que fazemos o tempo todo sem precisar de mexer um dedo.

Veloz como o pensamento

Jonny Goldstein | CC BY-SA 2.0

 Se achas que o presente é o que estás a viver, fica a saber que tudo o que vês, sentes ou ouves tem um atraso de meio segundo. 

Na cabeça, tudo acontece muito rápido. Não precisamos de apanhar o autocarro nem de pedalar na bicicleta para chegar a qualquer lado. E, ainda assim, a velocidade é insuficiente para acompanhar o ritmo que acelera lá fora.

Os pensamentos, por mais simples que sejam, levam tempo até ficarem perfeitinhos na mente. São cerca de 500 milissegundos para processar os impulsos do mundo exterior. É só meio segundo, parece coisa pouca, mas é o que basta para o «presente» que julgamos ver diante dos olhos já ser, afinal, o «passado».

Parece confuso? É bastante, mas o cérebro encarrega-se de costurar as diferentes velocidades dos nossos sentidos para criar a ilusão de que estamos sempre em cima do acontecimento. A mente é um bocadinho manipuladora, mas é tudo por uma boa causa. Interpretar o mundo, elaborar hipóteses sobre como reagir, o que fazer e não fazer é tarefa complexa e lenta.

O circuito de emergência

Jinho Jung | CC BY-SA 2.0

 Em caso de extrema necessidade, o cérebro é mais veloz do que um relâmpago a tomar uma decisão. 

A não ser que…do nada, um leão atravesse o nosso caminho. Nesse caso, esqueçam as decisões sábias e ponderadas. O cérebro ativa o circuito de emergências. O reflexo é também o que nos faz saltar perante um estrondo, um grito ou um movimento inesperado. O ouvido é que dá o alarme, acionando um mecanismo muito simples com apenas três neurónios a conectarem-se à medula espinal e ao tronco cerebral.

Em 5 milissegundos, centenas de músculos são convocados para uma reação de autodefesa.

É o tempo que nos leva a ser mais rápidos do que um relâmpago.

Até parece um superpoder tirado das histórias de BD, mas, no fundo, não é nada de especial para o cérebro, que faz isso todos dias quando chutamos uma bola, agarramos um copo que se desequilibra da mesa ou desconfiamos de um olhar suspeito que alguém nos lançou. São circuitos automáticos, nada têm a ver com decisões conscientes, mas dos quais dependemos para sobreviver.

Os 4 circuitos da ponderação

Jonny Goldstein | CC BY-SA 2.0

 As decisões implicam um grande trabalho de planeamento do cérebro antes de qualquer palavra, gesto ou ação. 

Tudo se complica nas grandes decisões a tomar. A cabeça, nesses casos, ganha juízo e ativa não um, mas quatro circuitos. Um para a perceção, que capta os estímulos exteriores. Outro para a compreensão, que analisa esses estímulos. Mais um para decidir qual a resposta adequada. E o último para meter mãos à obra. Cada uma destas trajetórias é governada por partes distintas do cérebro. Caso contrário, se todas as informações fossem processadas no mesmo centro, era um engarrafamento brutal.

O cérebro, para evitar as horas de ponta, organizou tudo para que cada função tenha uma estrada para percorrer e uma casa para pernoitar.  Ao todo, são 52 áreas chamadas de Broadmann, em homenagem a Korbinian Broadmann, o neurologista alemão que mapeou o córtex e numerou diferentes secções para a linguagem, a visão, a audição, entre muitas outras faculdades humanas.

E agora é que a coisa se complica mesmo. Mas vamos lá simplificar o córtex em três grandes áreas – existem as secundárias, onde tudo é minuciosamente planeado pelo córtex pré-motor, e as primárias, que só têm de seguir as instruções previamente preparadas e pôr os músculos a trabalhar. É nesta fase que as áreas de associação entram em campo, para ligar as zonas sensoriais às motoras e converter os estímulos em palavras, gestos e ações.

Há, portanto, muita ponderação a acontecer dentro do cérebro antes de uma decisão saltar cá para fora. É bom lembrar isso sempre que estiveres num grande dilema. «Como ou não como esta enorme fatia de bolo coberta de morangos e chantilly, antes do almoço?». Se estás a pensar que é muito difícil não ceder ao que é mais fácil, é porque ainda não conhecias o poder da tua mente. Mas, agora que já sabes, comias ou não comias?

Antes de ires embora, dá uma olhadela também neste artigo: Quantos malabarismos é o cérebro capaz de fazer?

Créditos das ilustrações:

Os nomes esquecidos também merecem ser lembrados

Marias, por favor, não fiquem ofendidas com o que se segue. Nem os Franciscos, os Rodrigos, as Anas ou as Sofias. O Bicho Que Morde sabe que vocês são os mais populares da escola, do bairro e até do país. O vosso reino não está em perigo. Mas hoje é dia de mostrar outros nomes próprios, que raramente têm oportunidade para aparecerem.


Até porque, se forem sempre os mesmos, é um bocadinho aborrecido esse passinho de dança. Quando não é a Maria é a Ana e quando não é a Ana é a Maria. Ou quando não são os dois nomes a se unirem no mesmo nome. E o mesmo para vocês rapazes. Se não é José, é João, já para não falar do José Maria ou do João Maria, duplas invencíveis, mesmo para quem está na I divisão, como os Franciscos, as Joanas, os Andrés, as Leonores, os Duartes, as Matildes ou os Rodrigos.

A até mesmo os Santiagos, os Afonsos, os Salvadores, as Carlotas, as Beneditas ou as Camilas, que regressaram em grande do passado. Não é qualquer um ou qualquer uma que escala desde os confins de décadas e séculos e chega aos lugares de topo. É proeza, sim senhora, mas não é motivo para cantar de galo.

Ninguém julgue que, chegando ao pódio, pode ali ficar sentado de perna traçada a contemplar a vista.

Neste jogo dos nomes, há muita competição. Não sabemos se, neste preciso momento, uma Catarina, uma Alexandra ou um Miguel não estarão a subir degrau a degrau para, sem fazerem barulho, reconquistarem o troféu perdido algures no início do milénio. Os nomes são como as marés, vão e vêm. Tirando, obviamente, o quarteto imbatível composto pela Maria, Ana, João e José. E tirando também os que foram e não voltaram.

São precisamente esses que o Bicho Que Morde quer trazer à memória para não se perderem para sempre.

São tantos, mas tantos, que é impossível nomeá-los a todos. Quando achamos que não pode haver mais, aparece uma carrada deles para mostrar que todos juntos são, provavelmente, mais do que as Marias, as Anas, os Josés ou os Joãos  – ou será Joões?

Carrega aqui para descobrir a resposta
O plural de João é Joões. A maior parte dos substantivos terminados em ão faz o plural em ões: botão, garrafão, lampião, coração, etc. Podes prosseguir com a leitura. 😉

Reis, rainhas e artistas


Armandina, Aparecida, Balbina, Benilde, Amadeu, Adalberto, Amândio, Anastácio, Antenor, Abílio, Adolfo, Aguinaldo, Custódia, Cidália, Clementina, Clotilde, Cremilde, Capitolina, Belarmino, Clemente, Casimiro, Deodato, Deolinda, Diamantina, Ernestina, Eulia, Esperança, Dionísia, Dolores, Elvira, Encarnação, Etelvina, Ernestina, Eulália, Esmeralda, Ernesto, Ezequiel, Eurico, Fabrício, Fausto, Felisberto, Filinto, Gregório, Hilário, Heliodoro, Horácio, Glória, Graciete, Generosa, Genoveva, Geraldina, Henriqueta, Helga, Iolanda, Isolda, Isolina, Ivone, Higino, Igcio, Inocêncio, Jarbas, Ilídio, Ivo, Ismael, Jacinto, Juvenal, Leónidas, Ludovico, Licínio, Glória, Laurentina, Lisete, Leontina, Marcelino, Malaquias, Nestor, Narciso, Onofre, Onorato, Honorato, Octávio, Olavo, Otelo, Pascoal, Quintino, Quirino, Romeu, Raimundo, Ramiro, Rodolfo, Miquelina, Nazaré, Odete, Ofélia, Palmira, Preciosa, Perpétua, Piedade, Quitéria, Ricardina, Rubina, Severa, Umbelina, Valentina, Virgília, Vitória, Zulmira, Simplício, Severino, Serafim, Tibério, Valdemar, Ubaldo, Zacarias.

