As mulheres também fizeram os Descobrimentos

Os Descobrimentos não foram proeza unicamente de homens. Muitas mulheres disfarçaram-se de marinheiros e realizaram a travessia para o Oriente. Algumas foram apanhadas e castigadas, outras combateram nas frentes de batalha e outras ainda tiveram um papel determinante no povoamento dos territórios descobertos. A História não as incluiu nesta epopeia. Nunca saberemos, por isso, quantas e quem foram. Fica aqui o relato de cinco delas por todas as que caíram no esquecimento.

A Amazona de Mazagão

Nascimento 5 de janeiro de 1572, Aveiro
Morte 1641 ou 1642
Títulos / alcunhas Terror dos Mouros; a Cavaleira Portuguesa; Amazona de Mazagão

Nascida numa família de pescadores pobres, fora das muralhas da vila de Aveiro, Antónia Rodrigues teria 9 anos quando a mãe a entregou ao cuidado da irmã, Inácia, casada com um carpinteiro a viver em Lisboa. Foram tempos difíceis com o casal a tentar domesticar o seu feitio insubmisso. Aos 15 anos, ela disse basta, decidiu fugir para o mais longe que os Descobrimentos a conseguissem levar. Com o dinheiro de biscates, comprou roupas velhas de marujo, cortou as tranças, engrossou a voz e apresentou-se como António Rodrigues ao mestre de uma caravela carregada de trigo e prestes a partir para Mazagão, em Marrocos.

E assim embarcou Antónia… perdão, António. Viajou no meio de homens e rapazes, mas ninguém desconfiou que não era um deles. Dormia de ceroulas e camisa, fingia que se barbeava todas as manhãs, esfregava o convés, içava as velas e trepava os mastros com agilidade pouco comum entre raparigas. A vida de marinheira parecia talhada para Antónia, mas duraria pouco.

Ao chegarem a Setúbal, ela viu, na calada da noite, o mestre e a tripulação a desviarem parte do cereal em botes. Denunciou-os às autoridades. Temendo represálias dos navegadores apanhados em flagrante, o governador da praça-forte achou mais seguro enviá-la como soldado para Mazagão. Ali Antónia alistou-se na Infantaria, aprendendo o manejo de armas e táticas militares. Teria 16 anos quando descobriu e neutralizou um ataque-surpresa dos mouros, operação que lhe valeu a passagem para a Cavalaria.

Todos passaram a reconhecê-la como Rodrigues, o destemido cavaleiro. A reputação abriu-lhe as portas dos salões de festas, impecavelmente trajado e com donzelas a fazerem-lhe a corte. A todas António… ou melhor, Antónia foi evitando como podia, até Beatriz de Meneses cair doente de amores por não ser correspondida. O pai, Diogo de Mendonça, figura importante em Mazagão, não aguentando a tristeza da filha, pediu ao capitão-mor que forçasse o casamento. Antónia não teve remédio senão revelar a identidade.

Não houve castigo, felizmente. Muito pelo contrário. A «Cavaleira Portuguesa» tornou-se numa enorme sensação em Mazagão, acabando mais tarde por casar com um oficial da Cavalaria e mudar-se para Lisboa. Na bagagem levou uma «certidão de serviços feitos pelas armas», assinada pelo governador.

As guardiãs das muralhas de Diu

Nascimento datas desconhecidas
Morte datas desconhecidas
Títulos / alcunhas as defensoras de Diu

Corria o ano de 1538, quando, a 4 de setembro, Hadim Solimão Paxá, governador do Egito Otomano, enviou a maior ofensiva jamais vista no Oceano Índico contra as forças portuguesas – 22 navios, 130 canhões e dezenas de milhares de soldados prontos para bombardear a fortificação de Diu. Do lado de dentro da fortaleza, o capitão António da Silveira contava apenas com 600 homens. Pouco mais poderia fazer do que trancar os acessos da cidade e espalhar os seus cavaleiros pelos pontos estratégicos da muralha.

As mulheres, essas, deveriam seguir com urgência para Goa, evitando-se que fossem levadas para os haréns de sultões. Sobretudo a mulher do capitão, linda e jovem, nunca escaparia à cobiça dos turcos. «Isso é que não!» – avisou Isabel da Veiga. Nunca o deixaria. Faria o que fosse preciso, trataria dos feridos, alimentaria o ânimo e o estômago dos soldados e morreria ao lado dele, pois não saberia viver sem ele. Bateu o pé até o capitão ceder.

Começa a batalha. Os canhões dos inimigos abrem crateras na muralha, obrigando os homens a deixar os postos para tapar as brechas. Isabel viu ali a oportunidade de participar na batalha. Chamou a amiga Ana Fernandes e juntas trataram de ajudar os soldados nessa tarefa. Logo vieram outras tantas, que, sob a orientação das duas, carregaram pedras, madeiras e cascalho, tapando os buracos assim que eles se abriam. Ana Fernandes, como mulher do cirurgião Fernão Lourenço, usou ainda os seus conhecimentos para montar uma enfermaria na sua própria casa. Aplicou unguentos, bálsamos e ligaduras aos feridos, enquanto as ajudantes batiam claras de ovos para suturar as feridas.

Em pouco tempo, as mulheres tornar-se-iam em soldados valiosos na proteção das muralhas, figurando numa das batalhas mais lendárias dos Descobrimentos. Algumas chegaram a vestir as armaduras dos maridos para combater o inimigo. Eles e elas resistiram dia após dia, noite após noite, até chegarem, por fim, os reforços do vice-rei da Índia com toda a frota disponível para acudir aos cercados de Diu. Solimão, sabendo da má notícia, ordenou a retirada dos homens, que fugiram pelo mar Vermelho. Diu estava salva e a fortaleza reconstruída ao fim de três meses.

A Grande Dama de Flandres

Nascimento 21 de fevereiro de 1397, em Évora
Morte 17 dezembro de 1471
Título / alcunha duquesa de Borgonha; Grande Dama

A princesa Isabel não nasceu para se destacar numa família de ilustres homens dos Descobrimentos. Começando, desde logo, pelo irmão Infante D. Henrique, internacionalmente conhecido como «O Navegador». E continuando depois pelos restantes irmãos – D. Pedro, duque de Coimbra e regente de Portugal, e D. Duarte, que reinou a partir de 1433. Ou o pai, D. João I de Portugal, o famoso mestre de Avis.

Cercada de grandes vultos, restava-lhe passar os dias no Palácio de Sintra entre bordados, tapeçarias e romances de cavalaria que gostava de traduzir do francês ou do alemão. Enquanto isso, o irmão mais velho andava pela costa ocidental de África a colonizar os arquipélagos do Atlântico. O mais novo, esse, tratou de lhe arranjar um bom partido – Filipe «O Bom», duque de Borgonha e ainda conde de Flandres.

Antes de se atirar às cegas, Filipe certificou-se de que não lhe estariam a impingir uma feiosa ou desengraçada. Só depois de receber excelentes referências e um fiel retrato pintado pelo artista Van Eyck, enviou uma grande embaixada para pedir finalmente a mão da infanta.

Uma nova vida começaria para Isabel. Por ser tão culta e desembaraçada, passou a participar em diversos encontros diplomáticos com e sem o marido, acabando por ficar conhecida como a «Grande Dama». Assim que ela soube que o povoamento dos Açores estava a decorrer, iniciou negociações com os irmãos para que aceitassem colonos da Flandres.

_ E porque não? – responderam eles, já a pensar que o processo seria muito mais célere com a irmã a liderar as operações. Isabel tratou de reunir os melhores candidatos que, a partir de 1449, chegaram ao arquipélago para recomeçar a vida nas ilhas então desertas. Essa foi a razão pela qual tantos flamengos se instalaram nos Açores, deixando uma descendência numerosa que ainda hoje se mantém, principalmente no Faial, Pico, Flores e São Jorge.

Os vestígios estão por todo o lado, nos moinhos, nos modelos agrícolas, na freguesia Flamengos, do concelho da Horta (Faial), fundada pelo capitão Van Huertere, ou nos apelidos traduzidos de nomes flamengos como os Silveiras, os Dutra (aportuguesamento de Huertere), os Goulart, os Brum ou os Bulcão.

A Governadora do Atlântico

Nascimento 1429 (?)
Morte 1506 (?)
Títulos duquesa de Viseu e de Beja

Se a História dos Descobrimentos fosse escrita por homens e mulheres, o ano de 1470 seria um marco em todos os manuais. A data assinala o momento em que Beatriz, viúva de D. Fernando, assume, em nome dos dois filhos, os destinos dos arquipélagos da Madeira, dos Açores e de Cabo Verde. É a primeira vez que um território ultramarino está sob a administração de uma mulher. O acontecimento por si só bastaria, mas não será apenas por isso que merece ser lembrado.

Nos 13 anos em que governou os senhorios do Atlântico, Dona Beatriz, duquesa de Viseu e de Beja, seria hoje uma ministra das finanças. Foi ela a acelerar o povoamento das ilhas cabo-verdianas, transformar os processos administrativos, reformar os modelos fiscais ou introduzir nos arquipélagos novas culturas nas rotas comerciais. Não é excitante, há que reconhecer, mas os Descobrimentos não são feitos unicamente de conquistas e travessias marítimas. Alguém terá sempre de ficar em terra, ocupando-se das tarefas maçadoras e formais. D. Beatriz, felizmente, nasceu para lidar com burocracias, contas e papeladas. Foi expedita a arrecadar e a gerir rendas, cobrar impostos, definir prazos de arroteamentos de terras, distribuir privilégios aos produtores agrícolas ou decidir quais as culturas a praticar em cada ilha ou arquipélago.

Chegou até a inventar, na Madeira, um sistema de cobrança muito útil para os dias que correm – a devolução do IRS. Não com esse nome, evidentemente, mas a lógica anda lá perto. A fim de combater a fuga aos impostos, a governadora taxava todas as canas-de-açúcar, fossem ou não destinadas a plantio. Só com a matéria-prima pronta a comercializar é que os produtores poderiam reclamar o retorno do valor das taxas cobradas aos lotes não destinados à venda.

Nos Açores, com o povoamento ainda no início, Beatriz preocupou-se primeiro em trazer habitantes para as ilhas. Criou capitanias, algo aparentado com as câmaras municipais, tratando também de fazer algumas reformas administrativas. Só depois é que se virou para a exportação de trigo, transformando a Terceira num ponto estratégico comercial e a vila de Angra num centro urbano ao nível de qualquer outra cidade metropolitana.

Em Cabo Verde, é o algodão que, sob orientação da governadora, se torna a principal produção a entrar nas trocas comerciais feitas nos rios da Guiné. A Ilha de Santiago sai-se muito bem neste domínio, mas é a Ilha do Fogo que mais se desenvolve à custa da produção algodoeira em grande escala.

