Uma praga de carochas a correr pelo mundo

Era uma vez um carro gordinho e patusco, mas resistente para durar uma vida inteira. Corria horas seguidas sem nunca se cansar. Ainda por cima era baratinho. Toda gente tinha um, aqui ou em qualquer parte do mundo. E, aos fins de semana, era vê-lo na estrada cheio de traquitanas indo para a praia ou ao parque das merendas. Papás, avós e a criançada, todos apertadinhos.

Era uma vez um carro que tinha um nome muito aborrecido: Volkswagen Tipo 1. Não combinava nada com o feitio dele. É que, mais do que um carro, era praticamente da família. Teria de ter outra identidade, obviamente. Carocha para os portugueses, fusca para os brasileiros ou baratinha para os cabo-verdianos.

Está visto que não há um só nome para este carro. Cada povo adotou uma alcunha. Tal e qual aquelas pessoas com nomes compridos, complicados ou que não lembram ao diabo. Isaltina é Tina, Teotónio é Toninho e Virgínia é Gina. Na Alemanha, país onde nasceu, é um Käfer (besouro ou escaravelho), designação adotada e traduzida para muitos países anglo-saxónicos como Beetle (Reino Unido) ou bug (Estados Unidos).

Na Nigéria, Sri Lanka, Líbia, Turquia ou Panamá, ele é uma tartaruga. Mas na Indonésia, Irão, Malásia, Nepal ou no Zimbawe é um sapo. Na Colômbia é uma pulga e nos países nórdicos da Europa uma bolha. Em França ou no Haiti é uma joaninha e na Polónia é um corcunda.

Uma ideia do Führer da Alemanha

 Hitler queria um carro popular para rivalizar com os americanos e levantar a economia alemã. 

Estão feitas as apresentações do carro mais vendido do mundo. Até mesmo do que o Ford-T, o primeiro a ser fabricado em série nos Estados Unidos. Foram mais de 21,5 milhões vendidos de 1938 até 2003, quando a Wolksvagen fechou a última fábrica no México. E de quem foi a ideia? Essa é a parte sombria da história do carocha. Podia ter sido um mecânico engenhoso ou um industrial astuto e com olho para o negócio.

Mas não, foi o Führer da Alemanha, Adolf Hitler. Esse mesmo: o responsável pela Segunda Guerra Mundial. Foi ele quem, vendo o país mergulhado numa dura recessesão, se lembrou de lançar um carro com a missão de ressuscitar a economia alemã. Teria de ser acessível a todas as famílias e capaz de rivalizar com os automóveis americanos de Henry Ford.

Não foi ele, claro, que o desenhou. Mas foi ele quem definiu as regras quando, na década de 1930, lançou o desafio para os engenheiros projetarem um Volk (povo) + Wagen (carro). Tinha de ter dois lugares para os adultos e três para as crianças, em linha com o número médio de filhos por casal. O motor teria de ser refrigerado a ar, a velocidade média de 100 km/hora e o consumo de combustível mínimo de 13 km/litro.

Três engenheiros puseram mãos à obra e, alguns meses mais tarde, apresentaram as propostas. Josef Ganz e Edmund Rumpler eram judeus e viram os seus protótipos imediatamente rejeitados. O projeto do engenheiro austro-húngaro Ferdinand Porsche foi o eleito.

Em 1938, construía-se a primeira fábrica e, no ano seguinte, eram apresentados no Salão Automóvel de Berlim três protótipos (um deles descapotável), mas ainda não se chamavam Volkswagen. Hitler batizou-os de KDF Wagen (Kraft Durch Freude Wagen, em tradução livre, Carro Movido pela Alegria). Mas, ao que consta, ficaram todos na elite do partido nazi e nenhum chegou ao povo.

A grande expansão do pós-guerra

 O carro do povo cumpriu finalmente os desígnios do Führer, tirando o país das ruínas da guerra. 

Entretanto, veio a Segunda Grande Guerra e o carro, inicialmente desenhado para a classe média, acabou convertido para fins militares. Mas não sem antes passar pelos testes mais duros, atravessando terrenos de lama, declives rochosos, areia, neve e enfrentando também elevadas e baixíssimas temperaturas.  Surgiram várias versões como o Kübelwagen (todo-o-terreno) e o Schwimmwagen – carro anfíbio, equipado com uma hélice que permitia navegar a 10 km/h.

Quando a guerra acabou, só um terço da fábrica, em Wolfsburgo, estava de pé. Mesmo com o edifício ainda sem teto, começaram a sair centenas de modelos do Volkswagen Tipo 1. Agora sem Hitler e com os britânicos a assumirem o controlo da unidade industrial.

A grande expansão aconteceria entre 1948 e o ano seguinte, com o carocha a regressar às mãos dos alemães e a entrar em força na Holanda, Dinamarca, Luxemburgo, Suécia, Bélgica, Suíça e EUA.

O carro do povo estava finalmente a cumprir os desígnios do Führer, resgatando a Alemanha das ruínas do pós-guerra. Heinz Nordhoff, responsável pela produção em 1950 ambicionava ainda mais e oferecia um relógio de ouro e uma placa condecorativa a todos os proprietários dos carros que ultrapassassem os 100 mil quilómetros. Mas depressa retirou a oferta ao deparar-se com uma enchente de candidatos.

Os incríveis recordes do carocha

 Testado até ao limite, o carocha nunca falhou, vencendo todas as grandes provas internacionais. 

Os anos seguintes foram sempre a abrir até o carocha atingir a unidade 1 milhão, em 1955, festejada com pintura dourada, assentos em brocado e outros detalhes de luxo. A década de 1950, aliás, serviria para mostrar ao mundo de que fibra era feita o carocha. Venceu todos os ralis importantes que havia para vencer – o de Monte Carlo, em 1954, e o da Suécia, em 1956, e ainda os safaris de 1953, 1954, 1957 e 1962. No Round Australia Rally de 1958 só 35 dos 67 participantes cortaram a meta. O primeiro lugar foi para um carocha. Na verdade, do primeiro ao oitavo lugar eram todos carochas.

Mas, por incrível que pareça, o mais surpreendente ainda estava por chegar. Em 1959, a revista italiana «Quattroruote» decidiu testar o carocha ao limite (ou, pelo menos, julgavam eles que seria o limite). Dois pilotos conduziram dois modelos durante 16 dias consecutivos na autoestrada Milão-Bolonha a uma velocidade média de 110 km/hora.

Um dos veículos teve uma pequena avaria no sistema elétrico, mas não chegou para abandonar a prova. Ao fim de duas semanas, ambos completaram 18.664 km. E já que cumpriram o objetivo inicial, que tal esticar mais a corda? A velocidade subiu para 126 km/hora. Vruuuum! Vrummmm! – responderam os carochas, afundando o pedal do acelerador até completarem finalmente os 37.328 km.

As últimas proezas

 O carocha foi o primeiro carro de muitas famílias que com ele fizeram as primeiras férias longe de casa. 

É sem dúvida impressionante, mas o americano Albert Klein achou que o carocha conseguia correr mais e percorreu 2.434.575 quilómetros, entrando, em 1997, para o Livro Guiness dos recordes na categoria de resistência. E nem sequer tinha um carro novo, mas uma carripana com 35 anos e muitas dezenas de milhares de quilómetros no contador.

Muitas outras façanhas fez este carocha, as mais importantes estão nas memórias de quem o conduziu. Foi o primeiro carro de muitas famílias e de muitos solteiros também que com ele fizeram as primeiras férias longe de casa. No dia 30 de julho de 2003, o carocha saiu oficialmente de cena com o carro 21 528 464 a fechar a linha de montagem na fábrica de Puebla, no México. Mas, há muita gente – muita gente mesmo – que ainda tem um na garagem, fazendo tudo para ele continuar a correr pelo mundo. Quem tem – ou teve – um carocha nunca o esquecerá.


Fotos e créditos

Foto aberturaBundesarchiv, Bild 146II-732 / autor desconhecido / CC BY-SA 3.0 DE
Bloco 1
Linha de produção em 1973 – Von Bundesarchiv, B 145 Bild-F038788-0014 / Schaack, Lothar / CC BY-SA 3.0 de | Desenho do projeto original, Internet Archive
Bloco 2
Florida Memory | Carocha da PSPJosé Moutinho, CC BY 2.0 
Bloco 3
Carocha «Van GoghVon Heikenwaelder Hugo, [email protected], Commons wikipedia, CC BY-SA 3.0
Bloco 4
Phlubdr CC BY-SA 2.0 |Greg YoungerCC BY-SA 2.0 | John Atherton –  CC BY-SA 2.0 | Roger WCC BY-SA 2.0

De Israel com amor para o Irão

Nestas últimas semanas, as notícias têm mostrado como os líderes dos EUA e do Irão estão com vontade de começar uma guerra. Não é a primeira vez. Há muitos anos que os dois países são como arqui-inimigos a tentar provar que um é mais poderoso do que outro. O Médio Oriente, aliás, é um caldeirão de velhos ressentimentos. Volta e meia, reabrem-se feridas antigas, com os Estados Unidos e a Rússia a tomarem partido de um dos lados – Israel contra Palestina, Irão contra Israel, Líbano contra Israel, Turquia contra curdos ou sunitas contra xiitas no Iraque ou na Síria.