Cada um desses nomes teve os seus dias e é preciso respeitar esse glorioso passado. Boa parte deles foram reis, rainhas e outras nobrezas, antes de caírem em desgraça. Henriqueta foi Ana de Inglaterra que, por sua vez, já era filha de Henriqueta de França. Mécia, de nome completo Lopes de Haro, é a rainha que nunca chegou a ser rainha porque viu o seu casamento com Sancho II anulado pelo papa Inocêncio IV, no Concílio de Lião.

Hermenegildo, de apelido Guterres, foi dono de quase metade da Galiza e de vastas terra dos Condado Portucalense. Sebastião é o I de Portugal, desaparecido em Alcácer Quibir com apenas 24 anos. E Lucrécia é Bórgia, a filha do papa Alexandre VI e amaldiçoada só por pertencer à família mais poderosa, corrupta e sanguinária do renascentismo italiano.

Outros nomes são imortais porque irão sempre lembrar as figuras maiores das artes, da literatura ou da música. Amadeu de Souza-Cardoso, o pintor português da primeira geração dos modernistas. Josefa de Óbitos, a primeira pintora profissional, também portuguesa. Urbano Tavares Rodrigues, o escritor e jornalista, nascido em Lisboa e filho de outro escritor também Urbano, mas da Palma Rodrigues. Cesária Évora, a cantora de mornas de Cabo Verde. E também Cesário Verde, o poeta que alguns estudaram na escola.

Lembremos também os que, por mais sérios que sejam, são tão cómicos que ninguém consegue abafar um risinho. Mas é sem maldade, esperemos que possam compreender.

Anacleto (faz lembrar um esqueleto). Pancrácio (parece que têm o pâncreas inflamado).  Tibúrcio ou Tibúrcia (não devem ter vida fácil com este nome). Bonifácia ou Bonifácio (só podem ser boas pessoas). Generosa (faz por aqui muita falta), Bernardete (só podia ser coquete).

Santos, pecadores e esquecidos


Há ainda as aves raras que andam por aí alegres e contentes com os seus nomes nas bocas do grande público. Isidro, o apresentador de televisão. O nome completo é Júlio José de Pinho Isidro do Carmo. Mas ele escolheu justamente o Isidro para distingui-lo dos restantes Júlios. O [António] Victorino d’Almeida, compositor, maestro e pianista. Ou o cantor alentejano Vitorino Salomé, que é simplesmente Vitorino. E Plácido, o Domingo, que é tenor espanhol e cujo primeiro nome até é José.

O Otelo Saraiva de Carvalho, capitão de Abril. E também o outro Otelo, o mouro de Shakespeare. É certo que só existe nos palcos, mas merece estar nesta lista. Nem que seja por ser o primeiro a introduzir, ainda em 1604, o tema fraturante do casamento entre diferentes raças.

Não nos esqueçamos dos que tiveram uma segunda oportunidade só porque apareceram na televisão. Leopoldina era nome de princesa – que, por sinal, viveu infeliz ao lado de D. Pedro I, no Brasil. Mas, não é essa de quem toda a gente se lembra. É sim daquela avestruz amarela do «mundo encantado dos brinquedos».

Maximiana não tem nenhuma figura famosa para exibir, mas também não precisa. Desde que apareceu no programa de Herman José, «Humor de Perdição», ninguém mais se esqueceu dela. Perguntem aos vossos papás, se não acreditam.

 Ambrósio é santo com uma basílica na cidade de Milão, em Itália. Mas, sempre que o seu nome é pronunciado, há logo alguém a dizer: «Apetecia-me algo…» e, geralmente, esse «algo» é um chocolate Ferrero Rocher.

E já que o assunto são os santos, relembremos os nomes mais estrambólicos que, só por serem abençoados, se tornarem populares entre os comuns mortais: Gervásio, Protásio, Tadeu, Balbina, Bartolomeu ou Guadalupe.

E porque a lista já vai longa, terminemos com os que nem pelo corretor ortográfico dos softwares dos computadores são já reconhecidos: Virgolina, Tolentina, Idelfonso ou Oronato.

A todos os nomes que se enrolam na língua, que se engasgam na garganta, que pertenceram a rainhas, que fazem rir, mas também chorar, não há motivo para pensar que são menos do que os outros. Quem os ouve uma vez não se esquece mais deles. Só por isso, não irão desaparecer.


 

As estranhas criaturas de Rosa Ramalho

Nascida numa aldeia do norte, Rosa Ramalho só ficou internacionalmente conhecida perto dos 70 anos. Poderíamos lamentar o desperdício de tempo. Mas, muito melhor é lembrar as centenas de peças de barro que ela moldou até quase aos 90 anos. Não eram perfeitas, tinham caras que pareciam marcianos, línguas de fora, olhos desorbitados ou patas a quadruplicar. Querem saber de onde vinha a imaginação desbravada dela? Então, deixem o Bicho Que Morde contar esta história do princípio.


Esta é a história que começa com uma criança, nascida a 14 de agosto de 1888, numa aldeia de Barcelos com o nome de São Martinho de Galegos. Ela nunca foi à escola, nunca teve livros, nem sequer brinquedos. Rosa Ramalho, filha de um sapateiro e de uma tecedeira, passou a infância a cuidar das hortas, das cabras, dos porcos e das galinhas. Ainda assim, aproveitou todas as oportunidades para brincar.

Os dias de chuva eram os preferidos dela. Costumava agarrar na terra molhada dos campos e moldá-la, como hoje fazem os miúdos com a plasticina colorida. Com as mãos enterradas no barro, tirou de lá cãezinhos, burrinhos ou outros seres esquisitos com cabeças grandes, narizes pencudos e bocas desdentadas.

 Boca torta e focinho de porco

 As criaturas de barro de Rosa vinham das missas de domingo, dos animais do campo ou das romarias da aldeia. 

Rosa Ramalho cresceu e, sempre que pôde, continuou a trabalhar o barro, dando vida a criaturas que escapavam da sua imaginação, mas também de tudo o que lhe despertava curiosidade na aldeia. Dos sermões do padre, nas missas de domingo, vieram os anjinhos e os demónios com os olhos desorbitados, nariz torto ou chifres na testa.

Das procissões religiosas e das romarias da aldeia chegaram os santinhos, a Nossa Senhora e o Cristo modelados como se tivessem sido desenhados por crianças. Dos campos e pastagens chegaram as vacas, os bois ou os galos com corninhos, focinhos, cristas ou orelhas a sobressaírem do resto do corpo. Tinha jeito a miúda, diziam as comadres e os compadres lá da terra. E até lhe compravam as estatuetas que ela vendia com a família na feira, por dois ou três tostões.

Entre tantos afazeres, nunca lhe sobrou muito tempo para se dedicar a essas figurinhas que viviam na cabeça dela. E, quando se casou, aos 18 anos com António Mota, com menos tempo ficou. O marido, oleiro da aldeia, passava o dia a tirar da roda pratos, tijelas, cântaros ou travessas de barro. Rosa ficava à volta do forno a cozer a loiça, na horta, na cozinha e a cuidar dos sete filhos que tiveram.