Antes de partires, aceita este convite para conhecer outras mulheres rebeldes: Pseudónimos. Elas com nomes deles.

Quiz. Dez perguntas para celebrar Bordalo

Bordalo Pinheiro

Rafael Bordalo Pinheiro morreu há 116 anos, no dia 23 de janeiro, mas continuamos ainda hoje a rir das piadas dele. Está visto que não morreu nem nunca morrerá. Já se escreveram muitos livros, estudos e ensaios sobre o caricaturista, o ilustrador, o ceramista, o decorador, o jornalista, o professor, o fundador da BD e tantas outras facetas do artista. Fiquem, por isso, só com este jogo para celebrar a vida e a obra do homem que riu de tudo e de todos.

Percorre o questionário de 1 a 10 e descobre alguns dos factos mais importantes da vida de Rafael Bordalo Pinheiro.

Zé Povinho

1 – O que levou Zé Povinho a fazer o manguito?

a) – A lealdade ao rei e a obediência ao governo

b) – Os impostos, a corrupção e a exploração dos pobres.

c) – Vender fiado.

A resposta certa é…

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b) – Para justificar um gesto tão malcriado, recuemos até 12 de junho de 1875. Bordalo Pinheiro apresenta o Zé Povinho no jornal «A Lanterna Mágica» a dar três tostões ao Santo António. Parece um peditório inocente, mas, atrás da máscara de santidade, esconde-se o rosto do chefe do governo, Fontes Pereira de Melo, com o rei D. Luís I ao colo. Zé coça a cabeça desconfiado, mas não lhe resta alternativa perante o chicote do comandante da guarda municipal e a cara de poucos amigos de Serpa Pimentel, o ministro da Fazenda. Nasceu assim a personagem satírica mais popular do imaginário português. Mas só ganharia fama no último quartel do século 19 quando vira figura de loiça a fazer o manguito contra os impostos ou os políticos corruptos. Logo a seguir, entra nas tabernas para fazer o mesmo manguito, mas dirigido a quem pergunta: «Vende fiado?».

Gatos de Bordalo

2 – Qual o animal preferido de Bordalo?

a) – Rãs

b) – Gatos

c) – Andorinhas

A resposta certa é …

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c) – Que nos perdoem as andorinhas, os caracóis, os gafanhotos, as abelhas, as rãs ou os sardões, mas entre a grande bicharada que povoa a arte de Bordalo, os gatos são a sua grande paixão. Talvez por serem meiguinhos, mas também indomáveis e provocadores. Foram reproduzidos nas peças de cerâmica em modelos pequenos ou gigantes, como é o caso do Gato Assanhado, saído dos fornos da fábrica pela primeira vez em 1898. O Gato Pires e a Gata Pili, além de grandes companheiros do artista, são os sortudos também representados em muitos dos seus desenhos.

A Política é a Grande Porca

3 – Qual o animal escolhido por Bordalo para personificar a política?

a) – Cão

b) – Galinha

c)– Porca

A resposta correta é…

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c) – A Grande Porca tem a sua espetacular aparição n’ «A Paródia», o último jornal que Bordalo Pinheiro fundou, em 1900, com o filho Manuel Gustavo. A sua função era representar a baixa política, aparecendo quase sempre a amamentar os filhotes, cada um identificado com as siglas dos partidos. «A Política: a Grande Porca» é a primeira de uma série de animais que Bordalo desenhou para ilustrar os vícios da política. Entre os mais conhecidos, destacam-se o Grande Cão, esfaimado, de nome «Deficit» para representar as Finanças; a Galinha Choca (Economia), o Grande Papagaio (a lábia dos políticos); o Grande Burro (instrução pública) ou o Grande Caranguejo (progresso nacional).

4 – Qual o curso que Bordalo Pinheiro frequentou?

a) – Teatro

b) – Belas Artes

c) – Letras

A resposta certa é…

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Todos, mas não acabou nenhum. Bordalo andou na Escola de Arte Dramática, chegando a subir ao palco do Teatro Garrett, em Lisboa. Inscreveu-se também no Curso Superior de Letras e frequentou ainda a Academia das Belas-Artes. Mas não concluiu nem um dos cursos. O pai, preocupado com o futuro do filho, arranjou-lhe em 1863 um emprego na Câmara dos Pares, mas ele também não ficaria ali muito tempo. A passagem pelo parlamento da Corte, no entanto, será fundamental para se dar conta das intrigas políticas que irão libertar a sua veia humorística e inspirar muito do seu trabalho. Em 1869, publica as primeiras caricaturas no jornal «A Revolução de Setembro». Um ano depois, lança o primeiro álbum «O Calcanhar de Achilles», tornando-se a partir daí bastante reconhecido com encomendas, distinções e prémios internacionais.

Sátira Política Bordalo Pinheiro

5 – Quem era a principal vítima da sátira de Bordalo?

a) A Igreja

b) Os políticos

c) A Monarquia

d) a República

A resposta certa é…

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Todas, menos a d). Bordalo Pinheiro atirava-se contra ministros, bispos e até o rei D. Carlos. Ninguém escapou às suas sátiras, inclusive ele próprio, muitas vezes retratado com humor e alguma malícia. A crítica política e social valeu-lhe muitos dissabores. No Brasil, onde esteve durante três anos, sofreu dois atentados e um assalto na redação do jornal «O Besouro». Ao regressar a Lisboa, criou o semanário «António Maria», continuando a satirizar figuras da política ou da Igreja e enfrentando, por isso, vários processos na Justiça. Obrigado a encerrar também este jornal, fundou com o filho Manuel Gustavo o «Pontos nos ii», em 1885, tendo de o encerrar seis anos mais tarde, na sequência de mais uma censura. Logo de seguida retoma a publicação de «António Maria», mantendo a sátira política, que, como republicano convicto que era, se dirigia sobretudo à monarquia constitucional.

6 – Por que sai Bordalo de Lisboa e vai para as Caldas da Rainha?

a) Porque quer curar uma bronquite nas termas.

b) Porque não quer aturar mais a inveja dos colegas.

c) Porque já não suporta Lisboa.

A resposta certa é…

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a) e b) – Bordalo Pinheiro deixa o frenético Chiado e muda-se para as Caldas da Rainha com o intuito de aproveitar as termas e curar uma bronquite. A desilusão com os meandros da política e com a falta de solidariedade dos colegas jornalistas, no entanto, é o grande motivo para se afastar da capital. «Eu não pertenço ao ajuntamento dos jornalistas por isso que estou sozinho e não há ajuntamentos de uma só pessoa.» Com a ajuda do irmão, funda em 1883 a Fábrica de Faiança das Caldas da Rainha e passa a viver num chalé rodeado de plátanos e ulmeiros. A natureza invade o seu quotidiano, entrando também na sua cerâmica colorida e cheia de tomates, abóboras, couves, lagartos, nabos, andorinhas, galos, rãs ou peixes.

7 – Qual a peça de Bordalo retirada de circulação?

a) Escarrador John Bull

b) Zé Povinho

c) Perfumador Árabe

A resposta certa é…

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a) – O escarrador John Bull foi retirado do mercado por intimação do governo britânico. A peça, que teve aliás a primeira versão em penico, representa a figura do reino da Grã-Bretanha e foi usada por Rafael Bordalo Pinheiro para criticar a cedência da realeza portuguesa ao Ultimato dos ingleses. A 11 de janeiro de 1890, o governo britânico exigiu a Portugal a retirada das tropas nos territórios que iam de Moçambique a Angola, incluídos no Mapa cor-de-rosa. A coroa portuguesa fez-lhes a vontade, provocando um coro de críticas dos republicanos. O episódio, visto como uma humilhação nacional, também está na origem do verso «contra os bretões, marchar, marchar!», incluído no hino «A Portuguesa» de Henrique Lopes e Alfredo Keil.

8 – Qual destas frases foi escrita ou dita por Rafael Bordalo Pinheiro?

a) «Pedimos aos acontecimentos a fineza de nos fazerem cócegas, ao menos uma vez por mês.»

b) «Fui gato noutra encarnação».

c) «Quem tiver olhos, que veja; quem não quiser ver, que durma.»

A resposta certa é…

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Todas. A primeira citação surgiu n’ «A Paródia», o último jornal fundado por Bordalo Pinheiro. A segunda frase surge numa história aos quadradinhos da publicação «António Maria». Por fim, a frase da alínea c) é retirada da publicação «O Binóculo» – semanário de caricaturas de figuras do teatro, das artes e da literatura.

9 – Qual é a única peça que Bordalo não conseguiu vender?

a) Jarra Beethoven

b) Travessa Bacalhau

c) Terrina Cabeça de Porco

A resposta certa é…

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a) – Com 2,30 metros de altura, a Jarra Beethoven foi – contra todas as expetativas – modelada, esculpida e cozida como uma peça inteira. Quem encomendou a obra foi o político republicano José Relvas para a Casa dos Patudos, em Alpiarça. Perante a dimensão descomunal da jarra, vê-se obrigado a recusá-la. Sem nenhum comprador em Portugal, Bordalo levou-a para o Brasil, em 1899, mas também não teve sorte. Decidiu, por fim, sorteá-la numa tômbola gigante com mais de mil rifas, mas o bilhete vencedor não saiu a ninguém. É então que oferece a Jarra Beethoven ao presidente brasileiro, Campos Sales. A peça encontra-se atualmente exposta no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.

10 – De que morreu Bordalo Pinheiro?

a) Lesão no coração.

Na madrugada de 23 de janeiro de 1905, Bordalo Pinheiro morria vítima de uma «forte lesão no coração», segundo relatou a imprensa da época. Tinha apenas 58 anos, mas deixou um legado inesgotável. A fábrica das caldas garante que, nos seus arquivos, há ainda centenas de desenhos dele suficientes para lançar novos produtos por mais de 100 anos. A obra de Bordalo já atravessou os cinco continentes, não só em exposições internacionais como nas malas dos turistas e emigrantes que espalham por todo o mundo a sua arte. Querubim Lapa e Paula Rego são outros grandes nomes da arte portuguesa inspirados pelo génio de Bordalo Pinheiro, que continua a influenciar também a nova geração de artistas como Catarina Pestana, Fernando Brízio ou Elsa Ribeiro.

Mais uma sugestão de leitura para quem gosta de heróis provocadores: Almada Negreiros. O homem que veio do futuro.

Quanto barulho há no silêncio?

Rapaz contempla à janela

No mais profundo sossego, repousam os pequenos barulhos. Só estão adormecidos por não lhes prestamos a devida atenção. Aproveitem o confinamento forçado e desliguem o telemóvel, a televisão, a música e a internet. Deixem-se guiar pelo mistério e descubram a grande orquestra dos sons que habita o silêncio.