Até parece que estes povos nunca se irão entender. Mas, nesta região, como em qualquer outra região, os ataques e as ameaças são tudo o que estes povos não querem. Tudo o que querem, na verdade, é sair de casa, ir buscar os filhos à escola ou visitar os amigos sem medo que do céu caia um míssil ou uma bomba. É só isso que pedem para eles e para todos os habitantes deste planeta.

Foi o que Ronny Edry, um designer gráfico a viver em Israel, tentou mostrar quando, em março de 2012, publicou um cartaz nas redes sociais com uma curta mensagem de paz para os iranianos. O que se seguiu foi um movimento gigante de um lado e do outro com milhares de respostas e de partilhas que deram início não só a muitas amizades entre israelitas e iranianos, como também a uma série de campanhas pela paz no Médio Oriente.

Ronny é hoje o fundador da Peace Factory, a organização de designers que desenha cartazes com o propósito de promover encontros entre países rivais e unir todos os povos do Médio Oriente. Tudo começou numa noite em que publicou um cartaz no Facebook, horas depois de Israel e Irão terem trocado mais ameaças.  A imagem mostra Ronny com a filha a segurar a bandeira de Israel e uma mensagem: «Iranianos, nunca bombardearemos o vosso país. Nós amamo-vos.»

Logo a seguir, foi dormir, julgando que ninguém se importaria com o que ele pensa. Mais tarde, naquela mesma noite, acordou para ir à casa de banho. De regresso e, antes de voltar para cama, espreitou o computador.

_ Hei! O que aconteceu? – perguntou ele incrédulo ao ver muitas dezenas de notificações no Facebook.

Muitas pessoas queriam conversar com ele, algo que nunca tinha acontecido. Mais extraordinário ainda: boa parte delas eram iranianas. Ronny ficou assustado. É preciso perceber uma coisa. Em Israel, ninguém fala com iranianos. Em Israel, aliás, ninguém conhece iranianos. Só que, no Facebook, havia muitos a querer saber quem era ele.

Ronny começou a conversar com uma rapariga iraniana que lhe contou ter chamado a família inteira para ver o cartaz dele – o pai, a mãe, os avós, os tios e os primos. Estavam todos sentados na sala a olhar para o computador a chorar.

_ Michal acorda! Anda cá! Tens de ver uma coisa incrível! – gritou ele para a mulher.

Ela levantou-se ainda estremunhada e, assim que leu as mensagens, também começou a chorar.

Agora estavam todos – iranianos e israelitas – a chorar. Cada qual na sua sala.

Na manhã seguinte aquele cartaz ficou famoso com dezenas de milhares de partilhas que chegaram a muitas cidades iranianas e israelitas.

_ É incrível! – Soltou Michal – também quero um cartaz como o teu, por favor.

E foi assim que ele fez este segundo poster com a mulher e o filho ainda de pijama:

Ronny depressa percebeu que o poster se tornou viral não por ser ele, mas porque muitos israelitas e iranianos queriam dizer o mesmo que ele. Logo nesse dia, desatou a perguntar a todos os amigos, conhecidos e desconhecidos, se queriam enviar a mesma mensagem aos vizinhos do Irão.

Centenas disseram que sim. Em poucos dias, surgiram outras centenas a pedir o mesmo. Eram tantas que Ronny teve de chamar mais colegas para ajudá-lo, transformando a sala de estar num confuso e atarefado ateliê de fotografia e de design gráfico.

Do outro lado, chegaram mensagens e comentários de iranianos que Ronny e os colegas transformaram em posters também partilhados milhares de vezes nas redes sociais.

Estes são alguns deles:

Nos dias seguintes, os iranianos começaram também a publicar os seus próprios cartazes. Muito tímidos, escondendo o rosto para não sofrer represálias do regime, mas querendo responder aos israelitas. De repente, os dois lados estavam a conversar, passando esta história agora a ser escrita a duas mãos. Pela primeira vez, dois povos – supostamente inimigos e à beira de uma guerra – trocavam mensagens de paz.

Tantas mensagens trocaram que, sem surpresa, acabaram por despertar a curiosidade dos jornalistas. Os movimentos Israel-loves Irão e Irão-loves-Israel chegaram aos jornais, revistas e televisões não só dos países do Médio Oriente, mas também aos media dos Estados Unidos, da Europa ou da Ásia.

A amizade entre estes dois povos deu a volta ao mundo. E por cada volta dada algo de ainda mais extraordinário aconteceu. Sempre que a imprensa falava sobre eles, aparecia uma página no Facebook com o mesmos logotipo, cartazes e mensagens semelhantes dirigidos ao Irão e a Israel, mas também a outros povos rivais.

Israel Iran e Iran  Israel; Iran Israel&Palestine; PalestineIsrael; USAIran; Lebanon Israel; IsraelLebanon; Israel Syria e Syria Israel; EuropeIsrael, Iran, Syria and Africa, too; USAIsrael/Iran/Syria; Kurdistan Israel; Turkey Iran

Há uma lista de páginas de Facebook interminável dedicadas à amizade entre os povos e com pessoas a enviar mensagens umas às outras. O que fica por saber é se essas amizades virtuais viraram amizades reais.  Pode ser que sim, nunca saberemos.

O que sabemos é que Ronny e a mulher Michal já viajaram, entretanto, pela Europa, Estados Unidos, Canadá, Austrália, França, Alemanha, Holanda e muitos outros países. Encontraram-se com iranianos, libaneses, palestinianos ou americanos. Sentaram-se à mesma mesa, falaram de basquetebol, de comidas típicas, da escola dos filhos e de outros assuntos que geralmente são temas de conversas entre amigos de longa data.

Será o suficiente para acabar com as guerras? Provavelmente não, como demonstram agora os ataques entre Estados Unidos e Irão ou vice-versa. Mas, é sempre bom lembrar que, para lá de uma guerra, qualquer guerra, há um só lado que importa – o dos judeus, sunitas, xiitas, cristão, budistas, hindus, enfim… Uma imensidão de gente como eu e tu, que só quer viver em paz com todos.

Esta é a história de outro rapaz que mudou a vida de muita gente. KAMKWAMBA. O feiticeiro que mudou a direção dos ventos.

Fontes consultadas: TedTalks | Peace Factory  |

Quanto frio faz no lugar mais frio?

Entre o cume Argus e o cume Fuji, nos planaltos do leste da Antárctida, a temperatura arrefeceu tanto que atingiu os 93,2 graus Celsius negativos. O recorde aconteceu a 10 de Agosto de 2010 e foi registado pelos satélites da NASA porque nenhum humano poderia sobreviver nestas condições.

A 4000 metros de altitude, onde se levanta o pico do Argus ou a 3800 metros de altitude, onde está a cúpula do Fuji, a temperatura é tão baixa que bastariam poucos segundos para congelar os olhos, o nariz e os pulmões.

A cordilheira com mais de 1000 quilómetros, na Antárctica, é muito mais gélida do que aldeia russa de Oymyakon. Ainda assim, a povoação localizada no leste da Sibéria detém o recorde do sítio mais frio do mundo, mas na categoria de lugar permanentemente habitado. A 6 de Fevereiro de 1933, os termómetros da estação meteorológica desta aldeia desceram até -67,7 ° Celsius.

Com pouco mais de 500 habitantes, na sua maioria criadores de renas, caçadores e pescadores, os invernos são tão rigorosos que por vezes até a saliva congela e pica os lábios. Entre os anos 20 e 30 do século passado, a aldeia foi o ponto de passagem de pastores que usavam as águas termais da região para aquecer os rebanhos.

E em Portugal?

 Na Serra da Estrela e em Miranda do Douro, o termómetro desceu aos 16 graus celsius negativos. São as temperaturas mais baixas registadas em Portugal. 

Nas Penhas da Saúde, no coração da Serra da Estrela, o termómetro desceu aos 16 graus celsius negativos no dia 16 de janeiro de 1945. Nove anos mais tarde, foi a vez de a estação meteorológica da freguesia Miranda do Douro, em Miranda do Douro, registar a mesma temperatura a 5 de Fevereiro de 1954. Estes são os recordes oficiais registados pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

São terras frias e ventosas, mas no caso das Penhas da Saúde, no concelho da Covilhã, as temperaturas baixas transformaram este lugar numa das principais estâncias de inverno do país. Construída a cerca de 1500 metros de altitude, é apenas na estação mais fria do ano que a aldeia se enche de gente à procura da neve para brincar e passar uns dias no quentinho dos chalés, dos hotéis ou das estalagens escondidos nas montanhas.