Ela ajeitou-se à nova vida e deixou a bonecada da infância quieta num canto.

Se bem que, de vez em quando, foi regressando ao barro, só mesmo para matar saudades ou, então, se calhar, para se certificar que as figurinhas não se esqueciam dela. O tempo passou, os filhos cresceram, estudaram, casaram e tiveram os seus filhos.

E Rosa enviuvou. Foi nesse momento que os santinhos, as vaquinhas e as cabrinhas chamaram por ela. Passaram-se, entretanto, 50 anos, e já não havia nenhum pretexto para ela não ir ter com a bonecada da infância.

Novas personagens juntaram-se à festa, ganhando formas e dimensões ainda mais esquisitas. Mulheres com corpos de animais, padres com cornichos, galinhas com cabeças de homens, gigantones, vendedeiras ou tocadores de guitarra vendidos como bolinhos de mel em dias de feira.

O encontro com o pintor

 Foi o pintor António Quadros que um dia descobriu Rosa numa feira e levou as figuras dela para Lisboa. 

A arte de Rosa foi viajando por outras terras ali à volta. Um dia, António Quadros – pintor e poeta muito conhecido nessa época – passou pela banca dela na feira das Fontaínhas, no Porto. De lá não conseguiu mais sair. Foi um cavaleiro de barro nas mãos dela que chamou a atenção dele, uma daquelas figuras que sobrou dos tempos de solteira. O artista pediu-lhe então para fazer uma fornada de figuras – podia ser o que ela quisesse – para o mês seguinte.

Foi a primeira de muitas mais encomendas que se seguiram a pedido dele. A partir daí, as cidades como Lisboa, Porto, Coimbra ou Cascais ficaram também a conhecer o trabalho de Rosa Ramalho. Pouco tempo depois, era a RTP – a única estação de televisão – a ir a Galegos entrevistá-la.

Rosa estava nas bocas do país e também do estrangeiro, recebendo na sua oficina comitivas de estudantes de Belas Artes e de muitos outros artistas a perguntar tudo sobre a arte e a vida dela.

Por essa altura, até o Presidente da República, o almirante Américo Tomaz, quis conhecê-la. Lá foi Rosa para Lisboa. Arrumou as suas figurinhas de barro na mala de viagem e partiu para a capital, para receber a medalha «As Artes ao Serviço da Nação».

Logo depois, foi a grande atração da Feira de Artesanato de Cascais e convidada especial no almoço oferecido pelo rei Humberto II de Itália, exilado no Estoril. O regresso não podia acontecer sem antes visitar o Jardim Zoológico.

Era plano que já vinha na cabeça de Rosa desde que saíra da aldeia, não podia deixar escapar. É certo que já tinha visto os macacos na televisão, mas vê-los ao vivo foi o melhor da passagem por Lisboa.

Artistas do barro

 O figurado de Barcelos é a arte do barro que, com Rosa Ramalho, saiu das feiras para entrar nos museus e galerias. 

Rosa continuou a trabalhar praticamente até ao dia em que morreu, a 24 de setembro de 1977. Quatro anos mais tarde, foi o então Presidente Ramalho Eanes a reconhecer o trabalho dela com o grau de Dama da Ordem de Sant’Iago da Espada.

As peças de Rosa Ramalho estão hoje em museus e coleções particulares, algumas valem umas boas fortunas.

O nome dela está numa rua de Barcelos, noutra de Cascais e ainda numa escola básica da freguesia de Barcelinhos. Não é por acaso que há muita gente a fazer de tudo para a memória de Rosa Ramalho não desaparecer.

Ela foi a primeira mulher artista portuguesa a ganhar notoriedade internacional e, com isso, a chamar também a atenção para muitos outros artesãos que chegaram antes e depois dela. Os barristas de Barcelos ganharam com Rosa estatuto de artistas, deixando as feiras e entrando nas lojas e galerias de arte.

O artesanato em barro – conhecido como o figurado de Barcelos – é hoje uma das principais atrações turísticas da cidade. Por isso, se um dia passarem por lá, entrem no Museu de Olaria. Além de único no país, tem um acervo de 9 mil peças, 250 das quais de Rosa Ramalho.

Ficha biográfica
Nome completo: Rosa Barbosa Lopes (ficou conhecida por Rosa Ramalho por ser assim tratada pela família, mas só aos 82 anos, quando tirou o Bilhete de Identidade no Registo Civil, descobriu o seu nome oficial).
Alcunha: Ti Rosa
Nasceu em: São Martinho de Galegos (concelho de Barcelos) a 14 de agosto de 1888.
Morreu em: São Martinho de Galegos, a 24 de setembro de 1977, com 89 anos.

A propósito de anjinhos e diabretes, espreita também este artigo: Querubim Lapa. Um anjo a espalhar arte pelas ruas.

Foto de abertura: Ganesh1 – domínio público

Quantas rugas têm os teus avós?

Quem quiser mesmo contar quantas rugas têm os avós, vai ter de seguir estas linhas com os olhos ou com o indicador. Todas juntas, formam um labirinto. São confusas, é verdade, mas há uma razão para estarem desalinhadas: elas guardam, misturam e marcam todas as histórias na pele. Tantas são as experiências, que transbordaram e se espalharam pelo corpo, desenhando rios, ondinhas na praia, sorrisos rasgados ou olhos tristes.


Na hora de encarar as rugas, toda a gente diz o mesmo. Já tem barbas brancas essa velha história de que cada ruga conta uma história. Toda a gente está careca de saber que elas são sinais de que estamos a ficar mais velhos. À medida que a idade avança, a produção de colagénio diminui, tornando a pele mais fina, menos elástica e… com rugas.

Essa é a explicação científica. Agora vamos à versão original. Essa mesma, com barbas brancas e tudo. Não é por acaso que toda a gente a conhece. Por mais rigorosa que a ciência seja, ela nem sempre conta a história toda.

Aqui, entre nós – e, aproveitando que os cientistas estão ocupados com o coronavírus -, convém esclarecer uma coisa:

há detalhes muito importantes que nem a observação microscópica nem as fórmulas matemáticas são capazes de descobrir.

É que, para os dermatologistas, as rugas têm nomes que não lembram a ninguém – periorais (ao redor da boca) ou periorbitais (pés de galinha). E tanto podem ser dinâmicas (de expressão) como estáticas (envelhecimento natural). Para a ciência, as rugas são vincos, são veios ou são pregas a enrugar a pele.

É tudo muito educativo, sim senhora, mas basta prestar atenção para saber que elas são mais do que isso. Observem-nas de perto. Peçam ao avô ou à avó para estender o braço, ou levantar o pescoço, ou simplesmente mostrar a testa e as mãos.

Vão ver que as rugas são linhas, desenhando rios, montanhas, ondinhas na praia, caminhos estreitos por entre a floresta, sorrisos rasgados ou bocas tristes. Quem quiser mesmo contar quantas rugas têm os avós, vai ter de seguir estas linhas com os olhos ou com o indicador, tanto faz. Qualquer que seja o método, o resultado é o mesmo. Todas as linhas vão dar a lugar nenhum.

Um labirinto de rios e montanhas 

 As rugas estão desalinhadas porque guardam, misturam e marcam todas as histórias na pele. 

As rugas todas juntas são um labirinto. Não têm entrada nem saída, tanto descem como sobem, inclinando para a direita, mas também virando para a esquerda. São confusas, é verdade, mas há uma razão para estarem desalinhadas: elas guardam, misturam e marcam todas as histórias na pele.

