Até onde nos leva a imaginação?

Quantos quilómetros, quantas piscinas, quantos saltos, quantas subidas e descidas, quantas impossibilidades, quantas descobertas, quantos caminhos, quantos nós de profundidade ou pés de altitude, quantas bolas de sabão, quantos arcos-íris, quantas bocas de espanto ou sobrancelhas levantadas? Qual é, afinal, a medida ou a quantidade exata para a imaginação? O Bichinho das contas queria um número, uma distância, um peso, uma estimativa aproximada que fosse. Quem for capaz de colocar um limite é quem não sabe ainda que esse limite está sempre a desparecer.

Já todos sabemos que a imaginação é o primeiro passo para criar. Retas, curvas e ângulos na planta de um arquiteto, madeira, verniz e serradura na oficina de um carpinteiro, letras, números e fórmulas no laboratório de um investigador ou ovos, limão e baunilha no forno de um pasteleiro. A imaginação é a única dimensão a sair fora de tudo o que existe para entrar em tudo o que é real. É o que está para lá da compreensão, mas é o que ajuda também a compreender.

Só que não é como um botão que faz um clique e ela sai disparada como um foguete. É antes um estômago vazio à espera de comida, uma sementinha a pedir água todos os dias ou um músculo no ginásio todas as semanas. Quanto mais se usa a imaginação mais ela estica. Perguntem às crianças se é ou não verdade. Há razões de sobra para elas serem as maiores recordistas da fantasia. Desde logo, não estão nada preocupadas em separar o lógico do ilógico.

As crianças acreditam em contos de fada, em pais natais e no coelhinho da páscoa.

Desenham fora dos limites, viajam em caixas de cartão, são piratas hoje, cientistas amanhã e sabe-se lá o que vão ser depois de amanhã.

São livres, mas deixam-se acorrentar à medida que mais velas sopram no aniversário. Atacadores dos sapatos para prender, horários a respeitar, regras a cumprir, remédios para tomar, exames para passar, contas a pagar, metas a cumprir, salários a ganhar e promoções para merecer. Não dá para escapar, mas quem um dia já foi criança saberá sempre como tirar a imaginação do fundo da arrecadação. Se tens um adulto por perto, lembra-lhe que não é por estar fechado no escritório que as joaninhas e as libelinhas não voam lá fora. Nem por tomar o pequeno almoço sempre à mesma hora que não há ogres desdentados mergulhados no leite dos cereais.

Ou só porque o semáforo está vermelho não é possível calçar as botas e acampar no topo do Quilimanjaro.

Leis, decretos e regulamentos não impedem as bolas de serem quadradas, os retângulos de ficarem redondos e as curvas de se tornarem direitas. Nas terras férteis da imaginação, os políticos têm coração de poeta e os poetas estão sempre com pressa. Os professores querem aprender e os alunos gostam de ensinar. Os rufias são piegas, os banqueiros não têm dinheiro, os sem-abrigos moram em abrigos e os filósofos trabalham nas finanças. Com um pouco de imaginação, os gigantes estão encolhidos, os duendes são grandalhões, as corujas madrugadoras, as formigas preguiçosas, as lesmas são nervosas e os vírus previamente desinfetados.

Ensinem aos adultos que não há problema que se resolva sem imaginação. Desafio ultrapassado sem grandes doses de imaginação. Ideias a brilhar sem muita, mesmo muita imaginação. Digam-lhes para voltar a desenhar fora dos limites das folhas, correr fora da pista e nadar longe das margens. Vão ver como eles, afinal, estiveram desde sempre preparados para acreditar que o chumbo flutua, a lã é fria, os puns cheiram a menta, os tenores podem desafinar, os espelhos mostram o interior e os becos têm saída.

A imaginação não tem medida ou tamanho correto. Não há caixilhos que encaixem, cinturas que se ajustem, sapatos que sirvam, cores que combinem, fórmulas que se apliquem. Avisem os adultos que, ao abrirem esta janela, o por do sol é ao amanhecer e a alvorada é quando anoitece.

E que as pedras, quando entram na imaginação, passam o tempo a choramingar, as estátuas não se cansam de suspirar e os peixes beijam para respirar.

Quem se atrever a abrir a janela será capaz de subir de paraquedas, descer para cima, entrar ao sair e sair ao entrar. Ninguém os irá proibir de nadar na areia, correr no mar, gritar baixinho, cochichar alto, dormir em pé, destapar uma sombra e tocar o infinito. Mas chegará inevitavelmente a hora de olhar para o relógio para não se atrasar. Nessa altura, então, serão vocês a mostrar que, na terra da imaginação, os ponteiros só andam para trás. Ensinem, por isso, aos adultos tudo o que sabem sobre a imaginação. Mas, quando chegarem a adultos, não se esqueçam de tudo o que ensinaram. Combinado? 😉

🏡A propósito de nada, já leste: Quanto pesa o pó das nossas casas?

Por que é (quase) tudo uma questão de perspetiva?

O que é verde para muitos é azul marinho para alguns. O que parece gigante de um lado é minúsculo do outro. O que é um pitéu aqui é repelente acolá. O que é sim para a maioria é não para a minoria. Que jogo confuso vem a ser este? Não se deixem enganar, não é jogo nenhum. É (quase) tudo uma questão de perspetiva.

Tudo é uma questão de perspetiva. Cada um/a tem uma maneira muito particular de olhar o mundo. É o nosso ponto de vista. Nosso porque anda sempre connosco, transportando tudo o que somos. As histórias que vivemos ou nos contaram, a genética, as pessoas, os lugares ou os livros que nos influenciaram. Esse é um ponto de vista no meio de milhões de pontos vista, com outras histórias, outras pessoas, outros lugares e outros livros.

É assim que o mundo funciona para nós e até no reino dos animais não será muito diferente. Um elefante da savana, com as suas seis toneladas, nem dará pela presença de uma formiguinha. Tal como a perspetiva de uma girafa a olhar para um elefante como um baixote atarracado. E a formiga, com o seu meio centímetro de comprimento, pode ser um gigante aos olhos de uma mymaridae. Será que já ouviste falar do mais pequeno inseto do mundo? Ele pertence à família das vespas, tem entre 0,5 e 1 milímetro de envergadura e chega a ser 400 vezes mais pequeno do que a formiga típica.

Comparações intergalácticas

A Lua é uma maçã ao lado de qualquer planeta e a Terra uma bola de ténis comparada com Júpiter.

Sabe-se lá quantos seres, mais pequenos do que eles, habitam as profundezas deste mundo. Mais longe ainda, na vastidão do Universo, um humano poderia ser colossal num asteróide e microscópico num buraco negro. Visto da Terra, por exemplo, a Lua cheia domina o céu noturno, mas é Júpiter que, distante dos nossos olhos, ganha a perspetiva de gigante do sistema solar.

Se pudéssemos estalar os dedos e saltitar de planeta em planeta, veríamos, aliás, que isto de ser gordo ou magro é também um ponto de vista. Ou melhor, uma questão de gravidade. Em Marte e em Mercúrio, teríamos apenas 38% da nossa massa corporal. Um gorducho com 80 quilos pesaria pouco mais de 30 quilos (80 x 0,38) e um magrinho com 50 quilos teria perto de 19 quilos (50 x 0,38).

Mas, enquanto, as viagens intergalácticas não chegam, fiquemos mesmo por aqui, porque há pontos de vista em abundância para explorar, a começar pelos feitios dos humanos. Se estás convencido, por acaso, de que os extrovertidos são os mais populares em qualquer lugar deste planeta, é porque nunca te cruzaste com um belga. Palmadinhas e abraços são costumes poucos comuns por aquelas bandas.

Toques no ombro ou no braço, por mais ligeiros que sejam, têm diferentes graus de perspetiva consoante a latitude.

O psicólogo canadiano Sidney Yourard espiou as conversas de dois amigos a tomarem café em várias partes do mundo. Descobriu que, entre os ingleses, nem um toque houve durante praticamente uma hora. Os americanos, vá lá, tocaram no amigo duas vezes, mas os recordistas foram mesmo os franceses, com 110 toques, e os porto-riquenhos os campeões, com 118 toques.

O Oriente do outro lado

Vai uma espetada de tarântula ou preferem ratinhos do arrozal? Comam tudo para não ofender o anfitrião.

Está visto que demonstrações de afeto não são iguais em todo o lado. Tal como a ideia que se tem de intimidade e de privacidade. Viajemos agora para uma casa de banho pública da cidade de Tóquio, no Japão. Trinco na porta, música ambiente, botão para aquecer a sanita, mais botões para variadas funções de limpeza, purificador de ar e tanto conforto que nem dá vontade de sair. Mas está na hora de dar um pulo até à China, onde os cubículos das casas de banho – delas e delas – nem porta têm. Com tanta gente estranha a entrar e a sair, até se perde a vontade de fazer xixi.

Mas é bom que se despachem e que lavem bem as mãos, a seguir, se quiserem experimentar alguns dos pitéus no Oriente: ratinhos do campo ou dos arrozais no Vietname ou em Myanmar, pés de galinha nos restaurantes chineses e tarântula frita no Camboja. Deixem o exotismo e saltem para a cidade de Sweetwater, no Texas, EUA, onde os pedacinhos de cascavel frito são a grande atração do festival Rattlesnake Round-Up.

Se te deu uma súbita vontade de regressar à boa comidinha portuguesa, talvez gostasses de saber que os orientais iam ter também muita dificuldade em chupar os nossos caracóis ou provar os nossos enchidos de sangue de porco coagulado. Tal como não teriam coragem de comer o famoso surstömming sueco, arenque fermentado e conservado em latas. O cheiro do peixe é tão nauseabundo que é preciso abrir o recipiente dentro de um balde de água e fora de casa para evitar uma reviravolta no estômago.

Quem não for grande aventureiro com a gastronomia além-fronteiras, poderá sempre recusar, mas certos povos vão ficar muito magoados.

Na Zâmbia, é má educação. Não só tens de comer até ao fim, como, ainda por cima, deves ser tu a pedir para encher o prato, não esperando que te perguntem. No Egito, recomenda-se deixar um pouquinho de comida no final da refeição, mesmo que ainda se tenha fome. É sinal de que se ficou satisfeito e um elogio à hospitalidade dos donos da casa.

Mas imaginemos que o anfitrião te pergunta: “Vai mais uma colherada?” Tu, que não entendes a língua dele, dizes que sim ou que não com a cabeça, certo? Presta atenção, porque na Bulgária, na Albânia e na Macedónia, dizer não é balançar a cabeça de cima para baixo e dizer sim é mover a cabeça da direita para esquerda. Nada que enganar, é justamente o contrário que em qualquer outra parte do mundo.

As horas e os dias incertos

Estamos em 2020? Depende… Na Etiópia, o calendário e o relógio do Ocidente pouca utilidade têm.

São costumes únicos, irrepetíveis, só mesmo vivendo nesses países se poderia saber. Valham-nos, ao menos, a perspetiva infalível dos dias do ano. Mas olhem que nem isso… Na Coreia do Norte, corre o ano 109, na China já se entrou em 4718, Israel está em 5780 e na Etiópia ainda é 2012.

Não caiam, já agora, no erro de perguntar a um etíope que horas são. O tempo deles tem uma perspetiva muito confusa para nós. Os dias têm dois intervalos de 12 horas. Até aqui, tranquilo. O problema é que esses dias, na Etiópia, começam com o nascer do sol, às seis da manhã – a hora zero. Se tiveres um encontro marcado às sete (hora do resto do mundo), é da mais elementar importância lembrar que, para eles, será uma hora. E oito horas daqui correspondem a duas horas dali e assim por diante.

Perceberam a lógica? Ou seja, a lógica depende em que lugar do mundo se vive, qual a educação que se teve, quem são os vizinhos que vivem ao lado ou até se faz mais calor ou frio durante o ano. Tudo isso molda o nosso ponto de vista, tal como viajar, comer comidas diferentes, ouvir outras histórias e tentar entender outros pontos de vista.

Quase tudo nesta vida é uma questão de perspetiva. Mas «quase», como bem sabemos, não é tudo.