Miranda do Douro, no distrito de Bragança, tem gente todo o ano ao contrário das estâncias da Serra da Estrela. Na cidade vivem mais de 7 mil habitantes e na freguesia são pouco mais de 2200. O frio, mas também o calor fazem parte da vida de todos. Tanto assim é que os mirandeses inventaram um ditado popular que só se aplica ao caso deles: «Em Miranda há nove meses de inverno e três de inferno». A temperatura mínima média entre janeiro e fevereiro é de 2º, mas é frequente atingirem os zero graus e por vezes até temperaturas negativas. Em contrapartida, o verão é quente e seco, contrastes aproveitados para o cultivo da vinha e da oliveira.

E no Universo?

Nebulosa Bumerangue

 O ponto mais frio do Universo está localizado na Nebulosa Bumerangue, uma nuvem de gás expelida por uma estrela que está a morrer. 

O espaço é um lugar muito frio. A temperatura certa no vácuo e longe de qualquer astro é de cerca de -270ºC – suficiente para congelar o hidrogénio na Terra, mas ainda alguns graus acima do que é considerado o «zero absoluto», o ponto mais frio possível. O motivo pelo qual a temperatura espacial ainda se mantém acima do zero absoluto é a constante presença de algo chamado de radiação cósmica de fundo em microondas, uma energia originada no Big Bang, que preenche todo o cosmo. Por isso, em quase todo o Universo, 270 graus célsius negativos é a temperatura mais baixa que se poderá sentir.

Mas há excepções como a Nebulosa Bumerangue, uma nuvem de gás expelida por uma estrela que está a morrer. Localizada a 5 mil anos-luz da constelação de Centaurus, é um dos corpos mais estranhos do Universo onde a temperatura estará meio grau acima do zero absoluto (-272 ºC). Até novas descobertas, este é o ponto mais frio do Universo.

Truques dos bons para estes dias de frio

Hábitos

Nos dias de muito frio pode apetecer banhos muito quentes, mas o melhor é uma chuveirada de água bem temperada. É preciso cuidado com as temperaturas altas da água responsáveis por eliminar a camada protetora natural da pele.
Mãos, pés, cara e lábios são as zonas onde a pele fica mais sensível e, como tal, precisam de estar sempre hidratadas.
Ver televisão todos juntos no sofá da sala, pai, mãe, avós, netos todos ao molho. Não há aquecedor mais eficaz que o calor humano.
Casa
Abrir as cortinas durante o dia e fechá-las logo após o sol se pôr é um bom truque para manter o calor dentro de casa.
Fechar os quartos não usados regularmente, como é o caso, por exemplo, de dispensas, sótãos ou quartos de hóspedes.  Ao mantê-los fechados, impede-se que consumam o aquecimento, deixando os restantes espaços da casa mais aquecidos.
Casas com soalhos de madeira são mais frias porque perdem mais de 10% do aquecimento. Uma maneira de minimizar o desconforto é colocar tapetes e carpetes no chão que funcionam como isolantes térmicos.
A disposição da mobília tem bastante influência na temperatura da casa. Os móveis junto às janelas ou encostados às paredes absorvem mais frio. Por isso, camas, sofás e cadeiras deverão estar em zonas mais centrais e aquecidas dos quartos.
Vestuário
Mais eficaz do que uma única peça grossa e quente são várias camadas de roupa a proteger o corpo do frio. Roupas justas dificultam a circulação sanguínea e aumentam a sensação de frio.
As extremidades do corpo são zonas que pedem especial atenção. Luvas, gorros, meias quentes e cachecóis não são apenas acessórios no inverno, são peças fundamentais para enfrentar o frio.
Alimentação
Uma sopa quente, um chá ou um leitinho a fumegar na caneca faz-nos sentir confortáveis nos dias e nas noites frias.
Sumos, fruta e vegetais com as suas vitaminas ajudam a combater as gripes e constipações típicas do inverno.

O Principezinho faz 80 anos e esta é a história por detrás do clássico

Tão cativante como o livro, é o que está por detrás do livro. Não se trata apenas da história de um Principezinho ansioso por descobrir outros mundos e encantado pelas coisas simples e belas da vida. É também um itenerário pelas melhores aventuras de Antoine Saint-Exupéry. E é, sobretudo, um testemunho da amizade entre o autor e Léon Werth. Separados pela Segunda Guerra Mundial, ambos permanecem juntos nesta obra que, 80 anos após a primeira edição, continua a viajar pelo planeta.

Algumas horas antes de partir para mais uma missão no norte de África, Antoine bateu à porta da casa de Sylvia Hamilton.

_ Olá! – cumprimentou ela, surpreendida – Não devias estar a voar?

_ Queria oferecer-te algo esplêndido antes de me ir embora, mas isto é tudo o que tenho – respondeu ele, atirando para a mesa do hall um envelope amarfanhado.

Dentro do embrulho está o manuscrito do seu mais recente livro – O Principezinho. São folhas e mais folhas preenchidas com diálogos, esboços e desenhos, que hoje estão no The Morgan Library & Museum, em Nova Iorque. Guardadas como se fosse um tesouro. Porque é disso mesmo que se trata.

Publicado nos Estados Unidos a 6 de abril de 1943 – e três anos mais tarde em França –, O Principezinho é um dos clássicos da literatura infantil mais importantes de sempre. O livro que Antoine Saint-Exupéry entregou à sua editora e amiga tornar-se-ia em pouco tempo num sucesso à escala mundial. Calcula-se que sejam à volta de 145 milhões de exemplares vendidos, um recorde só ultrapassado pela Bíblia. E que tenha sido traduzido para cerca 400 línguas e dialetos, incluíndo para o nosso mirandês, com o título de «L Princepico».

Um tesouro guardado no museu

 O manuscrito está no The Morgan Library & Museum, em Nova Iorque. Guardado como se fosse um tesouro. 

As aventuras de um rapazito que sai do Asteroide B612 para viajar pelo Universo já deu milhares voltas ao planeta, entrando em culturas tão distantes como a da república russa de Altai, na Sibéria, a dos povos magrebinos, a dos índios guarani, na América do sul, a dos letões, na Letónia, a dos hútus e tutsis, no Burundi e no Ruanda, e a de tantas outras centenas de países e regiões que, se quiseres, podes consultar aqui.

Mas tão cativante como o livro é o que está por detrás do livro. Não se trata apenas da história de um Principezinho ansioso por descobrir outros mundos e encantado pelas coisas simples e belas da vida. É também uma viagem pela vida do autor. Ou melhor, é o resultado das melhores aventuras de Antoine Saint-Exupéry.

Se esta obra começa com o narrador a lamentar o facto de nenhum adulto ter compreendido os seus anseios de artista, tal não acontece por acaso. Antoine, quando criança, adorava desenhar, mas, à volta dele, todos o avisavam para se dedicar a uma profissão mais séria. Deve haver algo que seja sério e ao mesmo tempo não me obrigue a passar os dias encafuado num escritório, pensa ele.

A escola naval seria uma boa solução, não tivesse reprovado nos testes. E é assim que ele se vira para a aviação. Em 1926 é admitido na Aéropostale, onde começa a carreira de piloto, voando entre Toulouse, Casablanca e Dacar. Enquanto aviador, ajuda a implantar rotas de correio aéreo em África, na América do Sul e no Atlântico Sul, além de inaugurar os voos Paris – Saigão e Nova Iorque – Terra do Fogo.

Um acidente no deserto

 Antoine foi salvo pelos berberes quando o avião caiu no deserto da Líbia. Esse é o episódio que marca o início do livro. 

Numa dessas viagens de Saigão para Paris, Antoine é obrigado a fazer uma aterragem de emergência no deserto da Líbia. Sem mapas nem comunicações, ele e o mecânico andam perdidos entre as dunas somente com alguns mantimentos – um cacho de uvas, duas laranjas, um termo de café, uma tablete de chocolate e um pacote de bolachas. Ao fim do segundo dia, já nada sobra dessa comida. Ao quarto dia, estão tão desidratados que não avançam nem mais um passo. É quando uma caravana de berberes passa por eles. Saint-Exupéry e o seu mecânico são como uma aparição caída do céu para os nómadas, que lhes dão de beber e de comer, salvando-lhes a vida.