Quando foi a última vez que, entre o bulício da cidade, escutaste o piar de um pardalito? Ou o resmalhar nas folhas das árvores? Até mesmo as solas dos teus sapatos a pisarem a gravilha? Não julgues que é por seres distraída ou distraído que não te lembras. Os barulhos pequeninos não foram feitos para viver com os grandes. As persianas a abrirem-se pela manhã, a tampinha a saltar do pacote do leite, a escova a deslizar no cabelo, os cereais a caírem na tijela ou a vassoura a limpar o tapete, tudo isso são sons, embora constantes, que habitam um mundo à parte – o do silêncio.

O silêncio, ao contrário do que se diz por aí, não é ausência total de barulho. Isso não existe nem sequer para quem nasceu surdo. Quando tudo à volta se cala, sobra sempre um leve zunido acolchoado no ouvido. Dizem os cientistas que, quando privado de estímulos auditivos, o cérebro cria os seus próprios sons para preencher o vazio. O zum-zum, para quem é surdo, é mais forte ainda, mas como também é permanente, eles habituaram-se a conviver com este ruído.

O show dos barulhinhos

Chuva à janela

A noite é o momento em que os barulhinhos perdem a vergonha e se mostram na escuridão.

É mais ou menos isso que acontece com os pequenos ruídos que nos rodeiam. Penetraram no nosso quotidiano e deixámos de os ouvir. Pior ainda, permitimos que os barulhos mais fortes devorassem qualquer hipótese de os mais fracos sobressaírem. Mas não pensem que os barulhinhos se deixam derrotar. Sempre que estiveres disposto ou disposta a ouvi-los, eles dão o seu show e a qualquer hora do dia.

Procura o silêncio e presta atenção.

Com um galho de madeira, poderás ouvir o som apressado das grades a correrem a cerca da tua escola. Nos dias enublados, a chuva a bater no vidro e o vento a infiltrar-se nas frechas das janelas. Se olhares para cima, é provável que oiças um avião a sobrevoar o céu. E, para quem vive perto de uma estação, há sempre um comboio que se faz anunciar. No outono então, não há barulho que se compare ao crepitar das folhas secas caídas no chão.

Não faltam por aí barulhinhos para descobrir onde quer que se esteja. Mas, o grande o espetáculo, esse, acontece quando toda a gente desliga o televisor, guarda o telemóvel e apaga a luz. A noite é o momento em que os barulhinhos perdem a vergonha e se mostram na escuridão.

Fecha os olhos e concentra-te.

Os passos do teu vizinho de cima. Alguém a ressonar no quarto ao lado. A água a correr nos canos. A torneira a pingar (é bom que te levantes para fechá-la). O motor do frigorífico a trabalhar. Os móveis da casa a estalar – são as moléculas da madeira a dilatar ou a encolher com as mudanças de temperatura. E o raio do zumbido do mosquito que não deixa dormir.

No campo, nos quintais ou nas aldeias é que a festa aquece.

Criaturas noturnas no solo, na vegetação, no tronco e na copa das árvores, fazendo barulhinhos em busca de comida, de uma companheira para acasalar ou de uma pobre vítima para atacar. Insetos a zumbir, sapos a coaxar, o uh-uuh das corujas, o uivo dos lobos, gatos a miar, a chiadeira dos grilos e um cão a ladrar bem lá ao longe.

É um belo espetáculo, mas tudo se desperdiça quando nos perdemos por entre ruídos maiores. Ao afastar o silêncio do dia-a-dia não são somente os barulhinhos pequeninos que desparecem da nossa vida. São também os nossos próprios pensamentos. Não daqueles automáticos que acompanham tudo o que fazemos e dizemos. Mas dos que precisam do silêncio para ir até ao fundo e voltar cheio de boas ideias, de reflexões ou de sossego para sentir as alegrias, mas também os arrependimentos, que ninguém está livre de errar.

Concerto em barulho bemol

silêncio

«4.33» é o concerto de John Cage dedicado ao silêncio e aos ruídos que acontecem na plateia.

Esse é o silêncio que corre o risco de desaparecer por entre o grande barulho das cidades. Que bom que era agarrá-lo e usá-lo ao nosso belo prazer… esperem… Quem disse que tal não é possível? Basta marcar um encontro com ou sem hora marcada. Até há um concerto inteirinho dedicado ao silêncio. «4.33» é a obra mais conhecida do compositor americano John Cage. A composição foi criada em 1952 para ser executada com um instrumento a solo ou por uma orquestra.

Os espetadores compram o bilhete e sentam-se nos lugares marcados. Os músicos, vestidos a rigor, sobem ao palco com os seus instrumentos. O maestro levanta a batuta.

Começa o espetáculo.

Ao longo dos 4 minutos e 33 segundos que se seguem, não se ouve um único som dos instrumentos.

Os primeiros barulhinhos chegam da plateia. Cadeiras a estalar, tosses contidas com alguma dificuldade, o estrondo de uma caneta ou de uma bengala a tombar no chão, murmúrios, uma porta que abriu, folhas de papel entre os dedos dos espetadores e tanto, mas tanto sossego, que não seria disparatado se alguém dissesse ter conseguido ouvir os pensamentos a divagarem pela sala.

A batuta do maestro dá indicação aos músicos para terminarem o concerto. A plateia aplaude, encantada com a maravilhosa atuação dos barulhinhos e do silêncio. Os barulhinhos e o silêncio, gratos pela ovação do público, sorriem felizes por finalmente o seu talento ser reconhecido. É que já não era sem tempo!

Podes, se quiseres, ver muitas versões deste concerto no Youtube, embora só numa grande sala de espetáculos seja possível ouvir com todas as condições os barulhinhos.

Se os mistérios do silêncio são irresistíveis para ti, lê este artigo também: Quantos pensamentos tens tu por dia?

Os livros que derrotaram a censura

Alice no país das Maravilhas

Antes de apresentar alguns dos milhares de livros já censurados, é preciso dizer que nenhum regime ou governo consegue banir por completo uma obra. Paredes falsas, alçapões secretos, leituras clandestinas na calada da noite, tudo vale para espreitar um livro proibido. Quando alguém, do alto da sua ignorância, retira, queima ou rasga uma obra, mais ganas têm as pessoas de a ler. E tu, se soubesses que havia um livro condenado, não irias a correr lê-lo?



A história do Touro Ferdinando

A História do Touro Ferdinando, de Munro Leaf (1936)

«Escrevi um livro que pensava ser para crianças… Mas agora não sei», desabafou Munro Leaf quando soube que o seu livro «A História do Touro Ferdinando» fora proibido em Espanha e na Alemanha. Percebe-se bem o espanto dele, tendo em conta que se trata da história de um touro que prefere cheirar as flores ao invés de lutar em touradas. O objetivo do autor era simplesmente passar uma mensagem de paz, mas a obra acabou por ser foi rotulada de «subversiva», «propaganda vermelha», «propaganda fascista» ou até de «sátira indigna do movimento pacifista». Lançado nove meses antes da Guerra Civil Espanhola, foi não só banido pelo ditador espanhol Francisco Franco, entre 1939 e 1975, como pelo regime nazi (1933-45). Hitler considerou a obra como «propaganda degenerada» e exigiu que todos os exemplares fossem queimados. Quando a Alemanha perdeu a guerra, 30 mil exemplares do livro foram distribuídos pelo país como um símbolo de paz.

Últimas Farpas

Últimas Farpas, de Ramalho Ortigão (1945)

São textos publicados em folhetins mensais, entre 1911 e 1915, reunidos num volume lançado em 1945. Foi imediatamente considerado subversivo pelo Estado Novo. A obra do jornalista e escritor Ramalho Ortigão é apenas uma entre os cerca de 900 livros que o regime baniu, em Portugal, entre 1933 e 1974. Outros nomes da literatura, como Miguel Torga, Alves Redol, Herberto Hélder, Natália Correia ou Vergílio Ferreira tiveram o mesmo destino. Com críticas mordazes à hipocrisia das classes abastadas, aos valores bolorentos da igreja ou à marginalização social das mulheres, as «Últimas Farpas» nunca escapariam à perseguição da ditadura de Salazar.

Lewis Carroll

Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll (1865)

Sim, até o maior clássico infantil de todos os tempos foi banido, em 1931, na China. Motivo? O General Ho Chien acreditava que colocar os animais a falar era um insulto aos humanos. As conversas da Alice com a Lagarta, o Coelho Branco, o Gato Cheshire ou com a Tartaruga Fingida confundiram muito a cabeça dos censores chineses, que temiam que as crianças pudessem tratar animais e humanos ao mesmo nível.

I write what I like, Steve Biko, 1978

I write what I like, Steve Biko (1978)

A obra é uma seleção de artigos de opinião, entrevistas ou discursos do ativista anti-apartheid. Publicado em 1978, esteve proibido até meados dos anos 1990. O apartheid foi um regime de minoria branca da África do Sul, oficializado em 1948 com a chegada do Novo Partido Nacional ao poder. Os negros passaram a ter de viver na periferia, não podendo votar, adquirir terras ou misturar-se com a população branca. Steve Biko fundou o Movimento de Consciência Negra para lutar contra este regime. «I write what I like» inclui dezenas de textos em que Biko incentiva a população negra a unir-se para romper com as «cadeias de servidão» e lutar pela dignidade. «Black is Beautiful» foi o slogan que, de tanto repetir, se tornou mundialmente famoso. Biko foi morto pela polícia em setembro de 1977. «Eles tiveram de matá-lo para prolongar a vida do Aparthaid”, disse sobre ele Nelson Mandela, o primeiro presidente negro da África do Sul.

A Cabana do Pai Tomás, Harriet Beecher Stowe (1852)

A Cabana do Pai Tomás, Harriet Beecher Stowe (1852)

Esteve proibido nos sete estados esclavagistas dos EUA, entre 1861 e 1865, por defender o fim da escravatura. Tal não impediu que fosse a obra mais popular do século XIX, com 300 mil livros vendidos nos Estados Unidos da América e um milhão na Grã-Bretanha. O sucesso surpreendeu até a autora, que confessou nunca esperar ganhar mais do que o suficiente para comprar um vestido. Defensora da liberdade dos negros, Harriet retratou o longo sofrimento dos escravos através do personagem «Uncle Tom». O livro viria, nos anos seguintes, a ser central para criar o movimento pelo fim da escravatura, que esteve na origem da guerra civil, na década de 1860.

Versículos Satânicos, de Salman Rushdie (1888)

Versículos Satânicos, de Salman Rushdie (1988)

Lançado em 1988, foi imediatamente banido em 15 países governado por líderes muçulmanos, entre os quais Irão, Egito, Quénia, Malásia, Paquistão, Senegal ou Singapura. A obra foi considerada ofensiva ao profeta Maomé e, em 1989, Salman Rushdie foi condenado à morte pelo então líder religioso do Irão. O aiatola Khomeini ofereceu uma recompensa 2,3 milhões de euros a quem matasse Rushdie que, a partir dessa altura, passou a viver sob proteção da polícia britânica.