Há valores universais. O amor pelo próximo, tão apregoado pelas religiões de todo o mundo, é um deles e não é só teoria. A liberdade e a dignidade de cada um são igualmente importantes. E, por fim, RESPEITAR a diferença. Por mais que se troque o ângulo, que se estique, que se encolha ou se vire do avesso, esses são os princípios que não mudam de perspetiva. Mas, isso, já (quase) todos sabemos, certo?

Já alguma vez perguntaste: Porque é a Natureza (quase) toda simétrica?

Quantas espécies são descobertas a cada ano?

A cada ano, são descobertas cerca de 15 mil espécies de flora e fauna, num total de 1,3 milhões catalogadas nos últimos dois séculos e meio. O número é uma gotinha entre os 8,7 milhões que estarão ainda por classificar. A maioria (91%), nos oceanos. Todos os dias, há cientistas a escalar montanhas, a descer grutas, a caminhar em densas florestas ou a mergulhar aparelhos até ao fundo dos mares. Tudo isso para dar a conhecer novas criaturas que connosco partilham o planeta Terra. Hoje, o Bicho Que Morde tem o prazer de apresentar 10 entre milhares de novas espécies descobertas em 2020. Sejam muito bem-vindos.

Gollum, o peixe dragão dos subterrâneos

Mês de registo setembro
Local Gates Ocidentais, no sul da Índia
Características corpo comprido, pigmentação castanha-avermelhada, vive em águas subterrâneas e ondula de frente para trás, entrando e saindo com agilidade dos orifícios rochosos.
Foto Ralf Britz | Museu de Zoologia, em Dresden | Alemanha

Esta aventura começou já em finais de 2018, quando Rajeev Raghavan viu uma foto publicada nas redes sociais de um peixe capturado num poço, algures na cidade de Koshi. O investigador da Universidade de Pescas e Estudos Oceânicos, em Kerala, enviou imediatamente a imagem ao colega Ralf Britz, do Museu de Zoologia de Dresden, na Alemanha. Ambos desconfiaram que a espécie não tinha ainda sido catalogada, mas foram precisos quase dois anos de trabalho de campo para que, em setembro deste ano, pudessem, finalmente, apresentar ao mundo o Gollum Snakehead.

Tal como a personagem com o mesmo nome da saga «O Senhor dos Anéis», também ele vive em grutas subterrâneas. Mais concretamente nas águas do subsolo. Esta criatura das profundezas pertence a uma família já conhecida dos cientistas – Dragon Snakeheads – e, como os seus parentes, só vem à superfície depois de inundações provocadas por fortes chuvadas nos Gates Ocidentais do Sul da Índia – uma cordilheira banhada pelo mar Arábico e com um rico historial de biodiversidade.

As lagartixas Andy Sabini e Simpsoni

Mês de registo outubro
Local Arquipélago de Galápagos, Equador
Características são criaturas noturnas com um tamanho a variar entre 8 (Andy Sabini) e 10 centímetros (Simpsoni). A Andy Sabini tem pupilas verticais e as terminações dos dedos a lembrar folhas, daí também o nome de lagartixa com dedos de folha do Vulcão Wolf. A Simpsoni tem a garganta pontilhada com pigmentos castanhos-escuros e habita arbustos e pastagens secas. Durante o dia, gosta de dormir em cima de troncos velhos, rochas, carapaças antigas de tartaruga ou catos.
Foto Tropical Herping.

O arquipélago de Galápagos, no Oceano Índico, é o local mais estudados do mundo por causa da sua riquíssima diversidade de espécies. É assim até antes de Charles Darwin ter visitado algumas das ilhas, em meados do século 19. E, ainda hoje, continua a surpreender os cientistas com novas descobertas a cada dia. As mais recentes são duas espécies de lagartixas – a Phyllodactylus Andy Sabini, encontrada nas encostas do vulcão Wolf, e a Phyllodactylus Simpsoni, distribuída pelas ilhas de Isabele e de Fernandina. Foram descobertas durante uma expedição levada a cabo por investigadores de várias organizações, entre as quais a Tropical Herping, o Galapagos Conservancy e o Parque Nacional de Galápagos. Ambas ganharam nomes de importantes personalidades que se dedicaram à conservação da Natureza. E ambas estão também em perigo de extinção. Além de o seu habitat estar reduzido a 250 km2, são perseguidas por gatos e ratos pretos, predadores introduzidos nas ilhas. As erupções vulcânicas são igualmente uma séria ameaça para a Andy Sabini.

A flor de fogo das altas montanhas

Mês de registo outubro
Local Benguet, Filipinas
Características é minúscula com flores laranja, conseguindo sobreviver a mais de 2300 metros de altitude. As florestas de musgo que cobrem as altas montanhas das Filipinas, Bornéu e Sumatra são o ambiente ideal para se desenvolverem.
Foto Maverick Tamayo, Universidade Baguio (Filipinas).

Um brilho amarelo-laranja por entre o verde-musgo atraiu a atenção de Maverick Tamayo. Há dois dias que o biólogo caminhava sozinho pelas florestas do Monte Komkompol, na província filipina de Benguet. Nesse mesmo instante, suspeitou que estaria diante de uma espécie desconhecida. Cinco meses e muitas pesquisas depois, chegou a confirmação. A orquídea Ignisi florum pertence à família Dendrochilum, mas, ao contrário das primas, tem uma única folha e um caule comprido. É a camuflagem perfeita para se confundir no musgo até desabrochar. Apesar de cada flor ter cerca de 5 milímetros, elas destacam-se na vegetação pelas cores vivas, daí o nome Ignisi florum, que, traduzido do latim, significa flor de fogo. Por habitarem florestas de grandes altitudes, os especialistas dizem que estão em perigo, podendo não resistir ao desmatamento e à perda de habitat resultante das mudanças climáticas.

O lémure-rato Jonahi

Mês de registo julho
Local Madagáscar
Características são uma das espécies de primatas mais pequenas do mundo. São tímidos, noturnos e habitam uma reduzida área das florestas tropicais, no nordeste de Madagáscar. Da ponta do nariz até à cauda medem cerca de 26 centímetros, não chegando a pesar mais do que uma bola de ténis. São pequeninos, é certo, mas têm os olhos grandes e bonitos, a brilhar na noite como estrelas cintilantes.
Foto Stephen D. Nash / IUCN SSC Primate Specialist Group / D. Schüßler.

Descoberto no verão deste ano, o lémure-rato Microcebus jonahi já está na lista vermelha dos animais em risco de desaparecer. Tal como as restantes 107 espécies também a viverem nas florestas de Madagáscar, estes animais estão entre os que mais sofrem com a acelerada desflorestação – mais de um terço estão seriamente ameaçados com o fim de muita da flora e fauna únicas desta ilha do Oceano Índico. A nova espécie agora identificada ganhou o nome do Jonah Ratsimbazafy, um conhecido biólogo que tem dedicado a vida a estudar e a proteger os lémures de Madagáscar. A investigação foi conduzida por organizações de seis países, entre os quais o Instituto Gulbenkian para a Ciência, em Portugal.

O toutinegra-Taliabu e mais nove espécies

Mês de registo janeiro
Local ilhas de Taliabu, Peleng e Batudaka (Indonésia)
Características pertencem ao grupo de pássaros canoros, comem insetos, néctar e frutas. Boa parte destas aves tem o canto muito semelhante ao dos insetos. O da toutinegra-gafanhoto, por exemplo, soa como um grilo.
Foto James Eaton/Birdtour Asia.

Seis semanas de expedição em três pequenos grupos de ilhas da região de Wallacea, na Indonésia, não podiam ter sido mais proveitosas. Os cientistas da Universidade Nacional de Singapura e do Instituto de Ciências da Indonésia descobriram cinco espécies e cinco subespécies de pássaros canoros. Há mais de um século que tal não acontecia.

Foi ao escalar as montanhas de Taliabu, que os investigadores descobriram a primeira ave. Debaixo de uma chuva torrencial, estavam prestes a regressar ao acampamento quando um deles escutou um trinado parecido com o de um inseto. Estavam encharcados até aos ossos, mas perceberam que teriam de continuar a subir. Valeu a pena o esforço, nesse dia avistaram o pássaro castanho agora chamado de felosa-malhada-de-taliabu.

As novas espécies incluem ainda o toutinegra-gafanhoto, toutinegra-Taliabu, o tordo da Ilha Taliabu, o papa-moscas de sobrancelhas nevadas ou o papa-moscas da selva de Togian. As dez novas aves foram de imediato colocadas na lista das espécies ameaçadas devido ao rápido desmatamento provocado não apenas pela extração de madeira, como também pelos fogos florestais.

A rã saltitante Muduga

Mês de registo março
Local Gates Ocidentais, no sul da Índia
Foto S P Vijayakumar | Instituto de Investigação Zoológica da Índia

Chegou o tão aguardado momento de apresentar a rã saltitante Muduga, recém-chegada à família Walkarama a viver nos Gates Ocidentais, situados do sul da Índia. Há 137 anos que esta ilustre dinastia não conhecia novos clãs, além dos W. leptodactyla, W. diplosticta e W. phrynoderma. A rã Muduga foi encontrada na cordilheira Elivalmalai, a 1544 metros acima do nível do mar. As equipas do Instituto de Investigação Zoológica da Índia e o Instituto Indiano para a Ciência batizaram a rã com o nome da língua da comunidade Muduga, que vive no distrito de Palghat (Kerala).

Camaleões de narizes macios

Mês de registo julho
Local Madagáscar
Características são minúsculos – com tamanhos a variar entre os 8 e os 10 cm -, mas têm todas as boas características dos camaleões: mudam de cor para deslumbrar as fêmeas, confundir-se na vegetação ou comunicar com os companheiros. Têm ainda globos oculares desacoplados a vaguear independentemente um do outro e línguas pegajosas mais compridas do que o próprio corpo.
Foto David Prötzel, investigador da Coleção Estatal de Zoologia da Baviera | Alemanha.

Calumma emelinae, da costa leste de Madagáscar, C. tjiasmantoi, do sudeste, e C. ratnasariae, do norte da ilha, juntaram-se oficialmente às mais de 90 espécies de camaleões nativos de Madagáscar. Foram descritos pelos investigadores como camaleões de «narizes macios e engraçados» por terem um narigão enrugado e com o formato de chifre. Em Madagáscar, há uma variedade tão grande de camaleões que os cientistas ainda estão, em muitos casos, a tentar identificar as suas famílias. A ilha hospeda não só o maior camaleão do mundo, o Parson (65 cm), como também o mais pequeno, o Brookesia micra, com 29 milímetros e que geralmente é fotografado em cima de uma cabeça de fósforo para se perceber a sua pequenez.

O agrião de Mil Fontes

Mês de registo outubro
Local Costa Vicentina, Portugal.
Foto Clara Pinto Cruz | Universidade de Évora

Os investigadores do Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento da Universidade de Évora e os botânicos da Universidade de Oviedo, em Espanha, identificaram uma nova planta, que não cresce em nenhuma parte do mundo senão em pequenas áreas da costa vicentina no Alentejo. Deram-lhe o nome de Helosciadium milfontinum por ter sido encontrada na zona de Vila Nova de Mil Fontes. Ela faz lembrar um «pequeno guarda-chuva» com flores semelhantes à do agrião, segundo contou à imprensa a investigadora Carla Pinto Cruz. A sua sobrevivência é precária porque está muito dependente dos charcos temporários mediterrânicos. O seu habitat, por sua vez, também está ameaçado devido à invasão da agricultura e às construções urbanísticas.

O fungo do Twitter

Mês de registo outubro
Local Costa Vicentina, Portugal
Foto João Coelho, CC BY 2.0, Creative Commons
Nota o mil-pés da imagem é meramente ilustrativo e não corresponde à espécie cambala annulata.