Esse é o episódio, passado em finais de 1935, que lhe dá a ideia para a história de O Principezinho. No livro, o narrador é um aviador que cai no deserto e ao acordar, depois do acidente, dá de caras com um rapaz de cabelos de ouro e um cachecol amarelo, que lhe pede para desenhar uma ovelha.

Esse rapaz que, antes de chegar à Terra, já passara por vários outros planetas, é uma lembrança que lhe fica da viagem de comboio entre Paris e Moscovo, em maio de 1935. Nas últimas carruagens, onde dormem os operários polacos, ele encontra uma criança com cara de anjo e com «uma bela promessa de vida», que ocupará o lugar de Principezinho na sua obra.

O «Principezinho» poderia também ser Léon Werth, um homem sonhador, generoso, justo e o melhor amigo de Antoine. Mas isso já são devaneios do Bicho-Que-Morde sem qualquer sustentação, a não ser a dedicatória no livro que começa assim:

Léon Werth (1878-1955)

Para Léon Werth.

Peço às crianças que me perdoem por dedicar este livro a um adulto. Tenho uma boa desculpa: este adulto é o melhor amigo que eu tenho no mundo. Tenho outra desculpa: este adulto pode entender tudo, até livros para crianças. Tenho uma terceira desculpa: ele vive em França, onde tem fome e frio. Precisa de consolo. Se todas essas desculpas não são suficientes, então quero dedicar este livro à criança que este adulto já foi. Todos os adultos já foram crianças (mas poucos se lembram.) Então eu corrijo a minha dedicatória:

Para Léon Werth,
Quando ele era criança.

 

Se «O Principezinho» também fala de coisas sombrias como solidão, vaidade de poderes ou obediência cega à autoridade, é porque Antoine Saint-Exupéry está profundamente amargurado com o triunfo do regime nazi na Europa. Quando as tropas de Hitler chegam a Paris, durante a Segunda Guerra Mundial, ele decide exilar-se nos Estados Unidos, desembarcando em Nova Iorque no mesmo transatlântico que o cineasta Jean Renoir, em finais de dezembro de 1940. Para trás fica Léon, um homem judeu, adepto dos ideais anarquistas e 22 anos mais velho do que ele.

Léon Werth passa os anos da guerra escondido em Saint-Amour, uma aldeia montanhosa junto à fronteira com a Suíça. Antoine ainda o visitará algumas vezes, mas nunca voltará a França, onde nasceu em junho de 1900. O exílio, aliás, é a razão por que «O Principezinho» é primeiro publicado em Nova Iorque e só depois em Paris.

É a partir dos EUA que Antoine luta contra a ocupação nazi. Tem 43 anos e ultrapassa em oito anos o limite permitido para continuar a voar. Pior ainda, os ferimentos sofridos em acidentes anteriores causam-lhe muitas dores, não conseguindo sequer virar a cabeça para a esquerda para verificar se havia aviões inimigos. Ainda assim insiste até ao fim em participar nas missões militares.

Antoine Saint-Exupéry (1900-1944)

Em abril de 1943, Saint-Exupéry parte com um comboio militar americano para Argel para voar com a Força Aérea Francesa e lutar com os aliados num esquadrão do Mediterrâneo. A 31 de julho do ano seguinte levanta voo num P-38 com o objetivo de fazer o reconhecimento de uma base aérea na Córsega. E desaparece sem deixar rasto.

Presume-se que o avião tenha sido intercetado pelos alemães. Os destroços só são recuperados 60 anos mais tarde, em 2003, e entregues no ano seguinte ao Museu do Ar e Espaço em Le Bourget, Paris. Léon Werth sabe da morte do amigo ao ouvir as notícias na rádio. Por essa altura, os aliados estão prestes a vencer a guerra, mas a tristeza impede-o de festejar. «Paz sem Tonio (era como chamava a Antoine) não é totalmente a paz», desabafa ele à imprensa. No final de 1944, a editora americana envia-lhe um exemplar e ele lê  finalmente a dedicatória do amigo.

«O Principezinho» é uma obra universal porque fala sobre tudo o que é importante para a existência humana. A amizade, naturalmente, também está lá. E a amizade entre Léon e Antoine é o que, 80 anos depois da primeira edição do livro, continua a viajar pelo planeta.

 

O Principezinho – Os desenhos de Exupéry

26d
candeeiro_st_exupery_le_petit_prince
CHAPITRE XIII
hroznys
jiboia engole elefante
lepetitprince
passaros-st_exupery_le_petit_prince
pozorovatelHvezdy
estudos preliminares
ovelha_st_exupery_le_petit_prince
capa
littleprince

Já leste a história por detrás de outro grande clássico infaltil: Winnie, o filósofo que faz tudo por uma colher de mel.

Quanta água doce há na terra?

Água no planeta é o que não falta. Cerca de 71% da superfície terrestre está coberta por oceanos, mares, rios e lagos. Mas água para beber…. Aí a história é outra! Dos 1 332 mil milhões de km cúbicos disponíveis na Terra, apenas 2,5% são próprios para consumo. Parece pouco? Então, acrescentem o facto de a maior parte da água doce (1,8%) estar retida no gelo da Antártica, do Ártico e dos glaciares. O que sobra é somente 0,7% do total. Essa é a quantidade reciclada em contínuo naquele ciclo que aprendemos nas aulas de ciências naturais.


É esse pingo que, desde sempre, sacia a nossa sede, renova a Natureza, rega a agricultura e é usado na indústria. A grande dúvida é saber se continuará a ser suficiente. É preciso não esquecer que a população mundial chegará provavelmente aos 10 mil milhões em 2050. E também que os períodos de seca vão ser mais frequentes.

Com cada vez mais gente a habitar o planeta e o clima em mudança, será que vamos ficar sem água? A resposta é…

Carrega aqui, por favor, e descobre a resposta.
Não, mas… Somente se formos capazes de gerir os recursos naturais e evitar os desperdícios.

Mais do que a quantidade disponível de água doce no planeta, é a má gestão que tem contribuído para quase um quarto da população mundial viver hoje em regiões classificadas como de stress hídrico.

O que é stress hídrico?
Nada mais do que gastar praticamente toda a água disponível.

Com as alterações climáticas, o cenário tende a piorar. Os grandes lagos estão a evaporar, o gelo das maiores cadeias montanhosas do mundo está a encolher e o grande desafio é gerir e distribuir a água disponível no planeta.

É preciso lembrar isso sempre que abrirmos uma torneira.

Reservas quase esgotadas

 Índia, Bangladesh ou Irão cavam cada vez mais fundo à procura de água no subsolo. 

Índia, Irão ou Botswana estão, por exemplo, entre os países mais afetados. Se, em alguns casos, os territórios são secos e áridos, noutros, a água utilizada vem dos lençóis subterrâneos, cuja renovação é muito mais lenta. Na cidade do México, essas reservas estão no limite. Chennai, na Índia, esgotou praticamente a água do subsolo. Em Daca, no Bangladesh, cava-se cada vez mais fundo à procura de água para dar de beber à população e alimentar a indústria.

Segundo o World Resources Institute, 33 cidades com mais de 3 milhões de habitantes (255 milhões no total) vivem num elevado nível de stress hídrico. Em 2030, esse número aumentará para 45 cidades, afetando 470 milhões de habitantes. E isso sem contar que mais de mil milhões de pessoas no mundo não têm acesso a água potável e 2,7 mil milhões ficam sem ela pelo menos uma vez por mês. Se continuarmos a desperdiçar os recursos, o mais certo é, mais cedo do que tarde, chegarmos ao…

DIA ZERO – o momento em que as represas de todas as barragens ficam secas.

Várias cidades já estiveram bem perto disso. É o caso de São Paulo, no Brasil, ou Chennai (Madras, Índia). Em 2018, o município da Cidade do Cabo, na África do Sul, viu-se obrigado a racionar a água para os seus quatro milhões de habitantes após mais de três meses sem quase nenhuma chuva. O limite chegou aos 50 litros por pessoa, o que é menos de um terço do consumo diário em Portugal (187 litros por pessoa/dia).

As guerras da água

 A má gestão dos recursos hídricos é um dos grandes motivos para conflitos entre povos. 

A escassez de água tem sido um dos grandes motivos por que metade do mundo anda em guerra com outra metade do mundo. Os conflitos estendem-se desde as montanhas da Ásia Central até aos desertos mais áridos. Percorrem o leste da Ucrânia, a capital da Índia, Nova Deli, países africanos como Quénia, Etiópia, Mali ou Nigéria ou Iémen e Faixa de Gaza, no Médio Oriente.

A lista de conflitos continua com agricultores contra pastores, munícipes contra autarquias, vizinhos contra vizinhos, tribos contra tribos. Com as terras inférteis e as barrigas vazias, as populações deixam as suas casas, cruzam fronteiras e atravessam oceanos para tentar escapar às secas e à pobreza.