Ulysses, de James Joyce (1922)

Ulysses, de James Joyce (1922)

Quem se aventurar a ler a obra do irlandês James Joyce perceberá de imediato que a leitura irá durar uns longos meses. Não é apenas por ser um calhamaço com 550 páginas. É sobretudo por ser considerado um dos livros mais difíceis e intrincados de sempre. Tal não impediu os censores de descobrir trechos declarados como «obscenos» pelos tribunais. A obra de Joyce foi publicada em 1922 e proibida nos EUA e Grã-Bretanha durante quase toda a década de 1930. Nos Estados Unidos, aliás, os Correios tinham ordens para queimar todos os livros que passassem pelos seus serviços.

My Fathers' Daughter, de Hannah Pool (2005)

My Fathers’ Daughter, de Hannah Pool (2005)

Aos seis meses, Hannah Pool foi adotada, em 1974, por um académico britânico a trabalhar no Sudão. A viver em Londres, desde bebé, ela descobre aos 19 anos que o pai biológico e os irmãos estavam vivos na Eritreia. Decide então regressar ao país onde nasceu para se reencontrar com a família e com as suas raízes. Esse é o percurso que ela conta no livro proibido pelo governo eritreu, em 2014. O presidente Isaias Afwerki baniu a obra por conter críticas políticas e denunciar uma sociedade patriarcal, em que as raparigas se casam na adolescência, não podendo sonhar com uma carreira.

Lê também, se quiseres, as histórias das mulheres que tiveram de usar pseudónimos masculinos para publicar as suas obras: Elas com nomes deles.


Trava-línguas. Depressa tareca e sem tropeçar!

Trava-línguas

Aflitivos, atrevidos e traiçoeiros são os trava-línguas. Alguém com uma mente muito retorcida os inventou. De tanto se repetirem, sem lhes atribuir autoria, passaram a ser de todos e de ninguém. Hoje, não são apenas brincadeiras de crianças. Servem para treinar a dicção e soltar a língua quando é preciso falar para a plateia. Aproveita a festa de Natal para pores toda a gente a fazer figuras tristes. Mas não penses que irás escapar também à galhofa. Há quatro níveis para ultrapassar. Será que consegues?


Trava-línguas nível 1

Se cá nevasse fazia-se cá ski.

Atrás da porta torta tem uma porca morta.

Dorme o gato, corre o rato e foge o pato.

Lagartixa Trava-línguas

Pinga a pia apara o prato,
Pia o pinto e mia o gato.

Traga tinta em trinta taças.

Um limão, dois lies, meio lio.

Bico de pato
Pé de coelho
Caí do cavalo
E parti o joelho.

 

Rei, capitão,
Soldado, ladrão,
Rapariga bonita
Do meu coração.

Quem está no telhado?
Um gato assanhado.
Quem veio à janela?
Uma pata amarela.

Velha, relha, bufelha, saracotelha.

Trava-línguas nível 2

Toco preto, porco fresco, corpo crespo

Fia, fio a fio, fino fio, frio a frio.

Se o Faria batesse ao Faria o que faria o Faria ao Faria?

A aranha arranha a rã. A rã arranha a aranha. Nem a aranha arranha a rã. Nem a rã arranha a aranha.

Alclicos alitos católicos.

percebeste?

O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem.
O
tempo respondeu ao tempo que o tempo tem o tempo que o tempo tem.

Tranque o trinco e traga o troco.

Onde fica a faca?
Onde
fica a foca?
A
foca fica
onde fica a faca.

O rato rói a serralha
O raio do rato roía
A Rita Rosa Ramalha
Do raio do rato se ria.

Copo, copo, Jericó
Jericopo, copo cá
Copo, copo, jericopo
Jericopo, copo cá

A lata é de prata
A pata acha a lata
A pata achata a lata.

Alice disse que eu disse
que o que ela disse
era um poço de tolice.

Trava Línguas nivel 3

A rua de paralelepípedo é toda paralelepipedada.

Quem dos tagarelas será o mais tagarela?

 

 

Eu tagarelarei ou tagarelaria?
Tu tagarelarias ou tagarelarás?
Ele tagarelará ou tagarelaria?
Nós tagarelaríamos ou tagarelaremos?
Vós tagarelareis ou tagarelaríeis?
Eles tagarelariam ou tagarelarão?

Uma cabra carga trapos, outra cabra trapos carga.

Porque é que o pisco empisca a pisca
e a pisca não empisca o pisco?

Tigres

Um limão de Milão, mil limões de Milão, um milhão de limões de Milão.

A aranha arranha a jarra, a jarra arranha a aranha;
nem a aranha arranha a jarra nem a jarra arranha a aranha.

Quando contas contos
Nunca contes
Que contas contos.

Trava-línguas nivel 4

Tudo
Tudo não é para todos
Para
todos não é tudo
Tudo não se diz a todos
A
todos não se diz tudo.

Tia tantã

Tinha tanta tia tantã.
Tinha tanta anta antiga.
Tinha tanta anta que era tia.
Tinha tanta tia que era anta.

[nota: a vossa(s) tia(s) não estão incluídas!]

Papa papão

Otorrinolaringologista

Não confunda
Ornitorrinco com
Otorrinolaringologista,
Ornitorrinco com ornitologista,
Ornitologista com
Otorrinolaringologista,
Porque ornitorrinco
É ornitorrinco,
Ornitologista é ornitologista
E otorrinolaringologista é
Otorrinolaringologista.

Calendário
Trinta dias tem setembro

Como abril, junho e novembro.
De vinte e oito só há um
E os demais são trinta e um.

Digo ou Diogo?

Quando digo «digo», digo «digo». Não digo «Diogo».
Quando digo «Diogo», digo «Diogo». Não digo «digo».

Por que festejamos o nosso aniversário?

Feliz aniversário

Que raio de pergunta esta! O momento em que, na maternidade, anunciámos com um berreiro a nossa chegada será sempre motivo para festejar. Nem é preciso mais explicações. A data é mesmo especial. Mas, milhares de anos tiveram de passar até este ritual misturar superstições, religião, etiquetas sociais ou correntes filosóficas. Tudo isso é a festa que hoje fazemos sempre que o calendário marca o nosso aniversário.

Para conhecer a origem da festa de aniversário é preciso caminhar até à Antiguidade. Três ou quatro mil anos antes de Cristo nascer, os pagãos acreditavam em fantasmas perversos sempre à espreita, esperando pelo momento certo para os amaldiçoar. As grandes mudanças, como a passagem de mais um ano, eram particularmente perigosas. O que vale é que também havia espíritos bonzinhos – um para cada humano -, que os vigiavam e os protegiam desde o nascimento. O dia de anos, no entanto, só viria a ser assinalado com a invenção do calendário, que marcava os ciclos da lua e a mudança das estações.

O banquete do faraó

Feliz aniversário 1

A primeira referência ao ritual surge no Velho Testamento, com um banquete para festejar o aniversário da coroação do faraó do Egito. Há muito poucas referências sobre esse episódio na Bíblia e, na verdade, não está relacionado com o nascimento. No início, as celebrações eram apenas destinadas às divindades, como é o caso da Ártemis. É graças a ela que o nosso aniversário é hoje doce e luminoso. Na Grécia Antiga, todos os anos se homenageava a deusa da caça com velas acesas para espantar os espíritos e bolos de mel redondos para simbolizar a lua.

A festa dos mortais

Feliz aniversário 2

Os romanos, já no fim da Antiguidade, decidem que também têm os mesmos direitos, mas deixam as mulheres de fora. Os aniversários dos comuns mortais eram celebrados entre amigos e família com oferendas aos deuses, enquanto que os ilustres do império tinham direito a pompa e feriado. Festa de arromba só quando se fazia 50 anos, dia em que o aniversariante recebia um bolo de farinha, azeite, mel e queijo.

Os cristãos, entretanto, até achavam piada aos costumes dos romanos, mas não queriam dar o braço a torcer. As festas de aniversário, estando associadas ao paganismo, iam contra as crenças deles. Acabaram finalmente por ceder a partir do século IV, passando desde essa altura a festejar o nascimento de Jesus e, pouco depois, de cada filho de Deus na Terra.

A idade das trevas

Feliz aniversário 3

A história desta festa nem sempre teve momentos altos, passou aliás por um longo e triste período em que ninguém lhe atribuiu grande valor. Na Idade Média, a maioria da população na Europa nem sequer sabia a sua data de nascimento. Cercados por fome, guerras e doenças, a vida não dava folga para grandes festejos. Além de que um indivíduo sozinho pouca importância tinha, fazendo parte ou da nobreza ou do clero ou então do povo a viver na miséria.

O humanismo renascentista, período que se segue, trouxe a crença de que o homem, tendo talento e vontade, poderia alcançar tudo o que desejasse. Entramos na era do individualismo, propícia para cada um sentir-se especial e ganhar uma súbita vontade de festejar o seu dia. Os primórdios das festas de aniversário estarão provavelmente nas grinaldas infantis – cerimónias que a nobreza e a burguesia alemã faziam no século 18 para apresentar os filhos à alta sociedade.

A festa dos meninos ricos

Feliz aniversário 4

No século 19, a burguesia – ou seja, a classe média dessa altura – reproduziu estas festas e estendeu-as ao aniversário de todas as crianças e adultos. O bolo e as velas também regressaram, embora o costume já fosse bastante popular nos meios rurais. A tradição ganhou fôlego na Alemanha, mas foi num instante que chegou a toda a Europa.

Uma festa sem palmas nem cantoria não tem qualquer piada, mas desconhece-se a data exata em que entraram no aniversário. A canção mais famosa de todas – «Happy Birthday to You» – nem sequer foi escrita de propósito para a ocasião. Mildred e Patty Hill, duas irmãs e professoras americanas, são as autoras de «Good Morning to All» («Bom dia a todos»), composta em 1893 para os alunos cantarem antes de entrarem na escola.

Parabéns na Broadway

Feliz aniversário 5

A cantiga, não se sabe bem como, saiu mais tarde do livro «Celebrations Songs», de Robert Coleman, e foi parar, em 1933, a um musical da Broadway já com o título de «Happy Birthday to You». A partir daí, a melodia foi mais rápida do que o som, atravessando o planeta e sendo hoje cantada em mais de 30 línguas.

O sucesso foi também a sua desgraça, já que a editora americana Warner Chappell Music adquiriu os seus direitos, não hesitando em multar de cada vez que a música surgia num filme ou era cantada num restaurante. Ao fim de oito décadas, e depois de faturar mais de 1,8 milhões de euros/ano, o Tribunal Federal de Los Angeles decidiu, em setembro de 2015, que a música é do domínio público.