Derek Hennen, da Universidade de Copenhaga, partilhou no Twitter uma imagem de um vulgar mil-pés cambala annulata, típico dos Estados Unidos. Mas Ana Sofia Reboleira, do Museu de História Natural da Dinamarca, viu algo extraordinário – o fungo Troglomyces twiterii – e que ganhou o nome da rede social onde foi descoberto. Os dois colegas tiveram de analisar vários outros mil-pés americanos até terem a confirmação de que o parasita ainda não estava classificado. Esta foi a 45ª descoberta da investigadora portuguesa. De tanto estudar ecossistemas subterrâneos, Ana Sofia ganhou a alcunha de «mulher das cavernas» quando, em 2018, descobriu na Abecásia, no norte da Geórgia, o mil-pés que mais profundo vivia no planeta.

Ursos-d’água fluorescentes

Mês de registo outubro
Local laboratórios do Instituto Indiano para a Ciência (Bangalore, Índia).
Características conhecidos também por ursos-d’água, os tardígrados (ou tardígrada) são criaturas aquáticas com tamanhos a não ultrapassar o meio milímetro. Gostam de ambientes húmidos, podendo habitar camadas de gelo, leitos de oceanos, paredões rochosos ou campos de musgo.
Foto Biology Letters |Crédito: SUMA ET AL., BIOLOGY LETTERS (2020) 20200391

O tardigrada é uma criatura microscópica capaz de sobreviver a ambientes extremos como altas temperaturas, radiação elevada e até mesmo no vácuo do espaço sideral. O que não se sabia até agora era da existência de uma espécie que suporta uma luz ultravioleta tão letal que é apenas usada para exterminar vírus e bactérias super-resistentes. A descoberta aconteceu por acaso quando a equipa do Instituto Indiano para a Ciência se deu conta de que as criaturas estiveram expostas durante bastante tempo a uma lâmpada ultravioleta germicida. E foi então que ficaram boquiabertos ao perceber que elas desenvolveram pigmentos fluorescentes azuis, que tornaram a luz ultravioleta inofensiva.

🦟🦋🐞Clica aqui se também quiseres saber quantos insetos há terra. 

Fernão de Magalhães: és de Portugal ou de Espanha?

A disputa entre Portugal e Espanha começou há 500 anos, quando Fernão de Magalhães concluiu a primeira volta ao planeta. A resposta, essa, está no final desta epopeia repleta de batalhas, naufrágios, traidores, conspirações, fome, doenças e brigas de morte. Antes de qualquer pátria reclamar o seu herói, é preciso conhecer a História. Vamos descobrir então o navegador português que provou ao mundo como a Terra é redonda e muito maior do que se imaginara.

Fernão de Magalhães era um homem angustiado com a sua sorte. Combatera pelo país na Índia, na Malásia, na China, no Japão, na Pérsia ou na Arábia. Lutara contra mouros, turcos, malaios, indianos e tantos outros inimigos do reino espalhados por muitas latitudes. Ganhara cicatrizes pelo corpo e uma bala na perna, durante a conquista de Marrocos, que o deixaria para sempre a coxear. Chegara, por fim, aos 40 anos com uma parca pensão que ninguém, com sentido de justiça, acharia merecido.

Não era o caso do El rei D. Manuel I, que de homem justo tinha pouco. Nunca acedera aos pedidos de Magalhães para lhe aumentar os rendimentos. De cognome Venturoso, ganho à custa dos marinheiros e soldados que desbravaram fortunas além-mar, era arrogante e exibicionista. Vivia no luxo, mostrando nas ruas de Lisboa o seu cortejo de criados, cinco elefantes da Índia, um rinoceronte fêmea, um cavalo persa e uma pantera de Ormuz.

Não foi, por isso, com surpresa que Fernão de Magalhães ouviu mais uma recusa do rei, quando lhe propôs liderar uma expedição marítima até às Molucas, as Ilhas das Especiarias. Já deveria até ter escondido na manga o trunfo para usar assim que ouvisse aquele não a sair disparado da boca do monarca.

_Peço então a Vossa permissão para servir outro rei que aceite os meus préstimos – pediu o navegador.

 – Ide, ide e boa fortuna – deve-lhe ter respondido D. Manuel I, desconfiando, certamente, que Magalhães correria para os braços do seu rival. Só não contaria, talvez, que o rei Carlos I de Espanha (ou Carlos V do Sacro Império) aceitasse prontamente a proposta do português.

Na verdade, a recusa foi deveras conveniente. Fernão de Magalhães, que passara noites em branco debruçado nos mapas genoveses, tinha a forte suspeita de que as Ilhas das Especiarias ficariam na “parte dos espanhóis”. A intenção era, pois, navegar para Ocidente sem violar o Tratado de Tordesilhas que, em 1494, serrou o mundo em duas metades a serem governadas entre Espanha e Portugal.

Assim que obteve autorização para armar a expedição, foi ter com os seus companheiros a viver na cidade de Sevilha – também eles renegados pelo monarca português. O cosmógrafo Rui Faleiro, que, após lhe traçar a rota marítima, acabaria por ficar em terra por desentendimentos com o navegador português. Diogo de Barbosa, pai de Beatriz, rapariga com quem, entretanto, se casara. Ou ainda o italiano Antonio Pigafetta, que, num encontro casual, lhe pedira para embarcar com ele. Em boa hora Magalhães disse que sim. Caso contrário, parte considerável desta história, contada nos seus diários de bordo, não chegaria até nós.

A tripulação, essa, tinha mais de 200 homens, espanhóis na sua maioria, mas também dezenas de portugueses e alguns estrangeiros, entre franceses, alemães, gregos, ingleses e ainda malaios que serviriam de intérpretes. A esquadra incluía cinco naus, Trinidad – comandada por Fernão de Magalhães – Victoria, San Antonio, Concepción e Santiago, capitaneadas por espanhóis.

No dia 10 de agosto de 1519, a frota levantou ferro de Sevilha com Fernão de Magalhães como «capitão-general da Armada para o descobrimento da especiaria».

A aventura começa agora, caros leitores, e demorará três anos a completar. Poucos, muito poucos dos homens que partiram em busca das riquezas do cravinho e da noz-moscada, irão regressar. Embarcações naufragadas ou incendiadas, rebeliões a bordo, fome e desespero, batalhas de morte nos mares e nas selvas são o que os esperam.

Estão preparados? Vamos lá, então, circum-navegar este roteiro do Atlântico ao Pacífico, com 10 paragens que agora, 500 anos passados, são relatadas mais uma vez pelo Bicho Que Morde.

Paragem 1 – Tenerife, Ilhas das Canárias, setembro de 1519

Há uma semana atracados em território espanhol, chega a notícia de que D. Manuel I se prepara para enviar uma armada com o intuito de travar a expedição de Fernão de Magalhães. O navegador português vê-se obrigado a mudar o curso da rota, enfrentado, por isso, a desconfiança de alguns capitães. Usou mão firme para castigar e prender os conspiradores, trocar homens no comando e seguir em frente, descendo o Atlântico, passando ao largo de Cabo Verde rumo à…

Paragem 2 – Baia de Santa Luzia (Rio de Janeiro), dezembro de 1519

As duas semanas na costa do Brasil serviram unicamente para se resguardarem das perseguições, aproveitando para fazer algumas trocas comerciais com os indígenas, como nos conta Pigafetta:

«Por um anzol ou uma faca deram-nos cinco ou seis galinhas; um pente, dois gansos; e um espelhinho o peixe suficiente para alimentarmos dez pessoas. Trocamos também por bom preço as figuras das cartas de jogar. Por um rei de ouros deram-nos seis galinhas, e ainda se convenceram de que tinham feito um magnífico negócio.»

Paragem 3 – Montevideu, Uruguai, janeiro 1520

A chegada ao rio de Prata, a 12 de janeiro, seria o ponto central da expedição. Algures naquele braço de mar, com a costa hoje partilhada pela Argentina e Uruguai, estaria a passagem para o «Mar do Sul» – o futuro Oceano Pacífico. Mas, ao fim de um mês, nada foi achado e Magalhães continuou pela costa da América Austral, chegando à…

Paragem 4 – San Julián, Patagónia, fevereiro 1520

O vento gélido da Patagónia alimenta o descontentamento dos marinheiros. Pressentindo uma revolta iminente, Magalhães abriga-se no porto de San Julián para passar o inverno. De nada lhe valerão as cautelas. Os homens estão cansados, exigem tratamento e condições mais justos por parte dos seus capitães. Há motins em três das cinco embarcações e mais uma passagem de comando. Desta vez, é o basco Sebastían de Elcano que, por ordem de Magalhães, passa para o leme de San Antonio.

Cinco meses em terras frias do Hemisfério Sul trouxeram muitas outras desgraças. Homicídios, brigas mortais a bordo, julgamentos sumários ou decapitações ordenadas por Fernão de Magalhães. E ainda o naufrágio da nau Santiago, entretanto enviada em expedição. A restante frota prossegue a viagem, já em finais de agosto, deixando para trás mais de 30 homens sepultados no mar ou nas terras pedregosas da Patagónia.

Paragem 5 – Estreito de Magalhães, Terra do Fogo, novembro 1520

Dois meses, quase três se passaram até avistarem finalmente a passagem para o oceano desconhecido. Ao canal deram-lhe o nome de Todos-os-Santos, viria a ser batizado depois de Estreito de Magalhães. Era uma entrada perigosa, um intrincado labirinto entre as ilhas a Ocidente da Terra do Fogo, na ponta extrema da América do Sul. Durante esta demorada travessia, mais uma nau se perdeu depois de os marinheiros assumirem o comando de San Antonio e encetarem o regresso até Espanha.

O relato do corsário inglês Anthony Knivet:
«Aconteceu comigo de ir em terra buscar algum alimento, pois as provisões do nosso navio eram poucas. Ao voltar a bordo, os meus pés estavam molhados e eu não tinha uma muda de roupa. Quando acordei na manhã seguinte, os meus pés estavam tão dormentes que não conseguia mexer as pernas. Ao tirar  as minhas meias, alguns dedos vieram atrás e vi que os meus pés estavam negros da cor da fuligem. Não conseguia senti-los de todo. Não mais conseguia caminhar.» 

Paragem 6 – Por fim, o «Mar do Sul», em novembro de 1520

Com agora três embarcações, a armada do explorador português vence sete dias de navegação atribulada e entra no novo oceano. As águas perigosas ficam para trás. O mar é agora tão tranquilo que Magalhães não podia dar-lhe outro nome – Pacífico. Mas a calmaria será temporária. Mais de três meses sem ver terra é uma eternidade. Muitas privações se seguiram, como conta Pigafetta. Com os biscoitos desfarelados e infestados de larvas, os homens comem ratos e até bocados de pele de vaca que cobriam os mastros das naus. Estão magros até ao osso e doentes com escorbuto quando avistam a primeira ilha do Pacífico.

Paragem 7 – Ilha de Guam, Micronésia, março de 1521

Centenas de canoas saíram da praia para dar as boas-vindas aos exploradores. Fernão de Magalhães, deslumbrado com o efeito provocado nas ondas, batizou o lugar de «Ilha das Velas Latinas». O encantamento duraria pouco, nem todos os habitantes de Guam eram amistosos. Muitos subiram a bordo e rapinaram tudo o que encontraram, levando o navegador a mudar o nome para «Ilha dos Ladrões».

Paragem 8 – Ilha de Mactán, Filipinas, abril de 1521

Ancorados há algumas semanas na Ilha de Mactán, junto a Cebu, a morte esperava por Magalhães. Veio ela a 27 de abril à velocidade de uma sete envenenada lançada pelos guerreiros do chefe Lapu-Lapu. Eles eram 1500 contra os 50 espanhóis comandados pelo português. Recusavam a conversão ao cristianismo e a vassalagem à coroa de Espanha. O corpo moribundo de Fernão de Magalhães desviou a atenção dos inimigos, permitindo aos exploradores a fuga para as embarcações. «Assim morreu o nosso guia, a nossa luz e o nosso apoio», escreveu Antonio Pigafetta no seu diário.

Paragem 9 – Cebu, Brunei, Molucas, Timor, Cabo da Boa Esperança, maio de 1521

Duarte Barbosa, o genro de Magalhães, assume a liderança da expedição, entrando dias depois em novo combate contra os habitantes de Cebu. Duas dezenas e meia de homens perdem a vida, a nau Concepción sucumbe às chamas e pouco mais de uma centena de sobreviventes zarpam nas duas restantes embarcações. Seguem outras desventuras – deserções, marinheiros cativos dos indígenas, uma vertiginosa dança nos postos de capitão e o naufrágio de Trinidad. Sebastián Elcano, ao comando do único navio sobrevivente – Victoria – chega finalmente ao Cabo da Boa Esperança e retoma o caminho para casa.