E não julguem que nós por cá estamos longe destes conflitos. Há vários anos que Portugal e Espanha brigam pela água que corre nos rios ibéricos.

Só que não é uma guerra entre tribos ou com populações enraivecidas nas ruas. É antes entre gabinetes de ministros a acusarem-se mutuamente de má gestão dos recursos hídricos. O Tejo – ou Tajo para os espanhóis – é o centro da discórdia, mas ambientalistas e especialistas apontam o dedo a ambos os países por não cumprirem a Convenção de Albufeira, que estabelece os caudais médios ecológicos.

Apesar de algumas regiões do planeta sofreram mais que outras, a falta de água é um problema à escala global a que ninguém está imune. Muitos acreditam que a solução está nas tecnologias. Países como os EUA, a Austrália, a Arábia Saudita, o Japão ou o Kuwait viraram-se para a dessalinização. Poderosas turbinas sugam a água dos mares e retiram-lhe o sal. Mas, a parte que é devolvida aos oceanos fica tão poluída, que provoca estragos enormes nos ecossistemas marinhos. Isto sem contar com os custos elevadíssimos e com os combustíveis fósseis, usados durante o processo, que contribuem para o aquecimento do planeta.

A aldeia que derrotou a seca

 Em Aanore, bastou poupar a água e plantar árvores para recuperar o lençol freático da aldeia. 

Por vezes, não é preciso complicar para encontrar a melhor resposta. Basta ter a consciência de que todas as gotas de água são preciosas. Foi precisamente isso que fizeram os habitantes de Aanore, uma aldeia do estado de Maharastra, a 350 quilómetros de Bombaím. A povoação indiana é uma das 20 mil da região que enfrentam secas cíclicas e falta de água.

Há pouco menos de um ano, Sandeep Patil, o líder religioso da aldeia, juntou os habitantes numa assembleia-geral e fez dois pedidos:

1– não desperdiçar uma única gota de água;

2 – plantar duas árvores à entrada das suas casas.

Juntamente com os pedidos, Patil fez algumas recomendações que os aldeões seguiram à risca:

A LAVAGEM DAS MÃOS, DO ROSTO E TAMBÉM DOS PRATOS, APÓS AS REFEIÇÕES, TEM DE SER FEITA JUNTO A ESSAS ÁRVORES.

Algo de incrível aconteceu três meses depois. O lençol freático, no subsolo da aldeia, voltou a encher-se com água.  Aanore é hoje uma aldeia com recursos suficientes para cultivar as hortas, dar de beber às pessoas e aos animais.

O plano seguinte é plantar mais árvores, muitas árvores. Os adultos das aldeias ali à volta ainda têm memória dos dias da infância em que brincavam pelos campos e quintais. Hoje, com as altas temperaturas e o sol cada vez mais agressivo, os filhos deles passam o dia entre quatro paredes até ao entardecer. Mas, isso está prestes a mudar com a plantação de um corredor verde a ligar várias povoações. O objetivo é fazer com que a água não volte a desaparecer do subsolo das aldeias. E – não menos importante – que as crianças possam correr à solta o dia inteiro.

🌳 Antes de ires embora, descobre também «Quanto vale uma árvore».
😉

Fontes consultadas: National Geographic (1) | National Geographic (2) | Live Science  | FAO | Science Alert  | NYTIMES | Circle of Blue | The World’s Water | DNAIndia |
Fotos e créditos

Açude seco na zona rural de Santa Quitéria, Ceará, Brasil (canoa abandonada no rio seco) | © Porto Neto – CC BY-SA 4.0

Criança junto a um espelho de água | © Rajeshbahuguna.inCC BY-SA 4.0

Por que dão os esquimós beijinhos com o nariz?

O André pediu ao pai para perguntar ao Bicho-Que-Morde porque é que os esquimós não dão beijinhos nas bochechas como todos os outros. O Bicho foi investigar e descobriu que a saudação com o nariz é só um entre os muitos costumes que permitiram a este povo sobreviver nas terras mais frias do planeta. Os inuítes, como gostam de ser chamados, resistem a temperaturas que ultrapassam os 40 graus negativos, mas agora, com as mudanças climáticas, estão a abandonar um modo de vida que durante séculos esteve bem conservado no gelo.


Não é preciso sentir o frio do Ártico para perceber que um único dedinho despido é um ato de coragem que nem os mais valentões se atrevem a não ser que sejam obrigados. Nas terras geladas do Alasca, da Gronelândia ou da Sibéria, os beijinhos na cara não seriam nada do outro mundo entre os esquimós não fosse o pormenor de o rosto, tal como o resto do corpo, estarem cobertos com capuzes e casacos felpudos. Embrulhados em tanto agasalho, sobram os narizes para roçarem ao de leve um no outro e assim substituir a beijoca na bochecha.

A saudação tradicional, que toda a gente conhece como beijinho de esquimó, tem o nome de kunik.

Esse foi o costume dos inuítes que saltou logo à vista dos primeiros exploradores europeus ao chegarem ao Ártico no século 16. Mas enganam-se os que pensam que os esquimós andam a esfregar os narizes a torto e a direito. O kunik está reservado às pessoas especiais, família e amigos e, principalmente, entre papás e filhotes. Os outros são corridos a beijinhos na cara ou a apertos de mão, tal como aqui.

Dos confins da Sibéria até ao Alasca

 Os inuítes vivem em terras geladas que se estendem por seis milhões de quilómetros quadrados. 

Ainda assim, o beijinho com o nariz ficou para sempre associado a este povo. Tal como o nome esquimó, embora boa parte deles não goste. Foram os nativos da América do Norte a darem-lhe esta alcunha, que significa comedores de carne crua.

A maioria deles prefere ser chamada de inuíte, que na língua inuktitut quer dizer povo.

Dependendo do lugar onde vivem, porém, a designação pode variar. No Alasca, eles são os Yupik, no Canadá usam o nome Inupiat, na Gronelândia, Kalaallit e, na Sibéria (Rússia), não se importam nada de serem chamados de esquimós.

Já deu para perceber que esta é uma das culturas mais dispersas pelo mundo. São seis milhões de quilómetros quadrados, começando nos confins da Sibéria, na Rússia, passando pela Groenlândia e terminando no Canadá e Alasca. Muita terra gelada para um povo com pouco mais de 100 mil habitantes. A maioria vive no Canadá (65.000) e na Gronelândia (50.000). No Alasca não chegam a 16.000 e na Rússia são menos de dois mil.

O beijinho com o nariz é só mais um costume a demonstrar como os inuítes souberam adaptar-se aos territórios mais frios e inóspitos do planeta. As temperaturas no extremo norte podem descer aos 35/40 graus negativos, o suficiente para em poucos minutos congelar os cabelos, a língua ou as pestanas. Ninguém senão eles ousa viver nas planícies brancas onde nem as árvores sobrevivem.

Longe de tudo e todos

 As temperaturas no extremo norte podem descer aos 35/40 graus negativos, o suficiente para afastar tudo e todos. 

Foi o frio que durante séculos os manteve longe de tudo e todos. Nem mesmo os primeiros europeus que ali chegaram em busca das baleias estavam interessados em permanecer muito tempo nas suas terras. As populações indígenas viveram sossegadas, pelo menos, até aos tempos da Guerra Fria.

Foi mais ou menos entre os anos de 1950 e 1960, que os EUA descobriram no extremo norte as condições ideais para construir bases científicas e, principalmente, militares utilizadas para prevenir eventuais ataques da União Soviética. À sua volta nasceram cidades com escolas, igrejas, lojas e centros de saúde, tornando o estilo de vida dos inuítes cada vez mais ocidental.

Os únicos que hoje mantêm os costumes praticamente intactos são os esquimós do leste da Sibéria a viver na costa da Península da Chukchi. Eles é que continuam longe de tudo e todos e são o último testemunho de como viveram os seus parentes próximos do Alasca, do Canadá e da Gronelândia.

O gelo que derrete os costumes

 Com as mudanças climáticas, os inuítes mudam-se para as cidades, deixando os seus modos de vida. 

Nos restantes territórios, os costumes continuam a mudar e cada vez mais depressa. E não é somente porque os inuítes já não estão isolados como antigamente. É sobretudo porque, com as alterações climáticas, o gelo diminui de ano para ano, derretendo também o seu modo de vida. Os caiaques substituem agora os trenós puxados pelos cães, que antes percorriam quilómetros sobre o gelo até chegarem ao lugar ideal para fazer um buraco e lançar uma cana de pesca.

Segundo as contas da NASA, o Ártico perde em média 54 mil km2 de gelo por ano e, a continuar a esse ritmo, o mais certo é ficar sem gelo durante o verão antes de 2050. Com o mar congelado apenas algumas semanas durante o ano, os inuítes abandonam as suas casas para viverem nas cidades, deixando para trás a pesca e a caça cada vez mais escassas.