Se afastarem os olhos para terem uma perspetiva aérea, vão perceber que, vistas do alto, as rugas são um mapa. Está lá tudo cartografado, como uma linha do tempo para que nada fique esquecido. Os lugares onde se esteve e tudo pelo que já se passou. Elas mostram-nos que a vida não é somente o que acontece agora, mas já aconteceu e está sempre a acontecer.

Rugas à volta dos olhos indicam risadas, muitas risadas – com as primeiras traquinices dos filhos, as proezas dos netinhos, os abraços dos amigos, as festas, os piqueniques e as almoçaradas em família. Risotas de manhã, à noite, com e sem hora marcada.

Rugas na testa mostram preocupações, muitas preocupações. Noites em branco por causa de febres, viroses, otites e alergias da criançada. Coração apertado porque o dinheiro não esticava, a saúde não ajudava e o filhote não estudava.

Pregas no pescoço por choros, erros e arrependimentos. E vincos nos braços pelo cansaço com o trabalho ou com as dores no corpo. Sol na praia e poluição na autoestrada também deram o seu contributo, é preciso não esquecer.

Todos colecionamos histórias, os avós é que começaram mais cedo.

Acumularam tantas que transbordaram e se espalharam pelo corpo, abrindo rios, vales, montanhas, alegrias e tristezas.

Há quem tenha horror à pele enrugada. Ao primeiro sinal, usam cremes de manhã, à noite, ao redor dos olhos, nas bochechas, no pescoço e em movimentos circulares. Ou então correm ao cirurgião para lhes fazer um peeling, injetar um botox ou receitar umas vitaminas.

O ritmo lento das rugas

 É precisamente por causa das rugas que o teu avô e a tua avó conseguem dizer que «vai passar» quando estás a chorar. 

Nada contra a pele lisa e macia. E nada contra quem não gosta de rugas. Nada mesmo. Mas é precisamente por causa delas que o teu avô e a tua avó conseguem dizer que «vai passar» quando estás a chorar. Ou que errar não é o fim do mundo se servir para aprender. Ou, então, que muitos dos nossos dramas são pequenos nadas quando temos colo e amor.

As rugas não surgem da noite para o dia, demoram anos a aparecer. Mas quando chegam, trazem finalmente a lentidão, um luxo neste mundo stressado e maluco dos adultos. Aproveitem, por isso, a lentidão dos avós.

Passem uma tarde com os avós a conversar só por conversar, a jogar no tabuleiro ou a escrever com papel e caneta. Os teus avós podem ser mais velhos do que tu, mas quando estão felizes, o riso é o mesmo de quando eram crianças.

🧠 Aqui fica mais uma sugestão de leitura: «Quantas memórias cabem no cérebro?»

Por que são os porcos tão porcos?

Que injustiça! Os porcos, além de muito asseados, são os mais inteligentes entre todos os animais domésticos, sabiam disso? Descubram como eles têm uma linguagem própria, como são divertidos e sociáveis ou como, sem eles, não seria possível desfrutar de inúmeros produtos essenciais à saúde e bem-estar dos humanos. Não, não estamos a falar de salsichas, bacon ou costeletas. Se lerem este artigo até ao fim, acreditem que nunca mais vão olhar para o porco da mesma maneira.

Era uma vez três porquinhos – um muito sujo, outro mais sujo ainda e o terceiro imundo. É assim que os humanos veem os porcos desde que os chineses os domesticaram há 10 mil anos. Basta recordar que o judaísmo foi a primeira grande religião monoteísta a acusá-los de impuros no Livro do Génesis e a bani-los da sua dieta. Mais tarde, o profeta Maomé fez o mesmo.

Não é que os porcos se importem muito com isso. Provavelmente, estão gratos por milhões de judeus e centenas de milhões de muçulmanos não os reduzirem a costeletas, bacon, chouriço, linguiça ou presunto. Mas isso não os livra da má fama nem tão pouco de a sua carne ser a mais consumida do mundo (galinhas e perus não entram nesta contabilidade).

O porco, coitado, nunca tirou o proveito dessa reputação malcheirosa. Há quem já os tenha visto a rebolar na lama e julgue que esse é um bom motivo para insultá-los de javardos. Mas não é. O motivo é antes o calor. Aos porcos faltam-lhes glândulas sudoríparas em quantidades suficientes para conseguirem transpirar.

Suar como um porco, como tantas vezes ouvimos, não tem, portanto, qualquer fundamento científico.

A grande porção de gordura acumulada no corpo e o tronco em forma de barril completam o cocktail explosivo para que armazenem tanto calor como um forno aceso.

E é justamente por isso que eles se cobrem de lama. Um banho enlameado, além de os proteger contra as queimaduras solares, moscas e parasitas, é mais refrescante do que um mergulho numa piscina gelada. A água lamacenta evapora lentamente, permitindo ao animal sentir-se fresco durante mais tempo.

Dizem as más línguas que, pior do que que chafurdar na lama, é comerem os seus próprios excrementos.

Este hábito, contudo, não é muito comum quando são criados ao ar livre.

Pocilgas apertadas deixam os porcos sem grandes opções. Já agora, currais acanhados provocam o mesmo efeito nas vacas.

E, só mesmo para rematar, os coelhinhos, entre muitos outros animais, também embrulham as ervas em «bolinhas de brigadeiro» para torná-las menos indigestas. Não é por isso que deixam de ser fofinhos, certo?

Agora que alguns dos mal-entendidos foram devidamente esclarecidos, descobre 7 talentos incríveis dos porcos. Depois disto, vais certamente ver este animal com outros olhos.

1 – Um focinho hipersensível

Além de cómico, o narizinho do porco tem um olfato altamente desenvolvido, razão pela qual é usado para procurar e desenterrar trufas no campo. O fungo está entre as iguarias mais caras da gastronomia francesa e italiana, podendo atingir preços absurdos como 5 e 6 mil euros/kg. O nariz do porco consegue também identificar pessoas e outros companheiros de olhos vendados, reconhecendo o cheiro característico de cada um.

2 – Um cérebro superinteligente

Os porcos são considerados pelos cientistas como o mais inteligente entre todos os animais domésticos, ultrapassando cães, gatos, galinhas, vacas ou cavalos. O nível de inteligência cognitiva é equiparado ao de uma criança de três anos. Um porco é capaz de reconhecer nomes, obedecer a ordens ou usar a memória para encontrar comida ou o caminho de casa por mais longe que esteja.

3 – Divertidos, carinhosos e sociáveis

Os porcos estão entre os animais mais sociáveis e divertidos. Deem-lhes uma bola e vejam como gostam de jogar, correr, desfazer caixas de cartão ou brincar com os humanos. Eles têm também uma linguagem muito sofisticada, conseguindo produzir 20 grunhidos diferentes para cumprimentar, alertar para perigos, fornecer orientações à comunidade ou expressar emoções. As mamãs costumam cantar para os leitões durante a amamentação e os filhotes conseguem identificar o grunhido delas onde quer que estejam.

4 – Paladar refinado

Que são comilões, não há como negar, mas os porcos nem sempre foram assim. O humano, ao querer engordar estes animais, foi o grande responsável por aumentar o seu apetite. Mas não é por isso que o paladar do porco é menos refinado. Eles comem sempre lentamente para apreciar os sabores. Se vivessem nos bosques e nas florestas como os javalis, os seus parentes afastados, comeriam ervas, raízes, frutas e sementes. Nas quintas, adaptam-se ao que lhes dão – restos de comida, frutos maduros, cascas de legumes e até alimentos estragados.

 

5 – São muitos e de muitas raças

É um dos mamíferos mais comuns no nosso planeta: há aproximadamente um porco para cada seis humanos. A esperança de vida é de 15 anos e um dos factos mais tristes da sua vida é não conseguirem ver o céu. O formato do pescoço impede-os de levantar a cabeça para cima.