Paragem 10 – Salúncar de Barrameda, Cádis, Andaluzia, Espanha, em setembro 1522

A seis de setembro de 1522, três anos depois de iniciar viagem, a expedição chega a Salúncar de Barrameda, cidade de Andaluzia, com 18 sobreviventes e meia carga de especiarias. Elcano, por ter sido o capitão a concluir a travessia, é considerado por muitos espanhóis o protagonista da circum-navegação. Mas, por mais voltas que se dê a esta epopeia, Fernão de Magalhães será sempre o primeiro explorador, que, ao morrer na Ilha de Mactán, nas Filipinas, já tinha ultrapassado as ilhas Molucas e circum-navegado o planeta. Não são poucos os historiadores, aliás, a desconfiar que o português, quando entrou no Pacífico, saberia já que errara nos cálculos e que a Ilha das Especiarias ficaria na parte portuguesa.

A viagem de Fernão Magalhães é, ainda hoje, uma espinha atravessada na garganta de portugueses e de espanhóis. O navegador é português! – reclamam os que estão deste lado da fronteira. Mas fez a viagem ao serviço do rei espanhol – respondem os hermanos do outro lado.

Como resolver esta quezília que dura há 500 anos? Simples, muito simples, caríssimos leitores e leitoras. Ao tornar-se no primeiro homem a provar, na prática, que a Terra é redonda (e muito maior do que se pensava), o nosso Magalhães deixou de ser propriedade exclusiva de um ou dois povos.

Não é por acaso que o nome dele está por todo lado, no mar, em terra e pelo Espaço. No Estreito de Magalhães, que liga o Atlântico ao Pacífico e que foi ele o primeiro europeu a atravessá-lo. Na nebulosa Magalhães, duas galáxias satélites anãs a orbitar a Via Láctea, que ele encontrou durante a expedição. No Pinguim-de-Magalhães, avistado por ele nas terras frias da América do Sul. Na sonda Magalhães enviada a Vénus pela NASA, em 1989. Na cratera Magalhães, localizada nas terras altas do planeta Marte e também nas duas crateras da Lua, Magalhães e Magalhães A. Na navegação Magalhães, um dos primeiros sistemas de GPS. Ou simplesmente no Magalhães, o primeiro computador a entrar, em 2008, nas escolas portuguesas do 1.º ciclo.

Com isso tudo, caros leitores/as, põe-se um ponto final na rivalidade Portugal-Espanha. Magalhães não é teu e nem é meu. É do mundo inteiro e de mais ninguém.

Se estiveres pronta/o para outra viagem, aproveita para conhecer mais uma história de Almada Negreiros: o homem que veio do futuro.

Quantas pronúncias têm os portugueses?

Há centenas de sotaques que se escutam de norte a sul, do litoral ao interior ou do continente às ilhas. As expressões e os falares variam de cidade para cidade e, em muitos casos, até de freguesia para freguesia. Para simplificar, o Bicho-Que-Morde agrupou as pronúncias em 6 regiões – do Minho ao Algarve. Mas, ainda antes de separar cada um para o seu lado, vamos juntar todos no mesmo lugar para ver no que isto dá…

Um algarvio, um alentejano, um transmontano, um beirão, um açoriano e um madeirense chegam pela tardinha à estação de comboio de Peso da Régua. Todos eles com as suas pronúncias.

_ Tardi! – diz o alentejano.

_Tás co olho?! – pergunta, desconfiado, o açoriano.

_ Que parrascana me saiu vocemessê – responde o alentejano – nã entendi patavina.

_ Nã ligue qu’o môce tá pior que marafade – intromete-se o algarvio, dando uma palmadinha nas costas do alentejano – N’ouves, sê maline do diéb? O compadre só quis dar uma vaia.

_ Nã faça caso cumpadre…  – Responde o alentejano para o algarvio – O home andô toda a tarde intêra na taverna e depôs veio acompanhado.

_Todo o mundo a papiar, mas ninguém se entende!  – Interrompe, entretanto, o madeirense.

Vá larê! – grita o açoriano.

_ Mas porquê tanto alanzoar??? – pergunta o beirão – tenho a certessa de que toda a gente aqui é bom corassssão.

_Vá, deixem-se lá de bardinices e venham larpar uma pratada de alheira e grelos, que sou eu que convido – diz o transmontano.

E lá foram eles todos contentes para a casa do transmontano na abelhinha do madeirense.

Se precisares de tradução, clica aqui, por favor
Um algarvio, um alentejano, um transmontano, um beirão, um açoriano e um madeirense encontram-se ao final da tarde na estação de comboio de Chaves.
_ Boa tarde – cumprimenta o alentejano.
_ Para onde estás a olhar!? – pergunta desconfiado o açoriano.
_ Que abrutalhado me saiu você! – Responde o alentejano – Não entendi patavina.
_ Não ligue, compadre, que o moço está pior que marafado (endiabrado) – interrompe o algarvio, dando uma palmadinha nas costas do alentejano – Não ouves seu maligno do diabo? O compadre aqui só quis cumprimentar.
_ Não faça caso compadre! – Responde o alentejano para o algarvio -. O homem andou a tarde toda nos copos e agora está com a bebedeira.
_Todo o mundo fala muito, mas ninguém se entende! – Intromete-se o madeirense.
_ Vai dar uma curva! grita o açoriano.
_ Mas porquê tanto maldizer??? – pergunta o beirão – tenho a certeza de que toda a gente aqui tem um bom coração.
_ Vá, deixem-se de escaramuças e venham enfardar uma pratada de alheira e grelos, que sou eu que convido – diz o transmontano.
E foram todos contentes para a casa do transmontano no táxi do madeirense. Digam lá se a versão original não tem muito mais piada?

O que ficamos sem saber é como correu a almoçarada entre gentes tão diferentes. Isto de falar em bom português tem muito, mesmo muito que se lhe diga. Convém saber o mínimo para, mesmo sendo português, não nos perdermos em terras de Portugal. O mínimo, nestes casos, é não levar em conta que as pronúncias variam de cidade para cidade, muitas vezes, até de freguesia para freguesia. O algarvio de Portimão não é exatamente o mesmo do de Tavira. Tal como, para um habitante do Faial, nos Açores, o micaelense é chinês. E as pronúncias do Norte estão longe de serem só duas ou três.

Há centenas de sotaques que se escutam de Norte a Sul, do litoral ao interior ou do continente às ilhas. Em Setúbal, por exemplo, carrega-se no «R», em Viseu troca-se o «B» pelo «V», na Covilhã assobia-se o «S», em Lisboa acentua-se o «O» na tórada (tourada) ou no óvir (ouvir), em Beja vai-se falando no gerúndio e na Madeira há ainda um gostinho especial pelo «inho» no finalzinho das palavras.

A transmontana e o transmontano

Bragança, Mogadouro, Vila Flor ou Mirandela são alguns dos municípios da região de Trás-os-Montes.

São muito variadas as pronúncias deste país, todos eles ligados à geografia, às histórias e aos percursos desses lugares ao pé do mar, à beira do rio ou junto à fronteira, que viveram da pastorícia, da agricultura, das salinas, da cortiça, do minério ou do contrabando, com sol quente, noites geladas ou neve no pico das montanhas. Tudo isso e muito mais moldou as línguas dos portugueses.

Para que ninguém passe vergonha em terra alheia, é bom ter algumas noções básicas das pronúncias portuguesas. É bom saber, por exemplo, que, entre os transmontanos, tudo o que termina em «agem» acaba em «aije». Viagem é «viaije», garagem é «garaije» ou ladroagem é «ladroaije». Ou ter também em atenção que o «ch» vem acompanhado de um «t»: chão diz-se tchão e chouriço é «tchoiriço». Transmontano que é transmontano também troca o «Z» pelo «J» – Jejus, ajar ou juíjo – e ainda o «V» pelo «B»: botar (votar), bila (vila) ou bentania (ventania).

Nas beiras, o famoso «S» sibilado é pronunciado entre o «s» e o «ch». O mesmo «s», aliás, quando encaixado entre duas vogais, fica a meio caminho entre o «z» e o «j». O algarvio também é cheio de truques. A começar pelo «O» que se evapora no final das palavras – gato é gat, fogo é fôg e amigo é amig. Os plurais a acabar em «ães» passam todos a «ans» – cães são cans, mães são mans e os pães são pans. Os «ões», esses, transformam-se todos em «ons»: limons, patrons ou camions.

O alentejano e a alentejana

O Alentejo é a maior região de Portugal, com 58 municípios e cerca de 400 freguesias.

Passemos aos alentejanos, com bastantes afinidades com os algarvios. É o caso dos verbos no infinitivo (terminados em ir/er/ar) ou das palavras que acabam em «r» e em «l». Todos, sem exceção, são corridos com um «i» no final. A diferença é apenas um ligeiro acentuar do «e» – fazêri, mordêri ou comêri ou, então, no «o» – amôri ou calôri e ainda anzóli (anzol) ou jornali. O «ei» dá lugar ao «ê» – mantêga, lête ou quêjo – e o gerúndio, também popular entre açorianos e madeirenses, põe alentejanos e algarvios a dizer a toda a hora «tou fazendo, tou comendo, tou mangando…»

Viajemos agora para a Madeira, onde o «i» junto ao «l» se lê «lhe/lho/lhi»: quilhómetro, famílhia ou aquilho. O «u» introduz-se nas sílabas tónicas da form(ú)iga, ou do l(ú)ivro. E o «e» rouba o lugar ao «o» nas terminações das palavras (carro – carre, macaco-macaque ou Ronaldo-Ronalde).

O açoriano e a açoreana

A ilha mais populosa dos Açores é São Miguel (137 mil habitantes), a mais pequena é o Corvo com 400 habitantes.

E, assim, chegamos aos Açores, mas nem vale a pena entrar em detalhes para não dizer disparates. Só no Pico há, pelo menos, 47 pronúncias distintas, segundo os linguistas. Os continentais do Sul, ao chegarem ao arquipélago, intrometeram-se no sotaque de São Miguel. Na Terceira, São Jorge, Graciosa e Pico, a influência veio do Norte de Portugal. E o Faial tem um dedinho das gentes de Coimbra e da região Centro.

 

A minhota e o minhoto

O Minho abrange os distritos de Viana do Castelo e Braga e é uma das regiões mais chuvosas da Europa.

Cada lugar deste país tem uma maneira muito própria de falar, mas também palavras que só quem é da terra entende. Não se trata apenas de variações sobre o mesmo. Também as há, se fores ao Norte, por exemplo, não digas «falta um quarto para as duas», mas antes «duas menos um quarto», em vez de ténis, diz sapatilhas e não perguntes onde é «casa de banho», mas onde fica o «quarto de banho».

Essas são pequenas diferenças, que fazem pouca diferença para Norte e Sul, Litoral e Interior, Continente e Ilhas se conseguirem entender. O problema são as palavras que não estão no dicionário do português padrão. Sem o mínimo de preparação, ninguém adivinha que zangado é «escamado» em Marvão e «renheta» na Madeira. Que aborrecido, triste ou preocupado é «apoquentado» no Algarve, «embuziado» nos Açores ou «aporrinhado» no Alentejo.

As crianças, então, têm nomes a saltitar de lugar para lugar – «cachopos» nas Beiras, «canalha» no Norte, «buzicos» na Madeira ou «catraios» no Algarve. Da mesma maneira que um coscuvilheiro no Minho é «cabaneio» e «enrediaceiro» nos Açores, enquanto uma lanterna é «fox» no Minho e «olho-de-boi» na Madeira. E uma valente chapada é uma «lostra» no Minho, uma «relampada» na Madeira, uma «buftada» no Algarve e uma «lapada» no Porto.

O algarvio e a algarvia

O Algarve está dividido em duas zonas: o Barlavento (ocidental) e o Sotavento (Oriental).