Quem mais sofre com as alterações do clima são os cães da Gronelândia, abandonados à medida que as famílias se mudaram para as cidades.

Boa parte deles estão entregues à sorte, rondando as povoações à procura de alimento no lixo e junto às casas. Durante séculos, foram os melhores companheiros dos caçadores. Hoje são temidos por todos.

Nas terras dos inuítes

Se a temperatura deste texto não te pôs a bater o dente, então experimenta ler também o artigo «Quanto frio faz no lugar mais frio?»

Fontes consultadasCurious HistorianChimu BlogEncyclopaedia Britannica | SuperinteressanteNational Geographic |
Fotos e créditos: 

Família Inupiat (Alasca, 1929) | © Edward S. Curtis

Família no trenó | © Ansgar WalkCreative Commons AttributionShare Alike 2.5 Generic license.

Família vestida com parkas tradicionais | © Ansgar WalkCreative Commons AttributionShare Alike 2.5 Generic license.

Urso Polar (galeria) © Christopher Michel CC BY 2.0

A barulhenta revolução da máquina de escrever

Não é difícil imaginar como o computador revolucionou a maneira como hoje se trabalha, certo? Errado! Quando, no início da década de 1980, o computador chegou aos escritórios, já essa revolução tinha acontecido há muito tempo. Sim, o computador acelerou o ritmo de trabalho, esse é um mérito dele. Mas foi a máquina de escrever que mudou tudo.

Até ao final do século 19, os escritórios tinham quilos de papéis amontoados, mata-borrões, tinteiros ou canetas por todo o lado. Cartas, contratos, atas, folhas de registos, formulários e todo o tipo de documentos eram escritos à mão, com muita paciência, mas também muita perda de tempo. A máquina de escrever limpou as mesas da papelada e dos borrões de tinta.

Não se pense que, por serem pesadas e barulhentas, eram lentas. Tudo dependia da agilidade de cada um. Os funcionários bem treinados eram capazes de datilografar em média 100 palavras por minuto. Era preciso prática, pois claro, e os cursos de datilografia serviam para isso mesmo.

Saber escrever à máquina foi um trunfo das mulheres para entrar nos escritórios,  lugares  só de homens  até ao final do século 19.

Nessa altura, eles ainda achavam que o lugar delas era em casa a cuidar dos filhos e das tarefas domésticas ou então entretidas com bordados e lições de piano.

Mas, perante o fracasso na comercialização da máquina de escrever, a primeira fabricante, a Remington and Sons, lançou uma nova campanha de marketing, virando-se agora para o público feminino. Diziam eles que a sua invenção foi feita a pensar nelas. As teclas (ou chaves) precisavam de dedos delicados e não de patorras desajeitadas. Mais do que força, a dactilografia exigia habilidade e talento, tal como as teclas de um piano.

A entrada das mulheres nos escritórios

máquina de escrever

 A máquina de escrever foi feita para dedos delicados e não para patorras desajeitadas. 

A ideia pegou num instante. Elas não perderam tempo, aprendendo rapidamente a escrever à máquina e entrando no mercado de trabalho como secretárias eficientes e despachadas. Havia praticamente um curso de datilografia em cada esquina. Salas cheias de mulheres enfileiradas a escrever como máquinas. Isto é, carregando nas teclas a uma velocidade doida e sem olhar para o teclado. A primeira regra que se ensinava era a posição das letras e como usar os 10 dedos para escrever.

Cada dedo tinha uma série de letras atribuídas. Hoje, tudo isso parece uma perda de tempo. Quem se dá ao trabalho de decorar e treinar todas as posições das teclas? Ninguém, mas o certo é que a eficiência das secretárias poupou muito tempo e dinheiro às empresas. Desde que o computador substituiu a máquina de escrever, não descolámos mais os olhos do teclado, tal qual as galinhas a bicar o milho do chão, procurando pela tecla com o acento circunflexo ou o pelo símbolo da percentagem ou então pelo ponto de exclamação.

Escrever com dois ou três dedos no máximo… Que desperdício! Faz sentido só alguns trabalharem e os outros ficarem ociosos? Muito mais justo será distribuir a tarefa por todos e acabar o trabalho em metade do tempo. Esse foi o segredo das secretárias. Elas foram tão importantes para as empresas como para a independência das mulheres.

Escrever com todos os dedinhos

máquina de escrever

 Uma aluna bem treinada escrevia 100 palavras por minuto. 

O típico datilógrafo era uma mulher moderna, elegante que queria distância de bordados ou de bolos fofos acabadinhos de sair do forno. Foi o começo de um longo percurso para, a pouco e pouco, deixarem de ser o braço forte dos presidentes e passarem a ocupar lugares de topo das empresas – um caminho, aliás que ainda hoje se vai conquistando.

A máquina de escrever colou-se à imagem das secretárias, mas os escritores também martelaram muito nas teclas para escrever romances e, por acréscimo, lançar várias marcas para o estrelato. O americano Mark Twain (1835-1910) disse ter sido o primeiro a datilografar os seus originais, usando uma Remington N.º 2 para escrever As Aventuras de Tom Sawyer.

A escritora britânica Agatha Christie (1890 – 1976) escreveu os seus policiais numa Remington Victor T. O famoso autor de livros infantis Dr. Seuss (1904-91) usou uma Smith-Corona para dar gás às aventuras de personagens como Grinch ou o Gato do Chapéu. Ian Fleming (1908-64), que deu vida ao espião James Bond, tinha uma Triumph Gabriele. Clarice Lispector (1920-77), uma das maiores escritoras brasileiras, ficou conhecida por escrever com uma Underwood ao colo.

A máquina de escrever tornou-se numa ferramenta de trabalho indispensável para os escritores, tal como agora é o computador.

Mas com uma grande diferença. Um romance – ou qualquer outro tipo de texto literário datilografado – , é escrito, riscado e reescrito várias vezes. Não há uma tecla «delete» para apagar os erros, corrigir ou substituir palavras. Não se pode cortar uma frase de um lado para colar no outro. Nem mudar uma vírgula ou tão pouco retirar um ponto final só para acrescentar mais uma ideia.

Muitos escritores guardaram as primeiras versões dos seus romances. São folhas e mais folhas datilografadas com tudo à mostra: erros, rabiscos, sublinhados, setas, círculos à volta das palavras e anotações nas margens desvendam como é o processo de criação. O computador, quando chegou, engoliu isso tudo, não deixando um único vestígio. Lemos um livro da primeira à última página e nem sequer pensamos que boa parte daquelas frases e palavras foram escritas e rescritas várias vezes até o autor ficar feliz.

O trabalho invisível

máquina de escrever

 O computador apaga o esforço do escritor, mas a máquina de escrever não esconde nada.  

A máquina de escrever é o único instrumento de trabalho que não esconde nada. E isso não acontece com nenhuma outra profissão. Quando comemos um bolo, não nos damos conta de que foi preciso um pasteleiro misturar os ingredientes até a massa ficar cremosa. O mesmo acontece quando, por exemplo, nos sentamos numa cadeira – ninguém se lembra que houve um designer que passou horas a desenhá-la e um carpinteiro que serrou e martelou as tábuas.

A obra surge nas prateleiras de uma grande superfície, nas montras de uma pastelaria ou na estante de uma livraria. Sem marcas de gordura, aparas de madeira ou borrões de tinta. Tudo aparece limpo e parece fácil. Só quem se deu ao trabalho sabe o trabalho que deu. A máquina de escrever revelava o outro lado das obras feitas.

 

Quem inventou a máquina de escrever?

máquina de escrever
Christopher Latham Sholes

Não houve um único inventor, os historiadores, aliás, calculam que a máquina de escrever foi inventada pelo menos 52 vezes até ganhar forma e função definitivas. A primeira tentativa é do engenheiro inglês Henry Mill que, em 1714, desenhou uma máquina tão complicada que nunca saiu do papel. Mas foi ele a abrir o caminho para outros aperfeiçoarem o engenho.

Pelo caminho, houve muitos fracassos, desde Pellegrino Turri (1808), a William Austin Burt (1829), até ao padre brasileiro Francisco João de Azevedo (1862). Todos os modelos eram grandes, desajeitados e mais lentos do que a escrita a mão. Foi preciso esperar pelo ano de 1867 para o tipógrafo americano Christopher Latham Sholes (1819-1890) apresentar a primeira máquina de escrever que funcionava. O invento foi mais tarde comercializado com sucesso pela fábrica de armas Remington and Sons, de Nova Iorque.