A festa da lusofonia

Feliz aniversário 6

Indiferente às guerras judiciais nos Estados Unidos, a versão portuguesa é popular nas festas de aniversário desde a década de 1940. Quem escreveu a letra foi Bertha Celeste Homem de Mello, farmacêutica, poeta e professora brasileira. Não foi sem mais nem menos que o «Parabéns a Você» se tornou conhecido em todos os países lusófonos. Foi preciso um concurso nacional no Brasil, lançado pela Rádio Tupi, em 1942, com mais de cinco mil participantes, para se eleger a melhor letra: «🎈Parabéns a você / Nesta data querida🎁 / Muitas felicidades🤸‍♀️  / Muitos anos de vida.💝»

Agora, sim, está completa a história da festa de aniversário. Há por aí alguém a fazer anos hoje? Há certamente. Por cada segundo que passa, três recém-nascidos desatam num berreiro, anunciando que estão prontos para começar a viver. Então, PARABÉNS a quem hoje faz anos!

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Sete festas diferentes da nossa

Pinhata

México

Bolo e velas não são as principais estrelas das festas de aniversário mexicanas. Esse lugar está reservado à Pinhata – geralmente um burrinho de papel colorido, recheado de doces e serpentinas – que deve ser pendurado a uma altura de dois metros. O aniversariante deverá estar de olhos vendados e usar uma vara para açoitar o pobre animal até ele rebentar numa explosão de guloseimas e confetti.

aniversário chinês

China

Os chineses seguem o calendário lunar. A contagem dos anos é, por isso, muito diferente da do Ocidente. O tempo começa a contar a partir do instante da gestação. O primeiro aniversário (e o mais importante) é comemorado quando o bebé completa um mês de vida.

estrela de David

Israel

Com a maioria da população a seguir o judaísmo, o aniversário mais importante acontece quando as raparigas completam 12 e os rapazes 13 anos, momento em que já são considerados crescidos para assumir responsabilidades na comunidade religiosa. Essa passagem é assinalada com o Bar/Bat Mitzvah que significa filho/filha do Mandamento. Trata-se de uma festa, mas também de um ritual – Mazal Tov – para felicitar e desejar boa sorte aos aniversariantes.

mnateiga

Canadá

Besuntar o nariz do aniversariante com manteiga ou margarina é o costume nas festas canadianas para dar sorte.

Santa

Rússia/Sérvia/Bulgária/Grécia

As raparigas batizadas com nomes de santas ganham duas festas por ano – uma pelo dia que nasceram e outra pela data de nascimento da santa da qual receberam o nome.

Tailândia

Em vez de festa e prendas, o aniversariante passa o dia a oferecer alimentos aos monges que passam na rua.

Dinamarca

É muito fácil saber quando alguém faz anos na Dinamarca. Basta reparar se a bandeira do país está hasteada à porta de casa. As bandeirolas estão também por todo lado, na mesa, espetada nos bolos, ou pendurada na decoração.

Se gostas de saber a origem das coisas, vais querer também ler: Alguém sabe quanto pesa um quilo?

Quanto tempo leva um hábito a aparecer?

Hábitos

Não há uma conta certa. Tudo depende do motivo por detrás desse hábito, da sua persistência e da regularidade com que se repete. Tendo em conta esses fatores, pode demorar, segundo os cientistas, entre 12 e 254 dias, levando em média 66 dias para se transformar num comportamento automático e inconsciente.

O curioso dos hábitos é que, na maioria das situações, não nos damos conta de que eles existem, nem sequer quando e por que apareceram. Mas, fazendo as contas ao final do dia, cerca de 40% das decisões que tomamos são resultado de comportamentos automáticos. Se muitos deles são importantíssimos para a nossa sobrevivência, há uns quantos que estão a dar cabo da nossa saúde. Entender quando uma decisão se transforma num comportamento automático e saber como funciona é meio caminho para desmontá-lo e assumir o controlo, mudando-o em benefício do nosso bem-estar.

Queres partir nesta viagem para descobrir a origem de um hábito?

Terás então de ir até ao lugar mais profundo do teu cérebro. Assim que encontrares o tronco cerebral, poderás ver os gânglios basais. Não é difícil reconhecê-los. Têm o tamanho de uma bolinha de pingue-pongue, mas são eles que controlam os comportamentos automáticos – do simples ato de respirar até à rotina de levar o Bobi à rua. A sua função é armazenar hábitos, transformando-os em padrões que se podem repetir, mesmo quando a nossa cabeça anda por outros lugares.

O que fazer primeiro: cantar ou pequeno-almoço?

A gainha tem o hábito de cantar todas as manhãs

As rotinas, ao tornarem-se automáticas, são vitais para desempenhar as tarefas do dia-a-dia.

Esta mecânica de converter uma sequência de ações numa rotina inconsciente é algo vital para sobreviver no dia-a-dia. Sem ela, perderíamos uma imensidão de tempo a decidir coisas tão ridículas como tomar o duche antes ou depois do pequeno-almoço, lavar os dentes antes ou depois das refeições ou preparar o lanche da escola na véspera ou no próprio dia. Ao repetirmos todos os dias os mesmos gestos, os gânglios basais interiorizam a rotina, não precisando de instruções para saber o que fazer a seguir. Basta-lhes uma pista subtil para desencadearem esse comportamento repetitivo. O despertador a tocar pela manhã é suficiente para eles saberem que está na hora de acordar e correr para a casa de banho, para cuidar da higiene.

Os hábitos libertam o cérebro para as tarefas que exigem mais esforço e atenção.

Ao não ter de se preocupar com detalhes como andar, engolir, fazer o caminho para casa, ou decidir a hora do almoço, ele fica com mais tempo livre para pensar, inventar, avançar na ciência e mudar o curso da História. Essa não é, contudo, a principal razão por que o cérebro gosta tanto deles. O motivo maior é a necessidade de economizar energia tão preciosa para manter o resto do corpo ativo e saudável. É por isso que ele está quase todo o tempo a poupar calorias e mais estaria disposto a fazer se lhe déssemos rédea solta.

Para evitar que as rotinas tomem conta da nossa vida, os gânglios basais desenvolveram um sistema inteligente para saber quando iniciar e terminar um comportamento rotineiro. Eles criaram um programa perfeito composto por três momentos. O primeiro é o estímulo – um anúncio na televisão, um bolo na pastelaria, um lugar, uma hora do dia ou uma pessoa em particular, por exemplo – que indica ao cérebro qual o hábito a entrar em piloto automático.

Segue-se a rotina, que tanto pode ser uma série de gestos, como de pensamentos ou até de emoções. Por fim, uma recompensa para o cérebro saber que vale a pena memorizar essa sequência e usá-la assim que o estímulo surgir. Essa compensação é a chave do sucesso.

É por saber de antemão que há um final feliz, que o cérebro retém o hábito. Esse final feliz tanto pode ser chegar a tempo e horas na escola, como sentir-se fisicamente bem depois de 15 minutos de ginástica ou até orgulhoso após um like ou um coração a palpitar nas redes sociais.

O carrossel do estímulo-rotina-recompensa

O hábito do urso fazer exercício

Há hábitos que somos nós a criar e hábitos que entram na nossa vida sem que tenhamos voto na matéria.

Com o passar do tempo, a repetição entre estímulo-rotina-recompensa-estímulo-rotina-recompensa torna-se automática. Estímulo e rotina fundem-se um no outro, galopando para um desejo que queremos satisfazer. E assim um hábito entra na nossa vida sem pedir permissão nem termos qualquer voto na matéria. Não existe nada no cérebro que tenha sido programado para comer um snack doce ou salgado em frente à televisão. Mas assim que ele aprende a juntar: batatas fritas + televisão = sabor delicioso, começa a sentir o sal nas papilas gustativas ainda antes sequer de as sentir na língua. Esse desejo torna-se tão poderoso que ninguém conseguirá impedir o cérebro de devorar o pacote inteiro guardado na despensa.

Pensar que, em alguns casos, não temos o controlo das nossas ações é assustador, não é? Se há hábitos dos quais a nossa sobrevivência depende, outros são tão prejudiciais que comprometem a nossa saúde.

O cérebro não tem o bom senso para distinguir os bons dos maus. 

Só lhe interessa economizar tempo, esforço e espaço. A boa notícia é que, ao tomarmos consciência deles e ao saber como funcionam, podemos ignorá-los ou até substituí-los por outros mais saudáveis. Por vezes, bastam pequenas mudanças para quebrar uma rotina e eliminar um hábito. A pizaria onde jantamos todas as sextas fechou e, em vez de procurar por outra, passamos a comer em casa, por exemplo. É algo que pode acontecer sem que nada façamos para mudar o hábito, mas, na maioria das vezes, ele tem de ser alterado de propósito.

Desmontando a mecânica de um hábito

Hábito do coelho comer cenouras

Reprogramar o cérebro para substituir um hábito mau por um bom hábito é o truque para criar melhores rotinas.

Para conseguir desmontar um hábito, há que descobrir qual é o impulso que o desencadeia, a rotina por detrás e, por fim, a recompensa que ele proporciona. Depois disso, é só encontrar um novo impulso para uma nova rotina que nos conduza também a uma recompensa tão boa ou melhor do que a anterior e com a vantagem de ser saudável. Faz sentido? Essa teoria científica para reprogramar o cérebro pode servir para tudo, desde que seja adaptada a cada pessoa. Se precisamos de fazer exercício, teremos de criar um hábito com hora e rotina planeada.

Sábado de manhã pode ser o nosso momento para ir à natação. Já sabemos que vamos acordar, tomar um duche, vestir o fato ou calção de banho e sair, depois do pequeno-almoço, para a piscina. Um sábado atrás de outro sábado, até a rotina se impregnar nos nossos hábitos. O bem-estar que umas boas braçadas na piscina proporcionam pode ser uma excelente recompensa para alguns, mas insuficiente para outros. É preciso encontrar algo que funcione. Um delicioso sumo de melancia e hortelã para repor as energias? Uma parte da manhã a relaxar na espreguiçadeira da piscina? Uma boa meia-hora de brincadeira com os manos a chapinhar na água? Ou um almoço em família no jardim ou no quintal?

Ao repetir essa rotina, chegará o momento em que o cérebro saberá, com a devida antecedência, que as manhãs de sábado começam com a piscina e terminam sempre com o teu momento preferido da semana: um piquenique no jardim ou brincadeiras ao ar livre com os teus manos. Esse é o trunfo.

Quem quer criar um hábito saudável tem de descobrir qual é o final feliz que funciona.

E quem quer substituir um mau hábito por um bom hábito terá de descobrir primeiro o que o levou a criar esse hábito. Para isso é preciso desligar o piloto automático e pôr a cabeça a pensar. Mas, afinal, porque não consigo parar de roer as unhas? Da próxima vez que sentir essa tentação, vou estar atento para perceber quando acontece e o que provoca isso.