Um tonto, um maluco ou um cabeça-no-ar é um «trapichado/trapichento» na Madeira, um «chanfrado» no Alentejo, um «bagou» nos Açores ou um «alvariade» no Algarve. E um «pangalatranas» no Minho é um pobre desajeitado, enquanto um «morcão» no Porto é pouco inteligente e um «desgroviade» anda desnorteado pelas terras do Algarve.

Mulher feia e gorda tem o nome de «matrafona» no Algarve, «fogareiro» nos Açores e «abadessa» nas Beiras (Viseu). E desmazelado é um «balhelha» em Foz Côa, um «maltrapichado» na Madeira, um (ou uma) «calhandra» em Marvão e um «mal-enjorcado» nas Beiras.

A madeirense e o madeirense

Madeira e Porto Santo são as únicas ilhas habitadas do arquipélago da Madeira.

São palavras que nunca mais acabam, mas, em casos excecionais, não é difícil decifrar. Se um eletricista açoriano pedir um «atarraxador», desconfiamos que é uma chave de fendas. Se um mecânico, também nos Açores, substituir um «limpa-pingos», percebemos o que é um para-brisas. E se um pau-de-filete se fundir numa rua, não precisamos que nos digam o que é um poste de iluminação.

Com alguma imaginação, descobrimos que um «cagatório» é uma casa de banho no Funchal, tal como «Ir e vir em seco» é muito esforço para lá e para cá sem qualquer proveito ou ainda que «fazer um recado» é um favor que se presta a alguém.

Não será também difícil adivinhar que «ventejar» no Alentejo é dar um pum ou vários puns, que uma «abuínha» é uma borboletinha e uma «abelinha» uma joaninha. Mais difícil é acertar num «lambrioso» (guloso em Trás-os-Montes), num «cagaréu» (pescador de Aveiro), num chuço (chapéu-de-chuva, no Porto), ou numa quente e reconfortante caneca de «bela-luisa», um chazinho de Lúcia-Lima para os algarvios. Há «portuguesices» em fartura que um bom português nunca irá entender.

O beirão e a beirã

Por ter sido dividida em Beira Alta, Beira Baixa e Beira Litoral, a região é referida no plural – as Beiras.

😎Por falar em «portuguesices», sabes por que gostam tanto os portugueses de diminutivos?

Fontes consultadas: Vitor Madeira | Mais Algarve | Cidade da Covilhã | Ciberdúvidas da Língua Portuguesa (1) | Ciberdúvidas da Língua Portuguesa (2) | O Falar de Marvão – Património Imaterial Raiano – Teresa Susana Bengala Simão, Universidade de Évora (2015) | Portal Alentejano | Cantinho da Madeira | Variação Sociocultural de Alguns Regionalismos Madeirenses na Comunidade de Fala do Bairro da Nazaré (São Martinho, Funchal), de Naidea Nunes, 2019 | Escola Portuguesa | Wikipédia | Diário de Trás-os-Montes |

Almada Negreiros. O homem que veio do futuro

O ano de 2020 não pode terminar sem assinalarmos por aqui o meio século que agora passa da data em que Almada Negreiros morreu. «Para quê recordar a morte do artista, se a lembrança nos deixa outra vez tristes?», é a pergunta que o Bicho que Morde faz. É bem visto, mas só em parte. Almada, essa criatura irrequieta de quase todas as artes, deixou-nos um legado tão variado, que ficará para sempre connosco. Por mais anos que passem, ele é e será o homem do futuro.

Almada Negreiros nunca andou numa escola de artes. Aprendeu tudo sozinho e quase tudo experimentou. Da pintura ao desenho, da cerâmica ao vitral, do teatro ao bailado, da novela gráfica à poesia. Deve ter tido, certamente, medo em aventurar-se por territórios desconhecidos. Ninguém é tão cheio de si ao ponto de não sentir, ao menos, uma pontinha de insegurança. Ainda assim, arriscou. Mesmo que o criticassem na praça pública, mesmo que se rissem da figura intempestiva que muitas vezes fazia ou das bojardas que lançava para agitar as águas.

Almada não era pessoa de apreciar a pasmaceira, esperando que o dia seguinte fosse igual ao anterior. Ficar pelo que já nos é familiar é sempre mais cómodo. Não há surpresas, a vida corre sem sobressaltos, mas, ao final do dia, o que é que fica para guardar? Este homem achava que todo o tempo do mundo era ainda pouco para ficar parado a fazer as mesmas coisas. Era um modernista – dizem os estudiosos das correntes artísticas – por querer romper com os velhos costumes.

Mas não era deitar abaixo só porque sim. O passado não é um bocado de papel amarrotado que se atira para o lixo. Sem a História somos náufragos à deriva no mar-alto. Mas, a tradição também não pode ser um pretexto muito conveniente para quem não quer sair do seu castelo e avançar para novos ciclos seja na arte, no pensamento, na política ou na ciência. Almada não gostava dos homens instalados nos seus poderes. Esses estão sempre bem. Nunca querem mudar e a tudo estão dispostos para que nada mude. Não é fácil tirá-los dos seus pedestais porque eles só ouvem o que querem ouvir.

No reino dos acomodados

«As pessoas que eu mais admiro são aquelas que nunca se acabam.»

Para fazer tremer o reinado dos acomodados, é preciso falar mais alto e, em casos extremos, usar o humor, o escárnio e a sátira para tirá-los do sério. Almada Negreiros fazia isso com mestria e descaramento, mas não era propriamente uma técnica desconhecida no mundo das artes. Já antes dele, no final do século 19, Eça de Queiroz – outro grande insatisfeito – usava os seus romances para ridicularizar figuras presunçosas, de mentalidades conservadoras e paradas no tempo. 

Coitado do conselheiro Acácio, do Conde de Abranhos, do Pacheco ou do Gouvarinho – personagens, muitas vezes secundárias, de colarinhos entalados no pescoço, bigodes fartos a intrometerem-se na boca, monóculo no olho ou cartolas «chiques a valer». Sofreram muito na escrita de Eça por serem lambe-botas, maçadoras, pomposas e capazes das maiores aldrabices para se aproximarem do poder. Mas, por mais que incomodassem certos leitores por se parecerem com certas figuras da vida real, não passavam de ficção.

O manifesto contra Dantas

«O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem portugueses, só vos faltam as qualidades.»

O mesmo não se poderá dizer de Júlio Dantas. Esse não era uma criação literária de Eça. Era sim médico e intelectual com obra reconhecida aqui e lá fora e com cargos públicos da maior relevância. Era de carne e osso e apanhou a maior vergonha da vida com o Manifesto Anti-Dantas – um folheto de oito páginas todo escrito em letras maiúsculas e impresso em papel baratucho. Ao ser publicado em março de 1915, explodiu como uma granada a estilhaçar o bom nome das elites portuguesas.

Almada Negreiros escreveu-o quando tinha 23 anos, usando a artilharia toda de insultos, sarcasmos e desdém contra o pobre do Dantas.

O DANTAS CHEIRA MAL DA BOCA!
O DANTAS NU É HORROROSO!
O DANTAS PESCA TANTO DE POESIA QUE ATÉ FAZ SONETOS COM LIGAS DE DUQUESAS!
O DANTAS VESTE-SE MAL!
O DANTAS USA CEROULAS DE MALHA!
O DANTAS NASCEU PARA PROVAR QUE, NEM TODOS OS QUE ESCREVEM SABEM ESCREVER!
SE O DANTAS É PORTUGUÊS EU QUERO SER ESPANHOL!
UMA GERAÇÃO COM UM DANTAS À PROA É UMA CANOA FURADA!

O manifesto de Almada não apareceu do nada. É preciso, antes mais, esclarecer que Júlio Dantas esteve entre os muitos intelectuais a despejar, nas páginas da imprensa, um chorrilho de críticas contra os escritores da revista Orpheu. Almada Negreiros, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro ou Santa-Rita Pintor eram alguns dos rapazes da nova geração artística que lançaram uma publicação trimestral de literatura, responsável pelos movimentos de vanguarda como o Futurismo, o Modernismo ou o Sensacionismo.

O primeiro número foi um êxito com destaque nas capas dos jornais, edição esgotada em poucas semanas e muito falatório nos meios artísticos. Dantas, picado por uma pontinha de inveja, atacou a ousadia dos «poetas-paranoicos». Chamou-os de loucos e avisou que mais loucos são «quem os lê, quem os discute e quem os compra».

A guerra das gerações

«Até hoje fui sempre futuro.»

A resposta do grupo Orpheu chegou na voz de Almada. O manifesto não foi um ataque apenas dirigido a Júlio Dantas, mas a toda geração de escritores, artistas, jornalistas, políticos ou atores instalados nas suas carreiras de prestígio: os «palermas de Coimbra», os «ilustríssimos» Mello Barreto, Lacerdas, Lucenas, Cunhas, Brazões, Sousa «e todos os Dantas que houver por aí!» Era uma clássica rivalidade entre duas gerações a lutar para o futuro entrar ou ficar à porta.

Dantas foi o bode expiatório. Era aquele que passou entre os pingos da chuva, saltando da Monarquia para a República, conseguindo ficar sempre muito pertinho das cúpulas partidárias. Ele foi diretor e professor do Conservatório, comissário do governo no Teatro Nacional, inspetor superior das Bibliotecas e Arquivos, deputado, dirigente partidário, ministro da Instrução Pública e dos Negócios Estrangeiros.

Um sorrisinho oportunista

A alegria é, para os vivos, a coisa mais séria da vida!

A sua reputação sofreu um abalo com o Manifesto Anti-Dantas. Dizem as más línguas que andou de livraria em livraria a comprar os exemplares disponíveis, contribuindo apenas para esgotar a primeira edição.

Esse abalo, contudo, não foi tão grande ou suficiente para afastá-lo dos círculos da elite política. Júlio Dantas foi, depois disso, comissário-geral da Exposição do Mundo Português e embaixador no Brasil, já durante o Estado Novo. Era um habilidoso, sempre de casaca, de chapéu de coco e «sorrisinho» oportunista. A figura ideal para Almada atacar este e todos os Dantas que, sem nenhum talento especial, ficam sempre a ganhar.

MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!

Almada foi um artista com um dom para muitas artes, mas também para tirar da escuridão o lado sombrio dos portugueses. É natural que muitos o detestassem. É bem provável até que, se estivesse hoje por aqui, incomodasse mais gente ainda. Mas nem era isso que ele pretendia. Lutar contra os que não avançam nem deixam avançar, essa é a missão dos homens e das mulheres que, como ele, vêm do futuro para sobressaltar os nossos dias.

Ficha biográfica
Nome completo: José Sobral de Almada Negreiros.
Nasceu em: Trindade, São Tomé e Príncipe, 7 de abril de 1893.
Morreu em: Lisboa, 15 de junho de 1970.

Espreita também a história de Querubim Lapa – um anjo a espalhar arte pelas ruas de Lisboa.

Por que são melhores as mais improváveis amizades?

Se são as melhores, está ainda por provar. Os afetos, quando genuínos, não são comparáveis a nada. Mas os cientistas dizem que temos a tendência para escolher os amigos parecidos connosco: a mesma idade, a mesma profissão, a mesma opinião e até as mesmas características genéticas. Se assim for, estaremos a perder muito por não ter alguém a mostrar-nos o mundo sob outros pontos de vista. O Bicho que Morde selecionou quatro ilustres parcerias para demonstrar como as amizades improváveis também resultam na perfeição.

 

A rainha e o filho da criada

Guilherme Stephens tinha tudo o que a corte portuguesa desprezava: além de plebeu e filho de uma criada inglesa, era protestante e, como tal, um herege aos olhos dos católicos. Para a rainha D. Maria I, no entanto, era um herói que, vindo do nada, construiu na então aldeia da Marinha Grande uma próspera fábrica de vidro. A monarca quis lá saber se a família dele era nobre ou fidalga. O importante era o seu carácter determinado. Com 15 anos e órfão de pai e mãe, veio para Lisboa, em 1746, vivendo com o tio, em abrigos para os pobres antes de se tornar num dos industriais mais ricos da Europa.