Segundo o Wikipédia, há 138 raças de porcos espalhadas pelo mundo. Digamos que praticamente cada país tem uma ou duas espécies autóctones, como é o caso de Portugal com o bísaro (preto e branco com manchas) – e malhado de alcobaça (preto e branco).

6 – O maior defeito pode ser a maior qualidade

Os porcos fazem 8 a 10 vezes mais cocó do que os humanos e isso tem sido uma das grandes causas para a poluição dos rios. É o caso da bacia hidrográfica do rio Lis, no distrito de Leiria, zona que concentra 20% da produção suinícola nacional. Mas esse só é um problema por falta de vontade para o resolver. Boa parte das descargas poluentes no rio são ilegais e não passam pelas estações de tratamento.

O que não faltam são também soluções para eliminar este problema de uma vez por todas. Em Taiwan, por exemplo, os criadores treinaram os porcos para fazerem as necessidades em casas de banhos especialmente montadas para eles. Melhor ainda fizeram os brasileiros de Entre Rios do Oeste. Os habitantes desta cidade do Oeste do Paraná usam as 215 toneladas de dejetos produzidas todos os dias pelos porcos de 18 fazendas para fazer biogás e gerar eletricidade para 72 prédios.

7 – Os 1001 produtos que os porcos dão aos humanos

São vários os produtos feitos a partir de banha, de cartilagens, da pele ou dos ossos do porco. Desde insulina, válvulas para transplantes e cirurgias cardíacas, camurça para calçado, gelatina para alimentos e medicamentos ou gordura do abdómen para cremes de barbear e sabonetes. Espreitem nesta imagem alguns dos produtos mais comuns que os porcos nos oferecem.

Já que chegaste até aqui, experimenta ler também: Por que são os morcegos, afinal, os heróis deste filme?

Camões. Como quase nada sabemos sobre o maior poeta português

O feriado escolhido para celebrar o Dia de Portugal é a data em que Luís de Camões morreu, a 10 de Junho. É das poucas coisas que se sabe sobre ele. De resto, não há certezas sobre o ano da morte ou de nascimento. Não é possível dizer em que cidade nasceu, se estudou em Coimbra ou sequer se frequentou a corte. Nem tão pouco podemos afirmar que as ossadas, depositadas no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, são mesmo dele. Resumindo: não sabemos nada, quase nada, sobre o maior poeta português.


Há uma boa razão para tanto desconhecimento sobre a vida de Camões. Não existem documentos, exceto um ou dois papelitos que resistiram para comprovar que andou por aqui, por África e pelo Oriente. Uma das poucas certezas é que o poeta viveu os últimos dias sozinho e sem um tostão no bolso.

Camões morreu como um anónimo. Só muito mais tarde é que o livro «Os Lusíadas» ganhou estatuto de obra nacional e alcançou fama mundial. À medida que os estudiosos se debruçaram sobre essa grande epopeia, foram percebendo que, para além da aventura de Vasco da Gama pelo caminho marítimo da Índia, estão lá todas as inquietações deste povo.

Quem somos? Que missão nos cabe na História? O que esperar do futuro?

O poeta tanto enchia o peito de orgulho pelo país, como levantava a voz e o sobrolho para criticar os defeitos. Foi um típico português. Apaixonado, irrequieto e com uma enorme coragem para partir à aventura, recomeçando do zero noutras paragens. Mas também boémio, gastador e briguento.

Camões nunca quis exaltar somente os grandes feitos. Quis também mostrar os erros para que pudéssemos aprender com eles e avançar rumo ao futuro. Por isso, é o nosso poeta e não podia ser de mais ninguém.


Hoje, neste Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, o Bicho que Morde recolheu os bocadinhos das histórias que já se escreveram sobre o poeta. Muito do que se conta são apenas suposições, mas é o que temos. Esperemos não andar muito longe da sua história

Comecemos, então, pelo:

1 – Poeta aventureiro

Em 1549 (?) Camões terá partido para Ceuta, no norte de África, em busca de melhor sorte. Juntou-se ao exército de D. Sebastião na luta contra os mouros, regressando a Portugal em 1551 (?). Terá sido, aliás, numa dessas batalhas que perdeu o olho direito. Por isso o vemos, muitas vezes, com um tapa-olho, como os piratas.

Em 1553 (?) deixa Lisboa e parte para o Oriente, passando por China, Goa e também Macau, onde viveu numa gruta e onde se diz que escreveu uma boa parte de «Os Lusíadas». Há hoje um busto e uma placa junto dessa gruta a assinalar a passagem do poeta.

De volta a Portugal, sofre um naufrágio, na foz do rio Mekong, que atirou toda a tripulação ao mar. Camões, sabendo nadar, conseguiu salvar a sua obra, mas perde a sua amada Dinamene, que viajara com ele desde a China. Em agosto de 1560, regressa a Goa.

2 – Poeta arruaceiro

Em 1552, esteve preso durante um ano. Dessa época, sobreviveu um dos raros documentos que permite contar a história: a carta de perdão de D. João III, de 7 de março de 1553. Nela se diz que Luiz Vaz de Camões, filho de Simão Vaz, cavaleiro fidalgo, está preso na Cadeia do Tronco, em Lisboa, por ter ferido, em dia de procissão do Corpo de Deus, Gonçalo Borges, encarregado dos «arreios do Rei».

Está longe de ser caso único. Dos seus tempos de estudante de Coimbra, chega o relato de que, num sarau literário, os seus versos irritaram muito um tal de Juan Ramon, sobrinho de um professor universitário que, logo ali, o desafiou para um duelo. O espanhol acabou ferido e o poeta na cadeia sob fortes protestos dos estudantes.

Julga-se que também esteve preso em Goa, entre 1556 e 1561, mas os motivos não são claros. Uma das razões apontadas foram as dívidas contraídas, mas também se coloca a hipótese de Camões se ter envolvido numa grande confusão por causa de uma sátira anónima a criticar a corrupção e imoralidade dos reinantes. A autoria do texto acabaria por ser atribuída ao poeta, razão pela qual as Ordenações Manuelinas decretaram a sua prisão.

Em 1562 (?) é mais uma vez preso por acumulação de dívidas, mas não por muito tempo. Conta-se que Camões escreveu uma ode ao novo vice-rei da Índia, suplicando pela libertação. D. Francisco Coutinho não só concedeu a liberdade, como o fez seu protegido.

3 – O poeta pinga-amor

Não faltam poemas românticos dedicados às mulheres que se cruzaram na vida dele. Um dos grandes amores terá sido D. Maria, a irmã do rei D. João III, mas houve outras. D. Violante e Andrade, casada com D. Francisco de Noronha, terá sido um dos seus amores secretos. Catarina também foi uma das principais musas de Camões, mas os historiadores ainda tentam descobrir quem foi ela. A principal suspeita é Catarina de Ataíde, uma das damas da rainha, mas pode ter sido também a neta de Vasco da Gama ou a mulher de um nobre de Aveiro, descendente de uma rica e conhecida família – os Sousa.

Não se esqueçam de Dinamene, a mulher chinesa por quem se apaixonou durante uma das suas viagens ao Extremo Oriente e que, após morrer no naufrágio, foi eternizada em dois sonetos – «Ah! Minha Dinamene, assim deixaste» e «Quando de minhas mágoas a comprida».

4 – O poeta mendigo

Regressado do Oriente, em 1570, Camões nunca mais conseguiu ter rendimentos regulares. Viveu os anos seguintes em casa de amigos, como é o caso de Diogo Couto, que lhe pagava as despesas e as viagens. O poeta, no entanto, tinha uma pensão real de 15 mil reis anuais, atribuída pela publicação de «Os Lusíadas», em 1572.