Será que é sempre que fico ansioso? Ou simplesmente porque estou enfastiado? Podemos até anotar todos os pequenos gestos que fazemos ou sensações que sentimos para melhor conseguirmos desmontar o hábito. Assim que percebermos a motivação e os comportamentos que nos levam ao hábito, estaremos em condições de criar uma outra rotina que proporcione o mesmo alívio. Quem sabe se desenhar, apertar uma bola anti-stress ou roçar o polegar nos dedos é o que é preciso para não voltar a roer as unhas?

Juntos é mais divertido

Pinguins dançam para celebrar um novo hábito

Acreditar que somos capazes de mudar e ter alguém a torcer pela nossa vitória torna tudo muito mais fácil.

Encontrar um hábito novo para substituir o velho leva tempo e exige a perícia de um detetive. Será preciso estar atento aos gestos que, até então, eram automáticos para saber quando agir. Mas, para casos que se revelem mais complicados, pode ser necessário juntar mais um ingrediente. Acreditar que vamos conseguir é o que mantém a força de vontade para não desistir a meio do caminho. Se outros conseguiram, por que razão não serei também capaz?

Pode até dar-se o caso de haver lá por casa outros com a mesma vontade. Essa pode ser a deixa perfeita para se unirem, juntando esforços e dando ânimo um ao outro. Os psicólogos dizem que tudo se torna mais fácil quando temos uma claque a torcer por nós. E, claro, também nós a torcermos pelos outros. Os papás, os manos, os avós, os primos ou os nossos amigos podem todos fazer parte desta aventura, dando o exemplo, estabelecendo objetivos, criando rotinas e celebrando as pequenas vitórias até à vitória final. Juntos tudo é muuuuuito mais divertido!

🤹‍♀️ Se queres conhecer os grandes mistérios dentro da tua cabeça, não deixes escapar este artigo: Quantas malabarismos é o cérebro capaz de fazer? 

Conan Doyle. A luta pela inocência de Oscar Slater

Conan Doyle e os romances de Sherlock Holmes

Quem não conhece Sherlock Holmes? Não há detetive mais brilhante do que esta criação literária de Conan Doyle. O autor ficou famoso com os livros de crime e mistério. Menos conhecida é uma outra faceta sua. Por diversas vezes, usou a perspicácia do seu maior personagem para se bater pelos injustiçados. O caso de Oscar Slater foi o mais longo. O judeu alemão, condenado a prisão perpétua, não teria hipótese contra um sistema judicial corrupto e racista. Valeu-lhe a coragem do escritor escocês. Recuemos, então, ao dia em que a cidade de Glasgow acordou com a notícia de um terrível homicídio.

West Prince’s Street, na cidade escocesa de Glasgow, é uma rua tranquila. Mas, na manhã de 21 de dezembro de 1908, a polícia estava por todo o lado. Marion Gilchrist, de 82 anos, fora assassinada no seu apartamento. Nellie Lambie, a sua única empregada, saíra para comprar o jornal. Ao regressar, encontrou-a estendida no chão da sala de jantar. Os detectives, ao saber que um valioso pingente de ouro e diamantes desaparecera, logo apontaram o roubo como o motivo.

O homicídio foi, nos dias seguintes, o assunto mais comentado na imprensa, nos salões de chá, nos mercados ou nas padarias. Um crime tão brutal precisa de um culpado e já! – exigiram os escoceses. Ninguém voltaria a dormir descansado com um assassino à solta. A polícia desdobrou-se em diligências e, em menos de uma semana, revelou estar no encalço do suspeito.

Oscar Slater era exatamente o tipo de homem que correspondia ao perfil de um criminoso: judeu, imigrante e envolvido no jogo ilegal.

Para adensar a desconfiança, vivia perto da casa da vítima e, recentemente, penhorara uma jóia de ouro e diamantes. Como se não bastasse, viajara com um nome falso para os Estados Unidos, forte indício de que estaria a fugir. Oscar mal soube que era procurado, regressou voluntariamente à Escócia. Estava certo de que poderia provar a inocência e limpar o seu nome.

Todas as provas contra o alemão

Conan Doyle e Oscar Slater 1

Oscar apresentou novas provas em sua defesa, mas foram ignoradas pela polícia escocesa.

A jóia penhorada não correspondia à descrição do pingente da senhora Marion Gilchrist – contou ele à polícia. Tinha também dois álibis para assegurar que, na manhã do homicídio, estava longe do local do crime. A polícia nada se importou com as novas provas por ele apresentadas. Slater era o culpado e ninguém os convenceria do contrário. Já tinha cadastro e, na mala da viagem, transportava um pequeno martelo que seria certamente a arma usada para agredir a vítima. Não havia escapatória, sobretudo porque a polícia tinha várias testemunhas que o viram a fugir da West Princes Street.

O caso seguiu para julgamento na primavera do ano seguinte. O réu foi aconselhado pelos advogados a ficar em silêncio. O seu forte sotaque alemão só iria piorar a imagem de criminoso perante o júri. A defesa rebateu as provas, mas não seria o suficiente para inocentá-lo.

_«Culpado!» – sentenciaram os jurados, condenando-o à forca.

Oscar Slater, aterrorizado com a decisão, pediu então para falar. Mal conseguiu articular uma frase do princípio ao fim.

_ Meritíssimo, posso dizer só uma palavra? Permita-me dizer só uma palavra. Eu regressei da América… para a Escócia…. Esperava um julgamento justo. Não sei absolutamente nada sobre este crime, nunca ouvi o nome… não sei nada sobre ele… Não posso dizer mais nada do que isso.

Prisão perpétua e trabalhos forçados

Conan Doyle ficha biográfica

48 horas antes da execução de Oscar, o rei Eduardo VII muda a sentença.

Nos meses a seguir, os advogados tentaram a todo o custo reverter a sentença. Denunciaram as incongruências e lançaram uma petição a pedir a absolvição de Slater, recolhendo mais de 20 mil assinaturas. Dois dias antes da data marcada para a sua execução, o rei Eduardo VII muda a sentença para prisão perpétua com trabalhos forçados. Durante os 18 anos e meio que se seguiram, Slater esteve na prisão de Sua Majestade Peterhead.

A fortaleza vitoriana, construída em 1888, no norte do país, ficaria conhecida mais tarde como a «gulag da Escócia». Frio insuportável no inverno, calor tórrido no verão, alimentação a pão e caldo de galinha e horas consecutivas de trabalhos forçados nas pedreiras de granito fizeram com que caísse várias vezes doente na cela. Os anos passaram e o judeu alemão ficou completamente esquecido.

Em 1925, Oscar Slater teve então a rara oportunidade para comunicar com o exterior. Aproveitou a liberdade condicional de um prisioneiro para enviar um pedido de socorro. Escreveu um bilhetinho em papel à prova de água e escondeu-o debaixo da língua de William Gordon. A mensagem deveria ser entregue a uma só pessoa e a mais ninguém: Arthur Conan Doyle. Quem é este senhor? Nada menos do que o mais famoso escritor da época. Bastará dizer que é o autor da personagem policial mais conhecida de todos os tempos – Sherlock Holmes. E por que Slater depositou nele a sua última esperança? Chegou então o momento de contar que não é a primeira vez que os caminhos destes dois homens se cruzaram.

O «caso Slater» desmontado peça a peça

Conan Doyle e Oscar Slater 2

O escritor de policiais deixou a ficção de lado e virou um detetive na vida real.

Conan Doyle conheceu Oscar Slater quando, por volta dos finais de 1911 ou inícios de 1912, desmontou, a pedido dos advogados, as acusações contra ele. O escritor de contos e romances de mistério deixou a ficção de lado e virou um detetive na vida real. Examinou relatórios policiais, depoimentos de testemunhas e transcrições nas audiências do tribunal. Procurou, depois, as contradições nos detalhes, desafazendo elo por elo, a cadeia de supostas evidências apresentadas pelo Ministério Público (ver a imagem em cima com as provas e contraprovas).

O caso contra Slater estava repleto de erros, supressão de provas, subornos e mentiras, concluiu Connan Doyle, denunciando uma «trama vergonhosa, na qual estupidez e desonestidade desempenharam papéis iguais». O esforço não teria qualquer resultado. O Ministério Público escocês continuou irredutível, conduzindo o escritor a um beco sem saída: «Estava a enfrentar uma rede de advogados-políticos que nunca poderiam denunciar a polícia sem também se denunciarem a si próprios.»

«Por favor, não desista de mim»

Método de Conan Doyle e Sherlock Holmes

Doyle já se batera, antes do «caso Slater», pela inocência de outros injustiçados.

Agora, em 1925, o bilhete onde se lia «por favor, não desista de mim», levaria Arthur Conan Doyle a bater-se, mais uma vez, pela causa de Slater. Não era propriamente por haver novas evidências ou sequer por aprovar o seu estilo de vida. O escritor e também médico condenava o seu passado ligado aos salões de jogos ilegais e outras atividades ilícitas. Mas acreditava piamente na sua inocência. E isso era o suficiente para ultrapassar a antipatia e lutar pela liberdade dele.

Não seria, aliás, a primeira vez que Conan Doyle tomava partido dos injustiçados. Ajudara o advogado indiano George Edalji, a livrar-se da prisão por causa de uma falsa acusação de mutilação de gado. Poucos anos antes, também se envolvera ativamente no caso de Roger Casement. Era um amigo e nacionalista irlandês condenado por traição, depois de tentar obter apoio dos alemães para acabar com o domínio britânico.

O desenlace para Slater foi, no entanto, mais feliz do que o de Casement.

Connan Doyle contactou toda a gente que conhecia no governo e na imprensa, alertando para uma acusação sem ponta de credibilidade. Apareceu diversas vezes em público para defender o judeu alemão e angariar apoios. O movimento foi ganhando mais e mais força até que, em 1927, Oscar foi finalmente libertado. No ano seguinte, viu a sua pena anulada e o caso considerado um exemplo flagrante de xenofobia e antissemitismo na justiça. O homicídio de Marion Gilchrist é que, ainda hoje, continua sem culpado.

Já leste a história do médico que usou a ciência para salvar uma cidade inteira dos nazis? Clica aqui para saber mais.

10 animais lendários que nunca esqueceremos

Mudaram a História, descobriram curas, foram símbolos de resistência ou exemplos de pura generosidade. Estes são os animais lendários – alguns ainda vivos – que tocaram fundo o coração dos humanos.


Reprodução YouTube/David Hoffman

Laika. A cadela que ficou no Espaço

Nasceu: 1954, em Moscovo
Morreu: 3 de novembro de 1957, Sputnik 2, na órbita terrestre

À beira da década de 1960, os soviéticos usam cães e os norte-americanos macacos para ganhar a corrida pela conquista do Espaço. Será Laika a cortar a meta, tornando-se, no dia 3 de novembro de 1957, no primeiro ser vivo a orbitar a Terra. Morreria poucas horas após o lançamento do Sputnik 2 devido ao sobreaquecimento da cápsula em que viajava. A expedição dela foi curta, mas a informação que trouxe seria decisiva para, quatro anos depois, Yuri Gagarin se tornar no primeiro humano a viajar para lá do nosso planeta.