«Uma Amizade Improvável» entre D. Maria I (1734 – 1816) e Guilherme Stephens (1731 – 1803) é a história que a investigadora Jenifer Roberts conta no seu livro editado pela Presença em 2019. A rainha chegou mesmo, segundo a autora, a passar algumas noites no palacete dele, onde hoje está instalado o Museu do Vidro. A monarca viu para lá das etiquetas, tornando-se amiga de um homem que não tinha apenas um bom olho para o negócio.

Era também um patrão com um grande sentido de justiça. Criou uma escola para os operários e um posto de enfermagem onde os cuidados prestados eram gratuitos. Pagou ainda bons salários, lançou um fundo de pensões para a velhice dos seus trabalhadores e patrocinou músicos e teatro. Não é à toa que o chamem de «pai da Marinha Grande», na cidade que lhe será sempre grata.

Opostos como a noite e o dia

Os pintores Henri Matisse (1869 – 1954) e Pablo Picasso (1881 – 1973) são considerados as maiores figuras da história da arte moderna. Mas, no início, nenhum deles gostava das pinturas do outro. Eram «tão diferentes como o polo norte e sul», disse um dia Matisse para justificar a rivalidade. Com o tempo, no entanto, eles acabaram por admitir que nunca teriam chegado longe como artistas se o outro não existisse. Ao longo de mais de 50 anos, a picardia transformou-se numa estranha forma de amizade. Um apresentava a sua obra mais recente e incentivava o outro a responder com um novo trabalho.

Era como um «campeonato de boxe», explicou Matisse. Ou, então, como uma partida de xadrez em que ambos planeavam a próxima jogada em função da resposta que esperavam do rival. Foi finalmente na velhice que Picasso reconheceu: «Ninguém olhou para as pinturas de Matisse com mais atenção do que eu; e ninguém olhou para o meu com mais cuidado do que ele.» Foi a desafiarem-se mutuamente que eles abriram novos caminhos não só para o seu trabalho, mas sobretudo para as muitas gerações que se seguiram.

Ao serem distantes como a noite e o dia, o artista francês e o artista espanhol foram, afinal, duas faces da mesma moeda. Matisse sempre apreciou paisagens belas, odaliscas de formas redondas, florinhas e peixinhos vermelhos. Picasso gostava de abstrações cubistas e questionava as convenções sociais com a violência de um minotauro a destruir uma loja de porcelana.

Dois rivais na mesma trincheira

No ringue de boxe, Joe Louis (1914 – 1981) e Max Schmeling (1905 – 2005) foram mais do que dois rivais a competir pelo título mundial. Em plena Segunda Guerra Mundial, Louis era, para os Estados Unidos, o símbolo da resistência contra as tropas nazis e Schmeling o triunfo da raça ariana para Hitler. Em 1936, é o alemão a derrotar o americano com um knockout ao 12º round. A vingança do adversário chegaria dois anos mais tarde quando o vence ao fim de 124 segundos.

Um e outro, no entanto, estavam pouco interessados na rivalidade entre os dois países. Joe Louis tanto enfrentava os americanos conservadores ao defender direitos iguais para a população negra, como irritava também os alemães ao exibir com orgulho os seus vários amigos judeus. Max Schmeling, por outro lado, sempre desprezou a «pureza da raça ariana», chegando até a arriscar a vida para esconder os irmãos judeus Henri e Werner Lewin durante a perseguição de 9 de setembro de 1938, que ficou conhecida como a Noite de Cristal.

Ambos lutaram, portanto, pelos mesmos ideais. Não admira, por isso, que tenham ficado amigos logo no primeiro round. Mas foi só quando a guerra acabou que se encontraram finalmente fora do ringue. «Demos um longo abraço e continuamos amigos até hoje», contou Joe Louis na sua autobiografia, recordando a visita do seu amigo alemão aos Estados Unidos.

A tempestade e a calmaria

Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791) fervia em pouca água, maldizia os artistas da sua geração e já vivera em Paris, em Londres ou em Salzburgo. Joseph Haydn (1732 – 1809) era 24 anos mais velho do que ele, tinha raízes humildes do campo, um temperamento meigo e só muito depois dos 40 anos é que viria a ficar conhecido pelas suas obras. Não havia nada em comum entre os dois, a não ser o entusiasmo pela música. E esse foi o ponto de partida para uma longa amizade. Conheceram-se em Viena na década de 1780. Mozart era a grande sensação nessa altura e Haydn praticamente não saia da sombra se estivesse ao lado dele. Isso pouca diferença fazia para ambos, que chegaram a tocar juntos em quartetos de cordas.

Durante a vida toda deles, acompanharam sempre o trabalho um do outro. Mozart, apesar de idolatrado por multidões, achava que não passava de um aprendiz do seu amigo. Tal era a sua admiração, que lhe dedicou seis quartetos de cordas, enviando-lhe as partituras acompanhadas de uma carta, datada de 1 de setembro de 1785, em que se lê: «(…) A partir deste momento, entrego-lhe todos os direitos sobre eles. Rogo-lhe, no entanto, que seja indulgente com as faltas que me possam ter escapado e, apesar delas, que continue a sua amizade generosa para com alguém que tanto a aprecia. Enquanto isso, permaneço de todo o coração, querido amigo, seu mais sincero amigo.» Do outro lado, Haydn nunca chegou perto da fama de Mozart, mas considerava-o o maior compositor de sempre, que «nem por 100 anos a posteridade verá tal talento», escreveu ele ao pai do amigo.

Não trocava o meu amigo por nada

As amizades improváveis não são um privilégio exclusivo entre humanos. No reino animal, grandes e pequenos, fortes e frágeis, perigosos e indefesos também criam laços profundos para ultrapassar os obstáculos da Natureza. O fenómeno tem o nome de «relações simbióticas» e estas são algumas das melhores amizades selecionadas pelo Bicho Que Morde.

Um amigo é o suficiente

Tem um feitio tramado o rinoceronte, ninguém chega ao pé dele, a não ser o tchiluanda. Quando chega a hora do almoço ou do jantar, o corajoso passarinho é o único a poisar no seu dorso ou junto das orelhas para lhe catar as carraças. Os parasitas são um pitéu para a ave africana, que mantém o seu amigo saudável e livre de comichões, além de o avisar também quando há inimigos por perto.

O que Darwin não sabia…

A Trouessartia geospiza é um ácaro com um aspeto medonho que nunca sai da penugem do tentilhão. Também conhecido por chapim ou pardal de asa branca, o tentilhão serviu de referência a Charles Darwin para desenvolver a teoria da seleção natural das espécies. Por terem diversificado os tamanhos dos bicos consoante o tipo de alimento disponível, foram o melhor exemplo para o naturalista britânico demonstrar a sua capacidade de adaptação ao meio. Estudos mais recentes, no entanto, demonstraram que, sem estes ácaros a lamberem-lhes óleos velhos, fungos e bactérias das suas asas, eles não sobreviveriam.

A parceria da força e da agilidade

Hienas e lobos caçam em grupo e não gostam de misturas com outros animais. É assim desde os primórdios e em todo o lado. Menos no sul de Israel, onde os cientistas ficaram surpreendidos quando, em 2016, descobriram a estranha amizade entre estas duas espécies. Ambos ganham com esta parceira. Os lobos cinzentos são rápidos a perseguir e a derrubar as presas de grande porte. As hienas riscadas, com o seu apurado olfato, localizam a comida a muitos quilómetros de distância, sendo também mais hábeis a escavar lixo e a abrir grandes ossos. Uma vantagem que os lobos aproveitam sem fazer cerimónias.

Uma viagem em 1ª classe

O que fazem os ouriços do mar – muitos deles venenosos – em cima dos caranguejos? Pode até parecer pouco sensato da parte deles, mas estes companheiros espinhosos são os melhores trunfos para afastar os predadores. É o mesmo que ter um guarda-costas musculado, de óculos escuros e com cara de poucos amigos. E o que ganham os ouriços com o serviço prestado? Viajam longas distâncias em primeira classe e sem pagar bilhete.

Proteção e higiene em troca de refeições

Tal como o tentilhão e o rinoceronte, o búfago-de-bico-vermelho é a única ave com permissão para poisar no dorso da zebra. Mais do que permissão, são convidados de honra, pois comem as carraças e os parasitas hospedados nos casacos destes animais às riscas. Como se isso não fosse já um serviço de alta qualidade, os passarinhos, quando assustados, também sibilam de uma forma muito particular, alertando os seus amigos de que há perigo nas redondezas. As zebras sentem-se mais seguras com os seus companheiros por perto e eles, por seu turno, têm buffets de entrada livre para comer e repetir quantas vezes quiserem.

Por falar em amigos improváveis, alguma vez perguntaste por que são os livros tão bons companheiros?

Crédito das imagensFoto do caranguejo e ouriço: Sylke Rohrlach, CC BY-SA 2.0, via Wikimedia Commons |Foto da zebra e búfago-de-bico-vermelho: Derek Keats, CC BY 2.0, via Wikimedia Commons |

Pseudónimos. Elas com nomes deles

Pseudónimos são nomes que escritores, artistas ou músicos inventam para mostrar o seu trabalho. Servem para chamar a atenção do grande público ou, pelo contrário, para proteger a vida privada. No caso destas 10 mulheres que o Bicho Que Morde apresenta já seguir, evitaram que fossem atacadas na praça pública. Todas elas são escritoras do fim do século 19 ou meados do século 20. Escreveram sobre política, injustiças sociais, poemas, romances e até contos fantasmagóricos. Nada disso era bem visto nas sociedades conservadoras, que obrigavam as mulheres a cuidar da casa, dos filhos e a ficar longe dos assuntos sérios. Ainda bem que estas e muitas outras mulheres ignoram as regras e os «bons costumes». Só é pena que tivessem de esconder a identidade. Hoje, todas elas são reconhecidas como grandes nomes da literatura.


Atacando os bons costumes

Nome: Amantine Dupin
Nacimento/morte: 1804 – 1876
Pseudónimo: George Sand
País: França (Paris)

Diz-se que o escritor russo Fiódor Dostoiévski considerava George Sand um dos maiores escritores de todos os tempos. Mal sabia ele que por detrás desse nome estava outro nome, o de Amantine Dupin, a escritora que usava uma identidade masculina para escrever contos de amor, peças de teatro, textos políticos e de crítica social, atacando os costumes conservadores e as injustiças sociais. Atualmente, Amantine Dupin é considerada uma das principais autoras francesas, juntamente com outros como Voltaire ou Victor Hugo.

Sair do anonimato com George

Nome: Mary Ann Evans
Nacimento/morte (1819 – 1880)
Pseudónimo George Eliot
País: Reino Unido (Warwickshire)

Se usasse o seu verdadeiro nome, ninguém compraria um livro seu – pensou Mary Ann Evans. Daí ter escolhido George Eliot para escrever grandes obras como «Adam Bede» (1859), «O moinho à beira do rio» (1860), «Silas Marner: o tecelão de Raveloe» (1861) ou «A vida era assim em Middlemarch» (1872), considerado um dos maiores romances do século XIX. O nome masculino serviu não apenas para ganhar notoriedade, mas também para criticar os papéis tradicionais atribuídos aos homens e às mulheres, os costumes e a conduta moral da sociedade vitoriana.

Ela é medíocre, mas ele é o máximo!

Nome: Eugénie-Caroline Saffray
Nascimento/morte: 1829 – 1885
Pseudónimo: Raoul de Navery
País: França (Bretanha, Ploërmel)

Começou a escrever aos 20 anos, após ficar viúva, assinando as suas obras de prosa e poesia com o pseudónimo feminino Marie David. Os críticos literários disseram logo que tinha uma escrita medíocre e que não iria longe como escritora. Foi então que Eugénie-Caroline Saffray adotou, em 1860, o nome do avô para publicar as obras seguintes. A partir daí, os romances de Raoul de Navery foram muito elogiados pela capacidade de prender os leitores e também por serem profundamente católicos.