A renda chegaria para viver, mas o que se conta é que D. Sebastião não era muito certo com as datas de pagamento. E a situação financeira agravou-se quando o rei morreu em Alcácer Quibir, em 1578, levando Filipe II de Espanha a subir ao trono. Até morrer vítima da peste, Camões terá sido sustentado pelo escravo Jau – que viera com ele da Índia e que mendigava por bocados de pão partilhados depois com o poeta.

***

As datas e as cidades de nascimento: estima-se que tenha sido em 1524 ou 1525. São, pelo menos, duas as cidades a reclamar o seu nascimento: Coimbra e Chaves. Talvez esta última seja o local mais provável, dado que era a terra natal da família paterna. Filho de Simão Vaz de Camões e Anna de Sá e Macedo, o poeta pode ser neto do trovador galego Vasco Pires de Camões.

A data da morte: com base no documento que o rei Filipe I entregou à mãe do poeta, a data da morte é 10 de junho de 1580. O ano, porém, não corresponde ao que estava inscrito na lápide que D. Gonçalo Coutinho, fiel amigo do poeta, colocou na sua sepultura. Dizia assim:

«Aqui jaz Luís de Camões. Príncipe dos poetas do seu tempo. Viveu pobre e miseravelmente e assim morreu, no ano de 1579. Esta campa lhe mandou aqui pôr D. Gonçalo Coutinho, na qual não se enterrará pessoa alguma.»

Com o Terramoto de 1755, os restos mortais desapareceram, tendo sido encontrados em 1854 e levados para o Mosteiro dos Jerónimos. Os estudiosos, contudo, duvidam que as ossadas sejam do poeta, dado que, no século 19, não havia forma de determinar cientificamente a quem pertenciam.

O Bicho que Morde tem mais uma sugestão de leitura para ti: Catarina de Bragança. A alentejana que ensinou boas maneiras aos ingleses.


Crédito da ilustração (abertura): Camões de Júlio Pomar – imagem de Pedro Ribeiro SimõesCC BY 2.0

O voo das Seis Marias salvou centenas de vidas

Entre as décadas de 1960 e 1970, seis raparigas, de nome Maria, saltaram de aviões e de helicópteros, atravessaram campos de batalha e socorreram, debaixo de fogo, os homens e os rapazes obrigados a combater na guerra colonial. O que teria levado Salazar, que sempre quis ver as mulheres na cozinha, a autorizar estas Seis Marias a voar? O Bicho Que Morde conta-te tudo já a seguir.


Ao contrário de todas as expetativas, Salazar ignorou as críticas dos militares presentes na reunião e chamou à parte o tenente-coronel Kaúlza de Arriaga para dizer: «Avança!» E assim foi criado o primeiro grupo de mulheres paraquedistas em Portugal. Eram as Seis Marias, como ficaram conhecidas Maria Arminda Pereira, Maria de Lourdes Rodrigues, Maria Zulmira André, Maria do Céu Policarpo, Maria Ivone dos Reis e Maria da Nazaré Duarte Mascarenhas. Foram elas as finalistas do curso inaugural de paraquedismo da Força Aérea para enfermeiras, em Portugal.

Até hoje, custa a imaginar que o Estado Novo tivesse uma ideia tão progressista.

Basta olhar para o Código Civil de 1967 para perceber que o regime estava disposto a fazer de tudo para manter as mulheres em casa, a bordar paninhos e fazer bolinhos.

Não viajavam sem autorização dos maridos, não decidiam sobre a educação dos filhos, não podiam seguir a carreira diplomática, ambicionar a magistratura ou ter profissões com salários mais altos do que os «chefes de família».

E, ainda assim, António de Oliveira Salazar deu liberdade a estas seis Marias para voar. Na verdade, ele não teve muita escolha. A Guerra do Ultramar – ou Colonial ou de Libertação, consoante o prisma que se queira relevar -, em África, estava no início e havia pouco mais de cinco mil homens no exército, na marinha e nas polícias de partida para Angola, um território 14 vezes maior que Portugal. Todos os recursos, por isso, teriam de ser aproveitados.

Uma pioneira com uma ideia pioneira

 Isabel Rilvas, que já pilotava aviões e conduzia balões, foi a responsável pela criação do grupo de enfermeiras paraquedistas. 

As Seis Marias chegaram, portanto, no momento certo para o chefe do governo. A ideia partiu de Isabel Rilvas, também ela pioneira. Já nessa altura pilotava aviões, conduzia balões de ar quente e foi a primeira mulher da Península Ibérica a saltar de paraquedas. Em França, onde tirou o curso, conheceu as enfermeiras paraquedistas da Cruz Vermelha.

Elas eram treinadas para socorrer desalojados e feridos em situações de catástrofes ou de emergências. Isabel regressou a Lisboa muito entusiasmada com o que vira e desafiou o secretário de Estado da Aeronáutica, Kaúlza de Arriaga, a fazer o mesmo em Portugal.

Em maio de 1961 foram, finalmente, abertas as primeiras vagas para 11 candidatas escolhidas a dedo pelo regime. Eram solteiras, tinham entre 18 e 30 anos e vinham de cursos de enfermagem de colégios católicos.

E lá foram elas para o Aeródromo Militar de Tancos. Fizeram testes médicos e provas físicas muito exigentes – corridas, flexões, saltos, manejos de armas, escaladas ou abdominais.

Cinco delas ficaram pelo caminho quando subiram ao topo de uma torre de 18 metros e não conseguiram saltar.

Sobraram as Seis Marias que acabaram o curso e receberam as suas boinas verdes, partindo cada uma delas para as diferentes províncias ultramarinas. Em Moçambique, na Guiné, em Angola ou em Goa.

Saltaram de aviões ou desceram de helicópteros, atravessaram campos de batalha, muitas vezes debaixo de fogo, para transportar feridos até aos hospitais, tratar os doentes, resgatar pilotos escondidos no mato ou ajudar populações e famílias a saírem das aldeias e cidades sob ataque.

Anjos caídos do céu

 Mais 40 enfermeiras juntaram-se ao grupo das Seis Marias. Os soldados chamavam-lhes anjos caídos do céu. 

Nos anos seguintes, mais mulheres se juntaram a elas. Ao todo, foram 46 enfermeiras que entre 1961 e 1974 frequentaram os 15 cursos de paraquedismo da Força Aérea. Fizeram milhares de saltos e salvamentos durante os 13 anos que a guerra durou. Participaram também em missões de vacinação e, quando não tinham de saltar, era nos blocos operatórios que estavam, apoiando os médicos nas cirurgias.

A última missão aconteceu um ano depois do 25 de Abril de 1974. Com a descolonização de Timor em curso, as enfermeiras paraquedistas foram também mobilizadas na operação de retirada das famílias de Díli para Lisboa.

Hoje, quando se fala de emancipação feminina em Portugal, raros são aqueles que se lembram de incluir as Seis Marias na lista das mulheres que fizeram História.

Está na hora de corrigir este esquecimento, embora elas não estejam propriamente interessadas em medalhas e galardões.

Bastam-lhes as vidas que conseguiram salvar. Quando os rapazes e os homens, obrigados a combater em África, caíam feridos, a primeira coisa que lhes vinha à cabeça era que estava tudo perdido. Depois, ouviam o barulho das hélices e sabiam que eram elas a chegar. Chamavam-lhes «anjos caídos do céu». Apesar de terem trocado a bata branca pela boina verde, foi mesmo isso que elas foram.

Por falar em anjos, é um bom pretexto para ler também: «Querubim Lapa. Um anjo a espalhar arte pelas ruas».