Apanhada nas ruas de Moscovo, era uma rafeira com as características ideais para desempenhar a missão: pequenina, para caber na cápsula, e paciente, ao ponto de ficar sentada num cubículo por mais de 20 dias. Todos – menos ela – sabiam que a viagem não tinha regresso. Depois de Laika, dezenas de cães também participaram em missões espaciais, poucos regressaram vivos. Os programas soviético e americano, aliás, usaram todo o tipo de animais para testar os efeitos da micro-gravidade – macacos, ratinhos, aranhas, sapos, tartarugas, moscas e até bichinhos-da-farinha estiveram no Espaço.

A Laika será sempre a primeira e a que é recordada em vários monumentos espalhados pelos antigos territórios da União Soviética. O principal é o memorial inaugurado em abril de 2008 no Centro de Investigação Militar de Moscovo, onde ela surge de orelhas arrebitadas e em cima de um foguetão.

Reprodução Facebook

Loukanikos. O cão anti-troika

Nasceu: 2004, em Atenas
Morreu: 2014, em Atenas

No momento de escolher um lado, não se esperaria outra coisa de um cão vadio. Loukanikos esteve desde a primeira hora, em 2008, na praça Syntagma, em Atenas, a ladrar contra os cortes impostos pela Troika à Grécia, durante a crise da dívida pública da zona euro. Protestou contra polícias, enfrentou pontapés e bastonadas, fugiu dos canhões de água e das granadas de gás lacrimogénio, tornando-se internacionalmente conhecido como candidato a «Pessoa/Animal do Ano» da revista Times.

Loukanikos (significa salsicha em grego) retirou-se em 2012. Soubemos mais tarde que foi adotado por uma família grega, que cuidou dele até ao momento da sua morte, em maio de 2014. O cão-anarquista teve uma morte tranquila, mas não resistiu às sequelas provocadas pelo gás lacrimogénio a que foi exposto na linha da frente dos protestos. A imprensa grega contou que foi sepultado à sombra de uma árvore numa colina do centro da cidade. E os artistas de rua Billy Gee, Alex Martinez & N_Grams prestaram-lhe homenagem com o graffiti que pode ser visitado na Riga Palamidou em Psyrr.

Hanno. O elefante mascote do Papa

Nasceu: data desconhecida
Morreu: 16 de junho de 1516

Vindo da Índia, como presente do rei de Cochim, Hanno causou enorme espanto entre os habitantes de Lisboa. Era branco, como nunca se vira outro elefante igual. Não ficaria muito tempo na capital, logo embarcou para Roma numa aparatosa embaixada, em março de 1514, como oferta de D. Manuel I ao Papa Leão X, pela sua coroação. Contam os cronistas da época que o animal cativou logo o pontífice por ser extraordinariamente inteligente e brincalhão. Não foi a única oferenda do monarca português. No cortejo que seguiu até ao Castelo de Sant’Angelo, foram transportados também jóias, tecidos, moedas em ouro, pedras preciosas, papagaios, cavalos persas, dois leopardos e um jaguar.

Mas foi Hanno quem monopolizou a atenção. Ajoelhou-se por três vezes em sinal de reverência e depois mandou uma chuveirada de água sobre os cardeais, provocando gargalhadas sonoras do Papa. Hanno tornou-se de imediato a mascote de Leão X e até teve direito a viver num edifício especialmente construído para ele, entre a Basílica de São Pedro e o Palácio Apostólico.

Mas não durou muito tempo, dois anos depois de chegar a Roma, morreu, em junho de 1516, com uma angina, devido ao clima húmido da cidade. Foi sepultado no pátio Belvedere, no Palácio Apostólico com epitáfio escrito pelo próprio pontífice. Hanno impressionou de tal maneira os romanos, que Leão X decretou uma lei a isentar os portugueses do pagamento em hospedagens, restaurantes ou teatros. É deste decreto que nasce, aliás, a expressão «Non fare il portoghese» (Não faças de português). Se hoje esta frase tem uma conotação negativa, associando o povo português a maus pagadores, na sua origem era dirigida aos italianos que se faziam passar por portugueses para conseguir as mesmas regalias.

Sanpei / CC BY-SA 3.0

Tama. A gata que salvou a estação de Kishi

Nasceu: 29 abril de 1999
Morreu: 25 de junho de 2015

Há muitos anos que a estação ferroviária de Kishi, na cidade japonesa de Kinokawa, definhava com o pouco movimento de passageiros. Em 2006, o inevitável aconteceu: o apeadeiro deixou de ter funcionários, tentando-se reduzir os custos. O cargo de chefe de estação foi atribuído ao proprietário da mercearia mais próxima, Toshiko Koyama, que já era bastante conhecido por tomar conta de gatos vadios.

O fecho da estação, no entanto, continuava em cima da mesa e foi nessa altura que os empregados da loja decidiram colocar uma das gatas como chefe de estação. Em 2007, Tama assumiu a função com o maior dos zelos, usando o chapéu próprio do cargo e ocupando o seu gabinete todos os dias das 9h às 16h.

A gatinha depressa atraiu milhares de visitantes que desceram em Kishi só para vê-la e fotografá-la. E não foi só a estação que ela salvou. Foi também uma importante parte da economia local que se desenvolveu com novas lojas e postos de trabalho. Tama morreu no verão de 2015 com 16 anos e mais de três mil pessoas estiveram no funeral dela. Os japoneses fizeram o tradicional luto de 50 dias e só depois nomearem o sucessor. Nitama (ou Tama, o segundo) foi encontrado debaixo de um carro estacionado num dia de chuva e é o atual chefe da estação de Kishi.

Roslin Institute, The University of Edinburgh

Dolly. Uma ovelha num tubinho de laboratório

Nasceu: 5 julho de 1996
Morreu: 14 fevereiro 2003

O primeiro mamífero a ser clonado com sucesso, nasceu em julho de 1996, a partir de células de glândulas mamária de uma ovelha adulta. Os investigadores do Instituto Roslin, na Escócia, deram-lhe o nome de Dolly, em homenagem à cantora country e atriz norte-americana Dolly Parton. Apesar do estrelato, a ovelha teve uma vida pacata e relativamente normal. Foi mãe de quatro bezerros e cuidadosamente vigiada em todas as fases das gravidezes. Tudo corria de feição quando, em 1999, um estudo publicado na revista Nature alerta para o perigo de ela poder vir a envelhecer mais rapidamente do que as outras ovelhas.

A investigação suscitou enorme inquietação com a comunidade científica dividia sobre os possíveis efeitos da clonagem nos processos de envelhecimento. A polémica, aliás, ainda hoje perdura e mais acesa ficou depois de se saber, em 2002, que ela sofria de uma doença pulmonar degenerativa, interpretada por muitos como sinal de velhice precoce. Dolly acabaria por ser abatida em fevereiro do ano seguinte para se evitar uma morte dolorosa. Os conhecimentos adquiridos com ela permitiram avanços na manipulação e reparação genética. O corpo dela foi empalhado e está exposto no Museu Real da Escócia, em Edimburgo.

Reprodução Youtube/KOKOFLIX

Koko. A gorila com um grande coração

Nasceu: 4 de julho de 1971
Morreu: 19 de junho de 2018

Quem nunca quis saber o que diriam os animais, se pudessem falar connosco, tal como numa fábula de La Fontaine? Koko aprendeu com a sua cuidadora Francine Patterson mais de duas mil palavras em inglês, expressando-se também através de outros dois mil gestos e sinais. Ela nasceu no Jardim Zoológico de São Francisco e viveu nas reservas californianas da Fundação Gorila. A sua capacidade de comunicação foi equiparada ao de uma criança de três anos, podendo entender verbos, substantivos ou adjetivos, incluindo conceitos abstratos como bom, mau, falso e verdadeiro. São algumas das proezas que a tornaram famosa, aparecendo por diversas vezes nas capas da revista National Geographic. Koko também conheceu várias estrelas do cinema e da música como Robin Williams, Leonardo DiCaprio ou Peter Gabriel.

Era uma gorila meiga e brincalhona, mas tinha um grande desgosto por não conseguir ter filhos. Foi por isso que se afeiçoou ao gato All Ball e sofreu tanto com a sua morte em 1984. Aos 44 anos, a fundação decidiu oferecer-lhe dois gatinhos órfãos, Tiger e Blackie, que ela cuidou até ao último dia como se fossem seus filhos. A preservação dos gorilas e dos seus habitats foi igualmente uma das suas principais batalhas. Koko morreu velhinha, durante o sono e semanas antes de completar 47 anos.

Reprodução Youtube NDTV Record TV Foto: Ronaldo Amboni )

Golfinhos boto e os pescadores de Laguna

Todos os dias, os pescadores da cidade de Laguna, no estado brasileiro de Santa Catarina, esperam pelos golfinhos para começar a pescar. Não há propriamente uma hora marcada. Por vezes, os homens apanham secas monumentais até os mamíferos decidirem aparecer. São cerca de 20 botos que surgem nas águas escuras de Laguna. Cercam os cardumes de tainha, soltam assobios e apontam com a cabeça, mostrando onde devem ser as redes lançadas.

Este é o único acordo conhecido entre homem e animal e acontece há pelo menos 120 anos, de acordo com registos que chegaram do século 19. O proveito é de ambos: os homens pescam o peixe de que necessitam e os golfinhos ficam com o excedente que escapa das redes. A relação entre eles foi alvo de vários estudos, concluindo-se que esta cooperação tem sido transmitida não só dos golfinhos para as crias, como também entre pescadores que passam o testemunho para filhos e netos.

Os botos são tão importantes para Laguna que se tornaram no símbolo da cidade, ganhando cada um deles uma identidade própria – Scooby, Jade, Princesa ou Batman são alguns dos nomes que os pescadores deram aos golfinhos.

Zarafa. A girafa que caminhou do Sudão até Paris

Nasceu: 1825
Morreu: 12 de janeiro de 1845

Zarafa foi a primeira girafa a pisar solo francês, em 1826, e a terceira a chegar à Europa. Antes dela, a última havia sido a Girafa de Médici, chegada a Florença em 1486. Podem imaginar, por isso, o frenesim entre os franceses. Ela chegou como uma oferta de Mehmet Ali, vice-rei otomano do Egito, para Carlos X da França. Viajou mais de cinco mil quilómetros, desde o que é hoje o Sul do Sudão até Paris. A travessia foi uma aventura sem precedentes, não só para ela, como para os franceses.