Primeiro Bell e só depois Brontë

Nome: irmãs Brontë – Charlotte (1816 – 1855), Emily (1818 – 1848) e Anne Brontë (1820 – 1849)
Pseudónimo: os irmãos Bell – Currer Bell (Charlotte); Ellis Bell (Emily); Acton Bell (Anne)
Pais: Inglaterra (Thorton, Bradford, West Yorkshire)

Desde crianças que as três irmãs escreviam poemas e peças de teatro. As primeiras obras publicadas, contudo, foram assinadas com nomes masculinos. Charlotte, Emily e Anne fizeram-se passar por Currer, Ellis e Acton para o seu trabalho ser valorizado. O talento foi imediatamente reconhecido e elas acabaram por revelar a verdadeira identidade. Hoje, são as romancistas mais famosas e lidas na Inglaterra.

O lado gótico de Louisa

Nome: Louisa May Alcott
Nascimento/morte: 1832 – 1888
Pseudónimo: A.M. Barnard
País: EUA (Filadélfia, Pensilvânia)

Para o grande público, Louisa May Alcott é conhecida por ser a autora do clássico juvenil «As Mulherzinhas» (1868). Mas a escritora americana tinha também um gosto especial por histórias de suspense com muito sangue, vingança e crime à mistura. Essa era a sua faceta gótica, que só deixava sair sob o pseudónimo A.M. Barnard. O nome era neutro o suficiente para preservar a sua reputação literária e não escandalizar as «boas famílias» do século 19.

Nem feminino nem masculino

Nome: Violet Paget
Nascimento/morte: 1856 – 1935
Pseudónimo: Vernon Lee
País: França (Bolonha do Mar)

Violet Paget escreveu sobre quase tudo: viagens, arte, música ou contos fantasmagóricos. Era uma mente inquieta e sabia que nunca teria hipótese no mundo literário se revelasse a sua verdadeira identidade. «O nome que escolhi contém partes dos nomes do meu pai e do meu irmão, combinadas às minhas iniciais: H.P. Vernon-Lee. Tem a vantagem de não parecer nem feminino nem masculino», escreveu ela numa carta datada de 1875.

Um nome de homem para começar

Nome: Karen Blixen
Nascimento/morte: 1885 – 1962
Pseudónimo: Isak Dinesen
País: Dinamarca (Rungstdlund)

«África Minha» (1938) foi a obra que tornou Karen Blixen internacionalmente conhecida. Foi, contudo, com o nome de Isak Dinesen que iniciou a sua carreira literária, ao publicar «Sete Contos Góticos» (1934). Não é o único pseudónimo masculino que viria a usar. Pierre Andrézel serviu para ela publicar «As vingadoras Angélicas» (1944), romance que considerou ser apenas uma brincadeira sem grandes pretensões literárias.

Uma camuflagem para afastar os intrometidos

Nome: Alice Bradley Sheldon
Nascimento/morte: 1915 – 1987
Pseudónimo: James Tiptree Jr.
País: EUA (Chicago)

Alice Sheldon já tinha uma carreira como artista gráfica, pintora e ainda crítica de arte quando decidiu usar o nome de James Tiptree para se estrear na ficção científica. Conta ela que, sendo mulher, sentia que o seu percurso profissional já era duplamente examinado. «Um nome masculino pareceu-me uma boa camuflagem», confidenciou ela numa entrevista concedida à revista Science Fiction de Asimov.

A primeira super-heroína da BD

Nome: June Tarpé Mills
Nacimento/morte: 1918 – 1988
Pseudónimo: Tarpé Mills
País: EUA (Brooklyn, Nova Iorque)

June começou a carreira como designer de moda, mas nos anos 1930 interessou-se pela BD. Nessa altura – como ainda hoje – eram os super-heróis masculinos, como Spirit, Joe Shuster ou Super-Homem que dominavam as histórias aos quadradinhos. Mas foi ela quem, usando somente os seus apelidos Tarpé Mills, criou a Miss Fury (1941), a primeira heroína da banda desenhada.

Uma mulher metida na política

Nome: Victoire Leódile Béra
Nascimento/morte: 1824 – 1900
Pseudónimo: André Léo
País:  França (Lusignan)

Victoire Béra juntou os nomes dos dois filhos gémeos para criar o pseudónimo com que assinou romances, artigos de jornais, crónicas ou ensaios políticos. Em 1867, ganhou grande notoriedade ao escrever uma série de reportagens sobre as duras condições de trabalho das classes operárias na revista «La Coopération». No ano seguinte, assume a sua verdadeira identidade para criar a Associação para o Melhoramento da Educação das Mulheres, publicando um dos primeiros textos sobre igualdade entre homens e mulheres. Esse foi, aliás, o artigo que deu origem à primeira onda feminista em França.

Se gostas de histórias de mulheres ousadas, aqui vai mais uma: Chanel. A rapariga que não gosta de andar na moda

Por que são os livros os melhores companheiros?

Toda a gente sabe que um bom companheiro é quem está presente quando é preciso. Neste aspeto, os livros ganham em todas as frentes. Na praia, no jardim, no autocarro, sentado connosco na sala de espera do dentista e até na casa de banho, não lhe faz diferença nenhuma. Não é qualquer um, evidentemente. Com tantos livros – mais até do que o pó das bibliotecas –, a maioria nem sequer é grande coisa como companhia. Mas a vantagem de eles serem muitos é que os bons são suficientes para assegurar que não vamos ficar sozinhos até sermos velhinhos, muito velhinhos.


Que os cinéfilos não levem a mal, mas os livros são muito melhores do que os filmes. Não precisamos de de imagens 3D para sentir o sol na cara, o frio nos ossos, as pulsações aceleradas ou arrepios na espinha. Nem de um ecrã para ouvir a voz do narrador ou do protagonista a tremer, a gritar, a rir, a suspirar ou a chorar. As páginas de um bom livro são capazes de provocar tudo isso e muito mais.

Com um beijo, a Manhã apaga cada estrela enquanto prossegue a caminhada em direção ao horizonte.

O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, Uma História de Amor, de Jorge Amado

Não é numa tela gigante que tudo acontece. É dentro da cabeça. Rimo-nos sozinhos, sentimos os passos no soalho, as folhas secas, a lenha a crepitar na lareira, ouvimos confidências, fechos a correr, água a pingar, janelas a abrir, vemos no escuro e no nevoeiro, salivamos com a comida, sofremos ao lado dos personagens e esquecemos que estamos na praia, na varanda, à espera do comboio ou… sentados na sanita.

No sopé da montanha, o Gigante parou. Ofegava ruidosamente. O seu amplo peito descia e subia. Estava a recuperar o fôlego.

GGG – O Grande Gigante Gentil, de Quentin Blake e Roald Dahl

Não é somente por o livro ter um tamanho maneirinho que é um bom companheiro – cabe dentro da mochila, vai bem debaixo do braço e, com jeitinho, alguns entram no bolso do traseiro das calças. Nem é só porque as histórias são viciantes, ao ponto de esquecermos tudo à volta. É também – ou é principalmente – pelas palavras que cada autor escolhe para contar uma história.

Quando uma fada boa vê uma árvore morta, com os ramos secos e sem folhas, toca-lhe com a sua varinha de condão e no mesmo instante a árvore cobre-se de folhas, de flores, de frutos e de pássaros a cantar.A Fada Oriana, de Sophia de Mello Breyner Andresen

Nos livros bons, há palavras no meio da história que se acendem como relâmpagos e iluminam frases inteiras…

Olhar pelas tirinhas do estore mal fechado e imaginar o dia de sol que anda lá por fora.

Rosa, Minha Irmã Rosa, de Alice Vieira

Os búzios têm muito bom ouvido, ouvem tudo, são os ouvidos do mar.

A Menina do Mar de Sophia de Mello Breyner Andresen

Quase me esquecia de dizer que tens de fechar os olhos. Caso contrário, não conseguirás ver nada.

Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll

Há frases e parágrafos inteiros que parecem escritos de propósito para nós.

As pessoas crescidas nunca percebem nada sozinhas e torna-se cansativo, para uma criança, estar constantemente a explicar-lhes tudo.

O Principezinho, de Antoine de Saint-Exupéry

Como entender que sob a casca grossa, sob o pelo eriçado do Gato pulsava um terno coração?

O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá

Há muita gente a colecionar frases inteiras retiradas dos livros. É um passatempo estranho porque não é possível extrair bocadinhos do livro e arrumá-los nas prateleiras como se fazem com os carrinhos, os gatinhos, os mochos ou os porquinhos em miniatura. As frases estão nas estantes, sim, mas cada qual no seu livro.

Umas sublinhadas a marcador e outras a lápis ou a caneta. Cada colecionador tem o seu próprio método e tu também terás de descobrir o que mais te convém. Quem sabe se não és dos que andam sempre com um bloco de notas atrás? Esses são, de facto, os mais organizados. Estão preparados para guardar frases e palavras a qualquer momento, podendo também a recuperá-los a qualquer momento.

Sim, porque um caçador de frases é constantemente apanhado desprevenido. Não é algo que se planeie do género: hoje vou comprar uma carteirinha de cromos para ver o que me vai sair. É perfeitamente plausível estar mergulhado na leitura, durante páginas e páginas e páginas, e, de repente, os olhos fixarem uma palavra, um diálogo, uma frase ou um parágrafo. E demoram-se por ali, sem pressa de seguir em frente.

Ou é por serem simplesmente belas:

Acredito em 6 coisas impossíveis ainda antes do pequeno-almoço.

Alice no País das Maravilhas

Ou por nos lembrarem o que é verdadeiramente essencial:

Quando olhas para o infinito, percebes que há coisas mais importantes do que aquelas que as pessoas fazem todos os dias.

Calvin e Hobbes, de Bill Watterson

 Ou por serem tão enigmáticas que precisamos de lê-las uma e duas e três e mais vezes:

Não posso voltar para o ontem porque nesse lugar eu era outra pessoa.

Alice no País das Maravilhas

Ou tão diretas que não precisamos de mais nada:

Eu ter fome! – rugiu. E sorriu, mostrando os dentes descomunais. Eram muito grandes e muito quadrados e estavam plantados na sua boca como se fossem enormes fatias de pão de forma.GGG – O Grande Gigante Gentil

Ou tristes, mas ao mesmo tempo poéticas:

A música doía-lhe no coração.

O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá

Ou cruéis e, ao mesmo tempo, muito cómicas:

A vida é cheia de surpresas, mas nunca quando precisas de uma.

O mundo não é justo, eu sei, mas porque é que ele nunca é injusto a meu favor?

Calvin e Hobbes

Ou tão absurdas que fazem sentido:

_ A que sabem as pessoas das Bermudas? – quis saber Sofia.
_ A calções – respondeu o Gigante.
_ Devia ter calculado – disse Sofia.

GGG – O Grande Gigante Gentil

Ou, então, por estranha coincidência, fazem sentido naquele específico momento:

É loucura odiar todas as rosas porque uma te espetou.

O Principezinho

Ou, muitas vezes, entram fundo e ficam a palpitar:

Na terra há tristeza dentro das coisas bonitas.

A Menina do Mar

E quantas vezes despertam o mais íntimo que há em nós.

Cada um que passa na nossa vida, passa sozinho, mas não vai só nem nos deixa sós. Leva um pouco de nós mesmos, deixa um pouco de si mesmo. Há os que levam muito, mas há os que não levam nada. Essa é a maior responsabilidade de nossa vida, e a prova de que duas almas não se encontram ao acaso.O Principezinho

As frases dos livros são achados maravilhosos a brilhar no meio, no princípio ou no fim das páginas. Mas o que brilha, na verdade, não são as palavras. É o cérebro.

«O meu cérebro quer matar-me!»

Calvin e Hobbes

Os neurocientistas dizem que a leitura ativa, principalmente, o hemisfério esquerdo do cérebro, que é o da linguagem e também o mais habilitado para analisar tudo o que vemos, lemos, ouvimos ou sentimos.

Mas há muitas outras áreas que se acendem nos dois lados do cérebro quando estamos a ler. Decodificar as letras, as palavras e as frases, transformando-as em sons e imagens, provocam verdadeiras tempestades em vastos territórios do córtex cerebral.