Muito pouco mudou desde a invenção de Sholes, foi só a partir da segunda metade do século XX que surgiram versões mais avançadas como a máquina elétrica e, mais tarde, a eletrónica. Os modelos da última geração já eram bastante sofisticados, com memória, recursos de programação e quase 20 vezes mais rápidos do que os seus antecessores.

Hoje, a máquina de escrever é uma peça de museu ou uma raridade num antiquário, mas não foi assim há tanto tempo que elas deixaram de ser comercializadas. A última foi vendida em abril de 2011. Com o fecho da multinacional Godrej & Boyce, com sede em Bombaim, na Índia, a máquina de escrever também deixou de ser fabricada.

máquina de escrever

 ☎Descobre aqui como é que as gerações dos teus pais e avós viviam antes do telemóvel! 🤭

Por que não somos perfeitos?

perfeição

Desenha um círculo numa folha de papel e recorta-o com uma tesoura. Agora dobra essa rodela ao meio e repara como uma parte é igual à outra. Isso é simetria e está presente em quase tudo: num tomate, numa borboleta, num floco de neve, nas nossas duas narinas ou numa minúscula molécula de ADN. Ensinaram-nos que a simetria é perfeição, mas esqueceram de dizer que, sem as imperfeições, o mundo não avança para um futuro melhor.

 

 

A simetria acontece quando um corpo ou um objeto é igual ao seu reflexo e é uma das leis fundamentais da natureza. É ela que ajuda a encontrar regras para explicar como nascem, crescem e funcionam os ritmos, os organismos e os fenómenos do mundo e do Universo.

Ela tem essa coisa extraordinária de criar cópias que ajudam a saber o que vai acontecer a seguir. As ciências exatas, a matemática, a física ou a biologia, estudam essas repetições para compreender os mistérios da natureza e organizar o nosso mundo até mesmo quando ele parece caótico. Sabendo, à partida, como algo se vai comportar, fica mais fácil fazer previsões, formular teorias e leis que regulam o Universo.

Talvez por isso, tanta gente se sinta atraída pelas formas simétricas. O fascínio vem já da Grécia Antiga, que nela encontrou a harmonia, o equilíbrio e a proporção. Três elementos, que para grandes filósofos como Platão (427 a.C.-347 a.C.) ou Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), são muito importantes para reconhecer a beleza, seja num humano, num animal, numa paisagem ou numa simples flor.

Atraídos pela simetria

 Somos atraídos pelas simetrias porque são bonitas, mas também porque tornam a vida menos confusa. 

Esse encantamento dos gregos pela simetria acontece, mais uma vez, porque também eles precisavam encontrar uma lógica por detrás de tudo. Até da beleza, que nem sempre é uma avaliação racional. Ainda hoje, ela aparece ligada àquilo que vemos como belo com vários estudos a sugerir, por exemplo, que quanto mais simétrico é o rosto de uma pessoa, mais atraente ela se torna aos olhos dos outros.

E, portanto, os cientistas, os artistas, os filósofos, os arquitetos, os programadores, os designers, no fundo, quase todos procuram-na através dos telescópios, da arte, da arquitetura e dos objetos banais do dia-a-dia.

Mas nem tudo no Universo é simétrico. Este mundo também foi feito para casos raros como a solha, um peixe achatado, com os dois olhos na mesma face e a boca torta.

A natureza tem muitas imperfeições, isto é, formas e comportamentos que fogem ao padrão. Muitas vezes, são coisas tão pequenas que parecem não interferir com a mecânica da natureza ou com as rotinas do quotidiano. A terra mantém a sua órbita à volta do Sol, apesar de uma ou outra oscilação quase impercetível, os rios correm em direção ao mar, embora haja correntes contrárias ou vamos trabalhar ou para a escola todos os dias de carro, de bicicleta, de metro ou de autocarro, apesar de acidentes, greves ou outras pequenas perturbações.

Até a perceção sobre a simetria do nosso corpo não é afetada pelas pequenas diferenças. Se repararmos bem na nossa cara, verificamos que, afinal, não somos assim tão simétricos. Haverá sempre qualquer coisa num dos lados que não é 100% igual ao outro. Uma maçã do rosto mais levantada, uma sobrancelha ligeiramente mais subida ou um canto da boca mais descaído.

Estamos rodeados de assimetrias, mas, regra geral, são tão pequeninas, que não causam grandes consequências. E, como tal, não lhes damos muita importância para ser possível simplificar não só o nosso dia-a-dia como também o trabalho de um matemático ou de um físico que precisa de se concentrar mais no aspeto geral do que nas particularidades para avançar nas suas investigações.

 

A utilidade das imperfeições

 As mudanças acontecem quando algo foge ao padrão e interrompe a monotonia. 

Desprezar essas minúsculas imperfeições, porém, é passar ao lado de tudo o que elas podem trazer de novo para as nossas vidas. A nossa existência torna-se muito aborrecida se apenas nos focarmos no que é igual: tudo sempre na mesma não é lá muito interessante.

E as mudanças acontecem quando surge um desequilíbrio. As pessoas arranjam novos empregos quando se sentem insatisfeitas, vão viajar para não ficarem sempre nos mesmos lugares. Aprendem coisas novas sempre que se cruzam com gentes de culturas diferentes.

Tudo isso são assimetrias, isto é, comportamentos que fogem ao normal e têm um papel importantíssimo. São elas que criam a novidade, provocam transformações e determinam como vão evoluir os átomos, os planetas, as estrelas ou as galáxias.

Para se ter uma ideia de como essas mudanças acontecem é preciso primeiro explicar que o Universo é composto por matéria e antimatéria. A antimatéria não é nada do outro mundo. Ela é composta por partículas, tal como a matéria, só que as suas propriedades (massa e rotação) estão invertidas e a carga elétrica é contrária.

Uma é o reflexo da outra, ou seja, simetria perfeita. Mas, mal entram em contacto, desintegram-se e aniquilam-se mutuamente sem qualquer hipótese. Significa isto que, se o Universo tivesse as mesmas quantidades de matéria e de antimatéria, nada poderia existir, nem vida terrestre, nem os corpos celestes.

 

Quebra na simetria

 Uma minúscula partícula diferente foi o suficiente para permitir a formação de planetas, estrelas ou galáxias. 

Há alguns anos, os físicos estavam convencidos de que tudo no Universo obedecia a regras de simetria. Mas, se isso fosse verdade, as quantidades iguais de matéria e antimatéria geradas no Big Bang, há 14 mil milhões de anos, teriam destruído tudo, restando apenas a radiação. Só que não foi isso que aconteceu. Caso contrário, não sobraria nada nem ninguém para contar esta história, certo?

O que aconteceu foi que, em cada 10 mil milhões de partículas antimatéria, houve uma que fugiu à regra. O fenómeno é conhecido entre os cientistas como quebra de simetria e possibilitou o surgimento de planetas, de galáxias e de tudo o que é feito o Universo.

As simetrias têm o seu papel, mas nunca existiriam sem as assimetrias e o mesmo vale também no sentido oposto. Uma conduz-nos à ordem, às leis e à disciplina e a outra mostra-nos a liberdade, o prazer e a criatividade. É exatamente o que acontece com o nosso quotidiano. Aos dias de semana, temos horas para levantar, trabalhar, estudar, comer e dormir. Aos sábados e domingos, quebramos o ritmo, esquecemos o tique-taque do relógio e gozamos a vida para recomeçar mais uma semana frescos e cheios de ideias novas.

🌱🌿🍃 É bom ou não falar com as plantas? Vamos lá descobrir aqui!

 

Fontes consultadas: Revista Galileu | Revista Super Interessante | Diário de Notícias

 

Quanto vale, afinal, uma árvore?

O Bichinho das contas não fez os cálculos em euros, isso é o que menos importa. Uma árvore vale muito mais do que qualquer fortuna de um milionário. Bastará lembrar que mantém o nosso planeta limpo e saudável. E que, sem elas, não há vida. Mas deixemos as pieguices de lado e vamos às contas para percebermos do que se está a falar.


ATENÇÃO: esta apresentação está espectacular, mas só resulta em pleno no portátil, tablet e desktop. No telemóvel, alguns dos textos podem aparecer cortados.

Usa os símbolos [>] e [<] nas laterais para avançar e recuar os painéis. Se quiseres aumentar a dimensão, basta carregar no símbolo […] – no canto inferior direito – e escolher a opção que contém as duas setas. 

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A vida de Henrietta num frasquinho de laboratório

Ninguém cuidou tanto e tão bem da nossa saúde como Henrietta. Durante quase 60 anos muita gente julgou que foi apenas uma descendente de escravos. O livro de Rebecca Skloot, contudo, mostrou que a medicina moderna não seria nada do que é hoje sem ela. Esta lavradora americana ajudou a descobrir curas, tratamentos e vacinas para as doenças mais ameaçadoras. Como é que isso aconteceu? Se ainda não sabes, está na hora abrir um frasquinho de laboratório e conhecer a história de Henrietta Lacks.