Zarafa navegou pelo Nilo até Alexandria. Atravessou depois o Mediterrâneo numa embarcação maior e chegou às docas de Marselha a 31 de outubro de 1826. Dali, caminhou até à capital de França, numa viagem de mais de dois meses com multidões na rua para vê-la de perto. Conta-se que, em Lyon, mais de 60 mil habitantes, quase um terço da população da cidade, saiu de casa para dizer «Olá!» ao «belo animal do rei».

Mal chegou a Paris, Carlos X, colocou-a no Jardim das Plantas onde viveu por quase duas décadas e atraiu todos os anos centenas de milhares de visitantes. O entusiasmo dos franceses originou até uma «zarafamania», com músicas, poemas e até peças de alta costura, inspiradas nela. Quando morreu, foi empalhada, encontrando-se atualmente no Museu de História Natural La Rochelle.

Putneymark / CC BY-SA 2.0

George. A tartaruga mais solitária do mundo

Nasceu: data desconhecida
Morreu: 24 de junho de 2012

George foi a criatura mais solitária do planeta, único exemplar da sua espécie – tartaruga-das-galápagos-de-Pinta (Chelonoidis nigra abingdoni). Avistado na ilha de Pinta pela primeira vez, a 12 de dezembro de 1971, pelo biólogo Joseph Vagvolgyi, tinha uma idade estimada entre 60 e 90 anos. Desde que foi descoberta, viveu sempre em cativeiro na estação Charles Darwin, tornando-se num símbolo de preservação ambiental. A história de George, que, entretanto, ganhou o cognome de Solitário, é ancestral.

Os seus familiares chegaram às Ilhas Galápagos há 5 milhões de anos, vindos da América do Sul logo após a formação do arquipélago. Terá sido a mais longa viagem de sempre, com as tartarugas a percorrerem mais de 1000 km (620 milhas) e atravessando a perigosa corrente de Humboldt, que flui a noroeste da costa do Chile. Por terem pescoços longos capazes de subir acima do nível das ondas e por conseguirem passar longos períodos sem comida ou água doce, chegaram sãs e salvas ao seu destino.

No dia 24 de junho de 2012, o Parque Nacional de Galápagos anunciou que George Solitário foi encontrado morto. Suspeita-se que as causas de morte tenham sido naturais, devido à idade avançada. A sua espécie está, desde então, oficialmente extinta. Restam outras oito espécies nas ilhas, todas classificadas de vulneráveis ou ameaçadas de extinção.

Vacanti. O ratinho das grandes descobertas

Em 1997, Joseph e Charles Vacanti, da Universidade de Harvard, publicaram uma investigação, dando conta de que conseguiram desenvolver com sucesso um pedaço de cartilagem nas costas de um ratinho. O anúncio abriu as portas para transplantes em humanos de tecidos cultivados em laboratório. O ratinho usado nesta experiência ganhou o nome de Earmouse (ratinho-orelha) ou ratinho Vacanti, mas não é o único que merece aqui ser recordado. Usados há mais de um século em ensaios científicos nas mais diversas áreas, os ratinhos tiveram e continuam a ter um papel central na descoberta de medicamentos, vacinas ou tratamentos que salvam e curam milhões de humanos. A eles devemos, portanto, nada mais do que a vida.

Antes de partires, espreita o artigo: Por que são melhores as mais improváveis amizades?

A árvore da minha terra

Quem tem uma árvore centenária na sua terra tem tudo. Tem passado que nunca se esquece. Histórias que não acabam. Pontos de encontro para todos os dias. E legado para deixar. Estas são algumas (só algumas!) que enchem de orgulho cidades, vilas e povoações portuguesas. Vale bem pena uma viagem só para conhecê-las.


A mais antiga

Localização: Cascalhos (freguesia de Mouriscas), Abrantes
Espécie: olea europea l. var. europaea
Idade: 3350 anos
Altura: 3,2 m (do tronco às primeiras pernadas)

História: ponto de encontro dos pescadores que dali partiam para as embarcações e seguiam para os mouchões do Tejo, daí o seu nome. É a mais antiga árvore em Portugal, contemporânea de Moisés e de Nefertiti, que certamente ofereceu sombra a fenícios, celtiberos, romanos, mouros ou cristãos.

A que jamais morrerá

Localização: Mosteiro, freguesia e concelho de Castro Daire
Espécie: carvalho-roble ou carvalho-alvarinho ( Quercus robur L.)
Idade: exemplar milenar, sem idade certificada.
Altura: 7 m

História: está junto da Capela de Nossa Senhora do Presépio onde, segundo a tradição, descansavam e rezavam os monges-guerreiros dos Templários. Este carvalho tombou e morreu no temporal de 15 de outubro de 1987. Nesse mesmo ano, foi plantado, no interior do seu casco, outro carvalho, mantendo viva a sua memória.

Carvalho do Presépio

A mais corpulenta

Localização: Quinta da Parra (freguesia de Moncarapacho), Olhão
Espécie: Ceratonia siliqua L.
Idade: 600 anos
Altura: 14 m

História: é a maior alfarrobeira do país e está também entre as quatro árvores mais grossas identificadas em território nacional. Encontra-se no pomar de laranjas da quinta de José Martim Dias. Tem mais de seis séculos, mas continua a dar alfarrobas, apanhadas em fins de agosto e antes das primeiras chuvas.

Sobreiro Assobiador

A mais melodiosa

Localização: Águas de Moura (freguesia de Marateca), Palmela
Espécie: Quercus suber L.
Idade estimada: 234 anos
Altura: 16 m

História: é conhecido como o sobreiro mais produtivo do mundo, já foi descortiçado mais de 20 vezes desde 1820. A última extração, feita em 1991, resultou 1.200 kg de cortiça. Tem o nome de assobiador por causa da chilreada dos pássaros que ali regressam aos finais de tarde. Na aldeia também o chamam de casamenteiro, dado que muitos dos beijos ali trocados deram em casamentos. Escapou por um triz ao abate ocorrido no ano 2000. Infelizmente, os outros 401 exemplares – muitos deles centenários – não tiveram a mesma sorte.

Freixo da Lourinhã

A mais lendária

Localização: Quinta da Fonte Real (freguesia de S. Bartolomeu dos Galegos), Lourinhã
Espécie: Fraxinus angustifolia Vahl
Idade estimada: 700 anos
Altura: 13 m

História: quando vinha das caçadas, lá para os lados da Serra D’El Rei, D. Pedro parava junto a esta árvore para se refrescar e dar de beber aos cavalos na nascente que ali se encontra. Seguia depois para junto do seu amor, D. Inês de Castro. Se é verdade ou lenda popular está ainda por apurar, mas o que importa isso?

Pinheiro Rastejante do Litoral Interior

A mais esquisita

Localização: Mata Nacional de Leiria (freguesia e concelho de Marinha Grande)
Espécie: Pinheiro-bravo (Pinus pinaster Aiton)
Idade estimada: 100 anos
Altura: 10 m

História: a maresia do Atlântico obrigou-os a rastejar, ganhando, por isso, também o nome de serpentes. Tirando a forma retorcida, são pinheiros bravos como todos os outros. Muitos deles estão na lista de árvores monumentais e de interesse nacional. É o caso do exemplar da Mata de Leiria. Não é a sua altura que impressiona, mas sim as pernadas que chegam a rastejar por mais de 260 m2, segundo a ficha do ICNF.

Cipreste-do-Buçaco

A mais paciente

Localização: Jardim França Borges – Príncipe Real (freguesia da Misericórida), Lisboa
Espécie: Cupressus lusitanica Miller
Idade: 148 anos
Diâmetro: 20 m | Copa: 25 m

História: muito tem sofrido o cipreste (ou cedro) do Jardim do Príncipe Real, no centro de Lisboa. Foi a primeira árvore classificada de interesse público, em 1940. Por três vezes lhe pegaram fogo, o caso mais recente aconteceu em 2016. A idade centenária já lhe pesa também na hora de resistir aos caprichos dos visitantes que, ignorando os avisos e a vedação, trepam as suas pernadas à procura da melhor selfie ou de diversão.

Castanheiro de Guilhefonso

A mais carinhosa

Localização: aldeia de Guilhafonso (freguesia de Pêra do Moço), Guarda
Espécie: Castanea sativa Miller
Idade estimada: 400 anos
Altura: 19 m | Tronco: 9,60 m | Copa: 25,5 m

História: é tão grande esta árvore que os habitantes da aldeia de Guilhafonso dizem serem precisas nove pessoas para conseguirem abraçá-la. Contam os mais velhos que o seu porte gigante aconteceu depois de dois troncos de castanheiros se envolverem um no outro. Está classificada desde 1971 e é considerada a maior da sua espécie na Europa. Ela impressiona em qualquer altura do ano, mas, é na época das castanhas, no outono, que fica ainda mais bonita.

Carvalho da Forca

A mais dramática

Localização: largo em frente aos Paços do Concelho (freguesia e concelho de Montalegre)
Espécie: Quercus robur L.
Idade estimada: 300 anos
Altura: 12 m | Copa: 9,60 m

História: o carvalho ganhou este nome sinistro em setembro 1844, quando o último condenado à morte em Montalegre foi ali enforcado.

Ulmeiro da Sobreira Formosa

A mais útil

Localização: praça do Comércio (freguesia de Sobreira Formosa), Proença-a-Nova
Espécie: Ulmus minor
Idade: 145
Altura: 30 m

História: plantado há cerca de 145 anos por João Luís Grilo, um ilustre da terra, estas espécies já foram muito usadas em jardins portugueses. São árvores floridas que, embora escassas, podem dar frutos secos. A sua madeira é muito valorizada para o fabrico de móveis e até para fins navais.

Nogueira do Paçó

A mais protegida

Localização: Quintela (freguesia de Paçó), Vinhais
Espécie: Juglans regia L.
Idade estimada: 300 anos
Altura: 13,9 m | diâmetro da copa: 19,30 m

História: é a árvore com maior perímetro do tronco medido (8.85m), até ao momento, em Portugal. Está protegida por uma cerca, uma vez que se encontra num campo de pastagens e vulnerável a danos provocados pelo gado.

Eucalipto de Contige

A mais alta

Localização: Sátão (freguesia e concelho)
Espécie: Eucalyptus globulus Labill
Idade estimada: 120 anos
Altura: 46 metros |Diâmetro da copa: 34 metros

História: nem todos os eucaliptos são considerados os maus da fita dos incêndios florestais. Alguns estão classificados, como é o caso do eucalipto de Contige, um dos maiores em Portugal. A árvore encontrava-se nas terras de Luiz Xavier do Amaral Carvalho, jurista e deputado das cortes. Os terrenos foram-lhe expropriados para se construir a Estrada Nacional 229, que liga Viseu a Sátão. Por ter um porte imponente e invulgar, esta espécie foi poupada ao abate.

Já conheces a história da mulher que mais árvores plantou na Terra? Clica aqui para conhecer a proeza de Wangari Maathai.