Os córtices occipital e temporal são instantaneamente convocados para captar e reconhecer o significado das palavras. O córtex frontal motor vai despertando à medida que formamos mentalmente os sons das palavras lidas. E tanto hipocampo como o lobo temporal medial fervilham de cada vez que a leitura reaviva as memórias que julgávamos perdidas no nosso passado.

As histórias, ou melhor, os alvoroços que elas transportam, ativam a amígdala e outras áreas emocionais do cérebro. As reflexões e os pensamentos soltos que surgem com a leitura estimulam também o córtex pré-frontal e a memória de trabalho que, no dia-a-dia, é usada para resolver problemas, planear ações futuras e tomar decisões. Está provado que o uso frequente dessa parte do cérebro desenvolve o raciocínio.

Mas a leitura vai muito além da inteligência, avisam os cientistas, recordando também a sua especial importância para desenvolver habilidades sociais que nos permitem compreender e aceitar os outros, além de reduzir o stress.

Entrar de cabeça numa aventura literária é muito mais estimulante do que um videojogo, asseguram os psicólogos. Mas é também como um jogo de faz-de-conta em que experimentamos outras vidas, exploramos outros lugares e descobrimos partes desconhecidas de nós próprios.

– Os países distantes são maravilhosos – diziam as andorinhas.

A Fada Oriana

Tudo aquilo que dizemos dos nossos melhores companheiros, podemos também dizer dos nossos livros:

Eu não preciso de ti. Tu não precisas de mim. Mas, se tu me cativares, e se eu te cativar, ambos precisaremos um do outro.

O Principezinho

Nada como tornar o dia das pessoas surreal.

Calvin e Hobbes

Assim que te vi, soube que as melhores aventuras estavam por vir.

Winnie The Pooh, de Alan Alexander Milne

Textos sobre bons livros é que não faltam por aqui. Algum destes te escapou? 

O Principezinho. A história por detrás do clássico.

A boneca perdida de Kafka.

Bill Watterson. Três quadrados fora da caixa.

Os Cinco. A Aventura continua!

[Há mais… mas não vale a pena fanfarronar…] 😜

Mbube! Mbube! As brincadeiras das crianças em Africa

Pedrinhas, latas velhas, galhos ou trapos bastam para as brincadeiras das crianças em África provocarem gargalhadas e muita adrenalina. Com uma mão cheia de quase nada, elas inventaram jogos que são um puro divertimento, mas não só. Se quiseres também entrar nesta festa, prepara-te: são precisos reflexos rápidos, espírito de equipa, alguma resistência física e, claro, sair de casa para brincar ao ar livre. O Bicho Que Morde selecionou uma dúzia de sugestões para passares uma tarde inesquecível na praia, num piquenique, num aniversário e até no recreio da escola.



O mocho

País Moçambique
Jogadores Vários (quatro no mínimo).
Material Nenhum.

Boa parte das brincadeiras das crianças em África acontecem ao final da tarde, quando o calor abranda e é possível pôr o pé na rua. É o caso do mocho, jogado depois do sol posto. O mocho, neste caso, é uma criança, que, aproveitando a escuridão da noite, procura um lugar para se esconder. Os adversários, ao final de uns minutos, saem à procura dele. O primeiro a descobrir o seu paradeiro guarda para si o segredo e junta-se ao mocho. Os dois ficam quietos e caladinhos enquanto os restantes continuam a busca. Uma a uma, as crianças vão-se reunindo até, no final, ficarem todas juntas.

Mbube (leão)

País Gana
Jogadores Dois a jogar e vários a dar assistência.
Material Faixa de tecido.

Duas crianças têm os olhos tapados e estão dentro de uma área delimitada. Uma é o leão, outra é a presa e ambas têm de se mover devagar. Quando o leão estiver perto da presa, as outras crianças devem dizer bem alto: «Mbube! Mbube!». Mas, se ele estiver longe, os espetadores dizem baixinho: «Mbube! Mbube!». O volume do coro das crianças, subindo e descendo, vai guiando a caçada do leão, mas também a fuga da presa.

Jibóia

País Gana
Jogadores Um contra vários.
Material Galho de árvore para desenhar no chão.

Desenhar com uma vara um quadrado no chão ou na areia. Um jogador fica dentro desse quadrado, enquanto os outros andam à sua volta, sem nunca pisar as arestas. A criança dentro do quadrado tenta tocar nos adversários. Quem for tocado salta para dentro e ajuda a capturar os outros. O vencedor é o último a ser apanhado pelas jibóias.

Terra – Mar

País Moçambique
jogadores Um jogador dá instruções a vários.
Materiais Vara para desenhar na terra ou areia.

Riscar na terra ou na areia uma longa reta, em que de um lado fica a terra e do outro o mar. No início, todas as crianças ficam do lado da terra. Ao ouvirem uma delas gritar: «mar», saltam para o outro lado. E quando ouvirem «terra», fazem o mesmo para o lado oposto. O jogador que dá as instruções irá continuar a gritar terra ou mar, sem qualquer obrigação de alternar as hipóteses. Quem saltar para o lado errado ou tiver aquele impulso de saltar quando não é suposto, será eliminado. Ganha o último a permanecer no jogo.
Há uma versão muito parecida deste jogo. Chama-se Neéz deguíaan e é originária de Marrocos. A diferença é que, em vez de traço a dividir a terra do mar, é um quadrado ou um círculo para cada criança, que tem de saltar para dentro ou para fora consoante as indicações do jogador líder.

Ftifti

País Eritreia
Joadores Vários
Material Uma canção infantil conhecida de todos.

Escolher uma canção alegre e conhecida de todos os jogadores. Todos formam um círculo e cantam, repetindo uma série de quatro gestos:
1 – Dar um salto.
2 – Agachar e tocar no chão com as duas mãos ao lado dos pés.
3 – Saltar e levantar os braços para cima.
Quem perder o ritmo por cansaço ou confusão, deixa a roda, continuando do lado de fora a cantar e a bater as palmas. Ganha o último a permanecer no jogo.

Doszail

País  Zimbabwe
Jogadores Um líder e vários jogadores.
Material Uma canção alegre e cheia de ritmo tocada na rádio ou no computador.

As crianças saltam ao pé-coxinho e batem palmas ao ritmo da música. Ao sinal do líder (pode ser, por exemplo, gritar: «agora»), os jogadores têm de ir ter com um outro jogador e bater cinco vezes nas palmas das mãos dele, retomando a dança logo a seguir. Quem colocar o outro pé no chão é eliminado. Ganha quem ficar mais tempo a dançar com um só pé.

Hámsa ibúhesh

País Marrocos
Jogadores Dois no mínimo.
Material Pedrinhas ou berlindes.

Cavam-se cinco buracos no chão ou na areia, a um palmo de distância um do outro. Cada jogador coloca-se a três passos de distância dos buracos e lança cinco pedrinhas ou berlindes para dentro dos buracos. Ganha quem conseguir preencher o maior número de buracos. Mais de uma pedra no mesmo buraco não oferece qualquer vantagem.

Meu querido bebé

País Nigéria
Jogadores Um contra vários.
Material Vara

As crianças escolhem um jogador que tem de se afastar do grupo. Na sua ausência, as crianças elegem outro jogador, o bebé, que terá de se deitar no chão para lhe desenharem o contorno do corpo. Terminada a tarefa, ele junta-se aos restantes colegas. É nesse momento que o primeiro jogador regressa. A sua missão é descobrir a quem pertence o contorno desenhado na areia. Se acertar, continua para uma nova ronda. Caso, contrário, é eleito um para o seu lugar.

Banyoka (cobra)

Países Zâmbia e Zaire
Jogadores Vários para formar duas ou três equipas.
Material Nenhum

Primeiro, é preciso definir uma linha de partida e outra de chegada. As crianças são divididas em duas equipas. Os jogadores devem ficar uns atrás dos outros, em fila indiana e sentados no chão. As pernas devem estar afastadas e os braços colocados ao redor da cintura ou, então, sobre o ombro da criança que está na sua frente. Após as duas equipas estarem prontas, inicia-se a corrida. Cada grupo deve mover-se como uma cobra. Ou seja, não podem levantar o rabo do chão, nem se soltarem uns dos outros. Vence quem, naturalmente, cortar a meta primeiro sem fazer batota.

Agarra a cauda

País Nigéria
Jogadores Vários para formar duas equipas.
Materiais Um lenço ou um bocado de tecido.

Este jogo precisa de duas equipas. Em cada uma delas, as crianças devem estar em fila indiana e a segurar os ombros do colega que está à sua frente. O último jogador enfia um lenço no bolso de trás, imitando a cauda de um animal. O primeiro jogador será a cabeça do bicho e vai tentar conduzir a sua equipa até à cauda da equipa adversária para arrancar o lenço do bolso.

Tenglach

País Argélia
Jogadores dois contra vários adversários.
Material vara para desenhar no chão ou na areia.

Desenhar no chão ou na areia um círculo largo, com cerca de sete passos de diâmetro. Duas crianças ficam dentro do círculo. Uma está sentada no meio e a outra está de pé a fazer de guardiã. As outras crianças espalham-se à volta, tentando tocar no ombro da criança que está sentada. Quem for tocado pelo guardião ou guardiã, sai do jogo, mas quem conseguir tocar na criança sem ser intercetado, ocupa o seu lugar no próximo jogo. A criança que estava sentada passa a ser a guardiã.

Matambula

País Angola
Jogadores três ou quatro contra vários.
Materiais tampas de panela e bolas de meias.

As crianças formam um círculo e três ou quatro jogadores e vão para o meio da roda, ficando de costas uns para outros. Cada um tem uma tampa de panela que usará como escudo. As crianças do círculo lançam bolas de meias, tentando acertar num dos adversários, que se defendem com as tampas. Quem for atingido sai do meio da roda. O jogador que ficar por último no meio do círculo é o vencedor.

Litoti

País Moçambique (cidades de Maputo e Niassa).
Jogadores Várias para formar duas equipas.
Material: latas velhas e bolas.

Este jogo terá duas equipas rivais num campo dividido em duas partes. Numa das partes, a equipa de construtores empilha o máximo de latas que conseguir. Na outra metade do campo, a equipa dos destruidores tenta derrubar as torres de latas, atirando bolas. Os destruidores poderão também tentar acertar nos jogadores, forçando-os assim a abandonar o jogo. No final de cada partida, as equipas trocam de papéis.

Kudoda


País Zimbábue
Jogadores Vários
Material Pedrinhas ou berlindes

Os jogadores sentam-se no chão, formando um círculo. No centro está desenhado outro círculo mais pequeno, onde estão 20 pedrinhas ou berlindes. Cada criança tem uma pedrinha ou berlinde na mão, que lança à vez em direção ao círculo mais pequeno. Os berlindes ou pedrinhas que saírem desse círculo são recolhidos pelo jogador, que dá a vez ao próximo. Ganha quem, no final, conseguir colecionar mais berlindes ou pedrinhas.

L’abe igi orombo – Música de roda

País Nigéria
Língua Yoruba
Equipas Duas

L’abe igi orombo (Debaixo da árvore da laranja) é a canção que é preciso aprender para cantar a duas vozes. As crianças são divididas em dois grupos iguais. O primeiro grupo começa a canção e, quando chegar ao fim da primeira estrofe, o segundo grupo começa também a cantar. A equipa 1 – aquela que começou primeiro – deve repetir o refrão («Orombo, orombo») duas vezes para, deste modo, terminar a canção juntamente com a equipa 2.

Letra de “L’abe igi orombo”.

L’abe igi orombo
N’ibe l’agbe nsere wa
Inu wa dun, ara wa ya
L’abe igi orombo
Orombo, orombo
Orombo, orombo

A melodia e a letra

Tradução
Debaixo da árvore da laranja
Jogamos sempre os nossos jogos
Estamos felizes, estamos entusiasmados
Debaixo da árvore da laranja
Laranja, laranja
Laranja, laranja.

Descobre também aqui as invenções que, a partir do nada, levaram luz, água limpa ou abrigo aos lugares mais pobres do planeta.



Fonte consultada: Brincadeiras africanas para a educação cultural, Débora Alfaia da Cunha (2016).