Fontes consultadas: Portal UTW | Wikipédia |
Créditos das fotos: Museu do Ar

Quantos malabarismos é o cérebro capaz de fazer?

O cérebro controla o que pensamos, o que dizemos e o que fazemos. É o nosso aliado para resolver problemas, decifrar imagens, controlar as batidas do coração ou a respiração. Se não é tudo, é quase tudo o que somos. Mas, o que se sabe sobre ele não chega ainda para enumerar todas as acrobacias que consegue fazer. Este não é somente o órgão mais secreto do corpo humano. É também um dos grandes mistérios do Universo.

Neste preciso momento, há umas quantas centenas de investigadores em todo o mundo a trabalhar numa teoria geral do cérebro para perceber como ele funciona. Quando esse feito for alcançado, será provavelmente a maior conquista científica da Humanidade. Mais importante até do que a famosa teoria do Big Bang, que oferece uma explicação possível para o cosmos, ajudando a avançar no conhecimento do Universo.

Uma teoria do cérebro também poderia abrir caminho para entender a sua mecânica, orientando os neurocientistas nas suas pesquisas sobre lesões, doenças e até no desenvolvimento de tecnologias de inteligência artificial.

Porque é que o cérebro, estando tão próximo de nós – leia-se entranhado na nossa cabeça – ainda é um enigma tão grande? A resposta não satisfaz os mais curiosos, mas é a única, até à data, possível:

esta é a estrutura biológica conhecida mais complexa do Universo.

Convém, no entanto, esclarecer que, se ele se tornou assim tão inteligente, muito se deve a um talento humano pouco valorizado: a culinária. Sim, leram bem, a boa comidinha na mesa é, para muitos investigadores, a melhor invenção de todas.

Esqueçam os aviões, a eletricidade ou a roda. Sem a gastronomia, estaríamos até hoje mais de metade do dia a procurar, a recolher e a armazenar os alimentos que a Natureza oferece para alimentar os caprichos do cérebro. É isso que nos distingue dos primatas – os nossos primos afastados com menos 16 mil milhões de neurónios no córtex do que nós.

Com mais calorias disponíveis na dispensa e no frigorífico, o cérebro foi crescendo livre e com tempo para se dedicar às coisas boas da vida e, sobretudo, investir na educação e interessar-se pela ciência e tecnologia.

Foi a partir desse momento que nasceram as civilizações e as culturas que fizeram com que a existência humana ultrapassasse a barreira da biologia. A grande aventura do cérebro, no entanto, está na capacidade para se conectar a outros cérebros para partilhar os sonhos e as esperanças que fazem o mundo andar para frente.

Está agora na hora de conhecer os seus malabarismos:

424 km/h Velocidade dos impulsos nervosos.

É um foguete ou é o Super-Homem?

Numa competição de rali, as velocidades atingidas pelos impulsos nervosos, a viajar de e para o cérebro, eliminariam qualquer carapau-de-corrida. Na autoestrada, porém, a carta de condução seria a primeira a voar.

No sistema nervoso central, o cérebro é o piloto no comando, a medula espinhal é a pista e os neurónios são os estafetas a enviar mensagens ao corpo. 

Zero recetores de dor

Sem tempo para choramingar

«No paine no gain» é uma frase feita dos anglo-saxónicos para mostrar que nada se consegue sem esforço, suor e sofrimento. Mas, no caso do cérebro, não há terminações nervosas para captar dor. 

A dor de cabeça, para quem já está a perguntar, não é no cérebro, mas nas estruturas ao seu redor. 

10-23 watts de energia libertada em repouso

Sem férias nem fins-de-semana

O cérebro é tão viciado em trabalho que, mesmo a dormir, continua agarrado aos papéis, faz balanços da semana, envia emails e planifica os dias seguintes. 

A energia produzida pelo cérebro é suficiente para acender uma lâmpada de um candeeiro de cabeceira e muito útil se for preciso ir à casa de banho durante a noite. 

60% de gordura

Um gordinho alimentado a pão com manteiga

É, de longe, o órgão mais seboso do corpo humano, tendo uma consistência parecida com uma barra de manteiga. Mas também é o mais hidratado, já que 75% da sua composição é água. 

Uma alimentação hipercalórica, contudo, é do pior para o cérebro (para não falar do resto do corpo). As primeiras células a serem atingidas são os macrófagos – justamente os que ocupam a linha da frente na defesa do organismo. 

2% do peso do corpo

Leve como uma pluma e esbanjador como uma diva

Embora represente somente 2% do peso no corpo humano, o cérebro consome 20% de energia necessária para manter o organismo ativo e saudável

Por dia, o cérebro consome cerca de 350 calorias, o equivalente a 30 minutos de passo apressado em cima do tapete no ginásio.

4-6 minutos sem oxigénio

Ninguém vive sem ar puro, mas…

O cérebro consegue aguentar entre 4-5 minutos sem oxigénio, começando a fraquejar a partir daí.

Se estiver asfixiado durante 5-10 minutos é que a coisa complica. E muito!

60 mil km de vasos sanguíneos

A maior autoestrada do mundo

Se tivéssemos paciência para desembaraçar os vasos sanguíneos que percorrem o cérebro, as suas ramificações atingiriam os 60 mil quilómetros de comprimento – o que equivale a uma volta e meia ao nosso planeta.

A rede de vasos sanguíneos em todo o corpo atinge os 160 mil quilómetros, podendo dar quatro voltas à Terra. A cada batimento cardíaco, as artérias do corpo humano transportam entre 20 e 25 por cento do sangue para o cérebro.

13 milissegundos para processar imagens

Na cabeça, o filme é sempre mais rápido

O cérebro é capaz de decifrar (interpretar) uma imagem com a mesma rapidez dos computadores mais velozes.

O rápido processamento das imagens ajuda no direcionamento dos olhos, que chegam a mudar de posição até três vezes por segundo.

100 conexões por neurónio

A perfeita tempestade de faíscas

Estudos mais recentes sugerem que há mais conexões na nossa cabeça do que em todas as redes físicas do mundo, ou seja, cabos, portais ou routers que permitem o fluxo de dados.

Cada um dos cerca de 120 mil milhões de neurónios (contagem mais recente) é capaz de produzir, em média, 100 conexões.

Seria muito ingrato não referir aqui o papel das células gliais. Elas não geram impulsos nem formam sinapses, mas são quem fornece alimento, proteção e estrutura aos neurónios. Antes, acreditava-se que eram dez vezes mais numerosas que os neurónios, mas as investigações recentes sugerem que, para cada neurónio, há pelo menos 25 células gliais a orbitar à volta dele.

400 mil km de neurónios

Uma viagem até à Lua

Basta extrair um a um os neurónios do nosso cérebro e montar uma escada com eles. É o suficiente para subir 400 mil km, tocar na Lua e descer.

Dizem os investigadores que os nossos neurónios são tantos como a metade das estrelas da Via Láctea.

A referência à Via Láctea, já agora, vem mesmo a propósito para lembrar que cada átomo do nosso cérebro (e do nosso corpo) resulta do pó das estrelas que já explodiram. Como é que essa poeira estelar foi depois capaz de se juntar de maneira a formar um corpo humano e um cérebro com habilidades tão espantosas é que é um dos grandes mistérios de todos os tempos.

1,3 – 1,4 kg de peso

Não é o tamanho que conta, é o que tem lá dentro

O cérebro de um adulto humano pesa entre 1.300 e 1,400 gramas. Não sendo dos maiores – o do cachalote pesa 7.800 gramas e o do elefante 4.783 gramas – também não é dos mais pequenos – o do rato pesa dois gramas e o de um peixinho dourado 0.097 gramas.