O cemitério de Clover, nos Estados Unidos, é um lugar sossegado, como quase todos os cemitérios, mas não esta manhã. É sábado, as ruas ainda estão sossegadas e os habitantes desta cidade do estado de Virgínia só agora começam a preparar-se para o pequeno-almoço. Um grupo de visitantes levantou-se bem cedo para colocar uma lápide numa campa que, durante 60 anos, não teve nem nome nem data.

A pedra de mármore tem a forma de um livro onde está gravado o nome Henrietta Lacks e uma frase em memória dela: “Dedicado a uma mulher fenomenal, esposa e mãe que tantas vidas tocou.” E com esta lápide, oferecida pelo médico Roland Pattillo, no dia 29 de maio de 2010, todos os que passarem por ali ficam a saber agora que, debaixo daquele palmo de terra, está alguém que merece ser recordado. Como tantos outros que morreram, mas continuam vivos na memória dos amigos e da família, dirão muitos e com razão.

Ainda assim, vale a pena conhecer a história dela. Não viveu muito, aos 30 anos, sentiu uma pontada aguda e um nó no abdómen, mas escondeu as dores. Não podia ficar doente. Tinha cinco filhos para alimentar e o salário que tirava das plantações de tabaco era tão importante como o dinheiro que o marido trazia da fábrica de aço, em Baltimore. Disfarçou o mal-estar até não aguentar mais e, quando chegou ao Hospital Johns Hopkins, já era tarde.

Howard Jones diagnosticou-a com cancro no colo do útero e tentou tratá-la com radioterapia e terapia de raios-x, práticas recomendadas nas décadas de 1940 e 1950. Nada disso adiantou. Os tumores na barriga de Henrietta cresceram tão rápido que o médico nunca vira coisa igual. Howard ainda recolheu algumas amostras de tecido para serem analisadas, mas antes sequer de chegar a uma conclusão ela morreu, oito meses depois de ser internada, no dia 4 de outubro de 1951, com 31 anos.

Henrietta foi enterrada perto de casa, sem cerimónias fúnebres nem campa.

David, o marido, não tinha dinheiro e as flores dos baldios foram a única homenagem que os filhos conseguiram prestar. Poder-se-ia pensar que a história dela fica por aqui, pelo menos para quem não a conhecia. Mas a história dela continuou naquele bocado de tecido que lhe tiram para fazer exames.

As 1001 viagens das células HeLa

 As células de Henrietta viajaram pelo mundo sem ninguém desconfiar a quem pertenciam. 

As células de Henrietta foram para o laboratório do hospital e o médico George Otto Gey quase caiu da cadeira quando reparou que não eram normais, daquelas que ao fim de um tempo também acabam por morrer. Mantidas em temperatura e condições especiais, elas continuaram a multiplicar-se durante dias semanas e sempre a uma velocidade alucinante.

Pareciam dar ouvidos às preces do médico que há mais de 30 anos tentava manter as células vivas em laboratório para descobrir como se comportam e assim conseguir perceber o que provoca o cancro e como combatê-lo. Já tinha experimentado tudo, até misturar tecidos humanos doentes com sangue de corações de galinha ainda a palpitar, esperando que as células cancerosas sobrevivessem e pudessem ser estudadas. Nenhuma das tentativas resultou até examinar as células de Henrietta e concluir que eram imortais.

George separou as duas primeiras letras do nome de Henrietta e juntou às duas primeiras letras do apelido dela, Lacks, batizando assim a sequência celular de HeLa.

Seria uma maneira de homenagear esta mulher, mas o certo é que nunca mais ninguém perguntou quem estaria por trás daquelas 4 letras.

As células de Henrietta viajaram, entretanto, para todo o lado. Um dos primeiros lugares foi o laboratório de Jonas Salk, médico americano que durante anos a fio trabalhou sem descanso para encontrar a vacina contra a poliomielite. Era a doença infeciosa que atingia sobretudo as crianças e de que todos tinham pavor. Basta dizer que na década de 1950 matou milhões em epidemias pela Europa, Estados Unidos e por todo o mundo.

Em Portugal, por exemplo, provocou quase três mil casos de paralisia e centenas de mortes em apenas uma década. Foi preciso uma campanha nacional de vacinação em 1965 para, no espaço de um ano, erradicar praticamente esta doença.

E esta foi só a primeira de muitas mais descobertas que a medicina fez com as células de Henrietta, tornando-as mundialmente famosas. Assim que os cientistas descobrem que elas são imortais, todas as experiências se tornam possíveis.

As 1001 vacinas de Henrietta

 A vacina contra a poliomielite foi a primeira de muitas que as células HeLa ajudaram a produzir. 

As linhas celulares HeLa permitiram ver ao vivo e a cores a divisão celular ou como se comporta um vírus dentro das células. Os cientistas nem precisam preocupar-se com as questões éticas porque elas não estão dentro de um corpo humano. Puderam fazer tudo, desde bombardeá-las com carcinógenos, testarem-nas com as mais variadas drogas ou até sujeitá-las a experiências nucleares.

As células de Herietta foram divididas em centenas e centenas de milhares de lotes e enviadas para laboratórios de todos os cantos do planeta. Desde 1951, foram expostas aos efeitos da radiação, ajudando a encontrar técnicas de combate ao cancro como a quimioterapia ou enviadas para o Espaço para descobrir os efeitos no tecido humano em situações de microgravidade. O seu estudo ajudou a produzir drogas para numerosas doenças, incluindo Parkinson, leucemia, sida ou gripe, permitindo também a clonagem, o mapeamento de genes, a fertilização in vitro, o transplante de órgãos ou até vacinas para cães e gatos.

E muito, muito mais, centenas ou mesmo milhares de novos conhecimentos surgiram com o estudo destas linhas celulares.

A medicina deu passos gigantes e, ainda hoje, continua a depender dos frasquinhos onde as células de Henrietta estão mergulhadas.

São quase uma centena de milhar de artigos científicos com base em pesquisas de células HeLa. Tantas voltas deram por esse mundo que um dia entraram também numa numa escola americana. Rebecca Skloot ficou muito curiosa quando a professora de biologia explicou à turma que os avanços da medicina muito se devem ao estudo de células vindas de uma mulher chamada Henrietta Lacks.

Mal a aula acabou e todos os alunos saíram, ela foi ter com a professora cheia de perguntas. «Quem era essa mulher? De onde ela era? Tinha filhos?». A professora apenas sabia que Henrietta era descendente de escravos, trabalhava em plantações de tabaco no estado de Virgínia e morrera com um cancro no colo do útero. As respostas souberam a pouco, mas por mais que Rebecca procurasse informação, pouco ou nada encontrou.

Mesmo assim, não deixou nunca de pensar naquela mulher. Muitos anos mais tarde, depois licenciar-se em Biologia, e enquanto jornalista na área de ciências, publicou, em 2010, «A Vida Imortal de Henreitta Lacks», onde desvenda quem está por detrás das células HeLa. O mais surpreendente é que nem marido nem filhos sabiam que as células de Henrietta andavam por aí nas mãos de cientistas de todo o mundo, muito menos que ajudaram a revolucionar a medicina.

O livro de Rebecca revelou à família e a toda a gente o enorme legado da mãe para a ciência moderna. Mais do que isso, mostrou algo que os cientistas não estão muito habituados a pensar. Um frasquinho ou um tubinho de ensaio nunca é só um tubinho ou um frasquinho. Há sempre alguém com uma história que merece ser contada. E foi isso que Roland Pattillo ou tantos outros médicos descobriram depois de lerem o livro de Rebecca Skloot.

Sem as células de Henrietta, Roland não poderia nunca ter feito as descobertas que vieram ajudar no tratamento de cancro dos ovários ou tantas outras experiências. E, como tal, nada mais justo do que oferecer a Henrietta e à família dela uma campa com uma lápide para que toda a gente ficar a saber quem foi esta mulher.

Não é que Henrietta precise dessa homenagem para continuar a fazer o que sempre fez. As células dela não param de reproduzir-se. Há quem estime que juntas pesariam qualquer coisa como 50 milhões de toneladas e, colocadas uma ao lado da outra, dariam pelo menos três voltas à Terra com os seus 100 milhões de metros. O que é espantoso, dado que cada célula é minúscula e pesa menos do que um fio de cabelo.

Espreita também a extraordinária vida deste homem que dedicou a vida à medicina e aos doentes: Obrigado Ignaz Semmelweis!

Fontes consultadas: The Guardian | The New York Times | Wikipédia | Fundação Henrietta Lacks | The Star |