Peso e tamanho, contudo, são o que menos importa, os neurónios é que fazem a diferença. Quanto maior for o seu número no córtex, mais elástica é a capacidade do cérebro para aprender. Neste capítulo, a grande mais-valia do cérebro humano é a capacidade para economizar espaço e ganhar eficiência no armazenamento dos neurónios. A desvantagem é o tempo que a espécie humana demora a sair da infância e entrar na vida adulta, característica também ligada ao número de neurónios.

Por razões ainda desconhecidas, quanto maior é a quantidade de neurónios, maior é também a esperança de vida.

6 Exercícios para estimular o cérebro

Agora que conhecemos um pouquinho melhor o cérebro, que tal cuidar melhor dele? Experimenta alguns exercícios – durante 4-5 minutos por dia – para melhorar a concentração, as capacidades linguísticas, o cálculo matemático e o relaxamento. As primeiras tentativas podem custar um bocado, mas com algum treino é possível que te venhas a tornar num campeão ou uma campeã de ginástica cerebral.

 

1 – Do cotovelo ao joelho

Ficar em pé e tocar o joelho esquerdo com o cotovelo direito. Fazer, depois, o mesmo movimento, tocando o joelho direito com o cotovelo esquerdo. Os movimentos devem ser repetidos alternadamente.

  • O exercício permite os dois hemisférios cerebrais trabalharem juntos.

 

2 – Simetrias espelhadas

Desenhar uma figura – uma casa, uma cara, um carro ou uma flor, por exemplo -, com as duas mãos, ao mesmo tempo.

  • Desenvolve habilidades linguísticas escritas, cálculo matemático e pensamento simbólico.

 

3 – Uma rodela numa mão e um quadrado na outra

Desenhar com a mão direita um quadrado, no ar ou numa folha. Na mesma superfície e ao mesmo tempo, desenhar um círculo, com a mão esquerda. Repetir os movimentos até as duas mãos conseguirem desenhar as figuras autonomamente.

  • É um exercício de desagregação que ajuda a potencializar o cérebro.

 

4 – Círculos na barriga e batidas na cabeça

Uma das mãos no abdómen faz movimentos circulares enquanto a outra dá leves batidas na cabeça.

  • O exercício estimula as duas metades do cérebro.

 

5 – Do mindinho ao indicador

Com o punho direito fechado, levantar o dedo mindinho. Ao mesmo tempo, com o punho esquerdo fechado, levantar o dedo indicador. De seguida, mudar o movimento: na mão direita, o indicador e, na esquerda, o mindinho.

  • Melhora a concentração e desenvolve a coordenação motora fina.

 

6 – Pescoço giratório

Respirar profundamente, fechar os olhos, relaxar os ombros e deixar a cabeça descair para trás. De seguida, fazer pequenos círculos com a cabeça.

  • Melhora a respiração, permitindo levar mais oxigénio até ao cérebro.

 

 

⏯ Queres também saber «Quanto tempo demora uma ferida a cicatrizar?»

Fontes consultadas: US National Library of Medicine | ZAP | Wings for Life | Neuroeletrics | The Conversation | Revista Galileu |

O 1º Dia Mundial da Criança foi há 70 anos

Faz hoje 70 anos que se comemorou pela primeira vez o Dia Mundial da Criança. Sabias? Tem longas barbas esta festa que começou em 1950 por iniciativa da Federação Democrática Internacional de Mulheres. Foi este o grupo de mamãs de diferentes países e com várias profissões a propor às Nações Unidas que reservasse uma data especial para lembrar (e respeitar!) os direitos da população infantil.



Logo nesse ano, assinalou-se o primeiro Dia Mundial da Criança, no dia 1 de Junho. Não foi propriamente uma festa, porque os tempos não estavam para brincadeiras. O mundo acabara de sair da Segunda Guerra Mundial. Da Europa ao Médio Oriente, até à China, havia uma crise a arrastar muitos milhões para a pobreza.

A maioria das crianças nem sequer frequentava a escola. Elas estavam sobretudo a trabalhar nas fábricas ou nos campos sob duras condições. Na Europa, por exemplo, metade da população infantil não sabia ler ou escrever e nem sequer conseguia ir ao hospital se adoecesse.

Ao criar o Dia Mundial da Criança, as Nações Unidas reconheceram os direitos delas, independente da raça, género, religião ou origem social e estabeleceram seis pilares que os países deveriam respeitar:

  1. afeto, amor e compreensão;
  2. alimentação adequada;
  3. cuidados médicos;
  4. educação gratuita;
  5. proteção contra todas as formas de exploração;
  6. crescer em clima de Paz e Fraternidade universais.

Palavras bonitas, verdade? Mas só para passar esta meia dúzia de tópicos para o papel demorou nove anos.

A 20 de novembro de 1959, algumas dezenas de países que fazem parte das Nações Unidas aprovaram finalmente a Declaração dos Direitos da Criança. Trata-se de uma lista com 10 princípios que, embora sejam superimportantes, nem sempre foram cumpridos.

Ao se dar conta da pouca eficácia do Dia Mundial da Criança e das suas recomendações, a ONU aprovou, então, em 1989, a Convenção dos Direitos da Criança, um documento longo e muito mais completo (com 54 artigos) que, no ano seguinte, viria a tornar-se em lei internacional.

O triste desta história é que ainda hoje estão por cumprir muitos dos princípios da Declaração Universal dos Direitos da Criança. Segundo a ONU, a vida da população infantil nos países pobres pouco ou nada mudou nos últimos 30 anos. E, nos mais desenvolvidos, a situação também não é recomendável. Em nenhum lugar do mundo, aliás, os estados protegem adequadamente a saúde das crianças, nem tão-pouco asseguram o futuro delas.

A grande ameaça são as alterações climáticas que comprometem a qualidade de vida das gerações seguintes.

Mas, o fast-food, os refrigerantes, as gorduras e o açúcar que a indústria alimentar promove a torto e a direito também são razões para as Nações Unidas concluírem que ainda há muito para fazer neste capítulo.

O Dia Mundial da Criança pode até ser um bom pretexto para festejar. Se há algo que os mais novos ensinaram aos mais velhos é que a felicidade está em coisas simples, como chapinhar nas poças, voar nos baloiços do jardim ou adormecer depois de ouvir uma boa história. Mas não fiquemos apenas pelos festejos. A batalha vai continuar. E esta é uma missão para gente de todos os tamanhos.

Para comemorar os 70 anos do Dia Mundial da Criança, os Bichos no Sótão selecionaram 13 fotografias que perseguem a infância desde o fim do século 19 até hoje. Embarca também nesta viagem e tem um muito FELIZ DIA DA CRIANÇA!!! 😘

Este é também um artigo que te pode interessar: «Porquê uma Convenção dos Direitos da Criança?»



Créditos das fotografias:

1 – 1890 – Caxemira, Índia | British Library
2 – 1910 – Montreal, Canadá |McCord Museum
3 – 1928 – Queensland, Austrália |State Library of Queensland
4 – 1930 – Oblast de Amur, Rússia |Fridtjof Nansen | Biblioteca Nacional da Noruega
51950 – Castro Daire, Viseu |Galeria pública de Custilhão Terras | CC BY 3.0
6 – 1964, Nairobi, Quénia |Robin Hutton | CC BY 2.0
7 – 1975, Bay Lake, Florida |Autor desconhecido
8 – Berlim, 1989 |Gabriele Senft, Bundesarchiv | CC BY 3.0
9 – 1998- Bamozai, Afeganistão  | John Severns
10 – 2001 – Sonaguera, Honduras |Maurizio Costanzo | CC BY 2.0
11 – 2010 – Alanya, Antália, Turquia | Eigenes WerkCC BY 3.0